quarta-feira, 31 de outubro de 2007

O APAGÃO chegou antes do esperado

Cinco anos de imobilismo e de discurso vazio culpando o antecessor por tudo de ruim que acontece "neste país" produziu um novo apagão energético no Brasil.

Para cumprir contratos com as usinas termelétricas movidas a gás, a Petrobás foi obrigado a diminuir o fornecimento de gás no Rio e em São Paulo.

As usinas são uma reserva estratégica para serem ligadas quando falta energia das usinas movidas a queda d'água. Neste final de ano de poucas chuvas está faltando água nos reservatórios e para que não falte energia para o banho diário dos brasileiros e todas as comodidades proporcionadas pela energia elétrica, foi necessário colocar tais usinas em operação, só então se percebeu que não havia gás suficiente para a demanda normal e a demanda extra das usinas termelétricas.

Por contrato e por razões estratégicas as usinas termelétricas tem preferência sobre os outros setores da economia, por isso a Petrobás diminuiu o fornecimento de gás para as distribuidoras do Rio e São Paulo.

Até nisto o Lula é sortudo, o apagão veio com aviso prévio, é só um "piscazinho", não é apagão ainda e eu sinceramente espero que o presidente abra os olhos, ouvidos e cérebro e perceba que não é bom abusar da sorte e tome providências imediatas para evitar um apagão como aquele que tivemos na era FHC.

Desejo sinceramente que desta vez o Lula não diga: "Nunca antes na história DESTE PAÍS tivemos um apagão como tão grandioso"

JGS

domingo, 28 de outubro de 2007

JUROS: A farra do boi III

A festa dos especuladores
HÁ COISAS que sabemos, mas que só nos abalam quando chega a frieza dos números.
Reportagem publicada na Folha dá conta de que os estrangeiros que compraram papéis do governo em fevereiro de 2006 tiveram um ganho de 90%. Quase dobraram o seu patrimônio ("Título público rende o dobro a estrangeiro", Dinheiro, pág. B1, 22/10/07).
Nesse período, (1) os juros pagos aos aplicadores ficaram nas nuvens; (2) o governo os isentou do Imposto de Renda; (3) o real se valorizou de forma expressiva. Não conheço negócio legal que consiga gerar 90% de lucro em pouco mais de um ano.
Logo que foi aprovada a isenção do Imposto de Renda, comentei nesta coluna que o expediente iria provocar uma enxurrada de dólares -ávidos por ganharem juros altíssimos, sem despesas.
Quem ficou na especulação teve todas essas benesses. Os impostos arrasadores ficaram para os brasileiros que produzem e para os trabalhadores que suam suas camisas diariamente. Os juros mais altos do mundo foram pagos pelas empresas e consumidores do Brasil. A precariedade da infra-estrutura, da educação, da saúde, da segurança e da previdência teve de ser amargada por quem dá duro na economia real.
O aplicador brasileiro que mandou seu dinheiro para fora e voltou para dar uma "bicicletada" no Brasil, também ganhou os 90%, porque re-entrou como capital estrangeiro. Foi a festa dos especuladores. Com inflação ou sem inflação, eles sempre fazem rodar a seu favor a nefasta ciranda financeira.
Não tenho nada contra o capital estrangeiro. Ao contrário, precisamos dele. Mas o que nos interessa é o capital que se disponha a correr os riscos da produção, construindo fábricas, montando fazendas, expandindo serviços, fazendo escolas e, com isso, contribuindo para a geração de empregos e arrecadação de impostos.
Ora, esse pessoal começa com a isenção de impostos, investe em títulos que têm o aval do governo, que podem ser negociados a qualquer momento, o que lhes permite sair do Brasil no primeiro soluço da nossa economia. É muita miopia governamental.
Por mais sofisticadas que sejam as explicações, é inaceitável a ausência de políticas que estimulem o investimento estrangeiro na produção nacional. Até quando vai continuar o favoritismo para quem mais especula do que produz?
Os brasileiros precisam de empregos, atenção às crianças, saúde bem cuidada e segurança individual. De que forma os especuladores colaboram para esses objetivos? Está na hora de virar esse jogo.

Texto de ANTÔNIO ERMÍRIO DE MORAES na Folha de São Paulo de 26/10/07

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Se homem ficasse grávido, aborto já seria legal no país

ENTREVISTA COM SÉRGIO CABRAL FILHO, Governador do Rio

Se homem ficasse grávido, aborto já seria legal no país
Governador diz que falta de política pública, e não favela, é fábrica de produzir marginal

Cabral afirma que pretende "extirpar" tráfico em quatro grandes favelas do Rio até fevereiro de 2008, quando começam obras do PAC

O governador do Rio, Sérgio Cabral Filho (PMDB), 44, disse ontem que pretende "extirpar" o tráfico que domina quatro grandes favelas (Complexo do Alemão, Rocinha, Manguinhos e Pavão Pavãozinho) até fevereiro, quando começam as obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) do governo federal em associação com o Estado e o município.
Na entrevista que concedeu em seu gabinete, no Palácio Guanabara (Laranjeiras, zona sul), Cabral reclamou da manchete de ontem da Folha -"Para Cabral, fertilidade faz de favela "fábrica de marginais'"- por considerá-la errada. "Não é a favela que é uma fábrica de produção de marginal, mas é o fato de o Estado não ter uma política pública e não oferecer às mulheres pobres a chance de suspender a gravidez", explicou.
"Se o homem ficasse grávido e não a mulher, o aborto já seria legal no Brasil há muito tempo", disse.




FOLHA - A sua declaração provocou uma forte contestação.
SÉRGIO CABRAL - Foi um erro da Folha. Eu não disse que a favela é uma fábrica de produzir marginal, como está na manchete. O que eu venho defendendo há muito tempo é o direito da mulher à interrupção da gravidez indesejada. Se o homem ficasse grávido e não a mulher, o aborto já seria legal no Brasil há muito tempo.
O que fiz menção no caso da violência é que o livro "Freakonomics" [Steven Levitt e Stephen J. Dubner] mostra que, nos EUA, o fato de o aborto ter sido legalizado teve uma relação importante com a queda da criminalidade lá na frente.
No momento em que uma mulher, pobre ou rica, tem a opção de ir à rede pública ou privada credenciada estaria garantido um direito que hoje não é concedido e que teria implicações no perfil demográfico brasileiro e traria diversas conseqüências, entre elas, a redução da criminalidade, como mostra o livro.

FOLHA - As declarações que o senhor fez permitem entender que se referia às favelas quando falou em "fábrica de produzir marginal".
CABRAL - Não é a favela que é uma fábrica de produção de marginal, mas o fato de o Estado não ter uma política pública e não oferecer às mulheres pobres a chance de suspender a gravidez.

FOLHA - Há uma discussão sobre o aborto sob o ponto de vista da saúde pública.
CABRAL - Claro que é saúde pública, mas tem decorrências. Vai numa comunidade carente e verá o número de meninas com 19 anos com dois, três filhos que elas não queriam ter. O planejamento familiar é importante, assim como uma série de políticas públicas e o aborto.

FOLHA - O senhor já defendeu a descriminalização das drogas, a redução da maioridade penal, a autonomia dos Estados para legislarem sobre, entre outros temas, questões penais e, agora, o aborto. Que outras idéias o senhor tem para enfrentar a criminalidade?
CABRAL - Piraí é uma cidade do centro-sul fluminense que tem 25 mil habitantes e dez vezes mais escolas públicas do que no Complexo do Alemão, onde moram 130 mil pessoas. Tem alguma coisa errada. Defendo investimentos sociais e urbanísticos, que é o que vamos fazer com o PAC. Vamos transformar essas comunidades, que passarão a ter um investimento civilizatório. Hoje elas estão jogadas.
O outro aspecto importante é o enfrentamento [com o tráfico nas favelas]. Nossa política não pode abrir mão do enfrentamento porque eu não posso aceitar que seja normal que um carro da polícia entre numa comunidade e seja alvejado por criminosos. É sinal que ali existe um controle paralelo e nós temos de enfrentá-lo.

FOLHA - Mas esta política, já em vigor em outros governos, não tem levado a um resultado satisfatório.
CABRAL - O preço do estresse do enfrentamento é um preço que trabalhamos diariamente para ter a menor conseqüência possível, de preferência que não haja uma vítima inocente. Aquelas comunidades onde entramos e enfrentamos o crime organizado ficam muito felizes porque estão cansadas da selvageria diária.

FOLHA - Por que o governo não consegue dominar e permanecer nas áreas que invade?
CABRAL - Só se você me trouxer 15 mil homens novos e me der as condições. Não temos contingente suficiente para isso. A polícia de Nova York tem mais de 120 mil policiais para 11 milhões de habitantes, nós temos 50 mil policiais para 15 milhões de habitantes.

FOLHA - O governo vai iniciar as obras do PAC no Complexo do Alemão com o tráfico atuante ou vai extirpá-lo antes das obras?
CABRAL - Vamos extirpar. Vamos extirpar em muitos lugares. Não é uma briga fácil, é uma guerra que você não tem como mensurar o cronograma.

FOLHA - Então não tem como implantar hoje o PAC nestas favelas com o domínio do tráfico?
CABRAL - Não tem, de jeito nenhum.

FOLHA - E quando começa o PAC?
CABRAL - [Ri] Possivelmente em fevereiro.

FOLHA - Então teremos o Alemão em fevereiro com PAC e sem tráfico?
CABRAL - Teremos.

Reportagem d MARCELO BERABA na Folha de São Paulo de 26/10/07

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

"Fui mal interpretado", diz juiz que ligou mulher à desgraça

Edilson Rodrigues, de Sete Lagoas (MG), afirmou que estava defendendo mulheres ao considerar a Lei Maria da Penha inconstitucional

O juiz Edilson Rumbelsperger Rodrigues, 52, de Sete Lagoas (MG), disse ontem que foi mal-interpretado na sentença em que considera inconstitucional a Lei Maria da Penha, um marco da defesa da mulher contra a violência doméstica.
Na sentença, cujos principais trechos foram divulgados pela Folha no último domingo, Rodrigues se refere à lei como um "monstrengo tinhoso" e "um conjunto de regras diabólicas".
Com a sentença, afirmou, estava "defendendo a mulher". "Vocês mulheres são usadas em discurso de campanha e num feminismo que não faz vocês felizes", disse Rodrigues, que é divorciado e está no segundo casamento. Pai de quatro filhos -o mais novo de três anos-, ele culpa, na sentença, a lei por tornar o homem um "tolo" e cita a Bíblia para dizer que a "desgraça" humana começa com a mulher.
Em nota divulgada ontem, o juiz coloca a pergunta: "Tivesse eu me valido de poetas como Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto ou Guimarães Rosa (...) talvez não estaria também sendo criticado! Por que, então, não posso -ainda que uma vez na vida, outra na morte- citar Jesus, se é Ele o poeta dos poetas e o filósofo dos filósofos?".
Ao explicar o que quis dizer com "o mundo é e deve continuar sendo masculino ou de prevalência masculina", frase que consta da sentença, o juiz usou um exemplo.
Disse que, no caso de impasse entre um casal, numa situação doméstica, a posição do homem deveria prevalecer até posterior decisão da Justiça, já que "não será do agrado da esposa que fosse o inverso, porque, repito, a mulher não suporta o homem emocionalmente frágil, pois é exatamente por ele que ela quer se sentir protegida".
Ainda na nota, Rodrigues explica que considerou a lei inconstitucional por tratar apenas da mulher e ignorar a condição doméstica do homem. Depois de dar entrevista a jornais locais, o juiz falou com a Folha por telefone. Evitou explicar as expressões usadas na sentença (como "o mundo é masculino!!" e "Jesus era homem!"), disse que preferia utilizar as explicações contidas na nota. Leia a íntegra da nota em www.folha.com.br/072975




FOLHA - O que o sr. quis dizer com frases como "a desgraça humana começou por causa da mulher"?
EDILSON RUMBELSPERGER RODRIGUES - O tema é muito vasto e delicado, então, se eu falar dois minutos por telefone, posso, novamente, ser mal-interpretado. Sugiro que leia a lei [Maria da Penha], depois a nossa decisão e, só depois, a nota de esclarecimento. Tenho certeza de que ainda que continue discordando de mim e ainda se sinta animada a atirar pedras, pelo menos o número de pedras será menor. No fundo, estou defendendo a mulher. Vocês mulheres são usadas em discurso de campanha e num feminismo que não faz vocês felizes.

FOLHA - O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) está estudando abrir um processo disciplinar contra o senhor. O que pretende fazer?
RODRIGUES - É um direito do CNJ abrir o processo. Mas, para ser sincero, não me parece justo, porque foi o posicionamento de um magistrado. Certo ou errado, foi o posicionamento do magistrado. A gente vai acatar com toda a reverência a decisão do CNJ, mas não concordo com o processo, acho que não há necessidade, que não é por aí, não sou nenhuma pessoa maldosa, fui fiel à minha consciência. E, com a nota de esclarecimento, não me parece justa uma punição. Durante 17 anos de magistratura e 52 de vida, nunca violei meus princípios. Se sua convicção é assim ou assado e você está seguro da sua posição, então você não tem que se acovardar diante de si mesmo.

FOLHA - Como foi a repercussão do caso entre amigos e colegas de trabalho?
RODRIGUES - Vi muitos discordando de mim na imprensa, mas vi muitas pessoas concordando com o debate que a minha decisão enseja. Vi também outros dizendo que concordam, mas que não teriam coragem de dizer o que eu disse.

FOLHA - E como foi a reação da sua mulher?
RODRIGUES - Não houve problema nenhum, porque ela me conhece. É natural [a confusão] com as pessoas que não me conhecem e, por isso, eu tenho que esclarecer tanto. Ela sabe qual foi a finalidade, a base jurídica, as bases sociológica, filosófica e ética em virtude das quais eu discorri todo esse pensamento.

Reportagem de JOHANNA NUBLAT na Folha de São Paulo de 25/10/07

Cabral apóia aborto e diz que favela é fábrica de marginal

Para o governador do Rio, interrupção da gravidez está relacionada à redução da violência

Para ele, rede pública teria de oferecer condições, já que mulheres de melhor poder aquisitivo acabam pagando por procedimento

Foto de Daniel Munoz - 23.mar.07/Reuters



Sérgio Cabral,
governador do Rio de Janeiro,
que defendeu o aborto










O governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral Filho (PMDB), pai de cinco filhos, defendeu ontem a legalização do aborto como forma de conter a violência no Estado e afirmou que as taxas de fertilidade de mães faveladas são uma "fábrica de produzir marginal".
Segundo o governador, 44, existem "dois brasis", um de padrão de países nórdicos, como a Suécia, e outro com nível de pobreza comparável a países miseráveis africanos.
"Não tenho a menor dúvida de que o aborto [como política pública] pode conter a violência. Eu particularmente não sou a favor do aborto", declarou ontem em encontro de agentes de viagem na Barra da Tijuca.
De acordo com Cabral, parte das mães moradoras de áreas carentes "estão produzindo crianças, sem estrutura, sem conforto familiar e material". Ele disse lamentar o fato de essas mulheres não receberem "orientação do governo em questões de planejamento familiar" dos órgãos de saúde.
Em entrevista levada ao ar ontem pelo site G1, o governador havia dito: "A questão da interrupção da gravidez tem tudo a ver com a violência. Quem diz isso não sou eu, são os autores do livro "Freakonomics" [Steven Levitt e Stephen J. Dubner]. Eles mostram que a redução da violência nos EUA na década de 90 está intrinsecamente ligada à legalização do aborto em 1975 pela Suprema Corte", citou [na verdade, foi em 1973].
"Sou favorável ao direito da mulher de interromper uma gravidez indesejada. Sou cristão, católico, mas que visão é essa? Esses atrasos são muito graves. Não vejo a classe política discutir isso. Fico muito aflito. Tem tudo a ver com violência. Você pega o número de filhos por mãe na Lagoa Rodrigo de Freitas, Tijuca, Méier e Copacabana, é padrão sueco. Agora, pega na Rocinha. É padrão Zâmbia, Gabão. Isso é uma fábrica de produzir marginal. O Estado não dá conta. Não tem oferta da rede pública para que essas meninas possam interromper a gravidez. Isso é uma maluquice só", afirmou ao site.
Questionado à tarde pela Folha se mulher de alto poder aquisitivo não dá à luz a filho marginal, ele respondeu, irritado, que não é uma questão de "mãe rica ou mãe pobre".
"A mulher tem o direito de interromper uma gravidez indesejada. É assim em Portugal, na Espanha, no Japão e nos Estados Unidos. Por que não pode ser assim no Brasil?", indagou o governador peemedebista.
Segundo Cabral, a mulher de classe média vai a uma clínica de aborto ilegal que "todo mundo sabe onde fica" e faz um aborto "relativamente seguro". Já as "meninas da favela vão para onde?" "Vamos parar com hipocrisia. Temos de oferecer oportunidade de a rede de saúde pública dispor de qualidade para interromper a gravidez."
Questionado mais uma vez se a prática do aborto ajudaria a conter a violência, Cabral optou por uma resposta mais abrangente. "Está tudo dentro de um conjunto de ações."
"Quis dizer que este ponto do aborto é um desrespeito às mulheres. Cerca de 200 mil procuram a rede pública para tratarem de problemas relacionados aos abortos mal feitos. Oficiosamente, o número chega a 1 milhão anualmente no país."

Fonte: Folha de São Paulo de 25/10/07
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2510200701.htm

Veja também no Potal G1
http://g1.globo.com/Noticias/Rio/0,,MUL155710-5606,00-CABRAL+DEFENDE+ABORTO+CONTRA+VIOLENCIA+NO+RIO+DE+JANEIRO.html

A revanche da esquadra espanhola

O arremate em leilão das estradas brasileiras pela empresa espanhola
OHL faz parte de uma estratégia de longo prazo de reconquista dos territórios perdidos nos últimos séculos.
Quando a esquadra de Cristóvão Colombo aportou no Caribe, a Espanha conquistou todo mundo até então não mapeado. Logo em seguida os portugueses aportaram e ocuparam a costa leste da América do Sul.
Devido às sucessivas crises do império espanhol as novas terras acabaram em mãos de portugueses, ingleses, franceses, holandeses e no final do século XIX perderam para os novos donos do mundo, os Estados Unidos, o restante das colônias (Cuba e Filipinas), depois de terem perdido as colônias sul e centro americanas.
O processo de degradação espanhola continuou e no século XXI tivemos a fratricida guerra civil e o tormento das duas guerras mundiais, enquanto o isolamento franquista fez o resto.
A morte de Franco, a volta da democracia e a restauração da monarquia marcam o início da recuperação econômica, social e política e possibilitou a corajosa estratégia de reconquista do novo mundo de Colombo.
Crédito a fundo perdido cedido pelos países ricos da União Européia para integração dos países pobres proporcionaram o enriquecimento interno e o fortalecimento das empresas de capital espanhol.
As empresas abriram seu capital, colocaram parte de seu capital à venda, mas mantiveram o controle em mãos espanholas, quer seja o estado, quer seja seus cidadãos.
Ao mesmo tempo em que se capitalizavam e se fortaleciam, o governo estabeleceu incentivos para busca de novos mercados através de subsídios generosos para as empresas que se internacionalizassem.
As primeiras compras ocorreram justamente numa ex-colônia.
A Argentina vendeu sua empresa de telefonia e quase tudo que pudesse ser usado para fazer dinheiro fácil e rápido como todo endividado costuma fazer e o FMI receita.
Dois séculos depois da vitória de Simon Bolívar, a contra ofensiva espanhola em terras sul-americanas subiu os Andes, passeou pelo Pacífico e ancoraram nas terras de onde haviam sido expulsas e estabeleceu seu quartel-general.
A revanche da derrota no Tratado de Tordesilhas começou com o desembarque na privatização da Telesp, quando fizeram a cabeça de ponte para seus fuzileiros navais.
A infantaria e todo restante da armada desembarcou de vez nas Terras de Piratininga conquistando o Banespa, o Econômico, a Vera Cruz Seguradora, as estradas paulistas e prosseguiram na retomada quarteirão por quarteirão, digo empresa por empresa.
O último lance a céu aberto foi a conquista das estradas federais.
Todos esses movimentos são parte de uma estratégia de longo prazo, onde não importa mais a conquista de territórios, o massacre das populações locais, o importante é a conquista do bolso de seus habitantes. O importante é o mercado consumidor.Importante é oferecer serviços a milhões de consumidores e garantir bons lucros e a remessa destes lucros à metrópole.
Os novos conquistadores espanhóis, não perdem tempo nos oferecendo quinquilharias, não querem comércio, não querem indústria, como se fazia nos tempos coloniais, não é necessário, espelhos, miçangas, panos vermelhos. Enquanto os americanos e outros europeus querem nos vender carros, computadores, máquinas, armas e os chineses querem nos vender quinquilharias falsificadas, eles os espanhóis querem só isso, querem nos prestar serviços, só serviços, com lucros, muitos lucros.
A remessa de lucros é o tributo pago pelos novos súditos e permitirá a acumulação de riquezas na metrópole e alavancará novas compras pelo mundo.
Desta forma, sem um só tiro, a armada espanhola reconquista as “Terras de Colombo”.

JGS


Este texto já estava escrito, quando li a entrevista do Fernando Arruda Botelho, da empreiteira Camargo Corrêa e resolvi publicá-la nos comentários.

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Pela Maria da Penha

Um juiz de Sete Lagoas, MG, freqüentou o noticiário esta semana por declarar "inconstitucional" a Lei Maria da Penha, que protege a mulher contra as agressões do marido ou companheiro. Segundo o juiz, a lei é absurda porque transforma o homem num "tolo", num subjugado "sem autoridade". Diz também o juiz que a desgraça humana começou no Éden, quando Eva tentou Adão. E acrescenta: "O mundo é masculino! A idéia que temos de Deus é masculina! Jesus era homem!".
Peço vênia para discordar. Para mim, o episódio da maçã marcou muito mais a possibilidade de redenção do homem que de sua maldição. Pelo menos, deu um sentido à sua vida: pecar. E não entendo a empolgação do magistrado pelo gênero masculino. Ao contrário, acho que o homem só faz o que faz -constrói submarinos, promove guerras, levanta cidades, pinta capelas, compõe baiões ou escreve "Memórias de um Sargento de Milícias"- para se compensar pelo fato de não ter ovários. Sem falar em que, segundo Freud, a maioria dos homens só faz tudo isso para impressionar as mulheres.
A ojeriza do ilustre juiz denota também um certo desprezo pela condição intelectual da mulher. Nesse ponto, ele pode não estar sozinho. Uma avaliação da inteligência na escala animal, feita há tempos pela OMS (Organização Mundial da Saúde), deu o homem em 1º, o chimpanzé em 2º e, creio, o gato em 3º. Baseando-me em meio século de observação empírica, sou mais pela mulher em 1º, o gato em 2º e o chimpanzé em 3º. O homem emplacaria, se tanto, um 6º lugar, depois do pernilongo e do papagaio. Já me convenci, inclusive, de que o homem é só um instrumento usado pelas mulheres para produzir mais mulheres. Pai de duas filhas, não tenho nada contra e achei ótimo ser um elo nessa cadeia de produção.

Texto de Ruy Castro na Folha de São Paulo de 24/10/07

Talentos clandestinos

"Estudantes com habilidades muito acima da média têm dificuldades de lidar com a modorra de sala de aula"

REBELDE E INQUIETA , Ada Toscanini dava trabalho a seus professores em Buenos Aires -e os professores também lhe davam trabalho, submetendo-a a vários castigos e até a humilhações, como expulsá-la da escola. Toda essa rebeldia deixou-a obcecada por descobrir talentos incompreendidos.
A inquietude continuou na vida universitária: iniciou três cursos -matemática, física e biologia-, mas não concluiu nenhum deles. O regime militar fez com que ela se refugiasse em São Paulo. Teve três filhos, todos com dificuldades em sala de aula. "A diferença é que, antes de serem expulsos, os tirava da escola."
No Brasil, cursou pedagogia com foco em crianças com necessidades especiais e, depois, se dedicou à arte-terapia. No consultório, percebeu que muitas das crianças que lhe eram encaminhadas por causa de dificuldades na escola sofriam do mesmo "mal": excesso de talento. "Algumas chegavam a ser medicadas."

Muitas vezes, crianças com excesso de inteligência apresentam sintomas de hiperatividade e distúrbio de atenção e acabam sendo obrigadas a tomar remédios ou a fazer terapia.
"Ocorre que, freqüentemente, os estudantes com habilidades muito acima da média precisam também de estímulos apropriados para se desenvolverem e têm dificuldades de lidar com a modorra de sala de aula."
Ada passou, então, a se aproximar de entidades que estudavam o caso de crianças com altas habilidades, popularmente mais conhecidas como superdotadas. Ela prefere ampliar o conceito para englobar não apenas os estudantes que se destacam no aprendizado das matérias escolares, mas também aqueles que sobressaem quando o assunto é empreendedorismo, liderança, esportes ou artes. Alguém com habilidades relacionais -fazer amigos e estabelecer contatos- pode se encaixar nesse grupo.
Mas o que a deixou surpresa foi o que descobriu quando começou a investigar as escolas públicas.

Durante vários anos, ela aplicou testes em estudante de escolas municipais de bairros pobres de São Paulo.
Invariavelmente, encontrava um grupo de cerca de 20% de crianças com altas habilidades, muitas das quais tidas como problemáticas pelos próprios pais e pelos professores.
Dedicou-se a ensinar os professores a perceber quando estão diante de um aluno com sinais de alta habilidade. O difícil, porém, não é identificar esses jovens. A dificuldade está no que fazer com essa informação. Ada recebe um grupo de alunos com essas características. "Alguns faltam porque não podem pagar a passagem do ônibus."

O que acontece quando essas pessoas são acolhidas ela aprendeu, de fato, em casa. Depois da turbulência escolar, seus três filhos descobriram sua vocação e encontraram suas profissões. Entre as várias lições, eles lhe ensinaram a importância da disciplina. "Eu os deixava fazerem em casa o que não podiam fazer na escola." Um dia, disseram que queriam morar numa "casa normal".
"Ficaram mais seguros com a disciplina que eles próprios criaram."

Texto de GILBERTO DIMENSTEIN na Folha de São Paulo de 24/10/07

terça-feira, 23 de outubro de 2007

No Brasil: Vítimas da seca apelam para saques e protestos no Ceará

Agricultores já invadiram duas vezes a Prefeitura de Madalena, no Ceará

Este é o 4º ano seguido em que a cidade fica em situação de emergência devido à seca; da safra de milho e feijão, restaram apenas 10%

seca e a fome geram tensão e até ameaças de saque no sertão central do Ceará. Sem água, com a safra perdida e sem dinheiro, agricultores do município de Madalena (190 km de Fortaleza) invadiram a prefeitura duas vezes neste ano e só saíram do local depois que receberam cestas básicas.
Com medo de saques, pequenos comerciantes do município deram alimentos aos agricultores enquanto eles estiveram na prefeitura. "Era o jeito. Não dá para ficar vendo os filhos da gente passar fome e não fazer nada", disse o agricultor Josué da Silva, 38, um dos que participaram das invasões à prefeitura, ambas no segundo semestre deste ano.
A pouca água que existe em Madalena é tirada de poços, que têm vida útil limitada. Na comunidade de Salgadinho, ela acabou há quatro meses. Só após duas tentativas de escavar um novo poço é que mais água foi encontrada, há 20 dias.
"Não tinha água nem para os bichos. O caminhão-pipa vinha abastecer a cisterna, mas logo acabava a água e ficava um desespero só", disse Antônia Cláudia Serafim de Oliveira, 35, mãe de sete crianças. Ela sobrevive com R$ 120 do Bolsa Família e com a ajuda dos pais aposentados.
Assim como Antônia, outros agricultores do município são mantidos pelo Bolsa Família, entregue a 2.300 famílias de Madalena, e pelos R$ 110 do Garantia Safra, programa federal que funciona como uma espécie de seguro para o caso de perdas de safra.
Esse valor será pago até fevereiro a 2.700 agricultores do município. Quem não o recebe fica dependendo da ajuda de familiares aposentados, cerca de 2.600 pessoas na cidade.
Este é o quarto ano consecutivo em que Madalena está em situação de emergência pela seca. Da safra de milho e feijão, só restaram cerca de 10%.
"O povo é pacato, mas a fome não brinca. É uma tensão muito grande, pois o comércio é pequeno e fica assustado", disse o prefeito Antônio Wilson de Pinho (PMDB). "Mas a gente sempre tem fé de que vai chover, o sertanejo vive disso."
A seca é uma realidade em 387 municípios de oito Estados. No Ceará, 110 das 184 cidades estão em situação de emergência. Todas elas dependem do abastecimento d'água feito pelo Exército, em carros-pipa.
Em Madalena, todos os 17 mil habitantes do município dependem dessa água. O Exército usa nove caminhões para fazer a distribuição no município. Há um sistema de abastecimento na cidade, mas a quantidade de água é pequena, disponível só a cada dois ou três dias, e é salobra, imprópria para o consumo humano. Não há um reservatório que garanta esse abastecimento.
O prefeito e os agricultores dizem que a única saída para melhorar as condições de vida em Madalena é a construção de um açude, esperado desde os anos 1950.
O local para a construção do reservatório já foi escolhido, na comunidade de Manga, e o projeto está até com o orçamento pronto, de R$ 13,9 milhões. Não há previsão, porém, de quando ele vai sair do papel. "Será a nossa redenção", disse Pinho.
Sem poder contar com o açude, assentados da comunidade Nova Vida, ligados ao MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), recolhiam a água levada pelo carro-pipa do Exército na última quinta-feira, após sete dias de espera com as cisternas vazias.
"Neste ano não choveu nem para plantar. O que salva é que os comerciantes conhecem a gente e vendem fiado", disse o agricultor Antônio Fausto de Oliveira, 54. "É receber o Bolsa-Família, pagar as dívidas e fazer outras novas para ter comida em casa", afirmou.

Texto de Kamila Fernandes na Folha de São Paulo de 22/10/07

Comer é um direito

O direito à alimentação é ausente da vida de 850 milhões de pessoas. Mas erradicar a fome é mais barato que conviver com ela

HOJE, DIA 16 de outubro, comemora-se o Dia Mundial da Alimentação. Nesta data, em 1945, a FAO foi criada para ajudar a reconstruir um mundo devastado pela guerra. O preâmbulo da sua Constituição converge para assegurar um mundo sem fome. Exatos 62 anos depois, ainda lutamos por isso.
O tema do Dia Mundial da Alimentação deste ano é o direito à alimentação. Direito ainda hoje ausente da vida de 850 milhões de pessoas em todo o mundo, segundo dados da FAO.
Na América Latina e no Caribe, o total de desnutridos caiu de 59,4 milhões, entre 1990 e 1992, para 52 milhões, entre 2002 e 2004 -de 13% a 10% da população. No Brasil, a queda foi de 18,5 milhões para 13,1 milhões, de 12% a 7%. Mas, olhando os números da produção alimentar na região, não haveria por que alguém passar fome no continente. Apenas o Haiti produz um pouco menos do que precisa para suprir as próprias necessidades energéticas. Na média, América Latina e Caribe produzem 30% a mais; no Brasil, o excedente é de 41%.
O Brasil tem avançado nos últimos anos para garantir a segurança alimentar da população. Em 2003, com o compromisso do presidente Lula, a fome entrou na agenda pública e, pela primeira vez, combatê-la se tornou prioridade do Estado brasileiro.
Com isso, a solução para o problema da fome deixou de ser vista pela ótica exclusiva do assistencialismo. Comer passou a ser reconhecido como um direito. Reconhecimento que se tornou lei em 2006, com a aprovação da Losan (Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional).
Antes da Losan, o compromisso de combater a fome era só isso: um compromisso do governo de turno. Poderia ser ou não mantido pelos sucessores. Agora, não. O direito à alimentação é lei e, em última instância, o Estado tem o dever de garantir a segurança alimentar de todos os cidadãos.
O direito à alimentação já estava previsto na Declaração Universal de Direitos Humanos (1948), mas os números da fome no mundo mostram que ele ainda está longe de ser realidade. Na América Latina e no Caribe, além do Brasil, só outros três países têm leis que reconhecem esse direito: Argentina, Guatemala e Equador.
O desafio é transformar o direito em realidade. No Brasil, o Fome Zero contribui de diversas formas. O Bolsa Família, por exemplo, complementa a renda de mais de 11 milhões de famílias, permitindo a elas comprar mais alimentos e estimulando a demanda dos mercados locais.
As condicionalidades exigidas em educação e saúde para a entrega do benefício buscam ajudar as famílias a superar a fome e a pobreza no longo prazo: bem alimentadas, saudáveis e com mais anos de estudo, as crianças têm mais chances de romper o ciclo da pobreza e da exclusão social. Do lado da oferta, o Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar) oferece hoje crédito fácil e barato a mais de dois milhões de pequenos produtores em todo o país.
O sociólogo Betinho já dizia: "Quem tem fome tem pressa". É preciso dar de comer agora, mas criando as condições para que as pessoas possam satisfazer sozinhas as próprias necessidades no futuro. Por isso, a importância de englobar também ações de geração de renda.
A fome é uma das faces da desigualdade em nossa região e em nosso país. E é também uma de suas principais causas. Garantir o direito à alimentação é um primeiro passo para a inclusão social e uma sociedade mais eqüitativa e coesa.
Combater a fome traz ainda benefícios econômicos. Estudo da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe) e do Programa Mundial de Alimentos revela que, em 2004, o custo de conviver com a fome na América Central e República Dominicana foi de US$ 6,7 bilhões, cerca de 6% do PIB. O estudo indica que, se a fome fosse erradicada até 2015, haveria economia de quase US$ 2,3 bilhões. Ou seja, erradicar a fome é mais barato que conviver com ela.
As condições estão dadas para que isso aconteça no Brasil e em toda a região. A FAO acredita nisso e trabalha com os governos regionais por meio da Iniciativa América Latina e Caribe Sem Fome para alcançar tal objetivo. Há produção alimentar suficiente e crescimento econômico sustentado.
Há um entendimento cada vez maior de que combater a fome é tarefa central de um projeto de desenvolvimento para que o século 21 não seja apenas a repetição ampliada das cicatrizes do passado. Sobretudo cresce a consciência de que, enquanto houver fome, não haverá segurança nem democracia efetiva -para quem come e para quem não come.

Texto de JOSÉ GRAZIANO DA SILVA , 57, professor licenciado de economia agrícola da Unicamp, é representante regional da FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação) para América Latina e Caribe. Foi ministro de Segurança Alimentar e Combate à Fome (2003-04).

Paradoxo da fome

A fome resiste à modernidade. Segundo a FAO, a agência de alimentação da ONU, 850 milhões de pessoas sofrem a privação de comida na mesa. Qual a razão desse drama insuportável?

A análise histórica permite descobrir que as causas da fome se tornaram complexas após a industrialização da sociedade mundial. Antes, na sociedade antiga, a fartura dependia das regras da natureza. Quando chovia bem, garantido estava o celeiro. Se viesse a seca, faltava o pão. Imperava a agricultura de subsistência e o excedente, pequeno, alimentava a nobreza perdulária.

Tempos difíceis acometeram o povo no início do capitalismo europeu. Transformadas em operários, as massas campesinas viram desagregar-se a velha ordem. A crise provocou insuficiência da produção rural. Juntou a fome com a vontade de comer. Talvez tenha sido exatamente essa tragédia que, ao baratear a mão-de-obra, facilitou a vitória do capitalismo. Com a urbanização, rompeu-se o liame entre a moradia e a garantia alimentar. As cidades abriram um fosso entre a produção rural e o consumo doméstico.

O raciocínio fácil põe a culpa da fome nas costas da agricultura. Mas a análise histórica mostra que a insuficiência da produção de alimentos sempre esteve associada a outros problemas. Guerras, inclusive. Na atualidade, essa conjunção entre a fragilidade da agricultura e os conflitos bloqueia o abastecimento popular na África.

A mais famosa suposição sobre a origem da fome diz respeito ao crescimento demográfico. A explosão demográfica assusta, há séculos, os estudiosos. Não é para menos. Os números impressionam qualquer leigo. Em 1650, a população da Terra era suposta em 500 milhões de pessoas. Duzentos anos depois, em 1850, dobrava para 1 bilhão de almas.

O inglês Thomas Malthus elaborou sua teoria demográfica nessa época. Em seu famoso Ensaio sobre a População, de 1798, sentenciou que a população crescia em progressão geométrica, enquanto a produção de alimentos aumentaria em progressão aritmética. O terrível descompasso parecia inevitável.

A História, porém, desmentiu Malthus. Em que pese a crescente multiplicação humana, o avanço da tecnologia permitiu fortes ganhos de produtividade na exploração da terra, elevando o nível das colheitas. As fronteiras da agricultura se expandiram, sustentando o crescimento populacional. A ampliação do comércio entre as nações facilitou a oferta de comida em regiões distantes.

A população continuou sua acelerada marcha. Em 1930, passados apenas 80 anos do primeiro bilhão, novamente os habitantes da Terra duplicavam, alcançando 2 bilhões de pessoas. Mais 45 anos e, em 1975, já eram 4 bilhões de pessoas. Hoje passam de 6,5 bilhões.

A produção rural, de forma até surpreendente, agüentou o tranco. O pior havia passado. A partir da segunda metade do século passado, a queda na taxa de natalidade da população começou a fazer diferença. O Velho Mundo equilibrou, em termos, sua população. Os EUA o seguiram. Na América Latina e na Ásia demorou, mas a redução progressiva da natalidade nos países em desenvolvimento significou a pá de cal na hipótese malthusiana.

Conforme ensina Joelmir Beting, porém, na prática a teoria é outra. A despeito do aumento da produtividade no campo e da redução do crescimento populacional, a fome persiste angustiando a cidadania. Os economistas descobriram, nessa jornada da humanidade, que o fator determinante da fome reside não na produção, mas na distribuição da comida.

Na economia monetária, é a renda das famílias que estabelece o nível de consumo da sociedade. Sem dinheiro no bolso, mesmo havendo oferta farta, pessoas, crianças principalmente, padecem de subnutrição. A desigualdade social, melhor que a falta de alimento, explica a terrível privação humana.

Hoje, ainda 52,4 milhões de pessoas enfrentam a subnutrição na América Latina e no Caribe. Segundo os dados da FAO, representam 10% da população. A situação mais grave está na América Central, onde o número total de pessoas com fome subiu, nos últimos 12 anos, de 5 milhões para 7,5 milhões. Já a América do Sul conseguiu baixar o número de seus famintos de 42 milhões para 35 milhões, caindo de 14% para 9% da população total. Menos mal.

Em artigo publicado em 16 deste mês, Dia Mundial da Alimentação, José Graziano, representante da FAO no Chile, atesta que apenas o Haiti produz menos alimentos do que necessita para suprir seu povo. Na média, a América Latina e o Caribe produzem 31% a mais; no Brasil, o excedente, sobre a necessidade básica, é de 41%.

É claro que a exportação explica boa parte desse paradoxo. O Brasil tornou-se o maior exportador mundial de alimentos, somando a soja, as carnes, o açúcar, o suco de laranja, entre tantos componentes da balança comercial do agronegócio. Sabe-se, também, existir muito desperdício de alimentos, como no consumo das hortaliças.

De qualquer forma, é tristemente curioso perceber que existe excedente de comida numa sociedade em que perambulam milhões de famintos. Mas imaginar reduzir as vendas externas, como política para vencer a fome, piora a questão. Pois são exatamente as vendas externas que puxam o dinamismo da economia interiorana.

A receita mais segura para salvar o povo faminto está mesmo na geração de empregos, salário no bolso. Os agricultores, antes como agora, têm dado conta do recado. Mas as injustiças sociais, criadas historicamente, se perpetuam nos gabinetes da cidade. Esse é o pior flagelo.

Texto de Xico Graziano, agrônomo, é secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo. E-mail: xico@xicograziano.com.br
Site: www.xicograziano.com.br

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Falta de esgoto, sinal de subdesenvolvimento

Por mais que comemore o sucesso econômico nos anos recentes, o Brasil tem alguns elos que o atam de forma irremediável ao subdesenvolvimento e um dos mais lamentáveis e evidentes está no saneamento básico. A Fundação Getúlio Vargas (FGV) divulgou recentemente estudo mostrando que mais da metade dos domicílios brasileiros (51,5%) não dispõe de rede de coleta e tratamento de esgoto. Quem mora nessas casas se sujeita às condições de vida degradantes e se expõe a doenças que em outros países, alguns de nível econômico igual ou inferior ao Brasil, não são mais constatadas na vida real, mas apenas relatadas nos compêndios médicos. Daí, a persistente sobrevivência do Aedes aegypti (mosquito transmissor da dengue), apesar do combate que as autoridades sanitárias garantem lhe mover.

De fato, saneamento básico nunca foi prioritário para os governos brasileiros, pois, como se sabe, esgotos são obras subterrâneas e não dão votos. Mas o estudo da FGV é explícito ao constatar que o acesso a esse serviço essencial para a vida e a saúde da população avançou de forma muito pífia nos últimos 14 anos, atravessando quatro diferentes gestões federais ao ritmo devagar, devagarinho, quase parando, de 1,59% ao ano. Os especialistas calculam que, mantido esse passo, para reduzir à metade o trágico déficit de saneamento básico, num país que vive se jactando de pretender liderar a América Latina e até os emergentes do mundo, seriam necessários mais 56 anos e meio. Ou seja, o Brasil chegaria ao ano de 2068 ainda com um quarto (25%) dos lares sem coleta e tratamento de esgoto. “Esse é um problema sistêmico, de política pública. Enquanto o País avança no combate à pobreza a uma velocidade quatro vezes maior do que a determinada pelas Metas do Milênio, não chega à metade do que deveria na questão do saneamento”, comentou o economista Marcelo Neri, da FGV, que utilizou microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE, para fazer a projeção.

O problema é que, para combater a pobreza com cestas básicas, o governo gasta relativamente pouco e tem um retorno rápido e certo em capital de votos. O pobre que não tinha o que comer e passou a receber a Bolsa-Família vota com a barriga, mas não tem consciência de que o Estado cumpriria melhor seu papel se dotasse as cidades e o campo de redes de esgotos para lhe propiciar uma vida mais saudável. Com as empresas públicas de saneamento com sua capacidade de endividamento esgotada e sem representar atrativo para as Parcerias Público-Privadas (PPPs), o saneamento só teria a saída da privatização do setor, mas nem o governo nem os especialistas parecem convencidos disso. Por enquanto, na área do saneamento, o governo Lula, que faz do social seu cavalo de batalha, limita-se à promessa de um “projeto de fôlego”, de que fala Élvio Gaspar, diretor da Área de Inclusão Social do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Editorial do Jornal da Tarde de 22/10/07

JUROS: A farra do boi II - Título público rende o dobro a estrangeiro

Com queda do dólar e isenção de IR, aplicação de investidor externo dá ganho de 89% desde fevereiro de 2006, ante 42% de brasileiros

Em 2006, investimentos estrangeiros em títulos públicos somaram US$ 11 bi; neste ano, até agosto, fluxo era de US$ 14 bi

Com a queda do dólar e a isenção de Imposto de Renda dada pelo governo, as aplicações em títulos públicos feitas por investidores estrangeiros já chegam a acumular rentabilidade líquida próxima de 90% de fevereiro de 2006 para cá, ultrapassando o já alto retorno oferecido aos aplicadores brasileiros. Para efeito de comparação, desse mês até setembro passado, a inflação medida pelo IPCA ficou em 5,6%.
Os maiores ganhos foram alcançados por papéis de longo prazo corrigidos pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), os mais procurados pelos estrangeiros. Os títulos atrelados ao índice oficial de inflação com vencimento em 2045 já renderam, em dólar, 89% desde fevereiro do ano passado -mês em que começou a valer a isenção de IR para investidores internacionais-, considerando o fechamento da última quinta-feira. O investidor nacional que fez a mesma aplicação ganhou 42% em reais, já descontado o IR, cuja alíquota nesses casos varia de 15% a 22,5%, dependendo do prazo do investimento.
A alta lucratividade das operações dos estrangeiros se explica, em boa parte, pela queda do dólar. Em fevereiro de 2006, quando a moeda dos EUA era cotada a R$ 2,22 (hoje, vale R$ 1,80), um título público corrigido pelo IPCA com vencimento em 2045 era negociado a R$ 1.106,08 -o equivalente, à época, a US$ 487,49. A esse preço, o investidor que pusesse dinheiro no papel receberia, até seu vencimento, juros de 8,93% ao ano mais a variação da inflação.
De lá para cá, o grande interesse do mercado nessa aplicação -que garantia uma rentabilidade elevada num momento em que o Banco Central reduzia os juros- provocou uma valorização nos papéis.
Na última quinta-feira, o mesmo título era negociado a R$ 1.661,38. Com a valorização do real, porém, a cotação em dólar do papel já havia subido para US$ 919,36 -equivalente a juros de 6,23% ao ano. Ou seja, o capital investido pelo estrangeiro dobrou em menos de dois anos.
Nos títulos prefixados, os ganhos dos estrangeiros nesse mesmo período também foram altos. Os papéis com vencimento em 2008 se valorizaram em 64% em dólar, contra um rendimento líquido, em reais, de 26% conseguido pelos investidores nacionais.
No ano passado, os investimentos estrangeiros em títulos públicos negociados no Brasil somaram US$ 11 bilhões. Neste ano, até agosto, o fluxo já estava em US$ 14 bilhões (alta de 27,3% sobre todo o ano passado). Em fevereiro de 2006, estava em US$ 2,2 bilhões.
Carlos Cintra, gerente de renda fixa do banco Prosper, diz que é difícil afirmar se esses investimentos continuarão chegando ao Brasil daqui para a frente, mas ressalta que as aplicações em títulos emitidos pelo governo continuam "atrativas". "Quando comparadas aos juros norte-americanos, por exemplo, as taxas aqui ainda são muito altas", diz. A taxa Selic está hoje em 11,25% ao ano, e a taxa básica dos EUA, em 4,75%.

Novo cenário
Os elevados ganhos ocorridos nos últimos anos, porém, não vão necessariamente se prolongar por muito tempo. Isso porque a alta rentabilidade alcançada desde 2006 reflete, em boa parte, a expectativa do mercado, na época, de que o BC fosse continuar reduzindo os juros por um bom tempo. Isso fez muitos aplicadores buscarem títulos públicos que oferecessem alto retorno, o que explica a valorização dos papéis.
Agora, o cenário é um pouco diferente. Cintra ressalta que a alta da inflação observada nos últimos meses e o aumento nas projeções para o IPCA de 2008 colocam em risco o processo de queda dos juros. Ao analisar essa situação, na última quarta-feira o Copom (Comitê de Política Monetária do BC) interrompeu uma série de mais de dois anos de redução da taxa Selic, e a dúvida agora é quanto tempo vai se passar até que esse processo seja retomado.

Texto de NEY HAYASHI DA CRUZ na Folha de São Paulo de 22/10/07

Bandido é na cadeia

Ainda persiste o raciocínio ingênuo de que bons programas sociais seriam mais eficientes que as ações policiais

O QUE a polícia deve fazer com alguém cometendo crime ou condenado pela Justiça a não ser prendê-lo?
O artigo do sr. Sérgio Salomão Shecaira ("Tendências/Debates", 11/10) critica São Paulo por prender muito e ter taxa de presos superior à média nacional, apesar de seus índices relativamente baixos de violência. São Paulo tem índices crescentemente baixas de violência justamente porque prende mais.
O índice de homicídios em São Paulo deve ficar neste ano em 12 mortos por 100 mil habitantes, menos da metade da taxa nacional de 31 mortos por 100 mil habitantes, justamente porque tem quase o dobro da eficiência nacional em encarcerar criminosos que agridem a sociedade.
Afinal, que critérios a polícia deveria utilizar para não prender criminosos, e o Judiciário, para não condená-los?
Ainda persiste o raciocínio ingênuo de que, se a polícia prevenir bem, não precisará prender e que bons programas sociais seriam mais eficientes que as ações policiais.
Ora, a função da polícia não é fazer prevenção bancando o espantalho de bandidos nas esquinas, mas intimidá-los, reduzindo inteligentemente seu espaço de atuação e prendendo ao surpreendê-los na prática criminosa ou por decorrência de investigação.
Pernambuco e Rio de Janeiro têm muita violência justamente porque suas polícias prendem poucos criminosos, por ineficiência e má gestão da segurança.
Em 2006, a polícia carioca prendeu apenas 16 mil criminosos em flagrante ou em cumprimento de mandado judicial, enquanto a paulista prendeu 128 mil. Não é de estranhar que o Rio ostente nível três vezes maior de violência que São Paulo, apesar da letalidade de sua polícia, que mata três vezes mais que todas as polícias americanas somadas.
Temos centenas de milhares de criminosos pelas ruas, muitos psicopatas incuráveis, que ameaçam a sociedade. Para eles, não há programa social que resolva.
São Paulo provou que o remédio mais urgente para reduzir a violência é ampliar a capacidade de resposta da polícia e da Justiça. Os criminosos reincidentes e violentos precisam de incapacitação por penas longas e regimes severos, enquanto os praticantes eventuais e iniciantes precisam de resposta rápida e mais branda.
Nenhum crime deve ficar sem punição, do assaltante de esquina ao funcionário publico corrupto.
O problema da crise nacional penitenciária não é o excesso de presos, mas a falta de vagas agravada por irresponsáveis cortes de investimento no Fundo Penitenciário Nacional.
Atualmente, existem 200 mil presos excedentes no país, sendo necessário construir não apenas os 93 presídios previstos até 2012 mas também 400 novas unidades, além de mais 60 anualmente, para abrigar novos criminosos retirados das ruas.
Precisamos criar condições legais, policiais, judiciais e prisionais para prender mais ainda. A experiência paulista mostrou que, ao atingir uma taxa em torno de 300 presos por 100 mil habitantes, começa a acelerar o declínio da violência.
No primeiro semestre deste ano, os homicídios, que já estavam em queda, diminuíram 28% na capital paulista, num período em a polícia está prendendo 40% menos que há seis anos.
Fala-se que gastamos cerca de R$ 400 milhões por mês com nossos 400 mil presos, mas não se menciona que o custo da violência para o país é de aproximadamente R$ 400 milhões por dia. Se dobrarmos nosso estoque de presos, gastaremos R$ 10 bilhões por ano para manter esses criminosos fora das ruas, mas é bastante provável que reduzamos em 20% os mais de R$ 100 bilhões que custa anualmente a violência no Brasil.
Uma bela economia a ser aplicada em programas sociais, principalmente para jovens vulneráveis, antes que ingressem no crime.
Não há no planeta violência mais boçal do que a brasileira. Nos últimos cinco anos, foram assassinados mais de 200 mil brasileiros, outros 150 mil foram esmagados na impunidade do trânsito, consumimos 250 mil quilos de cocaína, quase 20 milhões de pessoas foram assaltadas e usamos todo o dinheiro da CPMF só para pagar o prejuízo da pirataria.
O controle da violência no Brasil continuará esperando enquanto o governo não der prioridade concreta ao problema e a sociedade ficar paralisada com o discurso equivocado de que as ações sociais controlarão o crime.
Enquanto isso, gastar para manter um predador, inclusive menor de 18 anos, longe da sociedade é um ótimo gasto social.

Texto de JOSÉ VICENTE DA SILVA FILHO, mestre em psicologia social pela USP, é coronel da reserva da Polícia Militar de São Paulo e ex-secretário nacional de Segurança Pública (2002). Foi consultor do Banco Mundial e pesquisador do Instituto Fernand Braudel.
www.josevicente.com.br

sábado, 20 de outubro de 2007

Água que sai pelo ralo deixa banho quente

Brasileiro criou sistema que reaproveita água para pré-aquecer a que vai para o chuveiro.
Equipamento permite economia de até 44% no gasto de energia elétrica.

Invenção permite economia de 44% no gasto de energia elétrica em uma casa

Ao perceber que não apenas água, mas também energia ia embora pelo ralo junto com a água quente do chuveiro, o tecnólogo José Geraldo de Magalhães deu o primeiro passo para uma invenção que possibilita a redução de até 44% no gasto de energia elétrica residencial. Segundo informou a agência Fapesp, o chamado recuperador de calor para chuveiros elétricos, que ficou pronto sete anos depois da idéia inicial, utiliza a própria água do chuveiro para esquentar aquela que irá chegar depois.
A idéia é simples: ao invés de ir direto dos encanamentos para o chuveiro, a água é desviada por uma mangueira para uma plataforma de plástico reforçada, instalada no chão do banheiro. Essa plataforma tem 58 cm de diâmetro e 4 cm de altura e conta com um tapete e estrutura antiderrapante.
Dentro dessa plataforma está um trocador de calor, feito de alumínio. Com uma forma de encanamento em espiral, ele recupera o calor transmitido pela água quente do chuveiro, que cai no ralo, aquecendo a água limpa que está dentro do cano. Esse procedimento dura cerca de 20 segundos -- a água então é levada para o chuveiro.
O procedimento permite que a água chegue ao chuveiro já pré-aquecida. Normalmente, a água natural chega ao chuveiro a 20ºC, sendo então esquentada até 38ºC, temperatura usual do banho quente no inverno.
“Se ela já estiver com 27ºC, a diferença cai de 18º para 11ºC”, disse à agência Fapesp a professora Júlia Maria Garcia Rocha, do Grupo de Estudos e Energia (Green) do Instituto Politécnico da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas). Ela foi a responsável por coordenar os dois testes que comprovaram tecnicamente a viabilidade do sistema.
“No início, nós não acreditávamos que o recuperador funcionasse. Depois fizemos os testes, o modelamento teórico e, no final, sugestões para melhorar o equipamento”, diz Júlia. “Fiquei tão impressionada que coloquei o recuperador na minha casa.”
Magalhães acompanha agora a distribuição de sete mil peças do equipamento para pessoas carentes da Região Metropolitana de Belo Horizonte, como parte de um programa financiado pela Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig). O recuperador é produzido pela empresa Rewatt Ecológica, da qual ele é um dos sócios.
Fonte Portal G1
http://g1.globo.com/Noticias/Tecnologia/0,,MUL153181-6174,00-AGUA+QUE+SAI+PELO+RALO+DEIXA+BANHO+QUENTE.html

Mais informações sobre o produto
http://www.rewatt.com.br/

JUROS: Continua a farra do boi

No mês de abril deste ano, a maioria dos operadores do mercado financeiro – analistas, economistas, estrategistas – já tinha conseguido cumprir suas metas do ano. E não foram metas modestas.

Principalmente os bancos estrangeiros fixaram metas elevadíssimas de desempenho. Mas a política monetária do Banco Central permitiu ganhos dos quais nem o mercado se supunha capaz.

Primeiro, ao manter as taxas de juros Selic muito mais elevadas que as taxas internacionais de equilíbrio. Chama-se de “taxa de equilíbrio” aquela que não permite ganhos de arbitragem – isto é, operações pelas quais os investidores tomam recursos em outras moedas, convertem em dólares, aplicam em juros no Brasil e, na saída, conseguem dólares mais baratos para comprar e remeter.

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Com a queda do “risco Brasil” e das taxas de juros americanas, a taxa de equilíbrio brasileira caiu substancialmente. Como o BC manteve as taxas internas acima, atraiu uma avalanche de dólares que ajudou a valorizar o real – proporcionando o segundo ganho expressivo aos especuladores.

Há uma regra de ouro no mercado financeiro, de que as aplicações precisam se equilibrar entre liquidez (facilidade de resgatar o dinheiro), rentabilidade e segurança. Aplicações mais seguras oferecem menos liquidez e menos rentabilidade. Aplicações de maior risco compensam oferecendo maior liquidez e rentabilidade.

No caso brasileiro, o BC assegurava plena rentabilidade (as mais altas taxas de juros do planeta), plena liquidez e plena segurança – já que as contas internas e externas estão em ordem.

***

No mercado, em geral, considera-se a taxa de equilíbrio como pouco acima de 9,5% ao ano. Quando o Copom (Comitê de Política Monetária do Banco Central) define um determinado ritmo de queda da Selic, o mercado estima quanto tempo levará para chegar à taxa de equilíbrio, e vai reduzindo suas posições especulativas no país.

No ano que vem, pela primeira vez, cessarão as condições que permitiam esse ganho fácil ao mercado. A Selic se aproximaria da taxa de equilíbrio, o dólar pararia de cair em algum momento, acabando com o jogo fácil. Aí o mercado terá que mostrar profissionalismo, buscando alternativas em ações, fundos e outros investimentos que exigem muito mais do que meramente “adivinhar” a trajetória da taxa de juros – que o BC não faz questão de esconder de ninguém.

É isso que explica o tremendo alarido que se forma sempre, às vésperas das reuniões do Copom, com previsões de volta da inflação, de volta do fim do mundo. Ontem um economista ouvido pela imprensa dizia que os investimentos brasileiros estão em 18% do PIB. Para não haver inflação teriam que estar em 20%. Puro chute!, mas que serve para alimentar.

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Há muito tempo o Banco Central tornou-se uma agência capturada pelo mercado. É curioso que, pela lógica econômica pura, pela análise dos índices de inflação, pelas análises sobre os níveis de investimento, o próprio mercado estava dividido sobre os rumos da Selic. Não adiantou. O BC preferiu prorrogar a farra do boi.

Texto da coluna de economia do Luis Nassif de 19/10/07
http://www.projetobr.com.br/blog/6.html

sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Não há mais tempo a perder

Não há mais tempo a perder. Estamos todos juntos no mesmo barco e inúmeros indicadores apontam na mesma direção: se não dermos a devida resposta à ameaça que nos espreita, ficaremos marcados na História como a civilização que teve a competência de diagnosticar a maior de todas as tragédias ambientais sem que isso tenha justificado uma ampla mobilização da sociedade. Esta é a razão pela qual muitos estudiosos classificam o aumento do aquecimento global como um problema ético: sabemos que ele existe, nos reconhecemos como agentes do processo e, ainda assim, pouco ou nada fazemos no sentido de enfrentar a situação com a seriedade e o senso de urgência que o assunto requer.

É chegado o momento de reconhecer o inimigo para enfrentá-lo com consciência e determinação. Ele é invisível, não tem cheiro nem faz mal à saúde, mas quando aglomerado aos bilhões de toneladas na atmosfera por conta da queima progressiva de petróleo, gás natural e carvão (as queimadas no Brasil também entram na conta e, no caso específico da Amazônia, a área verde que virou fumaça no ano passado equivale em tamanho a Israel), tem o poder de mudar o clima, o ciclo das chuvas, o nível dos oceanos e a expectativa de vida de inúmeras espécies e ecossistemas. Jamais experimentamos algo parecido numa escala de tempo tão curta.

O dióxido de carbono (CO2) aparece no Tratado de Kyoto como o mais importante gás de efeito estufa, mas para que o acordo internacional saísse do papel foram definidos prazos e metas bastante modestos: uma redução média de 5% nas emissões de gases de efeito estufa dos países desenvolvidos entre 2008 e 2012 em relação às emissões destes mesmos países ocorridas em 1990, quando o mínimo necessário seria de 60% (ou mesmo 80%, como aponta o recém lançado Relatório Stern, assinado pelo ex-Economista Chefe do Banco Mundial). Mesmo reconhecendo que a substituição dos combustíveis fósseis por outras fontes de energia deva acontecer de forma gradual, o ritmo das mudanças é extremamente lento. O mérito de Kyoto é dar início a um processo que, embora já tenha produzido alguns resultados importantes, se arrasta em passo de tartaruga enquanto as mudanças climáticas vêm a galope.

Tão importante quanto o comprometimento dos países em reduzir suas emissões de gases de efeito estufa, principalmente de CO2, são as iniciativas individuais. O que cada um de nós está disposto a fazer nesse sentido? Que pequenas mudanças podemos aplicar em nossa rotina em favor desse objetivo maior? Mudança é uma palavra que assusta, e que muitos de nós associamos de imediato a sacrifício. Nem sempre é assim. Avalie o que lhe convém, considerando que cada tonelada a menos de carbono na atmosfera faz toda a diferença.

Vejamos alguns exemplos do que é possível fazer hoje em benefício de um futuro menos traumático:

1) Transportes: Em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, as maiores emissões de CO2 têm origem nos automóveis. Sempre que possível, deixe o carro na garagem e privilegie o uso de transportes públicos. Estima-se que 80% de nossos deslocamentos diários se resolvam num raio de 5 km de distância, o que abre caminho para o uso de bicicletas ou pequenas caminhadas. Se o uso do carro for inevitável, prefira os modelos flex rodando a álcool, com motores sempre regulados, pneus calibrados e aceleração baixa.

2) Árvores: As espécies vegetais estocam carbono nas raízes, troncos, galhos e folhas. Quanto mais árvores plantarmos, mais carbono estaremos retirando da atmosfera. O inverso é rigorosamente verdadeiro: para cada árvore destruída haverá mais carbono agravando o aquecimento global.

3) Construções inteligentes: Luz e ventilação naturais demandam um consumo menor de energia. Certos materiais usados no revestimento de casas e escritórios também ajudam a conservar a temperatura ambiente de modo agradável, sem a necessidade de ventiladores ou aparelhos de ar-condicionado.

4) Consumo: Um estilo de vida consumista acelera a exaustão dos recursos naturais. Todos os produtos demandam matéria-prima e energia para existir. Quem consome muito além do necessário agrava a pressão sobre os estoques de energia, com reflexos importantes sobre as emissões de CO2. Apesar do que apregoam muitas campanhas publicitárias, é possível ser feliz com menos, bem menos do que aparece nos comerciais.

5) Neutralizando as emissões: A Copa do Mundo da Alemanha foi a primeira da História a neutralizar totalmente as emissões de gases estufa. Com precisão germânica, a organização do evento estimou a quantidade de CO2 emitida pelos 3 milhões de visitantes e investiu em projetos que retiraram da atmosfera a mesma quantidade de gás estufa. Isso já está sendo feito no Brasil e no mundo em shows de música, lançamentos de livros ou CDs. Para muitos empresários, esse é um excelente filão de negócios na direção da responsabilidade social corporativa.

Seria ótimo se a responsabilidade de reduzir as emissões de CO2 fosse apenas dos países. Mas estamos sendo convocados individualmente à ação enquanto consumidores, eleitores e habitantes de um país em desenvolvimento, categoria apontada pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU como bastante vulnerável às turbulências que vêm por aí. Podemos e devemos nos antecipar a isso.

Texto de André Trigueiro
http://www.mundosustentavel.com.br/artigo.asp?cd=9

Patrimônio nacional que precisa ser protegido

Orlando Villas Bôas, com seu jeito exuberante, gostava de falar da sofisticação das culturas indígenas do Xingu, que a nossa civilização nem chega a perceber. E dava como exemplo que um homem ali não estivesse satisfeito com sua esposa, porque ela não estava trazendo água limpa para casa; ou a mulher não estivesse contente com o marido, porque ele não vinha plantando a mandioca necessária. Qualquer um dos dois poderia tomar a iniciativa de separar-se, seria livre para isso e não haveria sanção social. Mas, se nenhum dos dois quisesse separar-se, não lhes passaria pela cabeça queixar-se diretamente ao parceiro - porque isso implicaria que tinha direito de queixa, isto é, direito de exigir este ou aquele comportamento do parceiro; e esse direito não existe no Xingu. O máximo que qualquer um dos dois poderia fazer seria contar o problema aos homens mais velhos. Estes reuniriam toda a aldeia e explicariam por que, na história daquele povo, houvera tal divisão do trabalho e, nesse arranjo, era tarefa da mulher buscar água limpa e tarefa do homem plantar mandioca. Quem quisesse que botasse a carapuça. Ou não.

Terminada a narrativa, Orlando falava de outras sofisticações xinguanas que não percebemos: a organização social e política em que não há delegação de poder, o chefe não dá ordens - é o mais experiente, o que mais conhece a cultura de seu povo, o grande mediador de conflitos, mas não dá ordens, nem ele nem ninguém. Ou a auto-suficiência no nível pessoal: cada um sabe fazer tudo de que precisa para viver (construir a casa, seus objetos de trabalho, plantar e colher, caçar e pescar, identificar espécies úteis). Um luxo: nascer e morrer sem nunca receber uma ordem ou depender de alguém.

Pois são essas sofisticadas culturas do Xingu que se consideram ameaçadas, numa carta aberta que nove delas endereçaram há pouco “à nação brasileira”. Protestam contra a construção de hidrelétricas nos rios formadores do Xingu (que nascem fora do Parque Indígena), contra a derrubada de 300 mil hectares de matas ciliares e o “uso descontrolado de agrotóxicos” na região das cabeceiras do rio. Pedem a paralisação imediata dos projetos de hidrelétricas (são nove previstas, duas já em andamento), a preservação de seus lugares sagrados fora do Parque Indígena e um estudo sobre os danos aos peixes, fundamentais em sua alimentação.

Não são apenas os xinguanos que estão aflitos. Os ianomâmis estão mandando uma delegação à Europa (Estado, 9/10) para denunciar a situação em que vivem, com invasores da área Raposa Serra do Sol se recusando a sair, apesar de decisões judiciais; outros índios, obrigados a trabalhar como bóias-frias em plantações de cana, fora da reserva. Vão falar também dos guaranis-caiovás, de Mato Grosso, onde já foram mortos 27 deles, este ano, e outros 21 se suicidaram por enforcamento (183 suicídios por enforcamento em cinco anos).

No lançamento da Agenda Social dos Povos Indígenas, em São Gabriel da Cachoeira (AM), há poucas semanas, o presidente da República ouviu duras críticas dos índios, principalmente ao projeto, em tramitação no Congresso, que regulamenta a extração de minérios em áreas indígenas. Ouviu também muitas referências à Declaração Internacional dos Direitos Indígenas, aprovada poucos dias antes pela Assembléia-Geral da ONU, que proíbe discriminação contra eles e reconhece seu direito à autodeterminação dentro de seu território.

Mas é muito difícil avançar nesse terreno, cercado de conceitos e preconceitos que colidem com a visão de mundo dos índios. Como preocupar-se com que o Parque Indígena do Xingu seja uma ilha de vegetação e recursos hídricos preservados, cercada por pastagens e culturas de grãos que removeram a vegetação, se a visão de crescimento econômico prevalecente na região é a que consagra a expansão da área produtiva a qualquer preço? Como preocupar-se com hidrelétricas, ameaça aos peixes, assoreamento, perda de lugares sagrados, sem sequer discutir a necessidade real dessas novas unidades, sem discutir a possibilidade (como fez estudo da Unicamp) de reduzir em até 30% o consumo nacional de energia com programas de conservação e eficiência? Como avançar para uma direção correta sem considerar o estudo do arqueólogo Michael Heckenberger, da Universidade da Flórida, que prova a existência no Xingu, há mais de dez séculos, de uma sociedade “altamente complexa”, que aponta em direção a algumas das utopias humanas?

O presidente da Fundação Nacional do Índio, Márcio Meira, tem dito que “o Brasil não pode pensar no agronegócio como solução para tudo” (entrevista a Pedro Biondi, da Agência Brasil, 1º/8). Os recursos naturais “não são infinitos”, diz ele. Precisamos cuidar deles. E os índios têm um papel importante nisso: 23% da Amazônia está em terras indígenas, 13% do território nacional. E essas áreas se têm mostrado o caminho mais eficaz para a conservação da biodiversidade.

Volta-se sempre à mesma questão: se recursos e serviços naturais são hoje o fator escasso no mundo, precisam ser colocados no centro de nossa estratégia nacional. Temos território continental, sol o ano todo, 12% do fluxo hídrico global, entre 15% e 20% da biodiversidade total, a possibilidade de matriz energética limpa, com fontes renováveis (eólica, solar, marés, biocombustíveis). É um privilégio que nos pode assegurar um lugar de destaque no mundo.

E, nesse caso, por que não juntar esforços dos Ministérios da Cultura e do Meio Ambiente, da Funai, do Patrimônio Histórico e de outras instituições (como o Instituto Socioambiental, que já trabalha na área) num projeto de reconhecimento, com a Unesco, do Parque Indígena do Xingu como patrimônio histórico, cultural e ambiental da humanidade? A partir daí, certamente se delineariam caminhos eficazes para a preservação de uma área tão decisiva.

Texto de Washington Novaes no Estado de São Paulo de 19/10/07

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Desmatamento cresce 8% na Amazônia

Estimativa divulgada pelo governo abarca período de julho a setembro; no Pará, devastação explode em áreas protegidas

Retomada dos preços da carne, do milho e da soja e volta da grilagem são causas prováveis da virada na tendência de redução

Duas novas análises prenunciam um ano de 2008 com motosserras e tratores a toda na Amazônia. O governo federal divulgou ontem uma estimativa que mostra que o desmatamento cresceu 8% no período de junho a setembro de 2007 em comparação com o mesmo período de 2006. E dados produzidos por um sistema independente de monitoramento da floresta indicam que um dos pilares da política do governo federal para conter a devastação -as unidades de conservação criadas no Pará- começa a dar sinais de fadiga.
Os dados do governo são estimativas feitas pelo Deter, o sistema de detecção do desmatamento em tempo real por imagens de satélite desenvolvido pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).
Eles mostram que, na média dos nove Estados amazônicos, o desmatamento em julho, agosto e setembro cresceu 4%, 53% e 107% em comparação com os mesmos meses de 2006, respectivamente. O mês de junho foi o único que apresentou queda -de 33%-, seguindo a tendência do ano anterior.
"É um aumento significativo, que mostra um recrudescimento do desmatamento", afirmou à Folha o diretor do Inpe, Gilberto Câmara. "Dificilmente a taxa de 2007/2008 ficará na queda observada neste ano", afirmou o cientista, referindo-se aos 30% de desaceleração estimados pelo Deter para 2006 e comemorados pelo Ministério do Meio Ambiente.
Aumentos significativos foram observados em Rondônia, Mato Grosso e Pará. No primeiro Estado, a devastação cresceu acachapantes 602% em setembro, em comparação com setembro do ano passado.

Corte sem reservas
A estimativa independente, feita pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia e divulgada hoje na internet, mostra que no Pará a devastação explodiu nas unidades de conservação criadas pelo governo federal no sul do Estado nos últimos anos para combater a grilagem: 25% do desmatamento no Estado entre agosto de 2006 e julho de 2007 aconteceu em áreas protegidas.
As maiores derrubadas estão justamente na zona de influência da rodovia BR-163 (Cuiabá-Santarém), onde o governo criou em 2005 um mosaico de reservas de 8 milhões de hectares, tido como um dos maiores trunfos da política de ordenamento fundiário do Ministério do Meio Ambiente. Também há desmatamentos na região de Carajás e na Terra do Meio, área de conflito fundiário que recebeu unidades de conservação após o assassinato da freira Dorothy Stang, em 2005.
O fenômeno representa uma reversão da tendência histórica do desmatamento: em toda a Amazônia, até julho de 2006, a devastação em áreas protegidas representava em média apenas 1,16% do total.
"O padrão de desmatamento em unidades de conservação no Pará é alarmante. Foi uma surpresa para nós", disse Adalberto Veríssimo, do Imazon.
O pesquisador é um dos criadores do SAD (Sistema de Alerta de Desmatamento), ferramenta que usa imagens de satélite para acompanhar a ação do homem sobre a floresta mês a mês. O sistema, que já é usado para monitorar Mato Grosso há quatro meses, acaba de ser ampliado ao Pará.
O SAD-Pará tem a princípio uma boa notícia para a ministra Marina Silva (Meio Ambiente): o corte raso no Estado caiu 54% em agosto de 2007, se comparado ao mesmo mês do ano passado. Isso destoa do Deter, que aponta um aumento de 59% no Estado nesse mesmo período.
Mesmo essa queda, no entanto, tende a estar superestimada, devido à presença de nuvens que impediram a observação de áreas importantes.
A má notícia é que o fato de que há tantas derrubadas acontecendo em unidades de conservação federais e terras indígenas pode ser um sinal de que os grileiros estão de volta à ativa no Pará, depois de dois anos reprimidos pelo governo.
Segundo Veríssimo, os grileiros estão apostando na impunidade. "O governo aumentou sua exposição ao risco quando criou as unidades de conservação em áreas de conflito fundiário [BR-163 e Terra do Meio], mas não conseguiu estabelecer sua presença ali", disse o pesquisador. Uma vez que a maioria das reservas da região ficou apenas no papel, sem implementação efetiva, as áreas foram reinvadidas.

Commodities
A estimular os grileiros está a elevação dos preços das commodities, em especial a carne, o milho e a soja. O mercado desses bens passou dois anos desaquecido, período que viu o desmate cair. O governo teme que o reaquecimento, as eleições municipais do ano que vem e a própria taxa baixa de desmatamento de 2006 tragam junto uma explosão das derrubadas.
"O ano de 2008 vai ser quente para nós", disse o secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente, João Paulo Capobianco. Ele diz que os dados do Imazon sobre as unidades de conservação do Pará são algo "absolutamente fora da história da Amazônia", e que precisam ser analisados.
Capobianco afirma, no entanto, que ainda não dá para falar de aumento total na taxa de desmatamento de 2007, já que após setembro começa uma redução natural da atividade agrícola devido às chuvas.
O governo está revendo o Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento e pretende reforçar a fiscalização e o fomento às atividades sustentáveis, além de aumentar a eficiência da arrecadação das multas por crime ambiental.
"Francamente, estamos trabalhando com um cenário que não é de catástrofe."

Reportagem de Cláudio Ângelo na Folha de São Paulo de 18/10/07

Epidemia oficial

AGORA É OFICIAL. O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, convocou rede nacional de rádio e TV para anunciar que o Brasil vive uma epidemia de dengue. De janeiro a setembro, registraram-se 481.316 casos da moléstia, contra 321.368 em igual período do ano passado. É um aumento de 50%.
O que mais preocupa é a questão da dengue hemorrágica (DH). Por razões não de todo conhecidas, certos indivíduos infectados por algum dos quatro sorotipos do vírus DEN desenvolvem a forma hemorrágica da doença, que pode ser fatal. Até setembro, 1.076 pacientes haviam evoluído para esse quadro, dos quais 121 (11%) morreram.
É uma taxa muito elevada. Para a Organização Mundial da Saúde, com condutas médicas adequadas é possível manter a mortalidade da DH abaixo de 1%. O sistema público de saúde não está sendo capaz de diagnosticar e tratar os pacientes a tempo. É preciso oferecer uma rápida reciclagem aos médicos. O período de chuvas no Sudeste está para começar, e o número de casos tende a aumentar.
Há evidências de que pessoas que sofram uma segunda infecção por um sorotipo diferente do da contaminação original têm maior predisposição para a DH. Assim, a cada epidemia aumenta o contingente populacional em maior risco de contrair a forma hemorrágica. Não por acaso, a grande epidemia de 2002 (794 mil casos) coincidiu com a chegada do sorotipo DEN-3 ao Brasil. Por aqui já circulavam as cepas DEN-1 e DEN-2. A quarta espécie, o DEN-4, ainda não apareceu, mas já está à espreita em outros países da América do Sul.
Nos próximos anos, a dengue deverá tornar-se um problema cada vez mais ameaçador. Além de aparelhar o sistema de saúde, é necessário manter os focos do mosquito Aedes aegypti -vetor da moléstia- sob controle.

Editorial da Folha de São Paulo de 18/10/07

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

Líbano: empregadas domésticas à venda

"Bem-vindos ao aeroporto Rafic Hariri", sussurra uma voz feminina a cada quinze minutos. São 7h30 da manhã, o saguão está deserto. Apenas uma sala de espera está apinhada de gente. Ali, numa parede, um cartaz traz os seguintes dizeres: "Área de recepção para empregadas domésticas". Cristãos, muçulmanos, casais, famílias inteiras estão chegando. Dentre eles está o Dr. Hadj, um médico franco-libanês. Ele está com pressa, o trabalho no hospital o aguarda: "As agências se encarregam de tudo", explica, "mas é preciso comparecer pessoalmente para a entrega da empregada doméstica".

"Em 2002, eu salvei literalmente da fome uma togolesa ao admiti-la para trabalhar na minha casa", conta uma senhora de jeans. "Primeiro, paguei para ela US$ 50 (cerca de R$ 90) por mês, mas, depois de seis meses, uma vez que ela estava trabalhando muito bem, eu lhe dei um aumento, passando para US$ 75 (cerca de R$ 136)".

Há alguns anos, jovens mulheres oriundas de cerca de trinta países pobres afluem em busca de um emprego como empregadas domésticas no Líbano. Atualmente, elas são mais de 90.000 cingalesas, 30.000 etíopes, 40.000 filipinas, sem esquecer das outras nacionalidades, dentre as quais há muitas burundinesas e malgaxes. Uma pessoa em cada 16 que vivem no Líbano é uma doméstica estrangeira, segundo o diário de língua inglesa "Daily Star". As filipinas (as mais bem educadas) recebem US$ 200 por mês, US$ 150 para as etíopes, US$ 100 para as cingalesas - o que representa menos de 20 centavos de euro (R$ 0,51) por hora. A qualquer momento, o empregador pode "devolver" a empregada, que, por sua vez, não tem o direito de partir.

Nesta manhã, os futuros empregadores estão aguardando as passageiras do avião da Ethiopian Airlines que pousou às 2h da madrugada: são 200 jovens mulheres que por enquanto estão isoladas e amontoadas no setor da alfândega, agachadas uma contra as outras. Não há bebidas, não há alimentos, não há toaletes. Conforme exige o serviço de segurança nacional, o seu passaporte transitará diretamente das mãos do policial das fronteiras para aquelas do empregador.

A jovem etíope que pisa pela primeira vez o solo libanês ignora que o seu passaporte só lhe será devolvido no dia da sua partida. Ela não tem a menor idéia de que neste exato momento ela acaba de perder a sua liberdade. O doutor Hadj verifica rapidamente se o nome corresponde àquele que a agência lhe comunicou, e, com um gesto do braço, faz "yalah", sem uma palavra nem um sorriso. Carregando a sua magra bagagem, a jovem mulher tenta segui-lo, arriscando olhares aterrorizados por todos os lados. Eles devem se dirigir até a agência de empregos. Lá, ela irá provavelmente assinar um novo contrato, em árabe, o qual comporta condições que não terão mais nada a ver com os compromissos que haviam sido firmados no seu país. O seu salário corre risco de diminuir.

Segundo a embaixada das Filipinas, algumas jovens mulheres trabalham de graça durante os três primeiros meses, vêem a duração da estadia obrigatória, passar de dois anos para três anos e são privadas de toda liberdade: elas ficam proibidas de saírem sozinhas da casa, de entrarem em contato com a família e de comunicarem com o exterior. Sem falar do quarto que lhes foi prometido, que tem grandes chances de ser uma varanda, e até mesmo a cozinha! Alguma delas se recusa a assinar? É tarde demais. Sem dinheiro, sem passaporte, elas vêem a armadilha fechar-se.

No dia da assinatura do contrato, a agência cobra à vista entre dez e quinze vezes o primeiro salário da doméstica. Uma jovem etíope acaba custando, no total, ao empregador, US$ 2.400 (R$ 4.344), o que inclui a passagem, o visto, o exame médico, o contrato com despesas de cartório, etc. Trata-se de uma quantia importante, da qual 60% são embolsados pela agência. Em Beirute, 380 agências oficiais de colocação de empregados domésticos invadem a paisagem publicitária, principalmente nos outdoors. Alguns anos atrás, uma delas havia anunciado até mesmo uma liquidação de cingalesas!

Em 21 de junho de 2007. Anlyn Sayson, uma linda filipina de 21 anos, chega ao Líbano. Em 29 de junho, ela morreu, jogando-se de uma varanda do quinto andar de um apartamento em Beirute. O que será que aconteceu de tão terrível durante aquela semana para motivar une jovem mulher sem história a suicidar-se? Segundo a polícia libanesa, a jovem doméstica teria tido uma crise nervosa na casa dos seus empregadores em Trípoli, no norte do país. Estes a teriam levado de volta imediatamente à agência de empregos NK Contrat, em Beirute. O patrão da agência, Negib Khazaal, conta que a jovem mulher estava muito excitada e que um dos seus funcionários lhe teria fornecido calmante antes de deixá-la sozinha no apartamento. Às 3h da manhã, os vizinhos ouviram gritos. Eles encontraram o corpo esmagado da jovem mulher estendido na calçada. Os resultados da autópsia apontaram que havia doses maciças de metanol, uma substância neurotóxica particularmente perigosa, no estômago de Anlyn Sayson.

Enquanto a sua morte foi objeto de algumas linhas na imprensa local, a maior parte desses suicídios ocorre em meio à indiferença total. Contudo, o número de suicídios de domésticas não pára de aumentar: 45 filipinas, 50 cingalesas e 105 etíopes se suicidaram ao longo dos últimos quatro anos. "Num grande número de casos", conta Sami Kawa, um médico legista, "as mortas são encontradas cobertas de equimoses, de mordidas ou de queimaduras".

É um sistema completo de exploração que está implantado, no qual cada um dos protagonistas, o Estado, as agências, os empregadores, desempenha o seu papel respectivo, contando geralmente com a cumplicidade dos países de origem. Desde 1973, o Líbano vem "importando" domésticas estrangeiras que não contam com a proteção de texto de lei algum: o código do trabalho não se aplica a elas. Além disso, segundo as associações caritativas, a sua situação não pára de piorar. "Já faz alguns anos, nós estamos registrando um aumento dos atos de violência e dos estupros", explicam integrantes da Caritas.

"Até onde eu fui informado, não houve no Líbano uma única condenação sequer, nem por crime, nem por estupro, em trinta anos; apenas algumas raras e reduzidas condenações na justiça penal por golpes e ferimentos", sublinha o advogado Roland Tawk, que defende as domésticas há mais de dez anos. Em sua maioria, os casos são solucionados à libanesa: uma vez que a maioria dos casos de maus tratos vem acompanhada pelo não-pagamento do salário, a vítima acaba desistindo da sua queixa por estupro contra o pagamento do seu salário, ou ainda, o salário é "esquecido" de uma vez por todas, mas ela recupera finalmente o seu passaporte. Mas a violência não é uma exclusividade dos empregadores. Aqui, é possível fazer administrar uma boa surra a uma empregada doméstica pela polícia ou, com maior freqüência, pelas agências de empregos.

O resultado de uma pesquisa que foi realizada pela associação Caritas em 2007 junto a 600 empregadores é edificante. Mais de 91% das pessoas interrogadas confiscam o passaporte da empregada, 71% não a deixam sair sozinha, mais de 31% reconhecem maltratá-la, 33% limitam as suas refeições, 73% vigiam os seus relacionamentos e 34% a punem como se ela fosse uma criança.

Existem quarenta dessas domésticas, escondidas no subsolo da embaixada das Filipinas. Trinta na embaixada do Sri Lanka. E o mesmo número dentro de um anexo da embaixada da Etiópia. Todas elas querem retornar ao seu país, mas elas não recebem o seu salário há meses e até mesmo anos. Os jornais publicam os nomes e geralmente as fotos daquelas que estão em fuga, e a polícia está encarregada de trazer de volta as recalcitrantes para o empregador, queiram elas ou não.

Na embaixada da Etiópia, Yeftusran, 22 anos, está prostrada numa cadeira desde o início da manhã. Ela tem um braço quebrado. A assistente social da embaixada, Lina, uma libanesa compassiva, tenta compreender a sua história, mas Yeftusran se mostra incapaz de articular pensamentos, exceto algumas palavras que ela repete de modo recorrente: "Eu quero retornar a Adis Abeba". Os seus olhos são vazios, a sua determinação é aterradora. Depois de várias horas, a jovem mulher acaba contando trechos da sua história. Há quatro anos, ela vive na casa de uma família de camponeses, no norte do país. O filho de 22 anos quebrou-lhe o braço porque ela não foi capaz - ou não conseguiu - levantar e carregar a avó deficiente física que jazia no chão. Yeftusran não quer nem ver um médico, nem contar mais do que isso. No dia seguinte, a embaixada mandará buscar os seus pertences para enviá-la em seguida para Adis Abeba. "Nós tivemos três suicídios só nesta semana, e eu estou com medo do que pode acontecer com esta aqui", murmura Lina. "Uma etíope que chegou há dois dias está no hospital. Ela teria caído de uma varanda", prossegue a assistente social, levantando os olhos para o céu.

"Cerca de 400 domésticas estão mofando na prisão por supostos furtos", afirma Roland Tawk. Tão logo uma empregada de casa resolve fugir, o empregador dá queixa por furto. Durante o verão de 2006, o ataque israelense contra o Líbano e o desespero dos libaneses que fugiram das bombas foram amplamente repercutidos pela mídia. Os veículos de comunicação chegaram a mencionar, sem nunca se deter nesta questão, o número de 30.000 domésticas abandonadas dentro de apartamentos trancados com chave, não raro junto com o cachorro. Ao retornarem, os empregadores ficavam furiosos. A doméstica havia se mandado! "Nós tivemos muitas dificuldades para recuperar os seus passaportes, uma vez que certos empregadores ameaçavam entrar com processo na justiça por abandono de posto", conta Annie Israel, uma assistente social na embaixada das Filipinas.

Aos domingos, os serviços religiosos estão lotados em Beirute. É quando as domésticas que têm direito à folga semanal e aquelas que estão em fuga podem se encontrar. Na igreja São José, o Padre MacDermott, um americano de 75 anos que está instalado no Líbano há trinta anos, denuncia todo domingo o calvário das domésticas e diz que gostaria de ver a hierarquia cristã enfrentar este problema. Em 2001, os bispos do Oriente Médio publicaram um relatório sobre o calvário das domésticas, mas ele permaneceu confidencial.

Em 1948, o Líbano assinou um tratado contra o confisco dos documentos de identidade. Em 1991, a Convenção dos direitos humanos tornou-se parte integrante da Constituição libanesa.

Texto de Dominique Torrès - Repórter especial do canal de TV France 2, Dominique Torrès é a fundadora do Comitê contra a Escravidão Moderna e autora de "Esclaves" ("Escravos", editora Phébus, 1996). Ela realizou uma reportagem, "Líbano, o país dos escravos", que será exibido no canal France 2 na série "Envoyé spécial", na quinta-feira, 18 de outubro de 2007.

Tradução: Jean-Yves de Neufville

Fonte Le Monde - UOL

Meu comentário: Dizia-se que o Líbano era a Suiça do oriente médio, país escravocrata, não é país civilizado.

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Basta! Basta! Basta!

Um Estado decente deve garantir que um chefe de família possa reencontrar seus filhos quando volta da dura rotina de trabalho


UM CRIME bárbaro. Dois jovens que sofreram abuso sexual para, a seguir, serem violentamente assassinados. Uma família completamente estraçalhada. E a sociedade toda, perplexa, em busca de respostas.
Parece notícia requentada, mas, infelizmente, não é. Trata-se de um bizarro enredo, um verdadeiro filme de terror, que tragicamente se repete à exaustão no país. A descrição das vítimas da vez nas palavras simples de sua mãe, numa tocante entrevista à Folha: "O Neném [Josenildo, 13], o mais novo, era muito caseiro, tão apegado a mim que eu tinha de pedir a ele para sair e se divertir. O Neto [Francisco, 14] também nunca deu problema. Adorava soltar pipa e jogar bolinha de gude. Estamos em setembro e nenhum dos dois tinha falta na caderneta da escola".
Pois bem. O relato emocionado da mãe das crianças -que poderiam ser nossos filhos ou netos- mostra um pouco de duas vidas bruscamente interrompidas. O fato, que em si já seria gravíssimo, revela mais um cúmplice dessa tragédia: o "sistema".
Afinal, não custa lembrar, Josenildo e Francisco foram vítimas de um custodiado pelo Estado. Ou seja, foram mortos por alguém que já cometera delitos de altíssima periculosidade e que, como macabramente comprovado, ainda oferecia enormes riscos à comunidade. Pelo desfecho, não há como negar: é claro que uma ou muitas coisas não funcionaram. Afinal, ele simplesmente deixou sua cela, abusou sexualmente de vítimas indefesas e assassinou duas crianças. Depois, o réu confesso voltou, como se nada tivesse ocorrido.
Atônitos e perplexos, perguntamo-nos: "como isso pode ocorrer?". Remanesce evidente que o momento exige uma profunda reflexão de todos nós. Afinal é preciso explicar aos pais do Neném e do Neto -e também a um país inteiro que clama incessantemente por paz- o significado do direito e da Justiça à luz de situações que ultrapassam todos os limites morais de humanidade. Ora uma família é queimada dentro de um carro; noutra oportunidade um menino de cinco anos é arrastado por quilômetros e mais quilômetros.
Mas como nos fazermos compreender quando nos faltam ar e palavras? Ou quando a náusea e a indignação nos tomam por completo?
É preciso força e coragem para seguir adiante. Mas de que forma?
Dessas últimas tragédias, e de outras tantas assemelhadas, é possível vislumbrar -e com toda a razão- que parte da culpa é do "sistema". Certo, mas o que é ele senão um conjunto de regras feito por nós e que, em tese, deveria servir para nos proteger? E é por isso que ainda precisamos nos perguntar: como proceder para que um crime tão nefasto como esse jamais se repita? Ou: quantos pais ainda enterrarão os filhos até que algo seja feito?
Há tempos que a Apamagis clama por mudanças na legislação penal. Importante ressaltar que não nos limitamos a simplesmente criticar ou enxergar falhas. Bem ao contrário. Nós propusemos soluções realmente eficazes e definitivas.
De posse dos pontos frágeis, definimos metas e nos impusemos prazos.
A seguir, reunimos os melhores juristas, debatemos com a sociedade e com os seus representantes -deputados e senadores- e produzimos um anteprojeto de altíssima qualidade técnica para mudarmos o referido "sistema".
A meta -detecção de problemas e soluções técnicas- foi alcançada em prazo recorde. Entretanto o nosso trabalho percorre lentamente os corredores da burocracia. Enquanto isso, as vítimas continuam a tombar velozmente.
É preciso que os nossos legisladores compreendam que o tema segurança pública deve ser tratado com prioridade absoluta.
Um Estado minimamente decente deve conferir garantias a um chefe de família para que possa reencontrar seus filhos quando volta da dura rotina de trabalho. Ou seja, que nem ele, nem sua esposa, nem seus descendentes serão números frios de estatísticas policiais.
Basta de planos emergenciais ou de soluções mirabolantes.
Basta de tentar se omitir.
Basta de discursos histriônicos.
É preciso rapidamente compreender os problemas e ainda mais celeremente encontrar soluções.
Nós, magistrados paulistas, estamos dispostos e disponíveis para fazer parte desse processo de mudança. Conhecemos as dificuldades experimentadas pelas vítimas e pelos familiares, muitas das quais nem sequer são registradas em notas dos jornais, mas que nem por isso são menos dolorosas que as histórias de Neném e de Neto.

Texto de SEBASTIÃO LUIZ AMORIM , 72, desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, é presidente da Apamagis (Associação Paulista de Magistrados).
Fonte Folha de São Paulo de 10/10/07

A CPMF e o burro falante

No Brasil atual, é apenas uma questão de tempo que o povo se levante contra o poder tributário de Brasília

CERTA VEZ, um rei ofereceu uma grande recompensa para quem ensinasse seu burro a falar. Mas, para quem fracassasse na tentativa a punição seria a morte. Candidatou-se apenas um homem, em todo o reino, já condenado por outro crime. O desafiante começou a tarefa com grande empenho. Mas, por certo, o burro não aprendia nada. Quando questionado por curiosos sobre o porquê de haver aceito tarefa impossível, respondeu com simplicidade: "É que antes morre o burro, ou morre o rei, ou então, morro eu".
O desafio do presidente Lula, ao buscar prorrogar a CPMF como "imposto justo", é em tudo semelhante ao do condenado que tenta fazer o burro falar. A tentativa é desmoralizadora, pois empurra o governante a expor uma "lógica" ainda mais desconcertante, como afirmou o próprio Lula, ainda na semana passada, "ser obrigação do presidente, do governador, do prefeito, arrecadar o máximo que puder" para poder, depois redistribuir a quem não tem.
A lógica da arrecadação máxima vem de longe. Povos inteiros, desde a remota Antiguidade, têm sido escorchados por seus dominadores. Contudo, desde sempre, os conquistadores mais espertos sabiam moderar e equilibrar o que sacavam do povo por eles dominado, para não matar a galinha com seus ovos de ouro. No século 18, aqui no Brasil, a Inconfidência Mineira foi sufocada por reagir à "derrama" dos 25% cobrados pelos lusitanos ao ouro brasileiro. Em 1776, George Washington levantou os americanos contra o excesso de taxação de impostos pelos ingleses sobre suas 13 colônias.
No Brasil atual, é apenas questão de tempo que o povo se levante contra o poder tributário de Brasília. Esta, sim, é a grande injustiça contra a qual deveria se insurgir o presidente, que tem a representação direta do seu povo.
Brasília engana o povo quando não estampa, no rótulo das mercadorias, a carga dos tributos incidentes no preço final. A camada da população que o presidente busca defender e preferenciar recolhe impostos e contribuições num montante dez vezes superior à suposta redistribuição fiscal promovida pelos "auxílios do Estado" como Bolsa Família e outros. O Estado, que dá com uma mão, tira com outras dez.
O efeito global, macroeconômico, da carga tributária exagerada do Brasil é ainda pior. Calculamos o efeito da carga haver pulado de 30% para 35% do PIB nos últimos anos. O governo hoje arrecada quase 40% de tudo o que se produz no país. O efeito disso é devastador para o próprio crescimento, pois o PIB perdeu 1,5 ponto do seu potencial de expansão anual. Exemplo: neste ano vamos crescer 4,5%; poderíamos crescer mais 1,5 ponto, ou seja, 6% anuais.
A conta de empregos perdidos, renda não circulada e, também, de tributos não recolhidos, em decorrência do excesso de carga tributária, é maior do que toda a CPMF arrecadada por Brasília!
Tentar provar que a arrecadação truculenta de tributos corresponde a uma política de redistribuição social é querer convencer a todos que o burro vai aprender a falar.
Tão certo quanto burro não fala é a certeza da rebelião popular contra a avalanche dos tributos e contra o poder que os impõe. Lula, que cresceu como legitimo líder dos interesses populares, posaria melhor na foto se ao lado dos que hoje padecem com a carga tributária mais burra do planeta.

Texto de Paulo Rabello de Castro na Folha de São de Paulo de 10/10/07

Meu comentário: Saúde, segurança e educação são funções clássicas do governo, também infra-estrutura como estradas e pontes sem pedágios, já pensou se nesta conta forem inclusos tais serviços como impostos, uma vez que tais gastos são impostos à população pela carência da prestação de tais serviços por quem deveria fornecê-los?
Poderíamos refinar tais gastos com câmeras de segurança, alarmes, seguros contra roubo, etc...

Quanto seria a carga de obrigações impostas?

terça-feira, 9 de outubro de 2007

Lula terceiriza mais que FHC

O inchaço da terceirização

O Estado brasileiro não é mais forte nem mais eficiente do que era no começo do primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas é com certeza mais balofo e muito mais caro para o contribuinte. Uma das principais atividades do governo petista, desde sua instalação, foi inflar a folha de pagamentos da administração federal - tanto com funcionários permanentes quanto com terceirizados e temporários. Se choque de gestão é ampliar o emprego público - tese enunciada recentemente pelo presidente da República -, o setor governamental vai de vento em popa. E suas perspectivas são as melhores, porque a intenção anunciada pelo presidente é de continuar contratando generosamente, sob aplausos de seus ministros e dos companheiros selecionados para os cargos mais confortáveis.

Mas o próprio governo tem sido modesto na descrição de suas façanhas. Segundo o ministro da Fazenda, Guido Mantega, as contratações de pessoal permanente vêm servindo para a substituição de quadros terceirizados. No governo anterior, disse o ministro, havia “ocultação de servidores” por meio da terceirização.

Mais uma vez o ministro passou longe da verdade, talvez para não se gabar de mais uma extraordinária realização do governo petista. Segundo estudo preparado por Gilberto Guerzoni Filho, consultor do Senado, a gestão petista foi mais ativa que a anterior também na contratação de serviços terceirizados.

De acordo com o estudo, baseado em números do Ministério do Planejamento, foram gastos com pessoal terceirizado R$ 43,1 bilhões nos primeiros quatro anos da administração petista, 4% mais do que nos últimos quatro anos da gestão tucana, descontada a inflação. Em 2006, último ano do primeiro mandato do presidente Lula, essa despesa totalizou R$ 12,9 bilhões, 11% mais do que o valor destinado a essa rubrica em 2002, no final do governo Fernando Henrique.

Parte das contratações de pessoal permanente, no governo petista, destinou-se de fato à substituição de pessoal terceirizado, segundo o consultor, mas isso não representou uma alteração de tendência. Os gastos com terceirização não foram abandonados. Ao contrário: aumentaram, acompanhando a trajetória das demais despesas com pessoal.

O mesmo ocorreu com as contratações de temporários. Foram 31.321 no segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso e 51.964 na primeira gestão de seu sucessor, com aumento de 66%.

“Há uma opção explícita desse governo por aumentar o tamanho do Estado”, disse Guerzoni. A ampliação ocorre não só em termos de pessoal empregado, mas também de volume real de gastos. Os vencimentos aumentaram bem mais que o suficiente para recompor o poder aquisitivo dos funcionários.

No ano passado, a folha do pessoal civil ativo custou R$ 33,6 bilhões, 32,4% mais do que no último ano da administração anterior. O inchaço do quadro e do custo de funcionários ocorreu por mais de um motivo. O presidente Lula e seus auxiliares incluem a criação de empregos públicos entre as funções governamentais mais importantes. Essa é também uma concepção política muito popular nos arraiais petistas. Além disso, não basta ampliar o quadro de empregados. É preciso elevar generosamente os seus vencimentos. Isso foi feito com especial empenho no ano passado, durante a campanha eleitoral.

Nos últimos cinco anos, bons funcionários só continuaram sendo bons funcionários porque quiseram, não porque os padrões da administração federal tenham melhorado. Os maus puderam continuar sendo relapsos e improdutivos, porque não se impuseram novas normas de eficiência ao serviço público. As greves continuaram freqüentes, com enormes prejuízos para os dependentes do serviço público.

A clientela da Previdência - apenas para tomar um exemplo dos mais dramáticos - continuou a ser maltratada e ninguém foi punido por participar de greves injustificáveis e prolongadas. As empresas continuaram sendo prejudicadas pela burocracia ineficiente e também pelas paralisações e operações-padrão. Os contribuintes pagaram mais - e continuarão pagando uma conta cada vez mais pesada - por serviços cada vez piores. Mas isso, segundo o presidente, é o verdadeiro choque de gestão.

Editorial do Estado de São Paulo de 09/10/07