domingo, 24 de julho de 2011

Fome na Somália

BAN KI-MOON escreve

Para reverter a situação no Chifre da África, para oferecer esperança em nome de nossa humanidade comum, devemos mobilizar todo o mundo 

Em todo o Chifre da África, as pessoas estão famintas. Uma combinação catastrófica de conflitos, alto preço dos alimentos e seca deixou mais de 11 milhões de pessoas em extrema necessidade. A ONU está emitindo alertas há meses.
Temos resistido a usar a palavra fome -mas, na quarta-feira, reconhecemos oficialmente a realidade.
Há fome na Somália. E está se espalhando. Esse é um alerta que não podemos ignorar.
Todos os dias, escuto os relatórios angustiantes de nossas equipes. Refugiados somalis caminhando durante semanas para encontrar ajuda. Órfãos que chegam sozinhos, seus pais mortos, assustados e desnutridos, em terra estrangeira.
Dentro da Somália, ouvimos histórias terríveis de famílias que viram suas crianças morrer, uma a uma. Recentemente, uma mulher chegou a um campo de deslocados da ONU a 140 quilômetros do sul de Mogadíscio após três semanas de caminhada.
Halima Omar, que, hoje, após três anos de seca, mal sobrevive.
Quatro de suas seis crianças estão mortas. "Não há nada pior que ver sua criança morrer diante de seus olhos porque você não pode alimentá-la", disse. "Estou perdendo a esperança."
Até para os que chegam aos campos muitas vezes não há esperança.
Muitos estão muito fracos e morrem antes de terem recuperado a força.
Para as pessoas que precisam de atenção médica, muitas vezes não há remédios. Imagine a dor desses médicos, que veem seus pacientes morrer por falta de recursos.
É por isso que falo hoje -para focar a atenção global nessa crise, para emitir o alarme e pedir ao mundo que ajude a Somália neste momento de enorme necessidade.
Para salvar vidas de pessoas em risco -mulheres e crianças são a grande maioria- precisamos de aproximadamente US$ 1,6 bilhão.
Até agora, doadores internacionais deram apenas metade dessa quantia. Para reverter a situação, para oferecer esperança em nome de nossa humanidade comum, devemos mobilizar todo o mundo.
A situação é particularmente difícil na Somália. Lá, os atuais conflitos complicam os esforços de ajuda.
As condições de operação são complicadas pelo fato de o governo nacional de transição da Somália controlar apenas uma parte da capital. Estamos trabalhando em um acordo com as forças de Al Shabaab, um grupo de milícia islâmico, para permitir o acesso a áreas do país controladas por eles. Mesmo assim, ainda há sérias preocupações com a segurança.
Também devemos reconhecer que Quênia e Etiópia, que mantiveram generosamente suas fronteiras abertas, enfrentam seus próprios desafios. O maior campo de refugiados do mundo, Dadaab, já está superlotado, com cerca de 380 mil refugiados. E milhares de outros refugiados aguardam.
Na vizinha Etiópia, 2.000 pessoas chegam por dia no campo de refugiados de Dolo. Isso se combina com uma crise de alimentos enfrentada por quase 7 milhões de quenianos e etíopes em casa.
Em Djibuti e Eritreia, milhares de pessoas também estão precisando de ajuda.
Acima de tudo, nós precisamos de paz. Enquanto houver conflito na Somália, não poderemos combater efetivamente a fome. Mais e mais crianças ficarão famintas; mais e mais pessoas irão morrer desnecessariamente.
Na Somália, Halima Omar nos disse: "Talvez este seja nosso destino -ou talvez um milagre aconteça e seremos salvos deste pesadelo".Não posso aceitar isso como seu destino. Juntos, precisamos resgatá-la, bem como precisamos resgatar seus compatriotas e todas as suas crianças, desse pesadelo verdadeiramente terrível.



Da Folha de São Paulo de 24/07/2011  

BAN KI-MOON, mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA), é o secretário-geral da ONU (Organização das Nações Unidas). Foi ministro das Relações Exteriores e do Comércio da República da Coreia.

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