sábado, 25 de dezembro de 2021

Um convite ao diálogo

Em um passado não muito distante, a sociedade já mostrou que é capaz de se unir quando precisa

Em algum ponto da história recente do País, a sociedade renunciou ao diálogo e passou a tratar o debate político como uma guerra de eliminação do “outro”, vale dizer, de qualquer um que não comungue dos mesmos valores, visões de mundo ou ideias para o futuro do Brasil. Há não muito tempo, o diálogo entre atores tidos como irreconciliáveis foi determinante para dar fim a crises tão severas que pareciam insolúveis. Desafortunadamente, isso parece ter se perdido.

A Constituição de 1988 é o exemplo maior de que a concertação civilizada em torno da miríade de interesses em jogo em uma sociedade complexa como a brasileira é possível. O País mal havia saído de uma ditadura que durou longos 21 anos. Decerto, havia forças muito poderosas que se recusavam a enxergar o alvorecer das liberdades. Contudo, ao final daquela Assembleia Constituinte, pode-se dizer que quase todas as forças políticas representadas no Congresso saíram com a percepção de que seus interesses, de alguma forma, foram contemplados pela Lei Maior. Em que pesem os problemas que remanescem no texto constitucional, em boa medida causados pelo afã dos constituintes em privilegiar direitos sobre deveres, o País deu um salto civilizatório com a promulgação da chamada “Constituição Cidadã”, filha legítima do diálogo entre os cidadãos e seus representantes.

O diálogo franco entre cidadãos, governo e o conjunto das forças representativas da sociedade – imprensa, igrejas, sindicatos, partidos políticos, universidades, etc. – também teve importância capital para debelar a hiperinflação que havia décadas transformava em pó a renda dos brasileiros do dia para a noite. Tratava-se, então, de uma crise longa e gravíssima. Pois é seguro afirmar que não haveria Plano Real caso forças antagônicas na arena política não pactuassem em torno de consensos mínimos, a começar pelo fato de reconhecerem a existência do problema da hiperinflação. Hoje, nem isso. Em nome da ideologia, diverge-se até do que é fato.

A capacidade de dialogar, ou seja, a compreensão de que aqueles que têm valores, visões de mundo e propostas para o País diferentes não são inimigos a serem eliminados, mas, antes, representantes de interesses legítimos de segmentos da sociedade que precisam ser ouvidos, é atributo fundamental da boa política.

Há quase uma década, o debate racional em torno de propostas para livrar o País de mazelas históricas, como a desigualdade e o baixo crescimento, está interditado por uma renhida peleja que nem sequer pode ser chamada de “disputa política”, pois se vê de tudo, menos a abertura ao diálogo da qual é pressuposto. Soluções legítimas e duradouras para os problemas nacionais – problemas estes que a política foi concebida justamente para resolver – só hão de surgir por meio do diálogo. Não há alternativa.

Urge, portanto, recuperar a capacidade da sociedade para dialogar sobre questões que afetam todos os cidadãos. O clima de guerra fratricida que se instalou no País, é preciso enfatizar, foi estimulado por lideranças políticas irresponsáveis que só triunfam em meio ao caos, em meio ao esgarçamento do tecido social, dividindo os brasileiros entre falanges. Não é uma condição inata da nacionalidade. A sociedade já demonstrou em outros momentos trevosos que é capaz de se unir quando precisa.

O ano que se avizinha será extremamente desafiador. A Nação assistirá a uma luta pelo poder como há muitos anos não via. A campanha eleitoral certamente será marcada não pelas mentiras que todo candidato conta, e sim por uma avalanche de desinformação destinada a embaralhar a noção de realidade e premiar os delinquentes políticos. Sendo assim, cada cidadão, no seio de sua família e no seu círculo de amizades, precisa criar barreiras para não se deixar influenciar por esses arautos da desunião. Em recente artigo no Estado, o vice-presidente da República, Hamilton Mourão, lembrou que “todas as esferas da vida só prosperam com diálogo civilizado e construtivo”. Com razão, Mourão exortou seus concidadãos a “superar a agenda do confronto, do ‘eu contra você’ e ‘nós contra eles’”.

Não se busca a concórdia absoluta, que só existe nos cemitérios, mas sim a recuperação do diálogo minimamente civilizado entre os cidadãos, o que já fará um bem enorme ao País.

Editorial d'O Estado de São Paulo de 25/12/2021

https://opiniao.estadao.com.br/noticias/notas-e-informacoes,um-convite-ao-dialogo,70003934797

terça-feira, 23 de novembro de 2021

Aldo Rebelo: "linguagem neutra é inaceitável"

Aldo Rebelo diz que linguagem neutra é inaceitável e critica 'agenda identitária' em evento com militares
Ex-ministro de governos do PT disse que querem transformar o Brasil em país de brancos e pretos


Rebelo disse no encontro que o uso de linguagem neutra é inaceitável, um "atentado à sociedade nacional", e que se trata da tentativa de criar outra língua, inventar palavras para "impor à sociedade uma outra forma de expressão da cultura".

"É algo importado. Não é linguagem neutra, o que estão querendo impor é outra língua", disse. "O que estão querendo fazer não é o uso das palavras existentes. É a criação de uma outra língua, de um outro idioma, porque estão inventando palavras que não existem na língua portuguesa. Não é o problema do gênero, é a tradição, a cultura", afirmou o ex-ministro dos governos Lula e Dilma Rousseff.

"Aqui no Brasil, essa agenda tomou conta do mercado, pelas corporações que estão nisso, da mídia, de certa forma o Legislativo vai entrando nisso e o Judiciário nem se fala", disse Rabelo. Ele criticou o Supremo Tribunal Federal e afirmou ter a impressão de que ele age como "uma corte dos costumes, dos comportamento".



O ministro Edson Fachin, do STF, suspendeu na quarta-feira (17) a eficácia de uma lei de Rondônia que proibia o uso de linguagem neutra nas escolas públicas e privadas do estado.

Ex-PCdoB, PSB e Solidariedade, Rebelo disse que o país mergulhou em um processo de desorientação quando a agenda do crescimento perdeu sentido diante da "agenda identitária e da guerra cultural".

"Em 2011, 12, 13, 14, o Brasil mergulhou naquele movimento 'Não Vai Ter Copa', de sabotagem contra o Brasil, com setores desorientados da política, de tudo quanto é tendência. Nas ruas, um movimento pesado, difícil, e o país mergulha em um certo processo de desorientação, a agenda do desenvolvimento e do crescimento perde um pouco sentido em função de outras agendas: a agenda identitária, a agenda da guerra cultural, a agenda da fragmentação", disse Rebelo, que também já foi ministro dos Esportes e da Ciência.

Ele ainda afirmou que o Brasil é uma nação "essencialmente mestiça" e estão tentando transformá-lo em um país "de pretos e brancos".

"Essa é a nossa marca, a miscigenção. Agora querem transformar em um país de pretos e brancos. Acho uma coisa criminosa, inaceitável, imposta de fora para dentro, financiada de fora. Porque se o Brasil chegar à conclusão de que somos um país dividido entre africanos e europeus, nós vamos ter que reconhecer que passamos 500 anos errados, equivocados. E que tudo aquilo que o Gilberto Freyre e o Darcy Ribeiro falaram do povo brasileio, do mestiço que é bom, estava errado. É isso que querem nos impor", argumentou Rabelo.

Segundo ele, o maior risco que o Brasil enfrenta hoje, mais do que o econômico, é o risco de desintegração da sua identidade, de sua memória e de sua "mestiçagem".

Da coluna Painel na Folha de São Paulo de 23/11/2021, editada por Camila Mattoso, espaço traz notícias e bastidores da política. Com Fabio Serapião e Guilherme Seto.
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/painel/2021/11/aldo-rebelo-diz-que-linguagem-neutra-e-inaceitavel-e-critica-agenda-identitaria-em-evento-com-militares.shtml 

Nota de rodapé:
A fala do ministro do ministro Aldo Rebelo pode ser vista pelo YouTube. Eu só assisti a parte da fala do Aldo Rebelo, o resto é não vi, e não quero ver 
https://www.youtube.com/watch?v=vqPY7JJX3T8


sábado, 23 de outubro de 2021

Um obituário do teto de gastos

Medida fiscal implementada desde 2016 para conter a expansão de gastos públicos será revista com a PEC dos Precatórios

Comunicamos o falecimento do teto de gastos, regime fiscal brasileiro, no dia 20 de outubro de 2021. A morte não foi por causa naturais, o falecido foi vitimizado pelo Presidente Bolsonaro e seus aliados.

Guedes furando o teto 
https://www.reddit.com/r/farialimabets/comments/qccqkp/guedes_furando_o_teto/

Na tentativa de reabilitar sua popularidade e forjar apoio junto ao Centrão, Bolsonaro se juntou ao Congresso para aprovar alterações na regra do teto de gastos que permite um gasto adicional de pelo menos R$83 bilhões em 2022.

Como consequência, toda a cúpula do Tesouro Nacional, responsável pela gestão do orçamento, pediu demissão. Os indicadores de risco país e cambial dispararam.

Para o leitor entender o contexto, vamos responder duas perguntas: para que serve o teto? Por que dizemos que ele morreu?

O teto de gastos surgiu ao fim da recessão da nova matriz econômica (2014-16) como tentativa de estabilização da dívida pública do governo federal. Durante aquela crise, que teve o pior biênio de crescimento econômico brasileiro desde 1900, a relação dívida-PIB disparou: saltou 20 pontos percentuais em cerca de dois anos.

Ao contrário do alardeado pelos críticos, seu objetivo era evitar uma contração fiscal muito forte no período inicial — ainda durante uma grave recessão. Ao contrário, objetivava-se suavizar o ajuste ao longo do tempo.

Enquanto a proposta do teto era fazer uma consolidação fiscal de 2,5% do PIB em seis anos, outros países que passaram por crise fiscal tiveram que ajustar mais num período menor. Portugal, por exemplo, passou por uma consolidação de 6% do PIB em dois anos.

A ideia era que a meta de ajuste de longo prazo — que duraria dez anos — serviria como uma âncora para as expectativas dos credores do governo federal. Com isso, esperava-se que a percepção de risco fiscal caísse mesmo que não houvesse muita austeridade (corte de gastos ou aumento de impostos) no curto prazo.

Pelo menos por um tempo, os dados sugerem que isso ocorreu. Quando o teto foi proposto, o risco país brasileiro estava 140 pontos acima do dos outros países da América Latina (o leitor pode pensar nesses países como um “grupo de controle” num experimento).

Em meados de 2018, essa diferença tinha desaparecido. Mesmo sem serem conclusivos, esses dados são consistentes com o mecanismo de âncora fiscal.

Essa redução no prêmio de risco permitiu ao Banco Central, sob o comando de Ilan Goldfajn, adotar uma agressiva política de redução de juros sem se descuidar da inflação. Os estímulos ajudaram no fim da recessão e, ao mesmo tempo, reduziram o custo de juros sobre a dívida do governo, um benefício fiscal.

Há críticas justas ao teto de gastos. A principal é a não separação dos gastos correntes dos investimentos. Ele também poderia ser mais flexível frente a crises ou choques externos. Estudo de Eduardo Cavallo e coautores indica que regras fiscais mais flexíveis preservam o investimento público.

Não há dúvida que o teto era imperfeito. Ao mesmo tempo, é difícil imaginar que o freio imposto aos salários do alto funcionalismo federal ou a reforma da previdência (ambos inequivocamente necessárias restrições aos gastos correntes) teriam ocorrido sem sua existência.

Se a situação fiscal fosse mais frágil ao início da pandemia, teria sido mais difícil realizar o Auxílio Emergencial e a tragédia humanitária, muito maior.

Por que podemos dizer que o teto morreu? Legalmente, ele continua existindo. As exclusões só valem para o ano que vem.

A questão é que, como mencionado acima, a eficiência da âncora fiscal depende de sua credibilidade. A regra não era única no mundo. Segundo dados do FMI, em 2015, mais de 40 países tinham regras de limite de gastos. Alguns, como a Suécia, com um teto mais rígido que exige maioria constitucional para alteração. Outros, com regras mais frágeis.

Em todos eles, o objetivo das regras fiscais é prevenir que os interesses de curto prazo do mandatário se sobreponham aos interesses de longo prazo da sociedade. Quando a regra fiscal é violada num arroubo populista e eleitoreiro, como feito agora, a âncora fiscal já não existe. Os agentes de mercado já perceberam isso.

Faleceu o teto de gastos. Hoje, o velório se dá nas mesas que transacionam risco país e câmbio. No futuro, o que ocorrerá com a situação fiscal? É difícil prever, mas é fácil garantir que isso será um dos principais desafios do governo que assumir sob as ruínas do atual.

Texto de Carlos Góes, pesquisador-chefe do Instituto Mercado Popular, um laboratório de políticas públicas sediado em São Paulo. Foi assessor da Presidência da República e pesquisador de FMI e OMC.

D'O Globo de 23/10/2021
https://oglobo.globo.com/economia/um-obituario-do-teto-de-gastos-25248498

sábado, 2 de outubro de 2021

Quadrilha incentiva suicídio

Saiba como proteger os jovens de quadrilha que incentiva suicídio

Grupo preso acendeu o alerta para a proteção de adolescentes vulneráveis

A prisão de quatro pessoas nesta quarta-feira acusadas de instigarem jovens por meio de redes sociais a cometerem o suicídio acendeu o alerta para a proteção de adolescentes vulneráveis. Na avaliação de Talitha Nobre, psicóloga do Grupo Prontobaby, as famílias precisam estar atentas.

– Esses criminosos normalmente acabam indo atrás justamente dos grupos mais vulneráveis, pessoas que já estão em sofrimento psíquico. Então, é importante, antes de qualquer coisa, a percepção dos pais, da família e da rede de apoio que aquela pessoa tem à sua volta. Porque é muito difícil para quem está em sofrimento perceber a condição em que está – disse Nobre.

De acordo com a psicóloga, é importante identificar os sinais de que aquela pessoa não está bem, garantir que ela tenha acompanhamento psicológico e ficar atento ao que aquele jovem tem visto na internet.

— Em casos como esses, os jovens não agem de forma consciente. Estão em sofrimento e acabam persuadidos por pessoas mal intencionadas que se aproximam, criam laços e usam-se disso para persuadi-los a fazer algo que, talvez, não fariam — afirmou a especialista.

Talitha Nobre também afirma que os jovens também precisam entender que, apesar de a internet ter se tornado nosso elo de aproximação durante a pandemia, é preciso ficar atento com quem a gente conversa e não se abrir a quem não conhece.

A operação da Polícia Civil do Distrito Federal que prendeu as quatro pessoas teve mandados de busca e apreensão cumpridos em três estados — Goiás (três endereços), São Paulo (três endereços) e Rio de Janeiro (um endereço) —, além do DF. Um suspeito ainda está foragido.

De acordo com o delegado-chefe da 6ª DP, Ricardo Viana, que está à frente das investigações, a apuração sobre o grupo começou há sete meses, após a polícia ser comunicada a respeito de duas mortes:

— Uma vítima de 21 aos faleceu na região do Paranoá (no DF). Essa vítima ingeriu uma substância que lhe causou a morte. Um mês depois, a amiga dessa vítima também faleceu ao se suicidar ingerindo a mesma substância. Após chegada do laudo pericial dos computadores e do aparelho celular apreendido na residência da primeira vítima, nós chegamos à conclusão que elas faziam parte de um grupo de WhatsApp chamado CTBus. As investigações demonstraram que CTBus faz referência ao termo catch the bus, em inglês temática que faz referência ao suicídio. Nós conseguimos mapear o núcleo desse grupo de WhatsApp e chegamos aos quatro indivíduos. O policial detalhou como agiam os suspeitos.
— Primeiramente, eles recebiam os novos integrantes, os deixavam bem confortáveis. Falavam que entendiam a sua dor, no intuito de tentar ceifar as suas próprias vidas e, após uma breve ambientação, eles começaram a instigar e auxiliar essas pessoas a se suicidarem — disse ele.

Reportagem de Arthur Leal n'O Globo de 30/09/2021 
https://oglobo.globo.com/brasil/seguranca-publica/saiba-como-proteger-os-jovens-de-quadrilha-que-incentiva-suicidio-25218575

quinta-feira, 30 de setembro de 2021

O suicídio é a ponta do iceberg

Mal compreendido e estigmatizado, transtorno mental exige ação rápida


Nos últimos 50 anos, a evolução da medicina permitiu redução drástica nas mortes causadas por doenças mais conhecidas, como as cardiovasculares e o câncer. Infelizmente, o mesmo ainda não ocorreu com o suicídio: as taxas se mantêm estáveis ou até aumentaram em alguns países, caso do Brasil. Entre 2011 e 2015, o número de ocorrências subiu cerca de 7% no país —77% das mortes por suicídio acontecem em países de baixa e média renda.

O suicídio é um fenômeno complexo e multicausal. Existe, contudo, uma motivação comum em aproximadamente 90% dos casos: a existência de um transtorno mental, tal como depressão e alcoolismo. A mortalidade associada ao suicídio é apenas a ponta do iceberg. É preciso ampliar o debate: temos que olhar para a saúde mental e cuidar das pessoas com transtornos mentais.




Durante a pandemia, o tema saúde mental entrou pela porta da frente de nossas casas. Sentimentos, emoções, pensamentos, todos os componentes do funcionamento típico da nossa mente foram afetados pela mesma ameaça. Num primeiro momento, vivemos o medo, a ansiedade, as preocupações. Muitos viveram o luto. Sofremos e usamos nossas ferramentas para lidar com esse sofrimento. Esse processo de negociação contínua é uma boa definição para saúde mental.

Quando essa negociação não vai bem, temos os sintomas. E quando os sintomas persistem e vencem a nossa capacidade de superação, o nível de sofrimento aumenta, passando a afetar várias dimensões da vida, impactando a rotina no trabalho, na escola e nas relações. Isso caracteriza um transtorno mental, termo mal compreendido e estigmatizado, mas que designa os diagnósticos da psiquiatria, incluindo depressão, transtornos de ansiedade e transtorno bipolar, entre outros.

Os transtornos mentais são muito frequentes: uma em cada quatro pessoas vai desenvolver um quadro ao longo da vida. São as principais causas de incapacitação na faixa etária dos 14 aos 50 anos. Isso gera um custo para a economia mundial estimado em US$ 2,5 trilhões. De acordo com projeções da Organização Mundial da Saúde, esse número chegará a US$ 6 trilhões em 2030.

Atualmente, os transtornos mentais são considerados doenças crônicas dos jovens, já que três em cada quatro adultos acometidos começaram a apresentar sintomas antes dos 24 anos e metade desses antes dos 14 anos. Por outro lado, o investimento em saúde mental tem um retorno inquestionável. A Lancet Commission para saúde mental global aponta que, para cada dólar investido por um governo no tratamento de depressão e ansiedade, há um retorno de outros quatro em melhora de saúde e ganho de produtividade.


Para mudar esse cenário temos que chegar mais cedo, identificando precocemente e tratando de forma eficaz as pessoas com transtornos mentais. Contudo, essa não é uma tarefa trivial, e são inúmeras as barreiras. Dados de estudo que conduzimos no Instituto Nacional de Psiquiatria do Desenvolvimento (CNPq e Fapesp), que segue 2.500 jovens em São Paulo e Porto Alegre por mais de dez anos, mostram que cerca de 80% daqueles que apresentam um transtorno mental não estão em atendimento. Segundo o estudo, o principal motivo associado à falta de tratamento não foi a escassez de serviços de atendimento, mas sim o estigma relacionado de ter alguém com um transtorno mental na família.

Uma das maiores campanhas de conscientização sobre suicídio do mundo, chamada Setembro Amarelo, vem sendo desenvolvida com sucesso no Brasil. Realizada por importantes atores da sociedade civil, ela busca levar informações para combater o estigma ligado ao suicídio.
Uma pessoa que apresenta pensamentos suicidas precisa ser avaliada e tratada com urgência. A ação rápida e coordenada salva vidas.

Não há dúvidas de que cuidar do suicídio é primordial, mas temos que agir antes: adotar o paradigma da prevenção, que começa pela informação sobre o tema. Nesse sentido, a pandemia vem oferecendo uma oportunidade única. Precisamos falar sobre saúde mental.

Texto de 
Rodrigo Bressan e Pedro Pan na Folha de São Paulo 

Rodrigo Bressan,
psiquiatra, é presidente do Instituto Ame Sua Mente e professor livre docente pela Unifesp e do King’s College London

Pedro Pan, psiquiatra, é conselheiro do Instituto Ame Sua Mente e professor-adjunto na escola Escola Paulista de Medicina/Unifesp

https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2021/09/o-suicidio-e-a-ponta-do-iceberg.shtml


O que leva o jovem negro ao suicídio?

Não tem como ser uma pessoa saudável em uma sociedade adoecida”

No país considerado o mais ansioso do mundo em 2020, segundo levantamento feito pela OMS, suicídio é a 3ª maior causa de morte entre os jovens brasileiros.

O corpo que mais morre de suicídio no Brasil tem cor, idade e sexo. A maioria é homem, negro e com idade entre 10 e 29 anos, segundo dados do Ministério da Saúde. E as estatísticas apontam para o aumento dos índices.

O modelo de sociedade capitalista e competitivo ou a falta de serviços básicos (moradia, saúde, educação, segurança, lazer, cultura), o abandono familiar, o vício em drogas, doenças mentais, sentimento niilista de ausência de sentido na vida, dificuldade em resolver problemas cotidianos ou o desânimo generalizado em atividades comuns. Tudo isso pode contribuir para o surgimento ou aprofundamento de doenças mentais ou pensamentos suicidas.

Assista à entrevista: https://youtu.be/D2beXZ_jMFE

Há também os fatores inerentes à situação do país, como a conjuntura política, social, econômica e cultural, que passa por um período complexo, impactando não somente as instituições nacionais, como também os cidadãos, que precisam se adaptar a novas realidades, como o desemprego e ausência de perspectivas.

Existe uma lista interminável de “lugares mentais e físicos” perpassados por alguém que comete suicídio; cada caso é único. O importante citado por campanhas como a do “Setembro Amarelo”, de prevenção ao suicídio, é a identificação e o acompanhamento precoce.

Para falar sobre suicídio de forma geral e na população negra jovem em particular, entrevistamos a psicóloga e psicanalista Clélia Prestes, do Instituto AMMA Psique e Negritude. Clélia é especialista em psicologia clínica psicanalítica pela UEL (Universidade Estadual de Londrina) e doutora em psicologia social pela USP. Também foi pesquisadora visitante no Departamento de Estudos Africanos e Afro-Diaspóricos pela Universidade do Texas em Austin.

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“Eu penso que estamos em um momento de muita carência, de muita desconexão. A saúde, na forma como eu conceituo saúde, ela é a integração harmoniosa das diferentes dimensões pessoais, sociais, coletivas, ecológicas e cósmicas. Não tem como ser uma pessoa saudável numa sociedade adoecida, não tem como ser uma pessoa saudável às custas dos esgotamentos naturais ou à base da exploração de outras pessoas.

Tudo isso em um momento político de desamparo, torna muito difícil alguém hoje estar satisfeito, seja em quem quer que a pessoa tenha votado. E é de uma certa ambiguidade o tempo todo a política. Para uma psicóloga isso é uma fábrica de loucura, de angústia, de grandes ansiedades. Tem uma certa tortura que vai acontecendo socialmente e que vai nos deixando em sofrimento. Me parece que esse conjunto de elementos históricos, políticos, ecológicos nos deixa em sofrimento e sem recursos para podermos seguir saudáveis”

“Cada criança cresce nas escolas aprendendo que tem que ser líder. Não sei quem elas vão liderar, porque todo mundo vai ser líder ou cresce achando que tem que ser um ator de filme pornográfico. Tem que ser uma coisa performática e muitas vezes nem têm experiência sexual, mas precisam dizer que têm e isso pode ser extremamente “ansiogênico” para um jovem que ainda está tentando se descobrir, se localizar e tem toda uma demanda na forma de estar no mundo.

Então todos os incentivos que a mídia traz de como a gente precisa fazer e de que a gente precisa ser incrível, precisamos nos sobressair de outras pessoas, seja no jogo, seja nessa disputa por ser celebridade, de ser o primeiro [melhor] da turma. Isso tudo pode ser muito exigente para alguém que ainda está frágil, apesar de ser grande”

“A família é essencial, o papel da família é oferecer contorno, ajudar a acolher quando esse jovem chega com a frustração de não ter conseguido, ajudar inclusive a mostrar que está tudo bem não conseguir também. A gente que é adulto muitas vezes também não consegue, mas a gente continua tentando; é apoiar, é dar limite, dar colo”

“Como prevenção do suicídio a gente precisa conhecer bem essas pessoas para poder inclusive identificar quando tem alguma coisa que não está bem, estabelecer ou manter um diálogo sempre que possível.

A pessoa deprimida por exemplo, que pode ser um dos pontos que leva ao suicídio, não é só a pessoa que fica no quarto e não consegue sair – que também é um caso muito importante de ser cuidado -, mas ela pode estar em uma sequência de saídas, pode ser uma pessoa muito agitada, muito ativa, que é uma forma de não entrar em contato consigo mesma, de fugir do que dói”

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“Jovens negros têm um lugar reservado na sociedade que tem a ver com imaginar que são pessoas que vão ter menos condição de progredir no trabalho, que seriam pessoas perigosas, que não são confiáveis, das quais a gente precisaria ter medo ou oferecer poucas oportunidades.

Isso tudo interfere nessas pessoas. Interfere, inclusive, no acesso que essas pessoas têm à garantia de seus direitos.

Se eu sou uma pessoa da sociedade que recebo o tempo todo esse tipo de expectativa, esse tipo de tratamento, isso pode impactar no quanto eu me ligo à vida, no quanto eu projeto sonhos para a minha vida, o quanto eu acredito que eu vou poder realizá-los e muitas vezes essa não é uma conta que fecha positiva para jovens negros.

Então tem todos esses elementos e tem mais o fato de [eles] serem alvos de muitas violências, de muitas dificuldades no acesso à educação, de acesso à progressão no trabalho ou mesmo da dificuldade de ter projetos de vida com tantos jovens negros sendo assassinados, violentados”

“A morte do jovem negro chega muitas vezes por assassinatos com armas de fogo e essas mortes, esses fatos, vão minando a vitalidade e a dificuldade de sonhar, para além das questões sociais, [como] ter uma decepção grande, uma perda significativa, um adoecimento psíquico que leva a pessoa a não conseguir se firmar na vida. Mas isso tudo, todos esses aspectos vão se unindo [para o suicídio], não é só uma questão social ou só pessoal”

“É importante falar das universidades porque é um dos espaços em que esses adolescentes e jovens estão e que é um espaço muito sonhado e muito difícil de entrar, mas que também muitas vezes é um espaço de sofrimento. Nos últimos dez anos um aumento enorme de pessoas negras nas universidades por conta das cotas, das ações afirmativas. Mas as universidades continuam sendo heteronormativas, racistas, com uma lógica capitalista porque a sociedade é assim, então a universidade também é.

O que acontece é que muitas vezes jovens negros entram na universidade e têm o impacto de como vão ser recebidos, de quais vão ser as teorias que vão ler, de como serão vistos os referenciais que tem a ver com os seus ancestrais, a dificuldade de ter o seu modo de falar, de se expressar, de se movimentar”

A gente precisa falar francamente disso. Estar na universidade é estar em um lugar em que meu corpo percorre um espaço mas que eu só vejo corpos parecidos com o meu para limpar o chão, para cozinhar, que são tarefas tão válidas quanto dar aula só que seria importante que nós [negros e negras] também estivéssemos na docência, em chefia de departamento, nas referências bibliográficas, na forma em como organizamos a aula…

Tanto na USP, onde fiz mestrado e doutorado, quanto em minha experiência no exterior, na Universidade do Texas em Austin, eu tive algumas situações em que tive que explicar que eu era estudante.

Então vários elementos dificultam não só o acesso, mas a permanência de pessoas negras e de referências negras na universidade”

Não tem essa regra de que quem é negro vai [necessariamente] entender negro, mas infelizmente no Brasil muitas psicólogas não pensam o racismo como um dos aspectos a serem considerados e não só com pacientes negros. Qualquer pessoa em terapia deveria pensar a sua racialidade”

“Muitas vezes nas redes sociais, homens negros que chegam à maturidade, aos trinta anos, comemoram não apenas mais um ano de vida, não apenas o chegar a fase adulta, mas que superaram as estatísticas, que conseguiram sobreviver. O número de jovens negros assassinados no Brasil corresponde a mortes ocorridas em países em guerra. Para jovens negros eles vivem em um país em guerra”

“Eu só tenho prejuízos na sociedade às custas de privilégios de outras pessoas. Um prejuízo desse tipo, que é sócio-histórico, ele é uma gangorra; tem prejuízo aqui para garantir privilégio ali”.

De Morris Kachani n'O Estado de São Paulo de 29 de setembro de 2021

https://brasil.estadao.com.br/blogs/inconsciente-coletivo/o-que-leva-o-jovem-negro-ao-suicidio

terça-feira, 28 de setembro de 2021

PEC 32, A PEC DO RETROCESSO ADMINISTRATIVO

1- A PEC do retrocesso administrativo
2 - (Ao menos) Três motivos para encerrar a tramitação da PEC 32
3 - Reforma administrativa é uma PEC para manter benefícios de carreiras já privilegiadas 

A PEC do retrocesso administrativo

A atual proposta, que se originou no Executivo e já chegou torta, a cada passo mais se afasta do objetivo de melhorar a gestão de pessoas

Em 19 de setembro de 2021 Ana Carla Abrão, Arminio Fraga e Carlos Ari Sundfeld escreveram n'O Estado de S.Paulo

A nova versão do relatório do deputado Arthur Maia, apresentada nesta última quarta-feira à Comissão Especial da Reforma Administrativa, consegue ser pior do que a primeira, já objeto de manifestação nossa (“A Contrarreforma Administrativa”, publicado em 04/09/2021). O relator cedeu ainda mais às pressões puramente corporativas de associações de servidores públicos. Deixou de corrigir os erros do projeto do governo e contribuiu com novos desvios de sua autoria, constitucionalizando o que deveria eliminar.

E pior: o relatório previu vantagens e proteções cujo único sentido é, distorcendo a Constituição democrática de 1988, reforçar a caminhada em direção a um Estado policial no Brasil. Nosso país precisa reagir enquanto é tempo.

O serviço público brasileiro tem grandes problemas. Há excesso de carreiras, com reservas de mercado injustificáveis. A elite desfruta de privilégios injustos enquanto o restante dos servidores não é devidamente valorizado ou atua em condições inadequadas. Faltam avaliações de desempenho. A produtividade geral é baixa, assim como a qualidade dos serviços. São raras as demissões de maus servidores. Falta mínima flexibilidade, algo indispensável à gestão de pessoas.

Qual a responsabilidade das atuais normas constitucionais? Em vários casos, nenhuma. Por exemplo: a Constituição, em seu artigo 41, já prevê ser necessário avaliar os servidores. Por que não acontece? As leis de regulamentação até agora não foram feitas. E os governos não mostram interesse em avaliar serviços e servidores. Nenhuma mudança na Constituição vai resolver essa lacuna. Mas sempre é possível incluir novas exigências para dificultar ou inviabilizar avaliações. A proposta do relator fez exatamente isso. Equiparou procedimentos de avaliação a processos punitivos, uma completa distorção. E reservou à própria corporação o controle das decisões de dispensa de servidores ineficientes. Ou seja, blindou ainda mais a ineficiência.

Outro instrumento de gestão de pessoas é a contratação temporária, importante em todas as áreas e largamente usada nas administrações modernas. O relatório procura inviabilizá-la. A principal estratégia é reservar a servidores permanentes a execução de extensa lista de “atividades finalísticas”. Ali é possível identificar um a um os lobbies das elites do serviço público, que circulam com desenvoltura no Congresso Nacional. Mas não é só. O relatório quer impedir contratações temporárias para a “gestão governamental” – na prática, o mesmo que as proibir para qualquer atividade.

O mais grave é a tentativa de mudar a Constituição para fazer do Brasil uma república de policiais. O relatório se esmera em conceder privilégios a grupos ligados à segurança pública. Cria monopólio de acesso ao cargo de delegado-geral da Polícia Federal, imuniza com foro privilegiado os delegados-gerais das polícias civis dos Estados, dá aposentadorias e pensões especiais a policiais e outros agentes de segurança, e assim por diante. Nada a ver com reforma administrativa. É pura captura do Estado por grupos de servidores armados.

A atual proposta, que se originou no Executivo e já chegou torta, a cada passo mais se afasta do objetivo de melhorar a gestão de pessoas. Se aprovada, fará a própria Constituição se tornar um empecilho às reformas necessárias. O episódio mostra que lobbies corporativos conseguem se sobrepor a todo bom senso e às intenções de avanço. Os interesses da coletividade se perdem na falta de liderança, de clareza e de compromisso com a agenda de país. A cada PEC que se aprova, a ordem constitucional vai sendo desviada para servir às elites do serviço público.

Precisamos sim avançar o quanto antes na reorganização do Estado. O caminho correto e viável passa por regulamentar por lei o que a Constituição já comanda e caminhar da direção da desconstitucionalização das normas do RH público.

É hora de desarmar o desastre. A PEC 32 é uma bomba relógio. Não estamos mais discutindo reforma do Estado ou melhoria do RH público. Sua tramitação tem de ser encerrada.

ANA CARLA ABRÃO É ECONOMISTA E SÓCIA DA CONSULTORIA OLIVER WYMAN; ARMINIO FRAGA É EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL; CARLOS ARI SUNDFELD É PROFESSOR TITULAR DA FGV DIREITO SP
https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,a-pec-do-retrocesso-administrativo,70003844038

Três motivos para encerrar a tramitação da PEC 32

Em 21 de setembro de 2021Ana Carla Abrão escreveu n'O Estado de S.Paulo
(Ao menos) Três motivos para encerrar a tramitação da PEC 32

Atual projeto de reforma administrativa atende a interesses corporativistas e condena País à mediocridade

Reforma administrativa é coisa séria. Bem feita, gera aumento na qualidade dos serviços públicos, ajuda a fazer crescer a produtividade da economia e melhora a trajetória fiscal de curto, médio e longo prazos. Malfeita, nos condena à mediocridade e à pobreza ao consolidar a máquina pública como reforçadora de desigualdades sociais.



Um projeto complexo (e confuso) de emenda constitucional chegou ao Congresso Nacional ao final de 2019. Ficou ali dormente até que, recentemente, entrou no rol das reformas a serem entregues neste ano. Foi colocado na mesma esteira desastrosa da reforma do Imposto de Renda. Deu no que deu.

O relatório apresentado pelo deputado Arthur Maia à Comissão Especial da Reforma do Estado tem retrocessos – por si só, inaceitáveis – e inviabiliza avanços futuros. Ele nos dá os motivos para defender o fim da tramitação da PEC 32. Destaco aqui três deles:

1) Cravar no texto constitucional uma definição do que sejam atribuições de carreiras típicas de Estado é atender a pleito antigo de carreiras públicas de elite que queriam garantir privilégios na Constituição. Sim, há atribuições típicas de Estado que precisam ser preservadas e protegidas pela estabilidade, embora não necessariamente na Constituição. Ainda mais com definições estanques, em que cabem quase todos os grupos. Afinal, imagine ter de reformar a Constituição por que essas tantas atribuições exclusivas se tornaram obsoletas ou fundíveis? Ao abrir um espaço em que centenas de carreiras aí se identificam, pegando carona em blindagens injustificadas, os atuais privilégios das castas do serviço público não só deixam de ser eliminados para os poucos que os detêm, mas passam a ser constitucionalizados para quem não deveria tê-los. Ampliam-se em número e força as reservas de mercado (ao proibir contratações temporárias para o rol amplo e subjetivo de atividades típicas de Estado); se dá tratamento diferenciado na avaliação de desempenho; e se inviabiliza a dispensa por baixo desempenho, ao se colocar os procedimentos administrativos na mão de servidores da mesma carreira que o eventual dispensado. Trata-se de ampliar o fosso entre o mundo real e o das elites do serviço público brasileiro.

2) Há modelos consagrados de avaliação de desempenho no setor público. Eles exigem padronização, implementação cuidadosa e calibração no tempo. Precisam ser dotados de flexibilidade, desde que mantidos os conceitos de impessoalidade, estes garantidos pela avaliação final colegiada, pela padronização dos procedimentos e pelo direito à ampla manifestação do avaliado. Mas seu detalhamento não deve estar na Constituição, muito menos com referências por demais vagas, como o dever de considerar as condições de trabalho do avaliado. Colocar esse tipo de norma muito aberta na Constituição tem o único efeito prático de garantir o espaço para a judicialização das avaliações. Também não faz sentido que a avaliação tenha critérios distintos ou garantias especiais para classes de servidores de elite. Além de errado, é injusto. Compromete-se, assim, a probabilidade de uma justa, correta e eficiente avaliação de desempenho no setor público brasileiro.

3) No meio dos retrocessos e blindagens contra futuros avanços, o relatório envereda em tema que nada tem a ver com uma reforma do RH do Estado, mas muito a ver com a criação de um Estado policial. Faz com que as forças de segurança (ampliadas com a inclusão de guardas municipais e, pior, agentes socioeducativos, cuja equiparação a policiais é um grande desvio) sejam contemplados com privilégios constitucionais absurdos, que sequer as demais carreiras típicas de Estado possuem. O relator cede ao momento que vivemos, em que fortes lobbies de policiais são respaldados por um governo que vê nas armas seu único lugar de fala. O foro privilegiado ao delegado-geral da PF e aos delegados das Polícias Civis vai na contramão do que precisamos. Ampliar o conceito de forças de segurança e conceder integralidade e paridade na aposentadoria equivalem a devolver avanços importantes da reforma da Previdência.

Não é à toa que o barulho dos sindicatos de servidores públicos sumiu. As antes campeãs #PECdaRachadinha ou #ReformaAdministrativaNao deram lugar ao silêncio nas redes sociais. Sinal inequívoco de que os interesses corporativistas estão atendidos numa PEC que representa o fim da reforma administrativa e a condenação do Brasil à mediocridade. É aqui que estamos e aqui que ficaremos com essa equivocada contrarreforma.

(Texto de minha autoria e erros e omissões de minha responsabilidade. Mas, neste tema, Arminio Fraga e Carlos Ari Sundfeld são valiosos e imprescindíveis companheiros de jornada. Agradeço aos dois pela parceria e pelos comentários).

*ECONOMISTA E SÓCIA DA CONSULTORIA OLIVER WYMAN

(Ao menos) Três motivos para encerrar a tramitação da PEC 32

Em 28 de setembro de 2021 Ana Carla Abrão n'O Estado de S.Paulo
Reforma administrativa é uma PEC para manter benefícios de carreiras já privilegiadas

Além de os atuais juízes e membros dos Ministérios Públicos continuarem a salvo, seus futuros colegas também estarão 
A coluna de hoje é uma edição especial. Foi escrita em coautoria com Arminio Fraga e Carlos Ari Sundfeld, que assinam comigo o texto que segue:


Para valer a pena, uma reforma do RH do Estado teria de combater o regime de castas funcionais, que dá privilégios a carreiras próximas ao poder e deixa à própria sorte, na precariedade e sem estímulo, a maior parte dos servidores. Para isso, deveria começar por integrar carreiras e suprimir desigualdades. Mas o problema foi ignorado na emenda constitucional 32.

Na semana passada, a comissão da reforma administrativa aprovou um substitutivo do relator da PEC 32, deputado Arthur Maia. Se o texto for acolhido pela Câmara dos Deputados e pelo Senado, o resultado será cristalizar o regime de castas funcionais e incluir nele mais alguns grupos. Um retrocesso.

O substitutivo insere na Constituição uma lista de carreiras privilegiadas, com proteções que os servidores públicos da base jamais terão. É estarrecedor que, em um País em que o maior problema continua sendo a desigualdade, se queira aprovar uma PEC justamente para dizer que a lei “tratará de forma diferenciada” carreiras escolhidas do Executivo, do Legislativo, do Judiciário e do Ministério Público. O texto contemplou policiais em geral (inclusive, os legislativos), agentes de trânsito, peritos criminais, agentes de inteligência etc, cedendo àqueles que querem impor um estado policial ao Brasil.

Convicto quanto à orientação de dar privilégios a castas, o substitutivo concede a certas carreiras policiais aposentadorias cujo valor equivalerá para sempre à remuneração integral de quem estiver na ativa. Cônjuge ou companheiro receberá a mesma pensão, vitalícia, se o policial morrer na função. Anula-se, assim, a reforma da Previdência em favor dessas castas, enquanto aposentadorias de professoras públicas continuarão observando os limites gerais, assim como as pensões das enfermeiras que morrerem por contaminação em serviço. É a PEC da desigualdade.

O substitutivo não mexe com juízes e membros dos Ministérios Públicos, os mais privilegiados. Alegou-se cinicamente que seria inconstitucional uma emenda constitucional tratar disso, como se tais castas pairassem acima da Constituição e do poder democrático.

Após a aprovação, o ministro Paulo Guedes divulgou um documento comemorando supostos avanços. É clara tentativa de confundir. Um deles seria a retirada de benefícios de quem não os tem. Isso mesmo: a PEC proíbe a concessão, a futuros servidores, de férias superiores a 30 dias ou de aposentadoria como punição, por exemplo. Nada significa na prática, pois não se aplica a quem hoje os tem. Além de os atuais juízes e membros dos Ministérios Públicos continuarem a salvo, seus futuros colegas também estarão. É uma PEC para manter privilégios.

Outro avanço estaria na regra da extinção de cargos desnecessários ou obsoletos, dispensando-se seu ocupante, mesmo estável. Não há avanço, pois outra regra do substitutivo proíbe a extinção justamente dos cargos hoje ocupados. Quanto a servidores que ainda não entraram no serviço público, seria fácil evitar a desnecessidade ou obsolescência futura. Bastaria modernizar e fundir as velhas carreiras antes de fazer quaisquer concursos. Mas, ao constitucionalizar carreiras obsoletas (como oficial de Justiça) ou desnecessárias (como policial legislativo), o substitutivo atrapalha ajustes modernizantes no futuro. É a PEC do atraso.

Ainda segundo o ministro, haveria o aprimoramento das avaliações de desempenho. Não é verdade. A Constituição atual já exige as avaliações, que não ocorrem porque os governos não querem. Não há hoje qualquer regra na Constituição que impeça ou atrapalhe a análise adequada do desempenho de órgãos e servidores. Escrever mais normas vagas sobre o assunto na Constituição é o mesmo que nada e ainda engessa. É a PEC da ficção...

Portanto, o ministro está comemorando vitórias de Pirro, a partir de instrumento equivocado e cedendo a lobbies corporativistas. A verdade é que se está dificultando, e não fazendo, aquela que deveria ser a grande reforma para ter melhores serviços públicos, maior produtividade e modernização da gestão de recursos humanos no setor público.

*ECONOMISTA E SÓCIA DA CONSULTORIA OLIVER WYMAN
https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,reforma-administrativa-e-uma-pec-para-manter-beneficios-de-carreiras-ja-privilegiadas,70003852816

Os três artigos estão no Estadão 

domingo, 19 de setembro de 2021

Hospital do Amazonas fez teste com 'nova cloroquina'

Família de vítima fala em extermínio em hospital do Amazonas que recebeu experimento com proxalutamida 



Fevereiro começou de forma terrível para os hospitais que tratavam doentes de Covid-19 no Amazonas. O estado mal havia acabado de superar a crise do oxigênio e já enfrentava um novo pico da pandemia. As mortes tinham aumentado sete vezes em janeiro e continuavam a crescer.

No Hospital Regional de Itacoatiara, terceira maior cidade do Estado, a 270 km de Manaus, os pacientes eram submetidos precocemente à ventilação mecânica, porque faltavam equipamentos de ventilação não invasiva. Até se anunciou a chegada de um remédio “revolucionário”, capaz de reduzir drasticamente as mortes no hospital em três ou quatro dias: a proxalutamida. Defendida por Jair Bolsonaro, a substância é usada de forma experimental contra o câncer de próstata.

Foi o que prometeu o presidente da rede particular de saúde Samel, Luís Alberto Nicolau, em uma entrevista transmitida pelo YouTube da porta do hospital regional de Itacoatiara. “Trouxemos a medicação para ser utilizada em todos os pacientes”, disse Nicolau, que é irmão de um deputado estadual do PSD e pré-candidato ao governo do estado chamado Ricardo Nicolau.

Ele disse ter sido chamado pelo prefeito da cidade, Mário Abrahim (PSC), para socorrer a população e que estava na cidade com médicos para treinar a equipe dos hospitais a aplicar o remédio. E explicou que os resultados dos estudos com a proxalutamida ainda não havia m sido publicados —o que, na prática, significava que não tinham sido validados por ninguém além deles próprios. “Nós não queremos esperar. Queremos colher os benefícios agora, porque estamos aqui com 106 pacientes internados e eles não vão esperar 30, 60, 90 dias.”

Do lado de dentro, o médico Michael Correia Nascimento, do corpo clínico do hospital, oferecia a oportunidade de participar de um novo estudo com o tal medicamento milagroso, que logo ficou conhecido como “remédio da Samel”

Uma das pacientes era a aposentada Zenite Gonzaga da Mota, que havia sido internada “andando e se sentindo bem, só para fazer exames”, de acordo com a sobrinha Alessandra Saar. Até aquele dia, ela estava sendo tratada normalmente com antibióticos, dipirona e oxigenação, e se sentia bem, mas como outro doente com sintomas leves foi liberado cinco dias após tomar o “remédio da Samel”, a filha, que pediu para não ter o nome mencionado, concordou em assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para incluí-la no estudo. A promessa do “dr. Michael” era curar Zenite também em cinco dias. Não foi o que aconteceu.

Em princípio, os parentes não perceberam nada estranho. Não sabiam que o termo de consentimento não trazia informações obrigatórias pelo regulamento do Conselho Nacional de Saúde. O documento não dizia que parte dos voluntários receberia placebo, nem descrevia os riscos e benefícios de participar do trabalho.




"Eles falaram que era uma medicação que tinha salvado vidas na Samel Manaus", diz Alessandra, que relembra: "Mas nem deixaram a gente ficar com a nossa via".

A reportagem do GLOBO só conseguiu acesso a uma cópia do documento porque ele consta de um inquérito civil aberto pelo Ministério Público Federal do Amazonas. Há ainda um inquérito criminal em andamento.

Os parentes de Zenite começaram a estranhar quando viram que quem tinha que administrar a medicação não eram os pesquisadores, mas eles mesmos.




Outra coisa que ninguém em Itacoatiara sabia era que o estudo também não tinha autorização da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, a Conep. O endocrinologista Flavio Cadegiani, que liderou os estudos, havia protocolado um pedido de autorização para o ensaio, mas para ser feito em Brasília.

Só no final de abril os pesquisadores fizeram novo pedido para estender a pesquisa a cidades no Amazonas onde ela já havia até acontecido: Manaus, Itacoatiara, Parintins, Maués, Manicoré, Coari e Manacaparu.

A Conep negou autorização para estender o ensaio clínico ao Amazonas, pois a emenda não poderia ter sido realizada após o início do estudo. Àquela altura, ele já estava sob suspeita. Os pesquisadores haviam anunciado em uma live resultados supostamente fantásticos, com eficácia de 92% em pacientes graves. Segundo eles, 141 haviam morrido no grupo placebo, enquanto só 12 no grupo que havia tomado o remédio. Posteriormente, informaram à Conep 178 mortes no total e, por fim, 200 óbitos.

À Procuradoria-Geral da República, a comissão afirmou que os quadros clínicos dos voluntários que morreram não foram relatados nem suficientemente detalhados. Por isso, não seria possível “descartar a possibilidade de morte provocada por toxicidade medicamentosa ou por procedimentos da pesquisa”.

Dona Zenite e seus parentes também não sabiam de nada disso. Mas perceberam que o novo tratamento não estava adiantando. A aposentada começou a ter falta de ar, e, de acordo com a sobrinha, ficou com braço roxo, bolhas subcutâneas e arritmias.

"Mesmo assim eles não pararam com as medicações. Aquilo foi um extermínio. Eu presenciei. Todos os dias via as pessoas morrendo ao lado (da minha tia). As pessoas estavam bem, conversando, e de repente pioravam. Os médicos não aceitavam questionamentos simples nossos", lembra Alessandra.

Naqueles dias, Zenite teve duas paradas cardíacas. Os acompanhantes insistiram para transferi-la para Manaus, mas o médico Michael Nascimento não permitiu.

"A gente percebia que eles estavam segurando os pacientes em Itacoatiara por causa do estudo".

Só depois de 34 dias de internação, o médico autorizou a remoção. Era tarde demais: Zenite morreu em 13 de março, três dias depois de dar entrada no Hospital Delphina Aziz, na capital amazonense. Foi enterrada em um velório rápido, típico dos tempos pandêmicos.

A família só descobriu que o remédio que Zenite aspirava em Itacoatiara era cloroquina depois de requisitar o prontuário dela. Foi aí que a filha denunciou o caso à Polícia Civil. Mas o inquérito — que apura só a nebulização de cloroquina e não o uso de proxalutamida — até hoje não foi concluído.

A reportagem também procurou o médico Michael Correia Nascimento, mas ele não atendeu às ligações e ignorou as mensagens enviadas. A rede Samel não respondeu aos questionamentos do GLOBO. O prefeito de Itacoatiara, Mário Abrahim, não retornou as ligações, e.a Secretaria de Saúde da cidade não quis atender.

Hoje, a sobrinha de Zenite diz que a família se arrepende de ter aceitado submetê-la ao que hoje chamam de “experimento”.

"A gente confiou na equipe do hospital. Mas foi um erro".

Reporagem especial para O GLOBO na coluna da Malu Gaspar

https://blogs.oglobo.globo.com/malu-gaspar/post/familia-de-vitima-fala-em-exterminio-em-hospital-do-amazonas-que-recebeu-experimento-com-proxalutamida.html

quarta-feira, 15 de setembro de 2021

Bolsominions não perdem a chance de criar fake news

Foto com cartaz de Bruno Covas publicada pelo Agora foi tirada em ato de 12 de setembro

Imagem estampou capa da edição impressa desta segunda (13) do jornal e foi registrada na avenida Paulista por fotógrafo da Folha

Circula pelas redes sociais um vídeo que induz falsamente leitores a acharem que uma foto antiga foi publicada na capa da edição impressa desta segunda-feira (13) do Agora. A imagem, porém, é de fato das manifestações do último domingo (12).

No vídeo, um homem filma a capa do jornal e diz, em tom irônico: “Jornal Agora, que pertence à Folha. Segunda-feira, 13 de setembro de 2021. Aqui tem a notícia da manifestação Fora, Bolsonaro. A Paulista bem cheia, fora, Bolsonaro. Porém, olha aqui essa placa, Bruno Covas, campanha do Bruno Covas!?"

Entre as chamadas na capa do jornal, há uma sobre a manifestação contra Bolsonaro, ocorrida na avenida Paulista no domingo. Esta chamada traz uma foto em que se veem cartazes com o nome do ex-prefeito de São Paulo Bruno Covas, que morreu em maio deste ano, e seu número na campanha eleitoral de 2020.


Por esse motivo, usuários nas redes têm compartilhado o vídeo alegando que a imagem seria falsa ou antiga. A informação não procede. A foto foi tirada pelo fotógrafo Eduardo Knapp, da Folha, na tarde do dia 12, e entrou no sistema digital de imagens do jornal às 18h49.




"Estava fazendo meu trabalho de cobertura do ato e tinha esse cartaz 'fora do tempo' apoiando Bruno Covas, falecido recentemente, na mesma avenida Paulista por onde passou seu caixão", conta o fotógrafo.


Diversos elementos atestam que a foto é, de fato, do dia 12 de setembro de 2021:






Confira em

https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/09/foto-com-cartaz-de-bruno-covas-publicada-pelo-agora-foi-tirada-em-ato-de-12-de-setembro.shtml 

domingo, 29 de agosto de 2021

Intervenção armada: crime inafiançável e imprescritível

Ricardo Lewandowski escreve Intervenção armada: crime inafiançável e imprescritível
Preço a pagar por atravessar o Rubicão pode ser alto

Na Roma antiga existia uma lei segundo a qual nenhum general poderia atravessar, acompanhado das respectivas tropas, o rio Rubicão, que demarcava ao norte a fronteira com a província da Gália, hoje correspondente aos territórios da França, Bélgica, Suíça e de partes da Alemanha e da Itália.
Em 49 a.C., o general romano Júlio César, após derrotar uma encarniçada rebelião de tribos gaulesas chefiadas pelo lendário guerreiro Vercingetórix, ao término de demorada campanha transpôs o referido curso d’água à frente das legiões que comandava, pronunciando a célebre frase: “A sorte está lançada”.
O episódio revela, com exemplar didatismo, que as distintas civilizações sempre adotaram, com maior ou menor sucesso, regras preventivas para impedir a usurpação do poder legítimo pela força, apontando para as severas consequências às quais se sujeitam os transgressores.

No Brasil, como reação ao regime autoritário instalado no passado ainda próximo, a Constituição de 1988 estabeleceu, no capítulo relativo aos direitos e garantias fundamentais, que “constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis e militares, contra a ordem constitucional e o Estado democrático”.

O projeto de lei há pouco aprovado pelo Parlamento brasileiro, que revogou a Lei de Segurança Nacional, desdobrou esse crime em vários delitos autônomos, inserindo-os no Código Penal, com destaque para a conduta de subverter as instituições vigentes, “impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais”. Outro comportamento delituoso corresponde ao golpe de Estado, caracterizado como “tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído”. Ambos os ilícitos são sancionados com penas severas, agravadas se houver o emprego da violência.
A ousadia do gesto pegou seus concidadãos de surpresa, permitindo que Júlio César empalmasse o poder político, instaurando uma ditadura. Cerca de cinco anos depois, foi assassinado a punhaladas por adversários políticos, dentre os quais seu filho adotivo Marco Júnio Bruto, numa cena imortalizada pelo dramaturgo inglês William Shakespeare.
No plano externo, o Tratado de Roma, ao qual o Brasil recentemente aderiu e que criou o Tribunal Penal Internacional, tipificou como crime contra a humanidade, submetido à sua jurisdição, o “ataque, generalizado ou sistemático, contra qualquer população civil”, mediante a prática de homicídio, tortura, prisão, desaparecimento forçado ou “outros atos desumanos de caráter semelhante, que causem intencionalmente grande sofrimento, ou afetem gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental”. E aqui cumpre registrar que não constitui excludente de culpabilidade a eventual convocação das Forças Armadas e tropas auxiliares, com fundamento no artigo 142 da Lei Maior, para a “defesa da lei e da ordem”, quando realizada fora das hipóteses legais, cuja configuração, aliás, pode ser apreciada em momento posterior pelos órgãos competentes. A propósito, o Código Penal Militar estabelece, no artigo 38, parágrafo 2º, que “se a ordem do superior tem por objeto a prática de ato manifestamente criminoso, ou há excesso nos atos ou na forma da execução, é punível também o inferior”.
Esse mesmo entendimento foi incorporado ao direito internacional, a partir dos julgamentos realizados pelo tribunal de Nuremberg, instituído em 1945, para julgar criminosos de guerra. Como se vê, pode ser alto o preço a pagar por aqueles que se dispõem a transpassar o Rubicão.
Ricardo Lewandowski é ministro do Supremo Tribunal Federal e professor titular de teoria do Estado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo

sexta-feira, 20 de agosto de 2021

Indignidade absurda

Ignácio de Loyola Brandão escreve 

Usar o nome de um dos maiores ídolos da televisão, cinema e teatro brasileiros em uma campanha contra a vida é repulsivo

Está havendo um enorme equívoco dos negacionistas e apoiadores do presidente (se é que se pode chamar tal homem de presidente), que vêm usando a morte de Tarcísio Meira na campanha antivacinação. Mais do que equívoco, demonstração de oportunismo, safadeza e mau-caratismo.

Tarcísio Meira não resistiu às complicações da covid-19. O ator, um dos mais marcantes da história da TV brasileira, morreu aos 85 anos.  Foto: Alex Silva/AE

Usar o nome de um dos maiores ídolos da televisão, cinema e teatro brasileiros em uma campanha contra a vida é repulsivo. Vivo, Tarcísio estaria repudiando. Morto, não tem como. Poucas carreiras foram tão corretas, solidamente construídas. Homem e profissional íntegro, superstar humilde, sem a arrogância de alguns que se arvoram em deuses depois de uma única noveleta. Falo de um homem que conheci há 60 anos, que foi meu amigo. Ele a Glória. Ainda me lembro da noite em que soubemos no restaurante Gigetto que os dois estavam namorando. Namoraram até ele partir.

A família não se manifestou, não sei se tenho o direito de fazê-lo. Mas ouso quebrar o protocolo para dizer que sabíamos, nós, os amigos, os que partilhavam de seu círculo, que Tarcísio tinha um problema grave, pulmonar. Cigarros em demasia, é comum na profissão. Tinha ainda um físico sofrido por décadas de trabalho árduo, quedas graves em filmagens e gravações, uma coluna vertebral complicada, além de outros pequenos acidentes de trabalho e domiciliares. Nossa casa é uma armadilha para nossa idade. Sua vida foi intensa e ele sempre enfrentou dificuldades físicas, mas entrava em cena. Todos soubemos o esforço, por exemplo, que fez para subir ao palco e resistir bravamente por duas horas na reencenação de O Camareiro, peça teatral de Ronald Harwood, direção de Ulysses Cruz. Sabe-se que a covid vai direto ao pulmão e tenho certeza que o de Tarcísio não resistiu. Estava vacinado, sim.

Mas oito décadas e meia, e o ambiente tóxico de uma pandemia, não pouparam um ser humano. Um grande ser humano. Portanto, não deixemos que a indignidade de políticos sem piedade, compaixão, coração e amor à vida usem o nome de Tarcísio para fins criminosos negacionistas.

Texto de Ignácio de Loyola Brandão, jornalista e escritor, autor de 'Zero' e 'Não Verás País Nenhum'

Publicado n'O Estado de São Paulo de 20/08/2021

https://cultura.estadao.com.br/noticias/televisao,indignidade-absurda,70003815814






sábado, 14 de agosto de 2021

A higiene do sono e as estratégias para evitar a insônia

Instituto do Sono aponta que muitos brasileiros tem alguma dificuldade para dormir por conta da pandemia

Se afastar das telas, não comer muito antes de deitar e adotar a prática de ioga ou respiração são algumas dicas para a higiene do sono 
Foto: Unsplash/Ashley Byrd


A saúde mental e a qualidade do sono estão intimamente ligados. Isso porque, só o aumento da ansiedade, por exemplo, libera o cortisol, conhecido como o hormônio do estresse. Parece um desafio grande conseguir relaxar diante de tantas ameaças. No entanto, especialistas são unânimes em afirmar que, para conquistar uma noite plena, é preciso praticar a ‘higiene do sono’.

Como fazer a higiene do sono?


Antes de dormir, é preciso seguir uma espécie de ritual, como se mandássemos uma mensagem para nosso corpo e mente de que está na hora de relaxar e descansar. Confira algumas dicas para praticar a chamada higiene do sono diariamente:

1 - Não ir para a cama antes de sentir sonolência: é importante que a cama seja o local de repouso. Deitar-se antes de sentir sono pode aumentar a intensidade da ansiedade relacionada com o ato de dormir.

2 - Evitar o uso de dispositivos como TV, celular, tablets e até relógios digitais: eles podem retardar a sonolência. Esse evento está relacionado com a emissão de luz e a distração proveniente das redes sociais e ação interativa da internet.

3 - Transformar o quarto em um ambiente de relaxamento: isso inclui deixar a temperatura confortável, manter o quarto silencioso e com pouca luz e evitar utilizar a cama para trabalhar.

4 - Evitar o consumo de cafeína próximo da hora de dormir: além de café, isso inclui alimentos como chocolate, refrigerante e alguns chás, que normalmente possuem adição de cafeína.

5 - Evitar o consumo de álcool e cigarro antes de dormir: em ambos os casos o consumo pode ser um estimulante que impede a sonolência e induz a fragmentação de sono.

6 - Não dormir durante o dia: alternativamente é possível cochilar por até, no máximo, 45 minutos em um horário distante da hora de dormir.

7 - Praticar exercícios regularmente: mas é preciso evitar essa prática próximo da hora de dormir.
Estratégias psicológicas para driblar a ansiedade na hora de dormir


A má qualidade do sono pode afetar a produtividade, potencializar a sensação de cansaço no dia seguinte, provocar a falta de concentração, perda de memória, dores no corpo e perda ou aumento do apetite.

Além da psicoterapia, recomendada para todo e qualquer tipo de dificuldade ligada à ansiedade, estresse e depressão, por exemplo, algumas estratégias adicionais podem ser adotadas por quem tem oscilação do sono. Confira algumas dicas que levantamos, com auxílio da psicóloga Adriana Carbone.

1 - Organize sua rotina diária: horário para acordar e dormir devem ser sistemáticos.

2 - Em casa, tenha local e tempo de trabalho distintos, diferentes espaços da refeição e do quarto para dormir.

3 - Não aumente a produtividade para o trabalho antes do descanso. Se possível, troque por momentos de lazer, pois o prazer libera endorfina e é ‘antídoto’ natural para insônia.

4 - Deixar a mente livre de pensamentos: técnicas como meditação, respiração e ioga podem ajudar na hora de dormir.

5 - Tomar um chá relaxante, com folhas de camomila, melissa e capim-limão. Mude os aromas e cheiros da casa, por exemplo, com spray de lavanda.

6 - Um banho quente e uma roupa diferente da que você usou durante seu dia para dormir podem ajudar a ‘avisar’ a sua mente de que está na hora do repouso.

Texto de Camila Tuchlinsky n'O Estaado de São Paulo de 30/06/2021

https://emais.estadao.com.br/noticias/bem-estar,dificuldade-para-dormir-afeta-66-8-dos-brasileiros-na-pandemia-saiba-como-driblar-a-insonia,70003763095