terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

Governo usa metade dos impostos para pagar a dívida pública. Mito ou verdade?

Quase 40% do Orçamento Geral da União é consumido pela dívida pública. Mas, na prática, o governo não está gastando um real sequer com ela. Entenda por quê

Dizem por aí que o governo federal usa quase metade do que arrecada em impostos, do suado dinheiro do contribuinte, para pagar a dívida pública. É mito.

Se esse boato – espalhado inclusive por alguns pré-candidatos à Presidência – fosse verdade, a dívida estaria diminuindo, e não aumentando a toda velocidade. Por outro lado, os serviços públicos estariam paralisados. Servidores, aposentados e pensionistas não estariam recebendo em dia.

Para ser preciso, o governo não tem gasto um real sequer com a dívida. O que tem feito é a antiga prática de trocar dívida velha por dívida nova. E, a partir de 2014, passou a se endividar também para cobrir despesas que antes eram bancadas pela arrecadação de tributos.

Em outras palavras, todo o “serviço da dívida” tem sido coberto com operações financeiras. Com mais endividamento.

Nem sempre foi assim. Até alguns anos atrás, o dinheiro dos impostos realmente ajudava a pagar a dívida – ou melhor, uma parte dos juros.

Essa fração do dinheiro do contribuinte que ia para a dívida se chama “superávit primário”. É o nome que se dá, no jargão da contabilidade pública, ao dinheiro que o governo consegue poupar depois de pagar todas as despesas primárias (ou seja, não financeiras, aquelas que não têm nada a ver com a dívida): Previdência, salários de servidores, manutenção da máquina pública, investimentos e outros.

Veja como foi em 2013, a última vez em que o governo fechou o ano com superávit primário:

"Resultado do Tesouro Nacional em 2013

Em R$ bilhões

Receita líquida 996
Arrecadação total menos transferências a estados e municípios

Despesa total 919
Pessoal, Previdência, custeio, investimentos

Em 2013, a arrecadação foi suficiente para pagar todas as despesas primárias, e ainda sobraram
R$ 77 bilhões para pagar os juros da dívida.

Repare no gráfico acima que, mesmo na época em que fazia superávit, o governo passava muito longe de usar “quase metade” da arrecadação para pagar juros da dívida. Os R$ 77 bilhões destinados aos juros em 2013 corresponderam a 8% da receita líquida (dinheiro que fica à disposição da União após as transferências obrigatórias para estados e municípios).

De 2014 para cá, não sobra dinheiro algum. A arrecadação tributária despencou por causa da recessão e já não cobre todas as despesas primárias. Há, portanto, um “déficit primário”. É o que mostra o gráfico abaixo:
Saldo das contas do governo federal, em R$ bilhões, de 2006 a 2016

Se há déficit primário, significa que o governo não está usando nem um centavo dos impostos para pagar a dívida. Pior: está fazendo mais dívida até para cobrir os gastos básicos, não financeiros:" 

Em 2017, o governo federal teve de pegar um empréstimo de R$ 124 bilhões para pagar salários e aposentados e manter rodando a máquina pública. Fora os R$ 386 bilhões em dívidas novas que contraiu para pagar os juros das antigas:

Resultado do Tesouro Nacional em 2017

Em R$ bilhões

Em 2017, as despesas primárias foram maiores que a arrecadação. O governo teve que pegar R$124 bilhões emprestados para pagá-las. E não sobrou nada para a dívida.

Receita líquida 1.155
Arrecadação total menos transferências a estados e municípios

Despesa total 1.279
Pessoal, Previdência, custeio, investimentos"

Se a dívida pública desaparecesse num passe de mágica, portanto, não sobraria dinheiro algum para ampliar os gastos em educação, saúde e infraestrutura, por exemplo.

Algumas pessoas pensam que se dermos o calote na dívida estaremos ricos. Mas hoje toda a dívida é financiada com operações financeiras. Mesmo com um calote, continuaremos com dificuldade para cobrir as despesas primárias”, diz a doutora em Economia Juliana Inhasz, professora da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (Fecap) e autora de uma tese sobre a dívida pública.

Mas o Orçamento diz outra coisa...
Sim, o Orçamento diz que a dívida pública consome uma fortuna. Segundo o relatório de execução orçamentária, em 2017 a União destinou R$ 986 bilhões para juros, encargos, amortização e refinanciamento da dívida, o equivalente a 39% dos gastos totais:

Execução do Orçamento federal de 2017

Em R$ bilhões

1.164 Outras despesas correntes

986 Dívida pública

304 Pessoal e encargos sociais

68 Inversões financeiras

38 Investimentos

2.560 TOTAL


Só que esse dinheiro não veio da arrecadação de impostos. A fonte aparece no relatório de receitas: são recursos levantados por meio de operações de refinanciamento ou emissão de novos títulos.

Dessa forma, se alguém quer sustentar que “quase metade” das despesas do Orçamento vai para a dívida, precisa esclarecer também que “quase metade” das receitas vêm de operações financeiras, isto é, de mais endividamento – e não de dinheiro tomado do contribuinte.

Como funciona essa ciranda?
Cerca de 99% da dívida pública federal é “mobiliária”, vinculada a títulos. Quando precisa de dinheiro, o Tesouro emite títulos de dívida e os vende a bancos, fundos de pensão de estatais, grandes investidores e pessoas físicas (via Tesouro Direto), com a promessa de recomprá-los daqui a algum tempo, pagando juros generosos.

O prazo médio de vencimento dos papéis da dívida é de quatro anos e meio. O que acontece quando um título está vencendo? Para recomprá-lo, o Tesouro emite um novo título, com vencimento mais para a frente. Pega um novo empréstimo para quitar o anterior. E assim vai “rolando” a dívida.

É claro que, a cada rolagem, a dívida cresce um tanto, como uma bola de neve.

A cada refinanciamento, cresce o custo financeiro da dívida. A conta vai ficando para amanhã”, diz a economista Juliana Inhasz, da Fecap. “Hoje a gente ainda consegue se refinanciar, mas há um limite. Se a dívida continuar crescendo sem freio, em algum momento as pessoas não vão mais querer emprestar, mesmo em troca de juros altos.”

Então não há como frear a dívida?
Há, sim. Um jeito é reduzir a taxa básica de juros (a Selic, que corrige quase metade da dívida), como o Banco Central fez a partir de outubro de 2016, autorizado pela queda da inflação. O peso dos juros, que havia chegado ao ápice de 7,8% do Produto Interno Bruto no início de 2016, caiu abaixo de 6% do PIB.

Mas não adianta os juros serem menores. É preciso pagá-los. Para isso, o governo tem de voltar a fazer superávit, reduzindo os gastos primários ou aumentando as receitas. Fazer ambas as coisas é melhor ainda, mas nada disso é muito fácil no cenário atual."

Quando o governo conseguia fazer superávit primário e pagar uma parte dos juros, a bola de neve aumentava mais devagar. Nos anos em que a atividade econômica crescia mais rápido que o endividamento em si, a dívida pública até diminuía em termos relativos.

Em 2010, por exemplo, o governo fez um superávit equivalente a 2% do PIB. E a geração de riquezas cresceu 7,5%. O resultado foi que a relação dívida/PIB – o indicador mais relevante quando se trata de endividamento público – despencou em relação ao ano anterior. Repare no gráfico 


Nos últimos anos, no entanto, ocorreu o contrário. A geração de riquezas encolheu e o resultado primário foi muito negativo, o que fez disparar a relação dívida/PIB e levou as agências de classificação de risco a retirar o “grau de investimento” do Brasil. Com isso, muitos investidores institucionais – fundos de pensão estrangeiros, por exemplo – estão “proibidos” de refinanciar o país.

O que vem por aí?
É quase nula a chance de superávit primário antes do fim da década. O teto dos gastos públicos, para funcionar, depende de uma contenção de despesas na Previdência, cuja reforma foi abandonada pelo presidente Michel Temer e é incerta no próximo governo. A Instituição Fiscal Independente (IFI), ligada ao Senado, prevê que o governo só voltará a economizar dinheiro para pagar juros em 2023.

Isso quer dizer que a dívida continuará subindo. Ela terminou 2017 em 74% do PIB e já beirava os 76% em abril de 2018. A média das previsões de mercado é que ela termine o ano próxima desse patamar, em 75,8%, mas avance para 77,8% até o fim de 2019.

A IFI tem projeção igual à do mercado para 2018, mas é mais pessimista para os anos seguintes. No cenário-base que consta de relatório publicado em maio de 2018, a instituição vê a dívida subindo a 78,7% do PIB no próximo ano e mantendo a trajetória ascendente até bater no pico de 86,6% do PIB em 2023, passando a recuar em seguida graças à esperada retomada dos superávits primários.

Essas expectativas já foram até piores, mas melhoraram um pouco após o anúncio da devolução antecipada de R$ 130 bilhões – o equivalente a 1,9% do PIB – que o BNDES deve ao Tesouro.

Apesar da perda do grau de investimento, ainda não faltam interessados em financiar o país. O problema é que, com a bola de neve avançando tão rápido, fica mais difícil baixar os juros a patamares civilizados, porque ninguém quer emprestar dinheiro barato a um devedor despreocupado.

Quem paga a fatura é a sociedade. E não apenas por meio de juros altos, explica a economista Juliana Inhasz. “Como o governo não poupa, acaba sugando a poupança de pessoas e empresas. O dinheiro privado que poderia estar financiando investimentos produtivos, em máquinas, equipamentos, infraestrutura, tecnologia, acaba financiando a dívida pública.

Texto de Fernando Jasper na Gazeta do Povo de 04/07/2017
Obs.: na versão original os gráficos estão melhor posicionados

https://www.gazetadopovo.com.br/politica/republica/governo-usa-metade-dos-impostos-para-pagar-a-divida-publica-mito-ou-verdade-0j758zvmyvkp1mntiehxo16ly/

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

A VALE É ESTATAL, nunca foi privatizada!

Vamos reprivatizar a Vale, diz secretário especial de desestatização
Salim Mattar defendeu evitar demonizar a empresa no caso de Brumadinho
Secretário especial de desestatização, Salim Mattar, responsável por tocar a agenda de privatizações do ministro Paulo Guedes (Economia), disse que a Vale será reprivatizada no governo Jair Bolsonaro.

“A Vale foi privatizada, certo? Não, a Vale não foi privatizada, a Vale é uma estatal” afirmou.

“Fundos de pensão, patrocinados pelo Estado, detêm o controle da Vale. Estamos aqui para privatizar, para reprivatizar a Vale”.

Após a declaração, o secretário foi questionado por jornalistas sobre como pretende privatizar a Vale. Os fundos de pensão são de natureza privada e os recursos pertencem aos funcionários de estatais para financiar as suas aposentadorias.

“Talvez tenhamos que melhorar o aspecto de desestatização, reduzindo um pouco a presença desses fundos nessas empresas, de forma que as empresas possam ser mais privadas e que não tivessem interferência do governo”, afirmou.

Perguntado se o governo pretende incentivar a venda de ações da Vale pelos fundos de pensão, Salim afirmou: “Não estou dizendo isso, estou dizendo que a sociedade e o governo precisam fazer uma reflexão”.

O BNDESPar, braço de investimentos do banco estatal, também detêm ações da Vale e "é natural que essas ações sejam vendidas".

"Os governos anteriores eram muito estatistas", disse, enfatizando que os bancos estatais foram orientados no passado a comprar ações de companhias privatizadas.

"Este governo veio para desestatizar. Então é natural que num período de tempo essas ações [do BNDESPar] sejam vendidas sem trazer prejuízo ao pagador de impostos, ao cidadão, então tem que descobrir o 'timing' correto para se desfazer dessa carteira e aplicar o dinheiro naquilo que é melhor, educação, saúde, segurança".

As ações da Vale sofreram uma forte desvalorização em razão do rompimento da barragem em Brumadinho e os efeitos que a reparação de danos terá sobre a expectativa de resultados da companhia.

"Não faz sentido vender as ações neste momento. Neste momento é segurar, deixar encarteiradas essas ações por não sei quanto tempo, verificar o momento em que essas ações retornem", disse.

"Mas eu pergunto? O que preferem? Que o BNDESpar tenha uma carteira de ações de Vale e outras empresas públicas, de R$ 100 bilhões, ou usemos esse dinheiro para reduzir a nossa dívida ou para escolas, educação e saúde?"

O secretário participou de evento organizado pela revista "Voto" em Brasília.

Em sua apresentação, ele defendeu evitar “demonizar” a empresa no caso de Brumadinho.

Para Salim, os responsáveis devem responder no seu CPF, mas a empresa tem que ser preservada para manter empregos e a arrecadação de impostos.

Ele disse que fez a mesma defesa da Samarco no caso de Mariana.

“Um ou dois aviões caem por ano e morrem 120, 130 pessoas. Pede-se que a diretoria da empresa caia ou se demoniza a companhia?”, disse.

“Em Brumadinho, caíram dois aviões, como seria o tratamento de uma companhia aérea e como estamos tratando a Vale?”, questionou. "Não devemos separar a empresa do dos CPFs dos responsáveis?"

Ainda durante a sua intervenção, o secretário afirmou que as quatro estatais que estão sob o guarda-chuva do Ministério da Economia: Dataprev, Serpro, Casa da Moeda e IRB serão "vendidas ou fechadas". A última teve abertura de capital concluída no governo Michel Temer, com a venda de ações na Bolsa.

No caso de estatais de outros ministérios, ele afirmou que a decisão depende do titular de cada pasta, como é o caso dos Correios.

"Então eu fico aporrinhando o ministro para privatizar", disse, enfatizando que seu mandato é reduzir o tamanho do Estado.

Reportagem de Mariana Carneiro na Folha de São Paulo de 14/02/2019 https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/02/vamos-reprivatizar-a-vale-diz-salim-mattar.shtml

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

Justiça repassa dívida de consignado a herdeiro

Contrato de empréstimo consignado não termina com a morte do trabalhador ou do aposentado que fez a dívida

A Terceira Turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça) decidiu que o contrato de empréstimo consignado, que é pago por meio de descontos feitos diretamente na folha, não termina com a morte do trabalhador ou do aposentado que fez a dívida.

Portanto, a obrigação de fazer o pagamento é transferida ao espólio, quando ainda não houver a partilha, ou aos herdeiros.

A dívida herdada fica limitada ao que foi deixado por quem morreu.

Na ação analisada, três herdeiros recorreram ao STJ depois que o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul atendeu ao pedido do banco e determinou que os filhos respondessem pelo débito. A mãe era servidora pública.

Os herdeiros alegaram que a cobrança violava uma lei da década de 1950, segundo a qual esse tipo de dívida era extinta quando aquele que a contratou morria.

Por unanimidade, os ministros da Terceira Turma do STJ entenderam, porém, que uma outra lei, publicada em 1990, anulava esse dispositivo e substituía o entendimento anterior.

Como tratavam, em alguns trechos, do mesmo assunto, a ministra-relatora, Nancy Andrighi, considerou que houve a revogação indireta dessa previsão de extinção.

Além disso, a relatora do recurso disse, no acórdão, ter aplicado a lei 10.820 de 2003, que regula os empréstimos consignados de trabalhadores com contratos pela CLT (Consolidação de Leis do Trabalho) e de aposentados e pensionistas do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).

Ainda que tenha sido analisado, no recurso apresentado pelo banco, se a mãe era servidora celetista ou estatutária, Nancy Andrighi disse, no relatório, que "sob qualquer ângulo que se analise a controvérsia", a única conclusão possível era que a lei prevendo a extinção de dívida em razão da morte do consignante não está em vigor.

Os herdeiros também tentaram barrar a penhora da casa deixada pela mãe.

Sob alegação de ser o imóvel da família, a relatora considerou que a impenhorabilidade atinge somente o imóvel no qual moram, não impedindo "outros bens respondam pela dívida".

O advogado Rômulo Saraiva disse que havia entendimento que, mesmo se o espólio tivesse dinheiro, a dívida era declarada como nula.

"A pessoa, se entrasse com a ação na Justiça, se livrava da dívida. E o STJ ainda confirmava. Tem várias decisões do tribunal superior assim. Mas agora o STJ deu uma virada de mesa", afirmou.

A Febraban (Federação Brasileira de Bancos) informou que a extinção ou não da dívida, em caso de morte do consignante, varia de acordo com o contrato firmado entre o banco e o cliente.

"No entanto, de forma geral, as instituições financeiras seguem o Código Civil, segundo o qual a morte de quem contrata o consignado não extingue a dívida, que deverá ser paga com o espólio", informou.

Reportagem do AGORA reproduzida na Folha de São Paulo de 01/02/2019

https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/02/justica-repassa-divida-de-consignado-a-herdeiro.shtml