segunda-feira, 31 de maio de 2010

Omissão

Omissão é deixar de manifestar-se, de fazer algo. É desvincular-se de um problema. Omissão é descaso, o que não deixa de ser um tipo de violência.
Muitas vezes encontramos, passamos por pessoas com dificuldades. Pessoas muitas vezes dignas, que a vida colocou numa situação difícil. E o que acontece é que transitamos por elas ou, simplesmente, damos alguma ajuda material. É lógico que eles precisam dessa ajuda, mas mais do que isso, precisam de consideração, de um sorriso. Quantas vezes paramos para conversar com elas, dar alguma atenção? Quase nunca! Escondemos-nos por trás de várias desculpas, por trás da pressa. E esquecemos que essas pessoas já tiveram uma vida, uma fam[ilia, um emprego...
Numa rua de São Paulo havia uma mulher que ficava sentada sempre perto de um viaduto. E estava sempre com um caderno, escrevendo. Uma vez por mês eu fazia um trabalho voluntário, ajudando pessoas carentes no Parque Dom Pedro, inclusive distribuindo marmitas. Houve uma vez que sobraram várias marmitas e pediram que eu levasse duas. Na volta para casa, lá estava ela escrevendo e com vários livros ao lado. Parei para oferecer-lhe uma marmita, que ela aceitou de bom grado. Foi quando reparei que os livros eram de filosofia. Começamos a conversar e ela contou que era bacharel em Filosofia, mas a bebida estragou tudo. Foi expulsa de casa, do emprego e vivia na rua. E escrevia. Pois o sonho dela era voltar para a faculdade e os escritos serviriam para uma futura tese de mestrado.
Ao me despedir, ela presenteou-me com um belo sorriso. E agradeceu. Não pela comida, mas pela conversa. Desde então, ao ajudar alguém, sempre dou um sorriso e, por dentro, faço uma breve oração. Acredito que assim evito a omissão e o sorriso que recebo de volta é um bálsamo para minha alma.

domingo, 30 de maio de 2010

Maristela Just e Nathália Just Teixeira

MINHA HISTÓRIA
NATHÁLIA JUST TEIXEIRA, 25

Quero meu pai preso
(...)Isabella Nardoni também tinha cinco anos quando o pai a matou, segundo a Justiça(...)Eu sou uma Isabella que sobreviveu


Leo Caldas/Folhapress
Nathália Just Teixeira segura uma foto da mãe, que foi assassinada pelo pai quando ela tinha cinco anos de idade

(...) Depoimento a

FÁBIO GUIBU
DE RECIFE

Em 1989 eu tinha quase 5 anos e meus pais já estavam divorciados havia dois anos. Ele não se conformava com a separação e, numa noite, foi à casa dos meus avós, em Piedade [um bairro de Jaboatão dos Guararapes, Grande Recife], e fez o que fez.
Ele matou minha mãe e atirou em mim, no meu irmão -que tinha dois anos- e no meu tio. Levei um tiro que atravessou o meu braço direito. Meu irmão levou um tiro transfixante na cabeça que afetou o lado esquerdo do corpo dele. Meu pai só não matou todos naquele dia porque Deus não deixou.
Passei 48 horas com risco de morrer. Meu irmão ficou 20 dias no hospital. Passamos por várias cirurgias e muita fisioterapia para nos recuperar. Tivemos acompanhamento psicológico até a adolescência -eu, até os 12 anos, e o meu irmão até os 15.

VÊNUS NO CÉU
A família da minha mãe foi quem nos apoiou e nos criou. Cresci com meus avós, e meu irmão, com nossa tia Marcela. Vovó contava que minha mãe tinha virado uma estrelinha. Me mostrava Vênus no céu e dizia: "olha, a sua mãe está lá". Com o tempo, entendi que ela havia morrido e que nunca mais voltaria.
O apoio familiar foi muito importante para eu suprir essa ausência. Eu tive o amor de mãe graças aos meus avós e meus tios, que viveram para nós. Com todo o sacrifício deles, estudamos sempre nas melhores escolas particulares. Nada nos faltou.
Eles nos preservaram e, por isso, tive uma vida feliz, sem tumulto de imprensa, sem advogado, delegacia. Isso não fez parte da minha infância e adolescência nem do início da fase adulta.
Minhas lembranças dessa época são as viagens, os primos. Mas eu não contava para todo mundo o que tinha acontecido. Tinha vergonha.
Às vezes, as pessoas diziam que eu só falava dos meus avós e tios e perguntavam: "cadê a tua mãe, cadê o teu pai?". Eu dizia que eles haviam morrido em um acidente de carro ou em um assalto. Dizia que a pessoa foi presa e encerrava o assunto.
Um dia, discuti na escola, e uma coleguinha disse que meu pai era assassino. Eu saí da sala, chorei muito, e meu avô teve que me buscar.

ESCUDO CAÍDO
Em 2001, saiu nos jornais que o julgamento do meu pai seria naquele ano. Saiu a história toda, o meu nome e o do meu irmão. Então aquele escudo caiu. Escancarou-se ali uma realidade que a gente não gostava de mostrar.
Tive de conviver muito tempo com essa vergonha que não era minha, mas que sentia por conta de o país, o Estado, não ter tomado as providências no caso. Se não houvesse a impunidade, por si só o assunto se encerraria -preso em flagrante, o pai de Nathália ficou um ano preso e depois foi solto.

SOBRENOME
Em fevereiro de 2007, me casei com o Luciano e fomos morar em São Paulo. Me chamava Nathália Just Ramos Lopes, e fiz questão de mudar o sobrenome, porque era uma lembrança a mais. Aprendi a ler tendo que escrever o nome dele [do pai].
Para mim, não ficou aquela lacuna do pai. Se ele perguntar as horas na rua, não sei quem é. Simplesmente ele nunca existiu nem vai existir. Ele morreu ali, no mesmo dia em que ela morreu.
Em março, minha tia Márcia me ligou avisando que o julgamento seria este ano. Assim que a data foi confirmada, decidi botar a boca no trombone e voltei a Pernambuco no dia 4 de abril.

ISABELLA
Hoje, eu tenho 25 anos, a idade que a minha mãe tinha quando morreu, e posso falar. Com 5 anos, não. Por mais que eu falasse, o meu choro ninguém entenderia.
A Isabella Nardoni também tinha cinco anos quando o pai dela a matou, segundo a Justiça. Mas Deus quis que eu vivesse. Eu sou uma Isabella Nardoni que sobreviveu para falar.
Minha esperança é de que a Justiça prevaleça e que o réu pague pelo que fez. Esperamos 21 anos, e agora eu quero um ponto final.
Eu quero que esse livro se feche, porque páginas e páginas já rolaram. Considero esse período uma pausa para o início do fim.


Acusado deve ir a julgamento na terça-feira
DE RECIFE
José Ramos Lopes Neto, acusado de matar sua ex-mulher, Maristela Ferreira Just, e ferir os dois filhos do casal e um ex-cunhado, deverá ser julgado na próxima terça-feira, 21 anos após o crime.
O julgamento será por júri popular e acontecerá no Fórum de Jaboatão dos Guararapes (Grande Recife). A expectativa é que a sentença seja conhecida em três dias.
Maristela foi assassinada com três tiros na noite de 4 de abril de 1989, na casa de seus pais, em Jaboatão dos Guararapes.
O ex-marido, de quem estava separada havia dois anos, foi ao local para tentar uma reconciliação. Ele teria se trancado com a família em um dos quartos e atirado -primeiro na mulher, e, em seguida, em seus próprios filhos.
O irmão de Maristela, Ulisses Ferreira Just, teria sido alvejado ao tentar socorrer os familiares. Ulisses morreu em 1999, mas sua morte não teve relação com o crime.
O acusado foi preso em flagrante e solto cerca de um ano depois, por meio de um habeas corpus. Ele continua aguardando o julgamento em liberdade.
Em 21 anos, diversos artifícios legais foram usados pela defesa para postergar o julgamento. O réu trocou de advogado cinco vezes. Foram protocoladas 36 cartas precatórias para ouvir testemunhas.
Também foram impetrados cinco recursos no Tribunal de Justiça do Estado, outros dois no Superior Tribunal de Justiça e mais um no Supremo Tribunal Federal.
O julgamento estava marcado para 13 de maio passado, mas, na data prevista, o advogado do réu não compareceu ao fórum, o que levou ao adiamento da sessão. Para evitar a repetição do problema, a Justiça nomeou dois defensores públicos.

Pai de réu evita falar sobre o assassinato
DE RECIFE
O advogado Gil Teobaldo de Azevedo, 77, pai de José Ramos Lopes Neto, disse que não comentaria o caso. "Vamos aguardar para dizer alguma coisa. Por hora, é melhor ficar calado", disse.
Em entrevistas dadas anteriormente, ele alegou que o filho matou por ter sido ofendido pela vítima ao tentar a reconciliação. Azevedo concordou com o crime.
"Se não matasse, não comia na minha mesa", disse à imprensa local.
Com relação aos tiros que acabaram atingindo os dois filhos do casal e também o ex-cunhado do acusado, o advogado afirmou que não foram intencionais.
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Da Folha de São Paulo de 30/05/10

sábado, 29 de maio de 2010

Mulheres na política

As próximas eleições já entraram para a História, independentemente do resultado. Pela primeira vez no País duas mulheres disputam o cargo de presidente da República e estão entre os principais candidatos. Dilma Rousseff (PT) e Marina Silva (PV) são as protagonistas deste pleito. Antes delas tentaram Lívia Maria Pio de Abreu (em 1989, ficando em 17.º lugar) e Heloísa Helena (em 2006, em 3.º lugar, com expressiva votação).

Se o fato de termos duas fortes postulantes ao Planalto numa mesma eleição é histórico e motivo de comemoração, a verdade é que a política no Brasil ainda é essencialmente masculina. A participação das mulheres é crescente na História brasileira, mas ainda está aquém do desejado. Somos a maioria da população do País e representamos 40% da força de trabalho fora do lar, mas continuamos invisíveis na área pública. Só em 1985 uma mulher se tornaria prefeita de capital (Maria Luiza Fontenelle, do PT, em Fortaleza) e apenas em 1995 o Brasil elegeria sua primeira governadora (Roseana Sarney, no Maranhão). Somente dois dos nossos Estados mais populosos já elegeram governadoras - Rio de Janeiro (Rosinha Garotinho) e Rio Grande do Sul (Yeda Crusius).
Na Câmara dos Deputados o cenário é ainda mais desanimador. Em 184 anos de existência do Legislativo, nunca uma mulher ocupou um cargo titular na Mesa da Casa. São apenas 45 mulheres em meio a 513 deputados, ou seja, míseros 8% de representação feminina. No Senado o índice sobe para 13%, mas ainda é inexpressivo. O porcentual de mulheres na Câmara e no Senado brasileiros é um dos mais baixos da América Latina e do mundo.
Apesar de a legislação determinar que os partidos preencham ao menos 30% de suas candidaturas com mulheres, isso não ocorre na prática. Entre os fatores que desestimulam as mulheres a participar da política estão o preconceito, que começa na própria família, a falta de incentivos financeiros e a dificuldade de encarar uma jornada dupla de trabalho, muito mais acentuada no caso de atividade partidária. Trata-se de um problema cultural. Durante grande parte da História do País, as mulheres não tiveram direitos civis nem cidadania plena. A elas eram negados os mais elementares direitos políticos, como votar e ser votadas. Só em 1932, no governo de Getúlio Vargas, as mulheres conquistaram o direito ao voto, depois de muita luta do movimento sufragista. Mesmo assim, apenas mulheres casadas (com autorização do marido), viúvas e solteiras com renda própria votavam.
Com o Estatuto da Mulher Casada, de 1962, algumas liberdades fundamentais foram conferidas às mulheres, como o direito de viajar sem autorização do marido ou de gerenciar seus bens patrimoniais. Mais tarde, a Lei do Divórcio (1976) possibilitou que casamentos fracassados pudessem ser oficialmente desfeitos, permitindo a dissolução do vínculo matrimonial, que, enfim, deixou de ser para sempre. A mesma lei igualou os direitos dos filhos, independentemente da situação dos pais. Esses passos aparentemente elementares, no entanto, resultaram de muito esforço de persuasão das militantes feministas. A verdadeira emancipação feminina só ocorreu com a Constituição de 1988, que equiparou homens e mulheres em direitos e obrigações. Em que pesem os avanços legais, convivemos ainda com os resquícios culturais dessa antiga situação de subalternidade.
A desigualdade de gênero nas instâncias de poder é um problema internacional. Em 1995 foi realizada em Pequim a IV Conferência Mundial da Mulher, um verdadeiro marco no avanço dos direitos femininos. Mas muitas das recomendações feitas às delegações oficiais dos países participantes não foram implementadas. As propostas legislativas que visavam a garantir o direito das mulheres ao patrimônio, à saúde e à liberdade sexual não se concretizaram em sua plenitude. Com a população feminina sub-representada nas áreas de comando e compondo apenas 20% dos legisladores em todo o mundo, segundo dados da ONU, estamos muito distantes das metas fixadas em Pequim. Nesse compasso, serão ainda necessárias muitas décadas para haver paridade de gênero nos cargos políticos de relevância.
Mulheres já foram eleitas presidente ou primeira-ministra na Índia, Alemanha, Noruega, Inglaterra, Argentina e no Chile, para citar alguns exemplos, mas uma andorinha só não faz verão. A emancipação efetiva só será realidade quando atingir todas as mulheres, em todas as classes sociais. Enquanto houver violência doméstica, discriminação no trabalho fora do lar e abusos sexuais, nenhuma sociedade poderá dizer que a igualdade de gênero foi alcançada. Por isso, fortalecer e proteger a população feminina deve ser um projeto de governo.
Um exemplo de divisão justa do poder foi adotado por Michelle Bachelet, no Chile, e por José Luiz Zapatero, na Espanha, que decidiram nomear um Ministério paritário (metade homens e metade mulheres). Essa medida, na esfera do Poder Executivo, é fundamental para promover o respeito a uma parcela da população até hoje subjugada e menosprezada pelos padrões patriarcais. Se as mulheres não estiverem no poder, suas reivindicações não serão concretizadas e os projetos que as beneficiam estarão fadados ao esquecimento.
No Brasil foi aprovada nova lei eleitoral (12.034/2009) que determina a obrigatoriedade de os partidos políticos destinarem 5% do fundo partidário à formação política de mulheres, prevendo punição para o descumprimento da regra, e do já mencionado preenchimento de 30% das vagas com candidaturas femininas. Além disso, reserva 10% do tempo de propaganda partidária em anos não-eleitorais para promover a participação da mulher.
Democracia aprende-se, constrói-se e se exerce. No caso das mulheres e de outros segmentos excluídos, a verdadeira democracia requer o acesso ao poder político. O Brasil cidadão precisa ser mais feminino, mais tolerante, mais igualitário, mais atento à preservação ambiental, em suma, mais responsável pelo seu futuro, nos exatos termos consignados em nossa Constituição.

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Texto de Luiza Nagib Eluf n'O Estado de S.Paulo

O crack em reportagem da Bandeirantes

Jornal da Band exibe série de reportagens sobre o crack


A partir desta segunda-feira, o Jornal da Band exibe uma série de reportagens sobre o crack. A droga, considerada uma das mais devastadoras na sociedade brasileira, é cada vez mais consumida por viciados de todas as classes sociais, escolaridade e regiões do país.

Enquanto isso, governo, profissionais da saúde e policia divergem sobre as formas de combater o consumo e tratar os viciados. Um levantamento feito em 2005 pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid), da Universidade Federal de São Paulo, constatou que, cerca de 22,8% dos brasileiros já haviam utilizado algum tipo de droga ilícita. O estudo foi feito com 7.939 pessoas, de 108 cidades das cinco regiões do país.

A pesquisa, realizada em parceria com a Secretaria Nacional Antidrogas (SENAD), avaliou a utilização de vários tipos de drogas, entre elas o crack. Na época, a estimativa era que 0,7% do total dos entrevistados já havia usado o crack pelo menos uma vez durante a vida. O número representava aproximadamente 381 mil pessoas em todo o país.

O crack é considerado uma droga de alto risco, pois pode levar ao vício logo após a primeira tragada. Fabricado a partir de uma mistura de cocaína com substâncias altamente tóxicas, é uma droga barata, cerca de R$ 5 a dose e, de acordo com os entrevistados pela pesquisa do Cebrid, muito fácil de conseguir.

Essas facilidades, aliadas ao efeito no organismo, são os principais fatores que levam ao vício. A farmacêutica Tharcila Viana Chaves, da Unifesp, autora de um estudo sobre os efeitos do crack, explica que esse tipo de droga causa muito mais “fissura”, do que prazer. E é exatamente isso que leva ao vício. “Quanto mais rápido o efeito da droga é sentido, mais rápido ele acaba e isso faz aumentar a vontade de usar novamente”, explicou.

Em sua tese, a farmacêutica entrevistou 40 usuários, com idades acima de 18 anos e constatou que o desejo pela droga vem logo após a primeira utilização. “Assim que a pessoa dá a primeira tragada, ela desenvolve uma compulsão imediata pelo consumo, levando ao uso ininterrupto, até que o estoque da droga acabe ou ele chegue à exaustão”, explica.

Tharcila constatou que cada pessoa reage à droga de uma forma, mas em comum, todas elas destacaram o efeito rápido do crack. O prazer pode durar no máximo cinco minutos, após isso, vem o desejo de voltar a utilizar, ou seja, a fissura. “O corpo sente uma avidez pela droga e o fator psicológico ajuda muito”, segundo a especialista.

Em muitos casos, o usuário com problemas pessoais e psicológicos se entrega com mais facilidade ao vício, tornando o uso de drogas uma válvula de escape para os problemas do dia-a-dia “torna-se uma muleta na vida desse usuário”, explica.  http://www.band.com.br/jornaldaband/conteudo.asp?ID=306418



Cresce o número de usuários de crack no Brasil
Segundo dados oficiais, os usuários de crack no Brasil já somam 600 mil. Pesquisas mostram que essa epidemia com alto poder de destruição já não é um problema exclusivo de grandes metrópoles. A droga chegou a médias e pequenas cidades do Brasil e, em cinco anos, o número de dependentes quase dobrou.

Junto ao vício, vem o aumento da violência e o desespero das famílias. Na série "Crack, a praga se alastra", o Jornal da Band faz uma viagem pelo interior do Brasil, e mostra a devastação causada pela droga.

No episódio desta segunda-feira, a série mostrou o universo dos cortadores de cana no interior de São Paulo. Esses trabalhadores necessitam de muita disposição, afinal, quanto mais cana é cortada, mais dinheiro no fim do mês. A questão é que muitas vezes o arroz com feijão não são suficientes e muitos bóias frias vão buscar essa energia extra no consumo do crack.

Esse problema não se restringe apenas à região usineira de São Paulo. Em todo o interior do Brasil, famílias que vivem em pequenas cidades são destruídas pela dependência química. É o que comprovam os dados.

Cerca de 800 mil pessoas trabalham no corte da cana-de-açúcar nas mais de 400 usinas do Brasil. O tráfico de drogas em cidades do interior do país aumentou 15% em 2010. E a justificativa para entrar na criminalidade é, muitas vezes, o desemprego gerado pela mecanização das lavouras e a falta de oportunidade de trabalho no campo.
Alguns desses trabalhadores rurais contam  suas histórias ao Jornal da Band. http://www.band.com.br/jornaldaband/conteudo.asp?ID=306409




Autoridades divergem sobre como tratar usuários de crack
Ainda não há um consenso de como deve ser vista a questão do uso do crack, as formas de tratamento, nem ações sólidas dos governos para combater esse uso. Mas, para o doutor Rubens de Camargo Ferreira Adorno, professor do Departamento de Saúde Materno-Infantil da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da Universidade de São Paulo, a sociedade, atualmente, se posiciona de forma “problemática” em relação aos usuários.

Ele acredita que a questão deva ser tratada do ponto de vista do “uso” e “problemas com o uso”, em saúde pública. “Ou seja, nem todos que usam desenvolvem problemas com o uso, todas as pessoas desenvolvem estratégia de uso, de controle do uso, dos resultados e do prazer que querem obter com essa prática”, diz.

“As pessoas que têm problemas com o uso acabam por envolver outras pessoas, nesse sentido diria inclusive que a mídia, ao amplificar o pânico e a dramatização do tema ‘drogas’, acaba influenciando e aumentando a segurança do próprio usuário e nesse caso amplificando a esfera de ‘problemas com o uso’”, opina Adorno.

O certo é que, segundo o professor, há uma ausência total de políticas de acolhimento para as pessoas que manifestam problemas com o uso. “Seguindo o modelo sanitário brasileiro essas questões cabem ao município, e cabe ao ministério uma política geral”, avalia.

“O ministério tem uma política interessante de ‘redução de danos’, que creio é a que melhor se articula com a saúde pública, entretanto essa política deveria ser mais bem detalhada e trabalhada, pois o acolhimento deve ser trabalhado em todos os níveis por uma política de redução, desde a distribuição de insumos que vão possibilitar que o usuário se defenda de danos maiores do que aqueles que envolvem o próprio consumo”, completa o professor.

Em sua opinião, o ideal seria a implantação de serviços de acolhimento, com uma perspectiva de diversidade terapêutica, com o intuito de alertar o usuário para cuidados com o próprio corpo. “Quando falo em trabalho de saúde pública é considerar as próprias falas e as próprias estratégias dos usuários como estratégias de cuidado”, explica Adorno.

Tratar os pais para curar os filhos

Enquanto as políticas públicas não criam soluções efetivas para ajudar os usuários de droga a abandonarem o vício, instituições de ensino, associações e órgãos de pesquisa batalham por soluções. Recentemente, o Ambulatório de Atendimento ao Adolescente da Unifesp, por meio da Unidade de Dependentes de Drogas (UDED) criou um programa de tratamento que ajuda não só os adolescentes dependentes, mas também a família do usuário.

De acordo com a psicóloga e professora-adjunta da Unifesp, Denise de Micheli, coordenadora do ambulatório, o protocolo de orientação aos pais foi criado a cerca de um ano. "A partir do momento que nós começamos a atender adolescentes usuários de drogas, nós percebemos que era muito importante a inserção dos pais nesse processo", explica. "Nós percebíamos que os pais chegavam até nós muito ansiosos e com dúvidas", completa Denise.

O tratamento dos pais é feito totalmente desvinculado ao dos filhos. Inicialmente, participavam desse projeto apenas os familiares dos adolescentes que já estavam no programa. No entanto, hoje em dia, é comum encontrar pais que buscam, sozinhos, esclarecimentos sobre o momento pelo qual seus filhos estão passando. "A gente tem visto muito resultado nesse processo, pois muitas vezes, o adolescente não se enxerga como usuário", diz a coordenadora.

Atualmente, cerca de 300 pais e familiares já buscaram o apoio da Uded. O atendimento é feito em sessões, são seis encontros, sendo os três primeiros semanais e os três últimos, quinzenais. As famílias não compartilham o encontro com outras famílias, o tratamento é feito com cada grupo de pessoas da mesma família. Dessa forma, a família fica mais a vontade para relatar os motivos pelos quais buscam ajuda e o tratamento é feito caso a caso. 

Para a psicóloga, o uso de drogas é um hábito adquirido. "Assim como outros hábitos adquiridos ao longo da vida, é difícil de interromper", explica. No programa, "trabalhamos com as crenças no sentido de desvincular o adolescente desse hábito", diz. A ideia é tirar da cabeça do usuário crenças como "essa festa só será legal se eu usar drogas", "só consigo me expressar se estiver sob o efeito da droga" etc. Dessa forma, segundo Denise, fica mais fácil acabar com o vício.

O tratamento da Uded é feito com jovens entre 12 e 20. O ambulatório fica na Rua Napoleão de Barros, 1038, Vila Clementino, na zona sul da capital paulista.
http://www.band.com.br/jornaldaband/conteudo.asp?ID=306424






Escola aumenta muros e instala câmeras para conter avanço do crack na Bahia
A segunda matéria da série especial do Jornal da Band sobre os problemas causados pelo uso do crack mostra uma escola no sertão baiano que precisou aumentar os muros e instalar câmeras de vigilância para conter o avanço da droga.

O colégio fica no município de Governador Mangabeiras. Além das reformas, professores e funcionários mantêm vigilância constante nos alunos. De acordo com um estudante, que não quis se identificar, os jovens do local vão buscar a droga com traficantes em Feira de Santana.
Redator: Roberto Saraiva  http://www.band.com.br/jornaldaband/conteudo.asp?ID=306999


Traficantes usam rotas alternativas para distribuir crack no Brasil
Para espalhar a droga pelo país, os traficantes de crack escolhem caminhos alternativos, fora das grandes rodovias, e deixam um rastro de viciados pelo caminho. A terceira reportagem especial do Jornal da Band sobre a droga mostra a chamada "rota caipira" do entorpecente.

A BR-050, perto da divisa de Minas Gerais e São Paulo é uma das principais rotas do tráfico na região Sudeste. A polícia aumenta a fiscalização, mas os traficantes acabam criando roteiros alternativos em estradas vicinais, aproximando cada vez mais as drogas do interior do brasil.

Na mineira Uberaba, de 290 mil habitantes, a droga era desconhecida há poucos anos. De acordo com a Polícia Militar, hoje 85% das ocorrências no local estão ligados à droga.

Os principais destinos do entorpecente são grandes centros urbanos nas regiões Sul (Curitiba), Sudeste (São Paulo e Rio de Janeiro) e Nordeste (Fortaleza e Recife). A droga percorre um longo caminho antes de chegar em pedra às mãos do usuário. A matéria-prima é a pasta base de cocaína que vem da Colômbia, Peru e Bolívia e entra no Brasil pelo Amazonas, Acre, Rondônia e cidades do Mato Grosso.

Um relatório da ONU mostra que, em um ano, as apreensões de crack no Brasil quadruplicaram, de 145 quilos, em 2006, para 578 quilos no ano seguinte.
Redator: Roberto Saraiva
http://www.band.com.br/jornaldaband/conteudo.asp?ID=307511




Mães se unem para tirar os filhos das drogas
A quarta reportagem da série especial do Jornal da Band sobre o crack mostrou mães de jovens viciados no interior do Rio Grande do Sul. Cansadas de ver os filhos dependentes da droga, elas resolveram unir forças para cobrar medidas do poder público.

Em Pelotas, algumas dessas mães passaram a dividir seus dramas e juntas buscaram saídas para salvar os filhos. Hoje, 60 mulheres já fazem parte do movimento “Mães contra o crack”, que já procurou o Ministério Público e a prefeitura de Pelotas para tentar melhorar e ampliar o atendimento aos dependentes químicos.

Elas alertaram para a necessidade de uma equipe com pessoas especializadas que fique disponível 24 horas para atendimento do dependente químico. Dos 250 mil habitantes da cidade, 7 mil são usuários de drogas.

A história dessas mães preocupa os moradores da região. Na cracolândia de Pelotas, jovens usam droga à luz do dia, vagam como mendigos e procuram qualquer objeto de valor para comprar mais crack.

Relacionamento familiar
Tão importante quanto o acompanhamento médico, é a educação que esses jovens recebem em casa. A relação dos pais com os filhos, principalmente relacionado ao uso do álcool e do tabaco, pode ser um fator determinante para a busca da droga ilícita, no caso o crack.

Desse modo, o apoio e persistência dos pais são também fundamentais para a recuperação desses jovens. É necessário crer que eles tomaram um caminho errado, mas que existe volta.
Redatora: Mariana de Paula
http://www.band.com.br/jornaldaband/conteudo.asp?ID=307977



Cientistas buscam soluções contra efeitos do crack no organismo
A reportagem especial do Jornal da Band sobre o crack mostra os efeitos devastadores da droga no organismo e a esperança criada em torno de uma vacina desenvolvida por cientistas americanos.

O crack provoca doenças mentais e problemas de saúde que podem se estender por várias gerações. A opinião dos especialistas é unânime quando analisam como sua principal conseqüência a dependência física. Eles alegam que para estar viciado na droga basta usar no máximo cinco vezes e para acabar com o vício leva até uma vida inteira.

Mesmo quem consegue abandonar o vício, não fica livre dos efeitos. O uso prolongado do crack compromete o sistema respiratório, coração, cérebro e até a fertilidade. Uma pesquisa da Faculdade de Medicina da USP mostrou que a droga afeta a produção de espermatozóides e causa a diminuição dos testículos.

A falta de soluções que possam impedir ou anular a ação da cocaina e do crack no organismo foi o ponto de partida para que cientistas em várias partes do mundo começassem a se desdobrar em pesquisas.

A primeira luz surgiu nos Estados Unidos, onde uma vacina tem se mostrado eficiente nos testes feitos com animais, nos quais ficou comprovado que o risco de arritmia e infarto aumenta em usuários de crack. E essas sequelas ainda representam uma herança negativa para as próximas gerações.

No entanto, a esperança de dias melhores sem droga deve demorar pelo menos cinco anos para sair dos laboratórios e chegar ao mercado.

Políticas Públicas
Faltam programas de saúde pública para dependentes em todos os estados do Brasil. Nas clínicas particulares, o tratamento é para quem pode pagar até R$ 5 mil por mês.

Enquanto essas vacinas não estão disponíveis, os especialistas ressaltam a necessidade de políticas públicas de prevenção e atendimento aos usuários de crack. E alertam que ações nesse sentido devem ser cobradas dos pré-candidatos às eleições presidenciais.
Redatora: Mariana de Paula
http://www.band.com.br/jornaldaband/conteudo.asp?ID=308508

O crack em reportagem da Bandeirantes

https://www.google.com/bookmarks/url?url=http://www.band.com.br/jornaldaband/conteudo.asp%3FID%3D308508&ei=5_sATJa4BoW0wQXZrcDaCQ&sig2=0IWUCFQdaB56TlkE7Kocgw&ct=b

terça-feira, 25 de maio de 2010

O plano contra o crack

Abaixo dois textos sobre as drogas, o primeiro sobre a droga de plano contra o crack e o segundo uma advertência, um desejo: devemos evitar a tragédia mexicana 

O plano contra o crack
Mais uma vez tratando de problemas importantes em tom de demagogia eleitoral, o presidente Lula aproveitou a sessão de encerramento da Marcha dos Prefeitos para anunciar outro "Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack". Há cerca de 600 mil pessoas no País viciadas na droga, segundo estimativa do Ministério da Saúde, e o último plano para combatê-la foi anunciado em junho do ano passado, quando o governo prometeu ? e não cumpriu ? dobrar o número de leitos para dependentes químicos em hospitais do SUS. Atualmente, a rede do SUS mantém 2,5 mil leitos para viciados em drogas.

Lula anunciou aos prefeitos que o objetivo do novo programa de combate ao crack é aproximar os viciados dos serviços de saúde, mediante o aumento ? nas áreas consideradas mais vulneráveis das cidades com população superior a 400 mil habitantes ? do número de consultórios de rua e de pontos de acolhimento de usuários, onde eles podem comer, tomar banho e descansar.
Criados no final do ano passado, os consultórios de rua contam com assistentes sociais, psicólogos e enfermeiros que fornecem orientação sobre tratamentos e oferecem cuidados básicos em locais onde os viciados em crack se reúnem. Estão previstos também novos Centros de Atenção Psicossocial e a transformação dos 110 Centros já existentes em unidades abertas durante as 24 horas do dia. O governo anunciou ainda que construirá 60 abrigos para receber usuários de crack "em situação de risco", ou seja, ameaçados por traficantes, onde poderão permanecer de 30 a 40 dias.
O discurso do presidente Lula é indissociável da campanha da pré-candidata petista à Presidência, Dilma Rousseff. Desde o Dia das Mães ela vem tratando do tema em eventos pré-eleitorais. O combate ao crack também foi por ela abordado nas últimas inserções publicitárias do PT e de outros partidos da base aliada, no rádio e na TV. "Estou muito preocupada com o crack. Ele mata, é muito barato e está entrando em toda periferia e em pequenas cidades", diz a ministra nessas inserções, depois de prometer enfrentar "essa ameaça com autoridade, carinho e apoio".
Em seu discurso aos prefeitos, Lula afirmou: "O crack é uma coisa ainda nebulosa. O que a gente sabe é que o crack não é uma droga de rico, é uma droga mais para pobre. E a gente sabe que ela está sendo utilizada não nos grandes centros urbanos, está sendo utilizada nas pequenas cidades, inclusive com criança em escola", afirmou o presidente, depois de prometer que, quase ao término de seu mandato, irá "jogar duro" contra narcotraficantes ? o que não fez em sete anos e meio de governo.
A exemplo de projetos que foram recentemente anunciados pelo MEC, como a criação de um exame nacional único para seleção de professores para as redes municipais e estaduais de ensino básico, o plano de combate ao crack é mais uma iniciativa elaborada às pressas, com o objetivo de render dividendos eleitorais, sem nenhuma garantia de que será posto em prática pelo atual e pelo próximo governo.
Encomendado em abril ao chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, general Jorge Armando Felix, o plano prevê gastos de R$ 400 milhões, ainda este ano, em ações de prevenção, tratamento de usuários de crack e repressão ao tráfico. No entanto, várias ações semelhantes, que foram anunciadas no ano passado, até hoje não saíram do papel por falta de dotação orçamentária.
O ministro da Segurança Institucional reconhece que "não há grandes novidades" entre o plano anunciado pelo presidente Lula na Marcha dos Prefeitos e as medidas que o governo já havia anunciado para o setor há menos de um ano. As únicas novidades, diz ele, são "a intensificação dos esforços e o afluxo de mais recursos para podermos fazer as coisas melhor, mais depressa e mais integrados".
O consumo de crack tem um efeito devastador na sociedade, que só será contido por meio de uma política mais articulada do que a anunciada por Lula no comício dos prefeitos. 
Editorial d'O Estado de S.Paulo


A tragédia mexicana

Pobre México. Tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos.

O caderno especial México em guerra, publicado domingo neste jornal, retrata o desfalecimento das instituições de Estado dessa grande nação invadida pelos cartéis da droga. O país vive a sua mais grave crise desde a sangrenta Revolução de 1910 ? como relata o repórter Fausto Macedo. A contar de 2007, quando o então recém-empossado presidente Felipe Calderón decidiu militarizar o combate ao narcotráfico, com a mobilização de 50 mil soldados do Exército, as máfias da droga executaram perto de 23 mil pessoas. Quantos são os agentes públicos corrompidos pelos mafiosos não se sabe, mas também hão de se contar aos milhares.

As execuções, não raro de famílias inteiras e à luz do dia, assumem formas bestiais. O narcotráfico faz da violência mais do que uma afirmação de poder: como o terrorismo, destina-se a propagar o pânico e a desmoralizar a autoridade. Em nenhuma parte desse país, onde 11 dos 44 Estados já são dominados pelos narcos, isso é tão clamoroso como em Ciudad Juárez, de 1,3 milhão de habitantes, na fronteira com os Estados Unidos. Com 4,2 mil execuções apenas nos últimos 2 anos, ou 191 por 100 mil moradores, Juárez é considerada pela ONU a cidade mais violenta do mundo.
O governo insiste em que está no caminho certo e se gaba das apreensões de drogas, armas, valores e da captura de traficantes de alto coturno, como o líder de cartel "El Índio", por quem os Estados Unidos ofereciam recompensa de US$ 2 milhões. Mas nenhum observador imparcial dirá que o crime está acuado ou, muito menos, em declínio no México. "Apenas 1% dos bens do tráfico é confiscado", exemplifica o professor de direito Edgardo Buscaglia, um dos maiores conhecedores do assunto no país. Ele ressalta que o comércio de entorpecentes é uma entre 21 modalidades de negócios ilícitos das gangues.
Enquanto, segundo ele, o México se tornou um "paraíso patrimonial" para grupos criminosos das mais diversas procedências, há no país 982 "focos de ingovernabilidade" como os do Iraque, Afeganistão e Paquistão ? território subtraído ao controle da administração pública. Para os críticos, uma coisa e outra provam o fracasso da Iniciativa Mérida, o protocolo de segurança para o México e América Central, assinado em 2007 pelo então presidente americano, George W. Bush, com o pleno apoio do seu colega Felipe Calderón.
Pelo acordo, nos moldes do Plano Colômbia contra as Farc e a droga, os EUA deveriam investir US$ 1,4 bilhão em 3 anos para equipar e capacitar as forças mexicanas, e Calderón deveria lançar uma ofensiva sustentada contra o narcotráfico. Na realidade, o México não cumpriu ainda 77% das cláusulas do plano e os EUA só desembolsaram 21% daquele total. A questão de fundo, porém, é mais complexa do que a incapacidade do governo mexicano para tocar uma estratégia já de si polêmica ou do que a escassez de recursos liberados por Washington. Trata-se do papel dos EUA como "importador" e "exportador" dos dois produtos em que se assenta um negócio de US$ 24 bilhões por ano: drogas e armas.
Vêm do México de 60% a 90% da cocaína consumida no país, o maior mercado mundial de narcóticos. As cadeias americanas estão repletas de pequenos traficantes (em geral jovens negros), mas o uso da substância não é reprimido. "Precisamos nos concentrar no ponto da venda", diz o diretor do Instituto de Fronteira da Universidade de San Diego, David Shirk. Tão ou mais difícil será barrar o fluxo de armas made in USA para o mercado das tropas do crime no outro lado da fronteira.
Ao visitar o México logo depois da posse, o presidente Barack Obama prometeu empenhar-se na ratificação, pelo Congresso, da Convenção Interamericana contra a Fabricação e Tráfico de Armas de Fogo (Cifta). No México, esse comércio é proibido. Nas áreas de fronteira, ao norte, compra-se livremente o que se queira no gênero em qualquer supermercado. E, se depender do Senado americano, submisso ao multimilionário lobby da National Rifle Association, esse estado de coisas se perpetuará. O Cifta está na rabeira da fila dos projetos a serem examinados na Casa. Já dizia o presidente mexicano  Díaz, no século 19: "mexicano Porfírio Díaz, no século 19: "Pobre México. Tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos."

Os dois textos são d'O Estado de São Paulo

segunda-feira, 24 de maio de 2010

A invasão chinesa na África

China planeja 2 milhões de chineses nas obras em Angola
Com investimento de US$ 9 bi, asiáticos transferem 100 mil trabalhadores para canteiros de obras no país

Cresce sentimento contra mão de obra chinesa em Angola, onde desemprego pode chegar a 30%

AGNALDO BRITO
ENVIADO ESPECIAL A ANGOLA

O caminhoneiro Zhang Chun Guang pilota um caminhão carregado de asfalto. Ele espera a vez, enquanto gesticula e balbucia algo que se supõe: "Não falo português". Nem precisava.
Zhang é parte de um grande plano estratégico dos chineses para ocupação econômica e demográfica de Angola, cujo objetivo é obter petróleo e exportar gente.
O governo de Angola não se pronuncia, mas circula no país a informação de que a China, o maior parceiro angolano, pretende colocar, em dez anos, 2 milhões de pessoas na emergente economia africana. Quantidade equivalente a 10% da população.
Estima-se que a China já levou ao país mais de 100 mil pessoas e, diferentemente de outros parceiros comerciais, a grande massa é de trabalhadores como Zhang.
Na letra da lei, Angola não permite que nenhum projetos com capital estrangeiro no país possua mais de 30% de mão de obra expatriada.
A Folha procurou o governo para que comentasse a relação com a China, mas não obteve resposta.
A avaliação é que os US$ 9 bilhões em capital chinês (parte a juros subsidiados) dão aos chineses condição diferenciada em Angola.
"Há projetos em que os chineses representam mais de 50% da mão de obra contratada", diz Raimundo Lima, presidente da Assembleia da Associação de Empresários e Executivos Brasileiros em Angola.
Essa situação tem criado certo mal-estar em Angola, país que, apesar do forte crescimento econômico, ainda convive com grande massa de desempregados.
A taxa oficial de desemprego é de 22,5%, mas estudos apontam pelo menos 30%.

DESEMPREGO
Basta observar a capital, Luanda, para perceber que o desemprego é algo crônico. Em qualquer via congestionada, centenas de angolanos oferecem de tudo no trânsito, de ternos mal cortados a pães dispostos em cestos enormes no meio da poeira.
A presença maciça da mão de obra da China, confinada em canteiros, começa a nutrir a percepção de que trabalhadores chineses com baixa qualificação ocupam espaço de angolanos.
Muitos são ex-guerrilheiros que participaram da luta clandestina contra os portugueses e na guerra civil entre as organizações armadas pela controle do país, no MPLA (que saiu vitorioso), na Unita ou no FNLA.

ANÁLISE

Pequim substitui potências coloniais e pensa a longo prazo
RAUL JUSTE LORES
EDITOR DE MERCADO

45 chefes de Estado africanos visitaram Pequim em 2006 na primeira grande cúpula entre China e África. Além da pompa na praça da Paz Celestial, levaram US$ 5 bilhões em créditos.
Em 2009, na segunda cúpula, os empréstimos saltaram para US$ 10 bilhões, e os investimentos prometidos no continente foram de US$ 50 bilhões. O comércio sino-africano passou de US$ 15 bilhões em 2002 para US$ 120 bilhões no ano passado.
A China pensa a longuíssimo prazo. Quando parte de seus 730 milhões de camponeses migrar de vez para as cidades, o país vai precisar de muito mais petróleo, soja, ferro e alimentos, recursos que a África tem de sobra.
Europa e EUA deixaram um vácuo que os chineses ocuparam, sem culpa de passado colonial.
No Conselho de Segurança da ONU, a China cria um escudo antissanções que serve do Sudão ao Zimbábue. O gigante oferece créditos e experiência em obras de infraestrutura, contanto que as empresas chinesas sejam as beneficiadas e que milhares de operários chineses possam trabalhar na África.
Alguns países africanos já aprenderam a lidar com a China. O Congresso Nacional Africano, partido de Mandela e de seus sucessores na África do Sul, sempre organiza missões para encontrar o alto escalão do PC chinês. Raramente volta de mãos vazias.
O jeitinho sino-africano funciona bem. A empresa do filho do presidente chinês ganhou licitação para fornecer scanners para o aeroporto da capital da Namíbia.
Nada coincidentemente, vários integrantes do governo namíbio ganharam bolsas de estudo na Universidade Tsinghua, templo da elite chinesa onde Hu pai e Hu filho estudaram. Esse tipo de relação pode se estender à América Latina em breve.

Refinaria vira primeiro revés dos chineses no país africano
DO ENVIADO A ANGOLA
A construção de nova refinaria de petróleo em Angola, chamada de Sonaref, que ainda está em fase inicial, representa o primeiro grande revés dos chineses no país.
Depois do compromisso feito pelos chineses de aportar US$ 2,5 bilhões no negócio, o governo angolano suspendeu a concessão ao não concordar com o plano dos asiáticos de modelar a refinaria para um tipo de petróleo usado por eles.
O projeto, a ser construído em Lobito, cidade que fica na Província de Benguela, distante 400 quilômetros ao sul da capital do país, Luanda, tem custo estimado entre US$ 7 bilhões e US$ 8 bilhões, aproximadamente.
A refinaria foi dimensionada para o processamento de 200 mil barris por dia, um complexo de refino de grande porte, que irá resolver o problema do abastecimento interno enfrentando pelo país e gerar derivados para que Angola possa ampliar as vendas para o exterior.
Hoje, Angola produz 1,9 milhão de barris de petróleo por dia -a mesma quantidade que o Brasil. Tem ainda uma reserva provada de petróleo de 14 bilhões de barris, também igual ao Brasil (excluída a reserva do pré-sal).
Apesar desses números, o consumo no país africano é de só 70 mil barris por dia.
Embora produza 27 vezes mais petróleo do que consome, Angola enfrenta um crônico problema de abastecimento. Ao percorrer a cidade de Luanda, onde existe a maior concentração de veículos, filas se formam diariamente na frente dos postos de combustível.
Ao contrário do restante dos preços da economia, o combustível é barato, US$ 0,40 (R$ 0,75) por litro.
A única refinaria do país fica em Luanda e tem capacidade para processar 37,5 mil barris por dia, pouco mais de 50% da demanda do país. O restante é importado. (AB)


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Colonialismo chinês.
Vc acha certo a China comprar terras no Brasil?

Delfim Neto diz vai acabar em porcaria grossa. Ouça, no final da entrevista aos 6 minutos de conversa


http://bit.ly/a3YhgM            



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domingo, 23 de maio de 2010

Tratamento contra o crack?

Abaixo você lê dois textos sobre o crack

A encrenca do crack 
"Raspa da canela do diabo", droga se espalha pelo país


Setenta por cento da cocaína apreendida no ano passado no Brasil se destinariam à produção de crack, segundo a Polícia Federal. Enquanto a droga se alastra pelo país em ritmo de epidemia, os usuários criam estratégias de sobrevivência e o marketing do tráfico investe no consumidor proveniente das classes C, D e E.



QUANDO A POLÍCIA APONTOU OS ROJÕES PARA O CÉU, para comemorar o sumiço da maconha do mercado em São Paulo, a pesquisadora Solange Nappo suspirou fundo: "Já vimos esse filme antes".
A maconha sumiu, de fato. A velha lei da oferta e da procura fez o preço subir às alturas de R$ 5 por grama, em vez dos estáveis R$ 2 em vigor praticamente desde o início do Plano Real, em 1994. Segundo a polícia, a escassez deve-se ao reforço da fiscalização e da repressão na fronteira com o Paraguai.
Solange, que trabalha na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), dá outra explicação. "Os traficantes já fizeram isso nos anos 90, quando enxugaram a maconha das bocas, para forçar a entrada do crack. O menino ia comprar um baseado e saía com pedras." Tudo mudava a partir daí. Nascia a Cracolândia.
A história remonta ao começo dos anos 90, no Hotel Copa 70, no meio da Boca do Lixo paulistana, onde um traficante de cocaína conhecido por "Chulapa" (homenagem ao jogador santista Serginho Chulapa) fez o primeiro teste de mercado, ensinando a alquimia da transmutação de pó em crack.
"O Copa, que já era de alta rotatividade, virou uma loucura", lembra o português T.S., que foi dono de um hotel na redondeza. "Um trazia a televisão para trocar por droga, outro o micro-system, outro aparecia com a máquina de costura da mãe. Um mercado persa." Quando Chulapa foi assassinado, uns três anos depois, o crack tinha ganhado todas as ruas em volta.

DOMESTICAÇÃO
Na Bela Vista, bairro central de São Paulo, as bocas já se recusam a vender só maconha. Quem quiser, é maconha mais crack. Cinco gramas de maconha vêm num saquinho com cinco pedras. Preço mínimo: R$ 50.
A associação crack-maconha é a mais recente jogada do marketing das drogas. Tem até nome o cigarro de maconha com lasquinhas de pedra: "pitilho" ou "píti" (por ironia, a pronúncia é igual à palavra "pity", compaixão em inglês).
Com o "píti", o crack parece ter sido domesticado, embora o potencial de adição seja o mesmo da droga pura. Para fumá-lo, não é preciso improvisar cachimbos com latas de refrigerante, energético ou Yakult, como se faz com o crack. Ou até em tubos usados de pasta de dentes. (Diante de um desses apetrechos, o artista belga René Magritte talvez reconsiderasse sua frase mais famosa e dissesse: "Isto é um cachimbo".)
Misturada à maconha, o crack, atenua a paranoia -o seu efeito colateral mais perigoso. Acalma o usuário. Evita que entre em brigas. Combate o estigma de droga maldita, que afasta do crack até os "malucos" em busca de novas experiências.
"Ninguém imagina que vá começar a andar como um zumbi se fumar um baseadinho com crack", diz o músico M., 38 anos, há cinco transformado, ele próprio, em zumbi da cracolândia paulistana.
Como a lata que lhe serve de cachimbo esquenta muito durante a combustão, M. tem a boca transformada numa grande ferida. Queimaduras infeccionadas. Pelo menos até a cicatrização, ele promete usar apenas o "pitilho".

TUIIIIIIIIIM
O crack é a cocaína na sua forma mais destrutiva. Mas ainda é cocaína. A diferença é a forma de administração. Os cheiradores expõem apenas alguns centímetros quadrados de mucosa (a do nariz) à absorção do princípio ativo da cocaína, a molécula benzoilmetilecgonina ou éster do ácido benzoico. Do nariz, a substância vai para a corrente sanguínea, para só então chegar ao cérebro.
O caminho é acidentado. Antes de atingir o cérebro, a droga enfrenta os ataques das esterases, enzimas que tentam defender o corpo da intoxicação, destruindo a molécula invasora. Quando uma pessoa cheira o pó, apenas um terço das moléculas de cocaína que entraram na corrente sanguínea chegam a atingir o cérebro depois da ação das esterases.
Para melhorar a eficiência, logo os custos com a droga, surgiu a injeção de cocaína -a pessoa se pica e a droga entra direto na corrente sanguínea, sem a intermediação da mucosa. Aumentam a velocidade de absorção e a quantidade do que é absorvido. As esterases têm menos tempo para agir. O "barato" é mais intenso.
Mas então veio a Aids. Em meados dos anos 90 aconteceu um massacre dos dependentes de cocaina injetável, que compartilhavam seringas contaminadas. Para atender o consumidor hard, os traficantes trataram de disseminar a novidade: não seria mais necessário injetar. Bastava dissolver o pó em água, misturar com bicarbonato e secar. A casquinha que se formava, uma vez fumada, produzia um tuiiiiiiiiim no cérebro, uma explosão de energia e luz.
O "milagre" da cocaína na forma de crack é obra dos pulmões. Quando puxa a fumaça do crack, o usuário arremessa as moléculas da cocaína para esses órgãos, que têm uma área imensa, cheia de alvéolos especializados em trocas gasosas com a corrente sanguínea. Nocaute das esterases.
Noventa por cento das moléculas de cocaína que entram no pulmão atingem o cérebro. Recorde de eficiência. Enquanto a cocaína aspirada leva 5 minutos para fazer efeito e o "barato" dura 60 minutos, o crack "bate" em apenas 5 segundos, mas os efeitos duram magros 5 minutos. A "fissura" e o "barato" se confundem.
 
REDUÇÃO DE DANOS
Muitas mortes depois, os craqueiros criaram uma espécie de "manual de redução de danos", com regras de sobrevivência:
1. Não usarás o crack em grupo. Fumarás vosso cachimbo na solidão, para evitar confusões.
2. Não enfrentarás a polícia. Admitirás ser usuário de crack, a fim de evitar a prisão por tráfico.
3. Não ficarás próximo da boca, para não denunciá-la à polícia.
4. Pagarás o traficante religiosamente em dia.
5. Associarás o crack a outras drogas, como o álcool e a maconha, a fim de moderar os efeitos em cascata da paranóia, da depressão e da "fissura".
6. Usarás os serviços públicos para controlar as infecções e doenças típicas da vida nas ruas.
7. Procurarás urgentemente uma internação hospitalar, se o traficante quiser acertar contas, e ameaçar a tua vida.
8. Cafetinarás uma mulher. É o jeito mais fácil de arrumar dinheiro, e não tem os riscos do assalto.
Está funcionando.

O NEGÓCIO DO CRACK
Não é apenas a redução de danos à saúde que explica o fenômeno do "pitilho". Qualquer dono de mercadinho na periferia sabe que, quando o mercado se expande, é hora de diversificar o leque de produtos. Os traficantes de crack parecem conhecer essa lei básica. Há pelo menos mais dois derivados do crack no mercado: o "basuco", droga ainda mais tóxica e agressiva, de refino mais grosseiro, e o "pitilho" (ou "mesclado"), a combinação de crack com maconha que está fazendo a cabeça dos noias da Cracolândia.
O "basuco" é feito sob medida para atender o grau mais baixo do mercado, pois custa mais barato. Já o "pitilho" busca o usuário que não quer o estigma causado pelo consumo de crack, afirma o antropólogo Paulo Malvasi, que estuda a relação dos jovens com o tráfico na Grande São Paulo.
"Na periferia, o crack é visto como o ápice do circuito do desespero", diz ele. "O 'noia' é encarado como alguém que está no limiar do humano. Nem os travestis sofrem tanto preconceito."

PÃOZINHO QUENTE
"'Noia' não é gente. Se morrer, ninguém nota." O traficante D. M., dono de uma "lojinha" nos confins da zona leste de São Paulo, não esconde a cara de desprezo quando fala dos usuários de crack. "Lojinha" é a nova gíria para boca de drogas; o termo tem a vantagem de não levantar suspeitas. Ele diz que só atende essa clientela por uma razão econômica. "Coca vende na sexta à noite ou em dia de pagamento. Com o crack é diferente. Mal chega a pedra, você vende tudo. É que nem ingresso de futebol em final de campeonato."
A explicação de D. M. pode ser óbvia para um leigo, mas vale ouro para os pioneiros de um novo gênero de estudos no Brasil: o que busca entender como funciona o mercado de crack a partir dos aspectos econômicos. A observação de D. M. aponta um traço do crack que parece ter passado despercebido pela maioria dos estudiosos. A droga não apenas está entre as mais baratas -o preço baixo é a explicação simplista para a rápida expansão-, mas tem a maior liquidez no mercado de drogas ilícitas.
Liquidez é a facilidade com que um bem -o crack, no caso- pode ser convertido em dinheiro. Pãozinho fresco tem liquidez. Uma Ferrari não tem- porque pouquíssimas pessoas têm recursos para comprá-la. Mas o crack é um pãozinho quente que provoca "fissura" naquele que ficar sem comer o próximo.

PREGÃO NO MEIO DA RUA
"Eu vendoooooo!", grita forte a jovem de 16 anos, grávida de 8 meses, no começo da rua dos Gusmões, coração da Cracolândia, às onze da manhã de uma terça-feira.
"Eu compro, eu compro, eu compro!", replicam os usuários, em torno de 50, avançando sobre ela. Pregão no meio da rua.
O ímpeto dos consumidores é tamanho que a garota precisa vender a droga e caminhar ao mesmo tempo, para não ser atropelada -várias pedras vão caindo pelo chão no empurra- empurra.
Mais tarde, quando bater a "fissura", ou síndrome de abstinência, quando o corpo do viciado exige reabastecimento, os craqueiros voltarão, recurvados, quase de quatro, para tentar achar algumas delas nas frinchas do asfalto.
As grávidas e os meninos com menos de 15 anos são os principais vendedores nesse varejão -a polícia não dá tanto em cima deles, conhecidos como "vapores". Eles trabalham para o traficante, em troca da ração diária de crack para seu próprio consumo.
Os que não trabalham como "vapores" arrumam dinheiro como podem. Cláudio Portella, no poema "Vigésima Primeira Pedra", incluído em seu livro "Crack" (Meca Editora), fez uma glosa da canção "Metáfora", de Gilberto Gil, para explicar a situação:
"Uma lata é feita para conter algo, Mas quando o poeta diz lata, Pode estar querendo dizer [o incontível.
A minha lata conteve roupa, TV, som, celular, computador, Geladeira, microondas, carro, Jet-ski, casa, apartamento, Iate, fazenda, et cetera. Tudo condensado em fumaça."


LIQUIDEZ
A liquidez do crack é uma das razões que levaram a droga a se espalhar pelo país. A última estimativa do Ministério da Saúde, de 2005, contabilizava 380 mil usuários no Brasil. Segundo dados do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas (Cebrid), ligado à Unifesp, retrabalhados pelos economistas Sérgio Guimarães Ferreira e Luciana Velloso, o número de usuários de crack cresceu 125% entre 2001 e 2005 -não há dados mais recentes.
Nesse período, os consumidores de cocaína cresceram 42%. Só um tipo de droga supera o crack em aumento de usuários: as sintéticas, que tiveram um salto de 171%.
Números da Polícia Federal sobre apreensão indicam que o aumento de 125% pode ser um dado conservador ou ultrapassado. O delegado Cairo Costa Duarte, chefe do serviço de inteligência do setor de repressão a entorpecentes da PF, afirma que 70% dos 18.852 toneladas de cocaína apreendidas no ano passado eram matéria-prima para crack, a chamada pasta-base.
Segundo o delegado, esse percentual não aparece nos dados oficiais porque faltam peritos na PF, e a pasta-base que seria usada para produzir crack acaba contabilizada genericamente como cocaína. Cinco anos atrás o percentual de pasta-base apreendido, cujo destino seria a produção de crack, não passava de 20%. O aumento nas apreensões, diz ele, é um sinal de que a produção se expande.
"O crack se dissemina rápido porque a lucratividade é até maior do que a da cocaína", diz o sociólogo Luís Flávio Sapori, professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG) e coordenador do Instituto Minas pela Paz. "A clientela do crack é muito mais ampla do que qualquer outra droga: são as classes C, D e E". Sapori coordena uma pesquisa financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) sobre o mercado de crack, uma das primeiras do gênero no país.

HIPERVIDA
"O 'barato' do crack é uma maravilha. Uma sensação de hipervida. Você ouve mais, vê mais, tem o olfato mil vezes mais sensível, o toque idem. Os seus cinco sentidos se multiplicam ao infinito", diz Rafael Ilha, 37 anos, 20 dos quais às voltas para se livrar da dependência e, segundo ele, "limpo" há seis anos. Gozadores gostam de chamá-lo de Rafael "Pilha" -num surto de "fissura", ele engoliu duas pilhas pequenas.
Não foi uma tentativa de suicídio. Como estivesse internado numa clínica de reabilitação ultrarrestritiva, e lá não tivesse a menor chance de obter o crack, Ilha teve a ideia de forçar sua remoção para um hospital, de onde fosse mais fácil fugir. Deglutiu as pilhas. Antes, em outro surto, o ex-cantor já tinha engolido uma pilha média, uma caneta e três isqueiros, além de uma tampinha de xampu.
O ex-cantor do grupo Polegar e ex-namorado da mulher mais desejada do Brasil na década de 90, a atriz Cristiana "Juma" de Oliveira, tornou-se o craqueiro mais famoso do Brasil.
Surpreende a longevidade de Ilha, dependente de uma droga que até pouco tempo atrás matava seus usuários pouco mais de um ano depois da primeira "pipada" num cachimbo. Entre períodos "limpos" e outros "sujos", muito "sujos", o ex-cantor testemunhou a proliferação da epidemia de crack.

SEM POESIA
Não é por acaso que Rafael Ilha saiu das páginas de cultura para as policiais. Também do ponto de vista cultural, o crack tem uma singularidade destrutiva. Lucy in the Sky, psicodelismo, camisetas de batique, flower power -do ácido lisérgico foi dito que "amplificava os níveis de consciência". Os Beatles gostavam. Até profeta o LSD produziu, na figura de um professor-doutor de Harvard, Timothy Leary (1920-1996).
A heroína roqueira lutou no Vietnã, anestesiando as dores da guerra. Virou musa de Lou Reed e do anglo-brasileiro Ritchie, em "Menina Veneno". O ópio já foi "comida" de Thomas De Quincey, Baudelaire e de toda sorte de aspirantes a poeta. Os jamaicanos Bob Marley e Peter Tosh converteram-se em gurus da maconha na Tribo de Jah.
Nos anos 80, a cocaína em pó trincou sorrisos de empresários yuppies -carreiras e carreiras enfileirando-se nos banheiros de escritórios e baladas. Mais recentemente, o ecstasy é a droga do sexo, das raves, do amor. Quanto ao crack, bem... o crack é a droga inculta e maldita que leva você ao lixo. O crack não tem poesia. É a "raspa da canela do diabo", conforme a gíria carcerária.
"Falam que é droga de pobre", diz Antonio Feres, 38, agente de segurança desempregado, craqueiro. "Esse é o principal problema do crack. Se não fosse por isso, já tinha pelo menos virado um filme, porque história é o que não falta".

PEDINDO PORRADA
Os pesquisadores da Unifesp começaram a estudar a nova droga tão logo ela chegou a São Paulo. Depararam-se com a assustadora taxa de mortalidade entre os usuários. Segundo Solange Nappo, em um ano, o grupo se renovava.
Só que não era a droga diretamente que matava -ao menos na maioria dos casos.
Compulsivo, o craqueiro sem crack chamava encrenca. "Ele ficava na 'bocada' implorando para o traficante arrumar droga. Chorava, dava bandeira", conta a pesquisadora. "Quando recorria ao assalto para comprar a droga, era um trapalhão, sem nenhuma estratégia para roubar". A própria Nappo foi assaltada por esse novo tipo de trapalhão, durante uma pesquisa de campo.
Os riscos cresciam mais ainda, porque a sensação de onipotência proporcionada pela droga deixa os usuários sem a menor noção do perigo. Atravessam a rua sem olhar, enfrentam o traficante, achando que dominam a situação, desafiam os comerciantes, os seguranças e a polícia. Nas palavras de um policial militar que monta guarda na praça Princesa Isabel, um dos focos do crack em São Paulo, eles "pedem pra tomar porrada".
Segundo Solange Nappo, os craqueiros desenvolvem uma psicose -e por isso são chamados de "noias": ouvem coisas, desconfiam de tudo e de todos. "O crack não é uma coisa que alegra. É tenso, sempre tenso. O usuário imagina que uma unidade da Swat está escalando o prédio para pegá-lo, que tem microfone no ralo, que alguém vai roubar a sua pedra. Briga e violência vêm junto."

UM NOVO CONSUMIDOR
Na calculadora, a cocaína até gera um lucro maior do que o crack, segundo dados da PF enviados à Organização das Nações Unidas (ONU), mas não divulgados no país. Um grama de cocaína vale R$ 6 no atacado e R$ 25 no varejo, gerando um lucro de 300%. O lucro do crack é menor, de 200% -o traficante graúdo pega o grama por R$ 4 e o revende por R$ 12. O que faz toda a diferença do crack é o tamanho da clientela em potencial. As classes C, D e E correspondem a 84% da população do país (162 milhões de pessoas), enquanto as A/B têm 30 milhões.
A mesma classe C que faz o comércio mais popular crescer em ritmo "chinês" ajudou a transformar o crack num problema epidêmico no país, de acordo com José Luiz Ratton, coordenador de um núcleo da Universidade Federal de Pernambuco que estuda violência.
"Há uma diversificação no mercado de drogas. O crack atinge um novo consumidor".
Não é exagero, segundo Sapori, colocar os traficantes na mesma categoria dos homens de negócios. "Os traficantes sempre foram grandes comerciantes. Só não tínhamos notado isso porque estudávamos somente o usuário de drogas", diz.
O Rio de Janeiro, que era livre do crack até sete anos atrás, pode ser um laboratório ideal para analisar o comportamento econômico dos traficantes. A aposta é de Daniel Cerqueira, professor de macroeconomia da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e pesquisador do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea).
Cerqueira prepara uma pesquisa para testar suas hipóteses ousadas para explicar a vertiginosa expansão do crack no Rio. Segundo ele, o advento das drogas sintéticas - ecstasy e ácido lisérgico- provoca um deslocamento tectônico no mercado tradicional. Como a droga sintética é vendida pela classe média, o traficante de morro perde mercado -os jovens de classe A e B, que consumiam cocaína nos anos 80 e 90 do século passado, agora usam ecstasy.

CRACK, GÁS E GATONET
"A droga sintética é um duro golpe na rentabilidade da cocaína", avalia Cerqueira. Com a queda da rentabilidade, o tráfico do morro reage e entra em novos mercados: botijão de gás e "gatonet" (a gíria carioca para a TV por assinatura pirata). "Ele também incorpora um novo produto, o crack, e um novo segmento de consumidores, o 'noia'. O crack é uma resposta à queda de rentabilidade da cocaína." Para ele, o mercado de drogas tem uma organização empresarial, e reage racionalmente para manter o lucro.
No Brasil, não há dados estatísticos que comprovem a perda de terreno da cocaína para as drogas sintéticas. Nos Estados Unidos, porém, o consumo de cocaína chegou ao patamar mais baixo nos últimos 30 anos, segundo o National Institute of Drug Abuse.
A ocupação dos morros do Rio pelas Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) é um subproduto dessa perda de rentabilidade dos traficantes, segundo Cerqueira. A polícia entrou nos morros porque os traficantes estão com menor poder de fogo para reagir, e porque já não têm tantos recursos para pagar propina aos policiais. Tudo é resultado da queda de rentabilidade da cocaína, de acordo com o pesquisador.
O fenômeno das milícias -grupo de policiais que atuam como segurança privada- também tem ligação com a redução do lucro da cocaína, na visão do economista. "Quando cai o volume de propina dos policiais, eles saem em busca de novos negócios. As milícias são um desses empreendimentos".

BAGDÁ BOMBARDEADA
Mesmo com as dezenas de operações "limpeza" realizadas na Cracolândia paulistana, nunca houve tantos craqueiros por lá. Técnicos a serviço da prefeitura estimam que algo como 3 mil a 5 mil "noias" perambulem dia e noite, senhores absolutos do polígono de 181 mil metros quadrados (área de 24 campos de futebol), bem no centro velho da cidade.
Cenário de Bagdá bombardeada, a Cracolândia de hoje é um território com quarteirões e mais quarteirões, demolidos em 2008 para dar lugar a um projeto de "revitalização urbana" que nem começou a se materializar. Seus habitantes são meninos e adultos que envelheceram no álcool e no crack, e grávidas (muitas), e deficientes físicos, doentes e sujos. E lixo espalhado -os "noias" arrombam os sacos de plástico em busca de qualquer coisa que possa ser trocada pela droga.
Tem uma cracolândia em Brasília, a menos de dois quilômetros do Congresso; tem em aldeia de índio; em Presidente Prudente, no extremo oeste do Estado; no pé dos morros cariocas; nos alagados de Recife. A "disneylândia do crack" se espalhou.
LAURA CAPRIGLIONE, MARIO CESAR CARVALHO, xilogravuras J. MIGUEL na Folha de São Paulo de 23/05/10

Tratamento contra o crack?


SEM TEMER a polêmica, talvez se pudesse responder positivamente ao título desta coluna.
Durante três anos, um grupo de 50 viciados em crack se submeteu a uma experiência comandada por psiquiatras da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo): a combinação de terapia com maconha. O resultado do teste ganhou repercussão mundial, especialmente nos EUA, onde foi publicado em revistas científicas. Daquele grupo, 68% trocaram o crack pela maconha. Tempos depois, todos (vamos repetir, todos) os que fizeram a troca não usavam nenhuma droga.
A maconha serviu para reduzir a "fissura" pelo crack, enquanto se esperavam os efeitos da terapia para que, com apoio familiar, o jovem pudesse reorganizar sua vida. Essas informações foram suficientes para inspirar médicos, inclusive do setor público, a tratar seus pacientes viciados em drogas pesadas. Técnicos do Ministério da Saúdes se mostraram impressionados. Idealizador dessa experiência, Dartiu Xavier, professor de psiquiatria da Unifesp, especialista em dependência química, está frustrado, porém.
Ele foi obrigado a abandonar seu projeto, pois corria o risco de se emaranhar-se na lei e de vir a ser tratado como traficante. Além disso, ele seria alvo do ataque de inúmeras entidades médicas brasileiras. A tragédia do crack ganhou mais destaque na semana passada, quando o governo federal anunciou um plano de R$ 410 milhões para lidar com os estimados 600 mil dependentes de crack - um crescimento, segundo estimativas oficiais, de 70% nos últimos cinco anos.

Se a lei permitisse, Dartiu ampliaria o número de atendidos, por exemplo na cidade de São Paulo, onde existem grandes áreas de consumo do crack. A própria universidade forneceria a maconha para garantir o controle da experiência. Quem sabe estaria aí o começo da solução ou, pelo menos, da redução dos danos provocados por essa praga que infesta o país e criou uma cidade chamada "cracolândia".
Na semana passada, durante um congresso internacional, realizado na Unifesp, quando se discutiu a criação de uma agência brasileira para o uso medicinal da maconha, o preconceito foi bombardeado por argumentos científicos. Para sair do papel (sobretudo em ano eleitoral), porém, um projeto como esse, mesmo como apoio do Ministério da Saúde, tem de percorrer um longo caminho. Em Washington, capital de um país conservador em relação às drogas, a maconha já foi liberada para uso medicinal.
*
Um dos maiores especialistas mundiais em drogas, o psicofarmacologista Elisaldo Carlini, ligado à Unifesp, aponta a existência de estudos feitos com animais em que se revela que o princípio ativo da maconha ajuda a combater a depressão e fortalece os indivíduos em situações de estresse.
"É apenas uma hipótese. Afinal, isso só foi testado em animais", diz Carlini, um dos principais idealizadores do encontro internacional da semana passada. Mas ele já sabe que existe comprovação da eficácia de vários de seus tratamentos, alguns dos quais descobertos não por cientistas ou médicos, mas por indivíduos comuns. Na Califórnia, jovens com câncer que, durante as sessões de quimioterapia, demonstravam menos efeitos colaterais, tinham em comum o uso de maconha.
Em suas aulas, o professor Elisaldo gosta de mostrar textos do médico da rainha Vitória (J. Russel Reynolds), da Inglaterra, em que recomendava entusiasticamente a cannabis como remédio. Ele descobriu registros sobre o uso da maconha como analgésico na China há mais de 5.000 anos.

Dartiu e Carlini sabem não só que a maconha afeta a concentração, o aprendizado e a memória mas também que sua descriminalização não é uma medida de fácil implementação. O que está em discussão, porém, é o direito de fazer ciência honestamente sem correr o risco de ser apontado como marginal.
Nos arquivos de Carlini, há o caso de um indivíduo de Porto Alegre que, cansado dos enjoos provocados pela quimioterapia e na esperança de levar uma vida mais saudável, comprou um sítio.
Lá plantou maconha para consumo próprio. Não pretendia cometer nenhuma ilegalidade, tampouco se envolver com traficantes, mas, descoberto pela polícia, que apreendeu cinco pés da erva, agora tem dois problemas: além de enfrentar o câncer, tem de responder a inquérito, acusado de ser traficante de drogas. Dartiu correria risco semelhante se continuasse suas pesquisas, que trouxeram um sinal de esperança.
GILBERTO DIMENSTEIN na Folha de São Paulo de 23/05/10

sábado, 22 de maio de 2010

Minas é o estado com maior número de pontos de exploração sexual infantil

Minas é o estado com maior número de pontos de exploração sexual infantil, diz pesquisa

Um levantamento realizado pela Polícia Rodoviária Federal em parceria com a Organização Internacional do Trabalho apontou 1.819 pontos de exploração sexual de crianças e adolescentes nas rodovias do país. Ainda segundo o levantamento, Minas Gerais é o estado onde o problema é maior, totalizando 290 pontos. Alguns destes pontos estão localizados em rodovias como as BR-381 e a BR-116, estradas que cortam o Leste de Minas.

Postos de gasolina, hotéis, boates, restaurantes e estacionamentos para caminhões são alguns exemplos de pontos vulneráveis de exploração sexual infantil. Por isso, segundo o coordenador do Serviço Social do Transporte no Vale do Aço, Marcus Vinícius de Oliveira, é preciso um trabalho especial nos perímetros urbanos das rodovias para conscientizar os motoristas e incentivá-los a denunciar o crime.

Mas o problema não se resume apenas às estradas. De acordo com dados da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social, em Minas Gerais foram contabilizadas 4.060 denúncias de abuso e exploração sexual de crianças entre maio de 2009 e abril deste ano. Grande parte dos casos foi registrada dentro do próprio lar da vítima.

Instituição de Timóteo acolhe meninas vítimas de abuso sexual

O Lar das Meninas, em Timóteo, é uma casa fundada em 1996 que atende garotas vítimas de abuso sexual. O objetivo é minimizar os efeitos do trauma. Rosângela Andrade Araújo, gerente da instituição, afirma que é grande o número de casos reincidentes. E que isso poderia ser evitado se houvesse tratamento também para os agressores.

Na cidade foram registrados 37 casos de abuso entre março de 2009 e março de 2010. O número pode ser ainda maior. Segundo Márcia Lúcia Nunes, presidente do Conselho Tutelar da cidade, muitas famílias que denunciam a situação não fazem representação na polícia. Essa atitude impede que os abusadores sejam indiciados aumentando os casos de impunidade para quem pratica esse tipo de crime.

A melhor parte da reportagem não foi transcrita, portanto veja o vídeo em http://in360.globo.com/mg/noticias.php?id=6590]

Ambas reportagens são do in360 no G1

O sexo frágil

As dois anos, as meninas já constroem sentenças com sujeito, verbo e predicado

FICO ADMIRADO com a onipotência masculina.
Quando pequenos nos ensinaram que homem não chora, que Deus nos criou corajosos com a finalidade de protegermos as mulheres, coitadas, seres frágeis prestes a esvair-se em lágrimas à menor comoção. Como sobreviveriam elas não fosse a nossa existência?
Por acreditar cegamente nesses ensinamentos, assumimos o papel de legítimos representantes do sexo forte, mesmo que as evidências nos desmintam desde a mais tenra infância.
Não é exagero, leitor. As meninas começam a falar muito antes. Aos dois anos já constroem sentenças com sujeito, verbo e predicado, enquanto nessa idade mal conseguimos balbuciar meia dúzia de palavras que só a mamãe compreende.
Você dirá que somos mais ágeis e mais orientados espacialmente. E daí? Qual a vantagem de virar cambalhota e plantar bananeira?
O desenvolvimento intelectual delas é tão mais precoce que alguns neuropediatras consideram injusto colocar meninos e meninas de sete anos na mesma sala de aula: deveríamos ficar um ano para trás.
Na puberdade, elas viram mocinhas de formas e gestos graciosos. Nós nos transformamos em quimeras desengonçadas, metade criança, metade homem com penugem no bigode, espinhas em vez de barba, voz em falsete e loucura por futebol.
Não é a toa que as adolescentes suspiram pelos rapazes mais velhos e nem se dignam a olhar para nossa cara quando nos derretemos diante delas.
No casamento, somos feitos de gato e sapato. Podemos estar cobertos de razão, gritar, espernear e esbravejar -no fim a vontade delas prevalecerá. É guerra perdida. São donas de uma arma irresistível: a tenacidade para repetir cem vezes a mesma ladainha. Com o passar dos anos, aprendemos a fazer logo o que elas querem; sai mais em conta. Nós nos cansamos e desistimos de reivindicar um direito, elas jamais.
Faça um teste. Combine com um amigo um jantar com as mulheres sem falar com elas. A chance de dar certo é zero. Agora inverta, as duas mulheres marcam uma noite para o tal jantar sem avisá-los. Você chega em casa louco para vestir o bermudão e ver seu time na TV. Qual a probabilidade de a televisão passar a noite desligada?
Você dirá que pelo menos somos mais saudáveis, enquanto elas vivem cheias de achaques. De fato, nas mulheres a cabeça dói, o útero incomoda e o intestino não funciona, mas as desvantagens acabam aí.
Durante o desenvolvimento embrionário, para construirmos ossos mais robustos e músculos mais potentes, desviamos parte da energia que seria utilizada para fortalecer o sistema imunológico. Por essa razão, em todas as sociedades o homem está mais sujeito a processos infecciosos graves.
No Brasil, arcamos com mais de 60% da mortalidade geral. A cada três pessoas que perdem a vida, duas são do sexo masculino.
Os ataques cardíacos vêm em primeiro lugar. Começamos a correr risco a partir dos 45 anos; as mulheres, só ao atingir a menopausa. Depois vêm os derrames cerebrais, seguidos pelos homicídios. Essa distribuição se repete em todas as regiões do país.
Fumamos e bebemos muito mais. Perto de 90% dos óbitos por acidentes de trânsito, quedas e afogamentos causados pelo abuso de álcool ocorrem entre nós.
Somos mais sedentários e desleixados com a saúde. Tratamos o corpo a pontapé e fugimos dos exames preventivos como o diabo da cruz. Ir ao médico? Só quando chegarmos às últimas ou se for para ficarmos livres da insistência das mulheres que nos cercam.
Em condições sociais comparáveis, mulheres vivem mais do que homens em todos os países do mundo. No Brasil, nossas vidas duram, em média, 7,6 anos menos. A longevidade feminina é visível: compare o número de viúvas com o de viúvos que você conhece.
Ao perder a companheira, o homem de idade fica desamparado. Se não casar imediatamente e não tiver filhas ou irmãs por perto, estará perdido, é incapaz de pregar um botão ou de fritar um ovo. Na situação contrária, a mulher poderá sofrer, sentir falta, mas cuidará da rotina doméstica sem dificuldade.
Morreremos mais cedo e deixaremos nossas economias. Livres da repressão machista e do trabalho que lhes dávamos, elas terão 7,6 anos para fazer excursões turísticas e lotar vans para ir a shoppings e teatros, animadas e conversadeiras. Para muitas, não será fácil esconder o ar de felicidade plena.
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Dr. Dráuzio Varella na Folha de São Paulo de 22/05/10

sexta-feira, 21 de maio de 2010

A trajetória da cocaína

Como as leis do crime foram feitas para serem respeitadas, os presídios ficaram livres do crack
SÓ QUEM desconhece a rotina das cadeias pode imaginar que seja possível impedir a entrada de drogas.
Se nos países ricos, em presídios de segurança máxima, guardados por carcereiros treinados e bem pagos, a droga é um problema insolúvel, imagine nos nossos.
Na coluna de hoje, leitor, vou descrever a trajetória percorrida pela cocaína nas cadeias de São Paulo nos últimos 20 anos.
Até a década de 1980, éramos ingênuos a ponto de considerar o uso de cocaína uma extravagância de gente endinheirada. Os primeiros casos de Aids se encarregaram de demonstrar que havia uma epidemia de cocaína injetável na periferia da cidade.
Em 1989, comecei um trabalho médico voluntário nas cadeias da capital, que dura até hoje. Naquele ano, um inquérito epidemiológico conduzido por nós na antiga Casa de Detenção revelou que 17,3% dos presos eram HIV-positivos.
Muitos vinham para o atendimento com as veias dos braços em petição de miséria, sequela das aplicações intravenosas sem assepsia. Como não era fácil conseguir seringas e agulhas no presídio, o uso comunitário da parafernália para as injeções era prática corrente.
Nessa época começamos um programa educativo que envolvia palestras no antigo cinema da Casa, concursos de cartazes sobre o tema e a distribuição periódica de "O Vira Lata", gibi erótico em que o herói, um ex-presidiário, só fazia sexo com camisinha e condenava o uso de cocaína injetável.
Esse conjunto de intervenções associado ao impacto das mortes por Aids em todos os pavilhões varreu do mapa a cocaína injetável, resultado final que os próprios presos julgavam inatingível. Nunca mais os guardas apreenderam nem uma seringa sequer.
Não havia motivo para comemorar, infelizmente: nos anos de 1992 e 1993 o crack invadiu a Detenção. Droga preparada com o refugo da pasta de cocaína tinha a vantagem do preço baixo, de dispensar as seringas e agulhas transmissoras do HIV e de provocar um "baque" no cérebro de intensidade comparável ao da injeção intravenosa.
A desvantagem maior logo se tornou evidente. Enquanto as injeções perfuravam a pele e destruíam as veias, suplício que nem todos estavam dispostos a suportar, o crack não doía nem deixava as marcas denunciadoras do uso. As consequências foram devastadoras.
Na esteira do massacre de outubro de 1992, acontecimento chave para entendermos como a disciplina no sistema penitenciário foi por água abaixo, a epidemia de crack se espalhou entre os 7.000 detentos do Carandiru e contaminou também outras cadeias.
Não há estatísticas para estimar o número de usuários, mas foram tantos que, quando um paciente negava o uso, eu o considerava mentiroso.
O crack é invenção do diabo. No usuário crônico o efeito acaba em segundos, mas a compulsão que o obriga a vender a roupa do corpo persiste pelo resto da vida. Nas garras da dependência, os detentos contraíam dívidas impossíveis de pagar.
Os inadimplentes tinham apenas duas opções: pedir transferência para o Amarelo, setor protegido no qual permaneciam trancados 24 horas por dia, ou acabar a carreira na ponta de uma faca.
No fim dos anos 1990, o Amarelo chegou a ter mais de 600 presos, quase 10% da população da Casa.
Os guardas de presídio mais experientes diziam que o crack havia subvertido a hierarquia da prisão e as leis do crime de forma tão radical que seria impossível acabar com ele nas cadeias, previsão com a qual eu concordava plenamente.
Estávamos enganados. Quando uma das facções conseguiu sobrepujar as demais e impor suas leis entre os presidiários paulistas, o crack foi considerado prejudicial aos negócios e terminantemente proibido. Por ordem do comando, quem fosse pego fumando era expulso do convívio e forçado a pedir asilo nas celas de segurança; quem ousasse traficar recebia sentença de morte.
Como as leis do crime foram feitas para serem respeitadas, os presídios do Estado de São Paulo ficaram completamente livres do crack.
Partindo do princípio de que na vida marginal tudo começa nas cadeias, tive a esperança de que num segundo movimento ele fosse banido da periferia de São Paulo, como acontecera com a cocaína injetável. Outro engano.
Uma traficante que atendi na penitenciária feminina explicou por quê: "Se quiser ganhar dinheiro na rua, doutor, a droga é o crack".

Texto de Dráuzio Varella na Folha de São Paulo de 08/05/10

terça-feira, 18 de maio de 2010

O estandarte 18 de maio

Apesar dos avanços, ainda há muito em que trabalhar para que alcancemos a plena proteção da infância e adolescência no país 

NO DIA 18 de maio de 1973, no Estado do Espírito Santo, uma menina de oito anos chamada Araceli foi raptada, drogada, violentada, morta e carbonizada. Seus responsáveis nunca foram punidos.
Esse crime, que chocou todo o país, foi escolhido no ano 2000 para ser o marco do Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes no Brasil, instituído pela lei nº 9.970/00.
Nesses dez anos, iniciativas e estudos têm permitido mapear, ainda que de forma incipiente, onde e como essa violência ocorre.
Alguns dos avanços mais significativos foram a adoção de um Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual Infantojuvenil e a transformação em política pública do Ligue 100, um disque-denúncia nacional que, administrado pela Secretaria Especial de Direitos Humanos, recebe, encaminha e monitora denúncias de forma anônima e gratuita.
Desde 2003, quando o Ligue 100 foi adotado como política pública, até o ano passado, o número anual de denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentes cresceu quase sete vezes, indo de cerca de 4.000 para mais de 29 mil.
Mas o que poderia ser visto como um aumento no número de casos pode indicar que as pessoas estão denunciando mais e rompendo a cultura do silêncio que permeia esse universo, o que é um fato positivo.
O número de programas especializados de atendimento a crianças e adolescentes tem aumentado, com destaque para a implantação dos Centros de Referência Especializados de Assistência Social (Creas).
Também houve ganhos significativos em termos de legislação, como, por exemplo, a lei nº 11.829/2008, que alterou o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), conferindo mais rigidez às punições contra o abuso on-line e a pornografia infantojuvenil.
O setor privado vem assumindo a sua parcela de responsabilidade sobre a causa, a cobertura jornalística do fenômeno está aos poucos se qualificando e, de modo geral, podemos dizer que a sociedade está mais receptiva ao diálogo sobre a importância do respeito ao direto de crianças e adolescentes a um desenvolvimento pleno e saudável.
Entretanto, a proteção a esses direitos fundamentais só pode ser concretizada de forma eficaz por meio de ações integradas entre governos, empresas, organizações sociais e sociedade em geral.
O abuso e a exploração sexual de crianças e adolescentes são fenômenos multicausais e, ao contrário do que muitos ainda podem pensar, ocorrem de norte a sul do país e de maneira transversal em todas as camadas sociais.
Outro ponto a ser considerado é que, embora os estímulos ao sexo sejam encontrados em várias interfaces, o diálogo e a educação sexual continuam considerados tabus.
Conversar sobre sexo com os filhos não é estimulá-los. Faz parte do nosso papel de proteção instruir crianças e adolescentes sobre sexualidade saudável, sobre prevenção. O que vemos é que, apesar do entendimento legal sobre os direitos infantojuvenis, retirar de seus ombros a culpa por um abuso sexual, por exemplo, persiste ainda como um grande desafio.
Na outra ponta, é preciso garantir a responsabilização dos agressores e a proteção integral de crianças e adolescentes vítimas de violência, inclusive durante os processos de investigação criminal. Assim, fica claro que, apesar de avanços, ainda há muito em que trabalhar para a plena proteção da infância e da adolescência no país.
Sobretudo nos próximos anos, quando sediará a Copa do Mundo e a Olimpíada, o Brasil será chamado a reforçar suas redes de proteção, para prevenir a exploração sexual ligada ao turismo.
Precisamos promover melhores condições de vida para meninos e meninas em situação de vulnerabilidade, formar continuamente os profissionais que lidam com crianças e adolescentes em seu dia a dia, fomentar e qualificar o debate sobre a causa e intensificar campanhas que estimulem adultos a adotar postura mais protetiva, em grande ação de prevenção.
Somente mudando olhares e atitudes frente a problemas que antes pareciam distantes de nós é que poderemos caminhar para uma sociedade mais justa e harmônica, na qual os direitos humanos, especialmente os dos pequenos cidadãos em desenvolvimento, sejam devidamente assegurados. Dia 18 de maio é o grande estandarte dessa luta!


Texto de ANA MARIA DRUMMOND,  diretora-executiva da Childhood Brasil, organização que trabalha pela proteção da infância contra o abuso e a exploração sexual.

Governo pede que sociedade denuncie abuso contra crianças

Denúncias podem ser feitas ao Disque Denúncia através do número 100. 

Ligação é gratuita e informações são enviadas para as autoridades policiais.

Do G1, em Brasília
 O governo lançou nesta terça-feira (19) campanha de combate à exploração sexual de crianças e adolescentes solicitando que a sociedade denuncie qualquer caso de violência através do Disque Denúncia. Segundo o ministro da Secretaria de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, o combate à exploração sexual é prioridade.
"Disquem para o número 100. A ligação é gratuita e as pessoas podem apresentar denúncias contra qualquer pessoa, contra qualquer ameaça, contra qualquer risco, sem precisar dar o seu nome, sem precisar dizer de onde é, porque imediatamente especialistas passarão a informação para as autoridades policiais para que essa violência ou ameaça seja imediatamente interrompida", afirmou Vannuchi.
Segundo a Secretaria de Direitos Humanos, o Disque Denúncia recebe uma média de 82 denúncias por dia. Somente este ano foram feitas quase nove mil ligações.  A maior parte das denúncias são de casos de abuso sexual e violência física ou psicológica. 82% das vítimas são do sexo feminino.
De acordo com a ministra do Desenvolvimento Social, Márcia Lopes, "é inadimissível que ainda se cometa abuso sexual contra as crianças e adolescentes". Segundo ela, 70% dos casos de violência sexual contras crianças são cometidos por membros da própria família.
Em comemoração ao Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, o governo também lançou o Prêmio Neide Castanha de Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes. A iniciativa é uma homenagem à assistente social Neide Castanha, falacida em janeiro deste ano. O prêmio visa estimular o combate à violência sexual contra crianças.