Quanto não pouparia com proteção contra rotulagem enganosa?
A canela que você polvilha sobre seu cappuccino contém cumarina, ingrediente básico de certo veneno para ratos. Não, não se precipite em jogar fora sua canela. Nem há risco de ela matar você como um rato nem você estaria contribuindo para reduzir a população deles no lixão.
Nos raticidas, sim, cumarina em alta dose atrai, apetece e mata o bicho. A propriedade anticoagulante da cumarina causa nele sangramentos internos fatais. Já médicos usam a mesma substância para prevenir e dissolver coágulos capazes de causar invalidez e morte por entupimento de veia. Questão de dose.
Questão que neste ponto se complica: qual seria o teor de cumarina na canela? Varia. Canela provém da casca de certas árvores. Nas da espécie "Cinnamomum cassia" (canela-da-china) pode haver dez vezes ou mais cumarina do que em "C. verum" (ou "C. zeylanicum", a "canela verdadeira"). Qual delas você consome?
Dificilmente será "C. verum", que no Brasil custaria umas cinco vezes mais do que "C. cassia". Mas como saber? A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) não exige que rótulos indiquem a procedência taxonômica e geográfica do produto. Muito menos qual o seu teor de cumarina, reconhecível pelo "aroma de baunilha" em doces, sorvetes e também cosméticos vários. (Ela passa ao sangue absorvida pela pele. Questão de dose.)
Na rica Alemanha, prevalece "C. verum". Você pode compulsar os motivos dessa preferência neste relatório (em alemão) do acreditado Instituto Federal de Avaliação de Risco da Alemanha (BfR): http://www.bfr.bund.de/cm/343/neue-erkenntnisse-zu-cumarin-in-zimt.pdf.
O descaso das autoridades sanitárias do Brasil na regulamentação de rótulos vai muito além da marginal canela. Diabéticos deveriam moderar consumo de açúcar, hipertensos, o de sal. Mas, por exemplo, açúcar nos "refrigerantes" e sal nos pães são disfarçados, respectivamente, com expressões tipo "carboidratos" e "sódio".
De fato, sacarose (açúcar de mesa obtido da cana) é carboidrato. Isto é, sua estrutura química corresponde a certa combinação de carbono com água. Mas, de tão vagos, em certos contextos, os termos "açúcar" e "carboidrato" chegam a ser sinônimos. Até madeira e carapaça de siri são "açúcares" (no sentido de "carboidratos"). Toda essa ambiguidade sonega a você a informação que mais interessa: com o "refrigerante", você ingere umas dez colheres de chá de sacarose.
E que seria o misterioso "sódio"? Decerto o elemento que, combinado com cloro, dá cloreto de sódio, o sal de todos os mares e cozinhas. Em certo sentido, portanto, os rótulos não omitem o teor de sal do conteúdo. Mas sódio não é sinônimo daquilo que você entende por sal. Quantos consumidores estudaram química ou se lembram da que aprenderam na escola? Quantos diabéticos e hipertensos não sofrem de alguma deficiência visual que, própria da idade, dificulta a leitura nas letras miúdas que a Anvisa tolera nesses rótulos solertes?
O governo distribui medicamentos gratuitos para diabetes e hipertensão. Quanto não pouparia aí com proteção eficaz contra rotulagem enganosa e outras espertezas?
Brasileiro consome umas dez vezes mais sal do que precisa. Tal excesso agrava estatísticas de hipertensão, enfarte e derrame, encurta a vida útil do consumidor. Mas sal estende a vida útil de embutidos, queijos, margarina, congelados. Melhora vendas, aumenta lucro e, ah, segura o pibinho.
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