domingo, 30 de março de 2014

DINHHEIRODUTO DO BNDES PARA DITADURAS NO EXTERIOR

Bilhões (sem licitação) drenados para empreiteiras com obras no exterior

Audiência pública com o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Luciano Coutinho (foto), sobre os financiamentos do órgão a projetos de infraestrutura no exterior, nos setores rodoviário, aeroportuário, hidroviário e de logística.

O “dinheiroduto” é destinado preferencialmente para países sob regimes autoritários, onde não há órgãos de controle como tribunais de contas ou ministério público. A audiência pública interativa está sendo realizada em conjunto pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) e pela Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE).

O governo Lula desenvolveu uma forma engenhosa de evitar submeter ao Senado o financiamento do BNDES para empreiteiras amigas, e sem licitação. Desde então, bilhões de dólares têm sido drenados, sem licitação, diretamente para a conta de empreiteiras brasileira contratadas sem licitação para realizar obras, em vários países, em geral governados por ditadores. Casos de Cuba, no financiamento do porto de Mariel, e de Guiné Conacri, na África, onde o banco financia um aeroporto internacional. O financiamento do BNDES é condicionado à contratação de empreiteiras brasileiras para executar obras nos países beneficiados com juros irrisórios e generosos prazos de carência. Mas o dinheiro é pago diretamente às empresas, no Brasil. Limpo, sem licitação, sem fiscalização, sem controle.
O debate foi requerido pelo senador José Pimentel (PT-CE) e pela senadora Ana Amélia (PP-RS). As críticas aos investimentos no exterior cresceram com a ida da presidente Dilma Rousseff a Cuba, no fim de janeiro, para a inauguração do Porto de Mariel, que teria recebido cerca de US$ 800 milhões do BNDES. Para o senador José Agripino (DEM-RN), o BNDES tem muitas explicações a dar, visto que os recursos recebidos do Tesouro são emprestados pelo banco a juros baixos. Além disso, observa, os investimentos nem sempre são exitosos e não são “modelos acabados de correção”. Ex-ministra da Casa Civil, a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) prefere destacar a interação entre o BNDES e o Congresso. Ela ressalta que o banco, além de financiar projetos de infraestrutura, é um importante instrumento de desenvolvimento nacional.

Do Diário do Poder

http://www.diariodopoder.com.br/noticias/presidente-do-bndes-explica-fortuna-investida-no-exterior/

sábado, 29 de março de 2014

Linchamento pros estupradores

José de Souza Martins escreve:

A LEI DA MADEIRA

Num país em que a pseudocidadania não dá à mulher proteção contra o estupro, valores arcaicos a protegem, a seu modo, com a cultura da vingança e do castigo
Os ataques de homens a mulheres no metrô e nos trens da CPTM mostram quanto ainda estamos longe de reconhecer a mulher como ser de direitos iguais e universais. Os agressores foram, num caso, um universitário, desempregado, residente na periferia. No outro, um técnico de informática e um engenheiro, igualmente jovens, que fotografavam as partes íntimas das vítimas na escadaria do metrô. Colhiam material visual para usar na internet.
A Delegacia de Polícia do Metropolitano (Delpom) vem monitorando esse ativismo nas redes sociais. Uma página no Facebook, que se chama "Os Encoxadores" e estimula esse tipo de agressão contra passageiras de trem e metrô, tem mais de 12 mil seguidores. Trata-se, pois, de um movimento coletivo motivado por propósitos perversos e antissociais. Só neste ano, a Delpom já registrou 22 casos de ataques a mulheres em trens e estações, dos quais apenas um, o do universitário, foi classificado como estupro, sendo os demais definidos como importunação ofensiva ao pudor.
Dois dias antes da ocorrência na Estação da Luz houve uma tentativa de linchamento no outro extremo do País, em Boa Vista, Roraima. O sujeito arrastara para um matagal e tentara estuprar uma adolescente que fora levar a irmã à escola e voltava para casa. Ela escapou e pediu socorro, o que provocou o ajuntamento de vizinhos furiosos, que atacaram o estuprador a socos, pontapés e pauladas. Açulados pelas mulheres, os linchadores o despiram e lhe enfiaram um pedaço de madeira no ânus. Desmaiado, sangrando, foi amarrado e arrastado pelas ruas. Alguém filmou a ocorrência e colocou as imagens no YouTube, o que vem se tornando cada vez mais frequente.
A violência contra a mulher, longe de regredir, aumenta. Também modernizada, amplia-se na forma e no alcance, anula direitos lentamente conseguidos. Cada vez mais os agressores agem como se agredir as mulheres fosse um direito, como se a mulher fosse um ser de segunda categoria, mero objeto à disposição do homem. Os casos que vêm ocorrendo no metrô e na ferrovia envolvem como agressores pessoas da classe média, da qual amplo setor chega ao uso dos recursos e equipamentos do mundo moderno sem que sua mentalidade também tenha chegado lá, mesmo tendo curso superior. Chegaram à internet, mas não à civilização. São pessoas que têm uma relação patológica com os meios da modernidade.
Numa sociedade historicamente originária da cultura mutilante e repressiva da escravidão, que se disseminou para todo o conjunto das chamadas classes subalternas, e não só para elas, era de se esperar que a progressiva ampliação da liberdade civil e cidadã encontrasse um obstáculo no próprio novo suposto cidadão. Há muitas manifestações das consequências do desencontro entre o que se era e o que ainda não se é, apesar do progresso. A liberalidade dos tempos atuais, entendida como permissividade, como triunfo do mais forte ou do mais esperto e atrevido contra o mais frágil e simples, criou e difunde a curiosa concepção de que aqui as pessoas só têm direitos, nenhum dever.
O caso de Roraima, no outro extremo, contrasta com a benevolência liberalizante de classificar a agressão contra a mulher como mera importunação ofensiva ao pudor. Não se trata de adotar a lei do cão. O caso de Roraima e de numerosos outros semelhantes envolvendo o linchamento do agressor, documenta antropologicamente que a população, baseada no costume e na tradição, tem uma tolerância bem menor em relação a essa violência e adota extremo rigor no conceito de justiça com que a pune. Embora o índice de mortos e feridos em linchamentos em geral seja quase igual ao registrado em linchamentos motivados por estupro, o índice dos que escapam é de 8,2% num caso e de apenas 2,9% em outro, o que bem indica quanto o estupro é mais violentamente punido em comparação a outros motivos para linchar. É significativo que no caso de linchamentos de presos por estupro por outros presos o índice de mortos e feridos seja de 80%, dois terços dos quais de mortos. Mesmo os presos têm dificuldade em conviver com alguém que tenha praticado esse tipo de crime.
O estupro não é para a população apenas a consumação física da agressão sexual, mas também a violência simbólica do desrespeito. Muito mais grave do que para a classe média adventícia, cujos valores dominantes são os do mundo do consumo e não os do mundo da pessoa, o mundo das coisas e não o dos humanos. Os linchadores tendem a punir por igual tanto o estupro quanto o desrespeito. É que a mulher em nossa cultura tradicional é mais que o ser biológico. É também depositária da sacralidade da reprodução, o que a torna sexualmente intocável, a não ser nos ritos próprios do casamento e da procriação. O que não tira do vínculo sexual tudo aquilo que lhe é próprio e toda a alegria que é própria do amor. Portanto, num país em que a pseudocidadania, mais de discurso do que efetiva, ainda não conferiu à mulher toda proteção a que tem direito, os valores arcaicos da sociedade tradicional a protegem, a seu modo, na cultura da vingança e do castigo definitivo.
JOSÉ DE SOUZA MARTINS É SOCIÓLOGO, PROFESSOR EMÉRITO DA FACULDADE DE FILOSOFIA DA USP E AUTOR, ENTRE OUTROS, DE A SOCIOLOGIA COMO AVENTURA
D'O Estado de São Paulo de 22/03/2014

sábado, 22 de março de 2014

Mais médicos do Programa Saúde da Família (PSF)

Barjas Negri escreve: Mais médicos (de saúde da família)

Se o atual governo federal tivesse dado a prioridade devida ao Programa Saúde da Família, o Brasil não precisaria importar médicos
A fim de ampliar e melhorar a qualidade do atendimento da atenção básica em saúde, o Ministério da Saúde criou em 1994 o Programa Saúde da Família (PSF), em parceria com os municípios.
Cada equipe do PSF é composta, no mínimo, por um médico generalista, um enfermeiro, um auxiliar ou técnico de enfermagem e seis agentes comunitários de saúde. Posteriormente, acrescentou-se as equipes de saúde bucal.
No primeiro ano, foram implantadas 328 equipes, em 55 municípios. Pela sua importância para a atenção básica na saúde, o PSF foi ampliado notavelmente no governo Fernando Henrique Cardoso. No período em que foi ministro da Saúde, José Serra deu apoio, prioridade e recursos para que os municípios implantassem novas equipes, que cresceram dez vezes em cinco anos.
Em 2002, último ano da gestão FHC, quando eu já estava no comando do ministério, o PSF acumulara 16,7 mil equipes, que acompanhavam 55 milhões de pessoas, em 4.200 municípios. Esse exército de profissionais de saúde foi decisivo para derrubar a mortalidade infantil, ampliar a cobertura das vacinações e, em muitos casos, proporcionar a primeira consulta médica ou odontológica de milhões de pessoas.
O governo Lula deu sequência ao programa, chegando em 2010 a 31,6 mil equipes em 5.300 municípios. No governo Dilma Rousseff, esperava-se que o PSF recebesse mais apoio e recursos financeiros para continuar crescendo, mas não foi isso o que aconteceu. Em três anos, o PSF ganhou apenas 3.000 novas equipes, um aumento pífio.
A média anual de implantação de equipes do PSF no governo FHC foi de 2.046. No de Lula baixou para 1.870 e, no de Dilma, caiu ainda mais para 1.018, evidenciando o enorme retrocesso. Mantida a média dos governos anteriores, o PSF deveria ter 40 mil equipes em 2014, o que, ao que tudo indica, não irá ocorrer.
Incapaz de dar respostas corretas a essa fragilidade, o Ministério da Saúde, sob o comando de Alexandre Padilha, criou um programa-tampão denominado Mais Médicos, com a meta ambiciosa de contratar 13 mil médicos estrangeiros e nacionais, em detrimento ao programa estratégico de saúde da família que, segundo Adib Jatene, deveria atingir 52 mil equipes.
Até agora, foram contratados 6.600 médicos, 80% dos quais cubanos que, em algum momento, voltarão ao seu país de origem. São trabalhadores temporários. Ou seja, em vez de uma ação de caráter permanente em relação às equipes de saúde da família, compostas por nove profissionais, optou-se por um inepto remendo de um médico temporário estrangeiro.
Se o atual governo federal tivesse dado a prioridade devida ao PSF, com mais recursos aos municípios e incentivos permanentes à formação de mais médicos generalistas, o Brasil não precisaria importar médicos, e a saúde pública não seria tão mal avaliada pela população brasileira.
É precisamente a falta de profissionais da saúde voltados à atenção básica das famílias que tem sobrecarregado hospitais e serviços de diagnóstico e tratamento, bem como as redes de urgência e emergência nos municípios. Ao completar 20 anos, o PSF merecia mais.