terça-feira, 29 de março de 2016

De formigueiros e nações

Até há pouco tempo, acreditavam pesquisadores e leigos que formigueiros eram administrados por suas rainhas. Existem 140 mil espécies diferentes de formigas, todavia com uma particularidade comum, o movimento de zigue-zague com que forrageiam e voltam com suas presas para o ninho.
Hoje sabe-se que as rainhas não são mais que fábricas de larvas. As informações necessárias para encontrar a direção do formigueiro ou da forragem são trocadas pelas formigas operárias, que se tocam com suas antenas capazes de distinguir "cheiros" distintos de quem vai para o campo e de quem vem para o formigueiro.
Daí o caminho incerto e a baixa eficiência do caminhar da formiga, pois o espaço real percorrido por ela é muito maior, mais de cem vezes, que a distância entre a forragem e o ninho.
Economistas brasileiros atribuem o recente melhor desempenho do sistema produtivo de China e Cingapura, por exemplo, em relação ao Brasil à pior educação que teria o trabalhador brasileiro. Diferença esta que tem certamente importância.
Acredito, entretanto, que a diferença fundamental é o caráter estruturante que os governos autoritários da Ásia puderam emprestar a estruturas produtivas de seus países. Veja-se o caso dos momentos de governos fascistas da Alemanha de Hitler, da Itália de Mussolini, do Chile de Pinochet, com inegável desenvolvimento econômico.
Outro possível motivo para desenvolvimento acelerado é a existência de um inimigo externo. Talvez por isso os EUA se mantenham sempre em guerra.
A Alemanha do pós-guerra é um sucesso não apenas por possuir alguns grandes complexos industriais, mas antes pela notável coerência de atuação de suas pequenas e médias empresas familiares, coerência esta obtida principalmente por uma virtual parceria entre governo, proprietários e sindicatos.
A baixa produtividade de formigueiros e nações está claramente associada à ausência de fatores estruturantes de seus sistemas produtivos. Talvez seja por isso que interessa tanto aos países industrializados impor o "laissez-faire" aos países emergentes, com o que esperam reduzir-lhes a competitividade.
Pois bem, então quais as opções para o Brasil? Será que uma guerrinha com a Argentina ajudaria? E que tal chamarmos de novo os milicos? Em ambos os casos, seria arranjar sarna para se coçar.
Desde Juscelino Kubitschek, o Brasil tem tentado criar grandes "blocos de capital", mas as escolhas têm sido malfeitas. Empreiteiras atuam com tecnologias que se caracterizam por tempos de obsolescência longuíssimos. Como consequência, valem-se de lobbys, para dizer o menos, ao competir e têm como único cliente, ou quase, o governo.
O BNDES tem-se esforçado, mas sozinho, para reverter esse quadro. Sem o apoio de ministérios de Indústria e Planejamento competentes, o Brasil não estruturará jamais seu setor produtivo. Façamos como o Japão, criemos um Miti (Ministério da Indústria e Comércio Exterior). Um ministério que seja de verdade, impositivo, e não uma rainha de formigueiro.

Texto de 
ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE, 84, físico, é professor emérito da Unicamp e membro do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia e do Conselho Editorial da Folha

http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/03/1754110-de-formigueiros-e-nacoes.shtml

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