domingo, 24 de junho de 2018

Cirurgia a laser pode causar danos à visão

Pacientes reclamam de falta de informação quanto a possíveis consequências do procedimento
Desde que se submeteu a uma cirurgia a laser, dois anos atrás, Geobanni Ramirez enxerga tudo triplicado. A cirurgia deixou o artista gráfico de 33 anos com sensibilidade à luz, visão dupla e distorções visuais que criam halos ao redor de objetos luminosos fazem a luz dos faróis dos automóveis se transformarem em uma explosão luminosa que o cega.
Seus olhos estão tão secos e doloridos que, de meia em meia hora, precisa pingar um colírio. Às vezes, queimam “como quando a gente corta cebola”. Sua visão noturna é tão ruim que sair depois que escurece é arriscado. Mas o cirurgião afirmou a Ramirez que sua operação foi um sucesso.
“Minha visão é considerada 20/20 (ou seja, normal), porque eu enxergo os A, B e C em toda a cartela do exame de vista”, acrescentou. “Só que vejo três As, três Bs e três Cs”. Ele diz que nunca foi alertado de que poderia ter danos permanentes depois da cirurgia.
Nos anos 1990, a Administração da Alimentação e Medicamentos dos Estados Unidos (FDA) aprovou os primeiros lasers para corrigir a visão. Cerca de 9,5 milhões de americanos, e talvez outros milhões de pessoas em todo o mundo, fizeram esse tipo de cirurgia, atraídos pela promessa de que logo estariam livres de óculos e lentes de contato.
Segundo os pacientes, os oftalmologistas que realizam esse procedimento asseguram que é praticamente infalível. Entretanto, desde 2008, pessoas que se submeteram ao procedimento denunciaram em uma reunião com a FDA que passaram a apresentar danos à visão e sofrer dores crônicas, o que motivou perda de emprego, deficiência visual, depressão - e até mesmo suicídios.
Pacientes reclamam que não são alertados para a possibilidade de visão turva e dores crônicas após cirurgia a laser nos olhos.
Pacientes reclamam que não são alertados para a possibilidade de visão turva e dores crônicas após cirurgia a laser nos olhos.
Um recente teste clínico realizado pela FDA sugere que as complicações experimentadas por Geobanni não são raras. Cerca de 50% das pessoas que tinham olhos saudáveis antes da Lasik (nome dado à técnica que utiliza laser em cirurgias oculares) passaram a apresentar pela primeira vez aberrações visuais depois do procedimento, constatou o teste. Aproximadamente 33% sentiram secura nos olhos, complicação que pode causar grave desconforto, o que não sentiam antes. Os autores escreveram que “pacientes que se submetem a esta cirurgia deveriam ser informados, antes do procedimento eletivo, sobre a possibilidade de, posteriormente, apresentarem novos sintomas visuais”.
Muitos médicos insistem que a Lasik é o procedimento mais seguro para o tratamento dos olhos e que complicações graves são “extremamente raras”. Alguns admitem que a visão dos pacientes pode regredir depois da cirurgia, e que, em alguns casos, eles poderão precisar de óculos. Mas cirurgiões que operam com a Lasik afirmam que, após alguns meses, a maioria dos pacientes apresenta melhora em relação à dor, à secura dos olhos, à visão dupla e a outras aberrações visuais, como as de Ramirez.
“Maus resultados podem ocorrer de vez em quando? Sim. Mas o risco é muito pequeno”, afirmou Eric Donnenfeld, ex-presidente da Sociedade Americana da Cataratas e de Cirurgia Refrativa. 
Agora, um grupo de pacientes está exigindo que a FDA emita alertas ao público a respeito da cirurgia Lasik. O grupo é liderado por Morris Waxler, um funcionário aposentado do alto escalão da FDA que lamenta o quanto se esforçou para obter a aprovação da Lasik, há mais de 20 anos, e por Paula Cofer, que afirma que a Lasik destruiu sua visão e a deixou com dores crônicas. Paula agora tem um site, lasikcomplications.com, que é dedicado a dois homens que se suicidaram depois de sofrerem complicações por causa da Lasik.
“Queremos que a FDA alerte o público sobre o fato de que a Lasik danifica a visão e causa dores, problemas de visão e outros danos irreversíveis, algo que o uso de óculos e lentes de contato jamais provocaria”, afirmou Waxler.
Outros estudos recentes sugerem que pacientes de Lasik também poderão sofrer, no longo prazo, outras complicações de visão, e possivelmente precisarão de cirurgia de catarata mais cedo e apresentarão uma grave doença que ameaça a visão, chamada ectasia corneana.
A Lasik leva cerca de 15 minutos e elimina a necessidade de óculos ao remodelar a córnea, tecido transparente, fino e resistente localizado na parte anterior do olho. Sua função é focalizar a luz na retina na parte posterior do olho. Os cirurgiões usam um laser ultravioleta que reduz a curvatura da córnea para as pessoas que não enxergam de perto (hipermetropia), e a acentuam para as que não enxergam de longe (miopia).
John Vukich, médico do alto escalão da Sociedade Americana da Catarata e Cirurgia Refrativa, admitiu que distorções visuais são possíveis efeitos colaterais da Lasik, mas acrescentou que avanços técnicos reduziram o risco.
Cynthia MacKay, um dos poucos oftalmologistas que se manifestaram contra o procedimento, afirmou que a cirurgia pode danificar os olhos porque corta minúsculos nervos da córnea, reduz a espessura da córnea e a enfraquece, afetando permanentemente a forma do olho.
“Não há nada de errado com os olhos que se submetem ao Lasik, com exceção do fato de que eles precisam de óculos para enxergar de longe”, disse a médica. “Eles enxergam bem antes do procedimento e deveriam enxergar igualmente bem depois. Mas não é o que acontece".
Reportagem de Roni Caryn Rabin, The New York Times n'Estado de São Paulo 24/06/2018  

terça-feira, 12 de junho de 2018

DEUS NÃO É MAIS BRASILEIRO

Para que alguns continuem ganhando, pessoas de carne e osso terão que pagar
A nossa democracia é laica, mas nossas decisões políticas são tomadas sob a premissa de que Deus é —e sempre será— brasileiro. Queremos benefícios sem custos (e quem em sã consciência não quereria?).
Exigimos que seja assim. Os custos hão de ser empurrados para algum momento indeterminado do futuro e cair sobre as costas de alguma entidade benévola não especificada, sem machucar ninguém. Algum dia alguém dá algum jeito e fica tudo certo. Deus resolve.
A maioria dos brasileiros concorda com o controle de preço do diesel, e quer ainda o controle de preço da gasolina e do gás natural. Só não aceita ter que pagar a conta. A Petrobras que tenha um prejuízo. E quem vai cobri-lo? O Tesouro, essa entidade superior e fonte de riquezas, que não por acaso também recebe letras maiúsculas.
Não é um caso isolado. Da direita à esquerda, todos pedem por mais gasto para suas causas e setores de preferência, sem nunca especificar quem vai ficar com a conta; essa fica para uma figura oculta, alguém com um bolso vasto e generoso. Há quem diga, inclusive, que o aumento de gastos vai aumentar a arrecadação; multiplicação milagrosa dos pães.
Os liberais sabem muito bem que tudo isso se traduz em mais impostos. E por isso a principal bandeira liberal no Brasil, o corte de impostos, ressoa cada vez mais.
Só que um corte de impostos também precisa ser pago, na forma de corte de gastos; e quem vai sofrer esse corte? Isso a gente vê depois, o Estado dá “um jeito” de se tornar mais eficiente. Há quem diga, inclusive, que o corte de impostos vai aumentar a arrecadação; multiplicação milagrosa dos peixes.
Até mesmo nosso controle fiscal opera na lógica do milagre. A Presidência e o Congresso suaram para passar a PEC do Teto em 2016, que impôs limites severos ao gasto público. No agregado. E sobre que área específica cairá o ajuste? Em ninguém; fica nas mãos do alguém difuso que vive num futuro abstrato. É promessa que vale para todos coletivamente e para ninguém em particular.
Essa é a lógica que governa o Brasil desde 1500, consagrada na Constituição de 1988, tão pródiga em direitos para todo mundo. O direito é a manifestação do “fiat” divino entre os homens: uma obrigação incondicional que a realidade —alguém— terá de dar algum jeito de cumprir.
O problema é que acabou o “milagre econômico” —um crescimento acelerado e sem causas conhecidas, que ocorre apesar de todas as deficiências e entraves, esses sim muito bem conhecidos. O Deus parece ter conseguido o green card e nos abandonou.
Na falta de um novo milagre, o juízo final se aproxima. O Estado brasileiro tem mais de 90% de seus gastos engessados. Pelas leis vigentes, não tem espaço para cortar. A população deixou claro que não tolera mais impostos, o que ademais iria sufocar a economia. E seria talvez até mais desastroso acabar com a estabilidade monetária e cobrir o rombo fiscal com a volta da inflação.
O que fazer? Uma alternativa é seguir confiando na intervenção divina até o fim, deixando que o ajuste a deus-dará. A corda estoura para o lado mais fraco e voltamos ao caos primordial. A outra é ser impiedoso e olhar para a realidade com olhos de ateu.
Para que alguns continuem ganhando, pessoas de carne e osso terão que pagar. E aí sim poderemos responder à pergunta que o Brasil é mestre em evitar: quem? O funcionário público ou o desempregado? O estudante ou o aposentado? O pobre ou o rico?
O problema é que para as escamas caírem de nossos olhos também será necessário um milagre...

Este texto foi escrito por 
Joel Pinheiro da Fonseca, que é economista pelo Insper, mestre em filosofia pela USP e palestrante do movimento liberal brasileiro, na Folha de São Paulo de 12/06/2018 

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/joel-pinheiro-da-fonseca/2018/06/deus-nao-e-mais-brasileiro.shtml