sábado, 29 de setembro de 2018

BOATOS MATARAM UMA MULHER NO GUARUJÁ - fake news

Veja o passo a passo da notícia falsa que acabou em tragédia em Guarujá
Há quatro anos, mulher foi espancada e morta após um boato com origem na internet

Fabiane Maria de Jesus, 33, morta após ser agredida sob acusações de magia negra, em Guarujá (SP)
Naquele sábado, 3 de maio, nenhum dos cinco homens depois acusados de homicídio saiu de casa para matar. Moradores de Morrinhos, em Guarujá (SP), eles estavam nesse bairro de periferia quando se depararam com uma confusão e se juntaram a dezenas de pessoas que gritavam por justiça.
A multidão, revoltada, acompanhava Fabiane Maria de Jesus, 33, arrastada e agredida numa via-crúcis que durou cerca de duas horas. Ela acabou sendo resgatada, mas morreu dois dias depois.
Por trás do encontro improvável e não planejado entre todas essas pessoas estavam as fake news. O ano era 2014, ainda antes de o mundo tomar conhecimento do poder nocivo das notícias fraudulentas, que podem manipular eleições, acabar com reputações e destruir vidas. No caso de Fabiane, literalmente.
Trata-se do primeiro caso de repercussão no Brasil em que boatos pela internet serviram como fio condutor para uma história de final trágico.
O primeiro alerta de que um post enganoso pode matar. Dias antes do linchamento, uma página no Facebook chamada “Guarujá Alerta”, com 56 mil curtidas, publicou informações sobre “uma mulher que está raptando crianças para realizar magia negra”, supostamente na região. Além da frase “se é boato ou não devemos ficar alerta”, o administrador postou imagens: um retrato falado (associado a um crime cometido no Rio, em 2012) e a foto de uma mulher loira, que tampouco tinha a ver com o caso.
As duas eram bem diferentes entre si. E nenhuma delas parecia Fabiane, que morreu ao ser confundida com a tal sequestradora. A história fica ainda pior pelo fato de a criminosa em questão nem sequer existir: à época, depois a polícia elucidou, não havia nenhuma denúncia de sequestro de crianças em Guarujá.
Jaílson, nascido na Bahia, e Fabiane, no Rio, eram primos. Eles se conheceram na infância, no aniversário de 16 anos dela, e se reencontraram em Guarujá, onde então moravam. Três meses depois, começaram a namorar. Tiveram duas filhas, hoje com 17 e 5 anos. A mais velha é calada, parecida com o pai. A mais nova, falante, puxou a mãe. “Tive de colocar sozinho o barco para andar”, diz o viúvo, para quem a maior falta está no convívio entre mãe e filhas.
Ele lembra da mulher como uma pessoa “boa, extrovertida, alegre, que conversava muito e pegava amizade fácil”. Fabiane também gostava de fazer cursos: “hotelaria, tricô, informática, um monte deles”. Ela era dona de casa. Ele, porteiro, trabalhava à noite. Há três meses, Jaílson está desempregado e não sabe o que vai fazer: “O que pintar está bom”.
Na casa da família, em Morrinhos, Fabiane já não se faz mais presente. Não há fotos dela expostas, apenas em álbuns guardados no quarto. Suas roupas e objetos pessoais foram doados. O viúvo tem uma namorada, que estava no local no dia da entrevista.
A filha mais velha, que chegou a ver na internet fotos da mãe espancada, não fala sobre o assunto. A mais nova, com apenas um ano na ocasião, sabe apenas que sua mãe está no céu —onde já pediu para a avó paterna levá-la.
A lembrança mais à mão é uma bíblia da antiga dona da casa, com seu nome e telefone na contracapa. Naquele sábado, 3 de maio, Fabiane saiu para buscar essa mesma bíblia, deixada em uma igreja que ela frequentava em Morrinhos. Durante a agressão, chegaram a dizer que o livro (com os dizeres Bíblia Sagrada na capa) era uma publicação de magia negra. E os santinhos guardados entre as páginas, fotos das crianças que ela havia sequestrado.
Na noite anterior ao linchamento, Jaílson voltou a trabalhar às 23h, depois de um período de férias. Antes de sair, deu os remédios para Fabiane, que sofria de transtorno bipolar e estava em crise. As filhas foram dormir com a avó paterna, Maria de Jesus, na casa de cima. Fabiane ficou sozinha e, entre a noite de sexta e a manhã de sábado, descoloriu os cabelos.
Uma semana antes, enquanto o boato sobre a sequestradora ganhava força, Fabiane havia cortado os longos fios na altura do ombro e os tingido de ruivo. Não gostou: segundo o marido, a intenção era descolorir para depois voltar à cor preta. Ao concluir apenas a primeira etapa desse plano, seus cabelos ficaram curtos e relativamente loiros —como os da mulher no Facebook, divulgada na página “Guarujá Alerta”. Foi assim que ela saiu de casa no sábado.
Pela janela, a sogra a viu de bicicleta, mas não reparou na mudança do visual. Fabiane buscou sua bíblia e foi até o trabalho do marido, que já havia saído: os dois se desencontraram. Passou no mercado onde a irmã trabalhava e comprou bananas. Seguiu para a casa das primas, também em Morrinhos, quando “teve o acontecido”, como descreve Jaílson.
Não há testemunhas que relatam o início das agressões —ou como um fósforo foi riscado onde as fake news já haviam espalhado gasolina.
Na versão que se tornou oficial, sem origem certa, a mulher ofereceu banana para uma criança. Os pais viram a cena e a acharam parecida com a tal “bruxa do Guarujá”.
Correram para avisar um rapaz de prontidão na biqueira, que já chegou batendo em Fabiane. Todos os depoimentos começam a partir daí, quando testemunhas e acusados se depararam com o linchamento já em curso.
CINCO HOMENS FORAM CONDENADOS POR MORTE DE FABIANE
Cinco homens que participaram do linchamento foram condenados à pena máxima de 30 anos de reclusão cada. Foi também determinada uma indenização à família, de R$ 550 mil, que dificilmente será paga: pela condição financeira dos condenados, a multa foi classificada como “simbólica”.
Nos depoimentos, dois deles, Carlos e Abel, disseram não ter ouvido nada que associasse a mulher linchada aos boatos virtuais. Foi diferente com Lucas: “O povo comentou que era a mulher da internet, que era da página Guarujá Alerta”.
Com Jair: “Disseram que a mulher era a que tinha saído no Facebook, relacionada com magia negra”. E com Valmir: “O povo dizia que a história da moça ser sequestradora estava na internet”.
Cada um à sua maneira, eles se juntaram à horda —de homens, mulheres (grávidas) e até crianças— que atacava Fabiane, incapaz de se defender. O número de participantes certamente soma dezenas: porém se fala em centenas e até milhares, dependendo de quem conta a história. Em depoimento à polícia, uma testemunha calculou “mais de 3.000”.
Valmir, hoje com 52 anos, deu uma paulada com uma viga na cabeça de Fabiane. Disse que não tinha a intenção de matar e que foi movido pela revolta. “Se eu soubesse que não era a sequestradora, jamais teria agredido”, afirmou em depoimento.
Lucas, 23, aproximou-se da confusão com sua bicicleta. Quando viu a mulher deitada no chão, ergueu a roda da frente e bateu com o pneu em sua cabeça. Explicou que foi “um ato de emoção” e “não teve a intenção de matar”.
Com um fio de eletricidade encontrado na rua, amarrou os punhos da vítima para arrastá-la. Para isso, contou com a ajuda de Abel. Carlos, 28, chegou quando as pessoas gritavam “mata, mata”. Aproximou-se de Fabiane quando ela estava machucada e deitada com a cara no chão. Puxou os cabelos para ver seu rosto, que estava sangrando. Depois, bateu com a cabeça dela no chão.
Abel, 22, disse estar passando quando viu o tumulto e a mulher com os punhos já amarrados. Segurou o fio, segundo ele, esperando a polícia chegar. Negou a participação no crime e também negou ser a pessoa que aparecia em um vídeo, amarrando os braços da vítima. Sua mãe, no entanto, o reconheceu nas imagens.
Jair, 39, contou que ergueu a mulher para tirá-la dali, quando a ponte onde estavam cedeu e Fabiane caiu. Foi uma queda de meio metro, em um mangue. Naquele momento, afirmou, queriam colocar fogo na mulher, já muito machucada. Disse ainda que perguntou o nome de Fabiane e, quando ela respondeu, tentou alertar as pessoas sobre a confusão. Por isso, disse, ele tomou um chute.
Uma viatura tentou chegar ao local do linchamento, mas foi impedida pela população. Voltou com reforço policial e também com uma equipe de resgate, que só puderam entrar na presença da imprensa, pois os moradores queriam registrar a captura da criminosa —um comentarista de segurança da TV Record foi até o local, onde fez uma gravação.
As câmeras dos celulares daquela multidão funcionaram durante toda a confusão no Morrinhos, permitindo posteriormente a identificação dos envolvidos. Os boatos que se espalharam com ajuda da internet levaram ao espancamento e à morte (reais) de uma mulher. E essas agressões físicas, nas ruas de Guarujá, foram depositadas também na internet, levando depois à prisão dos protagonistas.
Um agravante é que as imagens chegaram inclusive à família. Na volta do trabalho naquele sábado, quando se preparava para dormir, Jaílson recebeu um telefonema da prima, pedindo que fosse até sua casa. Foi lá, no computador dela, que o marido viu as fotos de sua mulher espancada —ele não sabe especificar em qual página. “Estava todo mundo em choque, sem querer acreditar no que via. Na hora eu reconheci”, diz o viúvo.
De maneira parecida, a sogra e a filha mais velha da vítima ficaram sabendo da tragédia. Uma vizinha bateu à porta, com celular em punho, perguntando se aquela mulher linchada das imagens era Fabiane. Maria de Jesus achou que não: a cor do cabelo da nora era outra. A garota então informou para a avó que havia produtos químicos na pia do banheiro de sua casa, indicando que sua mãe havia descolorido os fios.
Fabiane foi levada para o Hospital Santo Amaro, onde ficou internada na UTI (Unidade de Tratamento Intensivo) durante duas noites. Ela morreu na manhã de segunda-feira sem nunca ter dado sua versão sobre aquilo que aconteceu.
Reportagem de Juliana Carpanez no UOL 
https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2018/09/veja-o-passo-a-passo-da-noticia-falsa-que-acabou-em-tragedia-em-guaruja.shtml

sexta-feira, 28 de setembro de 2018

A higienização petista

É possível arruinar a democracia por meio de sua desmoralização paulatina e constante, como fez o PT sistematicamente há mais de três décadas
O ex-presidente Lula da Silva disse diversas vezes que “sempre” aceitou o resultado das várias eleições que perdeu. “Quando perdi, nunca fui para rua reclamar. Voltava para casa e discutia com minha mulher e com meu partido. Depois, me preparei para disputar uma nova eleição”, declarou em 2016 o demiurgo petista, repetindo pela enésima vez essa fábula na expectativa de enganar os inocentes. Pois Lula e o PT nunca aceitaram o resultado das eleições presidenciais que perderam e jamais enxergaram legitimidade nos presidentes aos quais faziam oposição - basta lembrar que o partido pediu o impeachment de Fernando Collor, de Itamar Franco e de Fernando Henrique, além de liderar uma campanha pela destituição do presidente Michel Temer.

Essa reiterada demonstração do espírito antidemocrático do PT e de Lula precisa ser relembrada no momento em que está em curso uma tentativa de higienizar a trajetória flagrantemente autoritária do partido e de seu líder para, com isso, marcar diferença em relação ao candidato Jair Bolsonaro (PSL). Segundo essa versão imaginosa, somente o truculento ex-capitão representaria uma ameaça real à democracia, enquanto o PT, malgrado seus eventuais arroubos, sempre se pautou pelas “regras do jogo”.

Provas disso, segue a lenda, seriam não somente a alegada disposição de Lula da Silva de aceitar os resultados das eleições que perdeu, como também o suposto comportamento exemplar do partido quando esteve no poder. Segundo se diz, o PT passou 14 anos no poder sem ameaçar a ordem institucional e a Constituição, razão pela qual não haveria nenhum motivo para temer uma ruptura se o lulopetismo voltar ao governo.

Já com Bolsonaro, sustenta essa narrativa, a história é bem outra. O ex-capitão já elogiou o regime militar e os torturadores de presos políticos, além de ter em sua chapa, como vice, um general que admite publicamente a hipótese de que o presidente da República dê um “autogolpe” se houver “anarquia”. Isso bastaria para demonstrar que o País estaria à beira de uma ditadura militar caso Bolsonaro venha a ganhar a eleição, enquanto com o PT esse risco não existiria.

Ora, não é preciso grande esforço para atestar a falácia de tal versão. Ameaças à democracia não se dão somente sob a forma de golpes militares clássicos, como o que Bolsonaro é acusado de estar tramando. É possível arruinar a democracia por meio de sua desmoralização paulatina e constante, como faz o PT sistematicamente há mais de três décadas.

O PT nunca admitiu contestação à sua ideologia. Impôs-se pela arrogância, patrulhando o pensamento e instaurando aquilo que John Stuart Mill, em seu clássico Sobre a Liberdade, chamou de “tirania da opinião e dos sentimentos dominantes”. Para isso, estendeu seus tentáculos sindicais e militantes às universidades e ao mundo artístico, atrelando o debate acadêmico e cultural à doutrina lulopetista. Quando esteve a ponto de ser destruído em razão dos muitos esquemas de corrupção que capitaneou - esquemas que, aliás, são também uma forma de minar a democracia -, o PT renasceu capturando a causa dos chamados movimentos identitários - de luta por reconhecimento de diversas minorias - e a transformou em arma partidária para dividir ainda mais o País. O PT viceja na discórdia radical e insuperável, inviabilizando o debate democrático.

Ademais, o partido não titubeou em fazer campanha sórdida, inclusive internacional, contra o Judiciário, o Congresso e a imprensa, classificando magistrados, parlamentares e veículos de comunicação como “golpistas” - todos, é claro, mancomunados para perseguir o PT. Não bastasse corroer a democracia por dentro, envenenando as relações entre os cidadãos e atacando as instituições, o PT ainda foi capaz de emprestar entusiasmado apoio a ditaduras como a de Cuba e a da Venezuela, sinalizando perigoso apreço por regimes de força tão ou mais violentos que a ditadura militar brasileira, a qual os petistas vivem denunciando.

A ameaça de Bolsonaro se restringe, por ora, a palavras toscas - e isso é muito ruim. Tão ruim quanto o PT, que já pôde demonstrar, na prática e extensivamente, seu espírito antidemocrático.

Editorial d'O Estado de S.Paulo em 28 Setembro 2018

Três mitos sobre a eleição de 2018

Três mitos sobre uma presidência de Bolsonaro
Há quem vote no candidato acreditando que o Congresso e o Judiciário irão controlá-lo

A polarização nubla nossas percepções. À medida que um segundo turno entre Jair Bolsonaro e Fernando Haddad se torna cada vez mais provável, os brasileiros de centro e de centro-direita encaram uma escolha entre um candidato cujas políticas eles desaprovam (Haddad) e um candidato abertamente autoritário (Bolsonaro).

Alguns abrirão mão de seus princípios democráticos por Bolsonaro. Isso é um erro histórico semelhante ao cometido pelos conservadores alemães em 1932 e pelos venezuelanos progressistas em 1998.
Para justificar seu apoio a um autoritário, muita gente diz que Bolsonaro talvez não seja tão ruim. Três argumentos são especialmente comuns. Como Daniel Ziblatt e eu descobrimos ao pesquisar para o nosso livro “Como As Democracias Morrem”, argumentos semelhantes foram propostos para candidatos autoritários em outros países. E eles foram um erro em quase todos os casos.

1. ELE NÃO FARÁ O QUE DIZ
Bolsonaro e Hamilton Mourão fizeram declarações abertamente antidemocráticas —expressando apoio a golpes de Estado, ditadura, tortura e execuções extrajudiciais. Muitos dos partidários de Bolsonaro afirmam que ele não está falando sério sobre essas coisas e que não as faria, como presidente. São “só palavras”.

Esse é um erro grave. Candidatos autoritários em sua maioria se tornam líderes autoritários. Hitler, Mussolini, Perón, Chávez, Correa, Morales, Duterte nas Filipinas e Erdogan na Turquia —todos adotaram discursos autoritários em campanha e atacaram as instituições democráticas quando chegaram ao poder. Palavras em geral se tornam atos, isso é especialmente verdadeiro quanto aos populistas como Bolsonaro.

Populistas são eleitos sob a promessa de que atacarão o sistema. Conquistam um mandato para sepultar a elite política. Aqueles que não executam essa missão perdem apoio rapidamente. Os populistas sabem disso. E, assim, a maioria deles faz o que disse que faria.

2. ELE É INCOMPETENTE DEMAIS PARA AMEAÇAR A DEMOCRACIA
Muitos eleitores relutantes de Bolsonaro imaginam que faltaria a ele a capacidade e o poder necessários para solapar as instituições democráticas brasileiras. O Congresso ou os tribunais o deteriam. Isso é igualmente falso. Mesmo políticos aparentemente fracos e inexperientes, vindos de fora do sistema, são capazes de destruir a democracia.

A elite peruana não levou Alberto Fujimori a sério quando ele foi eleito em 1990. Mas o Peru estava em crise e os peruanos estavam zangados com seus políticos. Quando o Congresso e juízes tentaram restringir Fujimori, ele os atacou como criminosos e corruptos, definindo-os como uma elite antidemocrática que havia traído o povo peruano e estava bloqueando os esforços do presidente para resolver os problemas do país.

A maioria dos peruanos simpatizava com a visão do presidente. E quando Fujimori fechou o Congresso e aboliu a Constituição, seus índices de aprovação subiram acima dos 80%. Por conta da imensa popularidade de Fujimori, a elite não foi capaz de detê-lo. Em uma crise, quando o descontentamento público está crescendo, não é preciso talento, experiência ou um plano coerente para subverter a democracia. Basta um pouco de demagogia.

3. SOMOS CAPAZES DE CONTROLÁ-LO
Esse é o mais perigoso dos mitos. Os políticos que ajudaram a levar Mussolini, Hitler, Perón, Chávez e Erdogan ao poder tinham uma coisa em comum: todos subestimaram seus aliados autoritários. Acreditavam, incorretamente, que seriam capazes de controlá-los.

Quando os liberais italianos se alinharam com os fascistas em 1921, facilitando a ascensão de Mussolini ao poder, o fizeram por acreditar que Mussolini era um político comum, que os ajudaria a derrotar a esquerda mas que eles seriam capazes de controlar. A elite alemã ridicularizava Hitler, chamando-o de “tolo” e “palhaço”.

Os conservadores aceitaram sua indicação como chanceler (primeiro-ministro) na crença de que seriam capazes de usá-lo para buscar seus próprios objetivos políticos. O gabinete inicial de Hitler estava repleto de políticos conservadores experientes, que, ao que se acreditava, colocariam o inexperiente Hitler em seu devido lugar. O líder conservador Franz von Papen disse aos seus aliados: “Não se preocupem. Em dois meses, nós o teremos empurrado com tanta força para o canto que ele vai até apitar”.

Apoiar um candidato autoritário é um jogo perigoso que raramente termina bem. O cientista político Milan Svolik demonstrou que, sob condições de polarização como as que prevalecem hoje no Brasil, as pessoas desprezam seus rivais ideológicos a tal ponto que se dispõem a tolerar autoritarismo, do lado delas.

É assim que morrem as democracias.
O texto é de Steven Levitsky, cientista político, autor do livro "Como as
Democracias Morrem" e está na Folha de São Paulo de 28/09/2018

Nota: o editor deste blog excluiu a palavra "democrático" na frase "
escolha entre um candidato democrático cujas políticas eles desaprovam"

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/steven-levitsky/2018/09/tres-mitos-sobre-uma-presidencia-de-bolsonaro.shtml

terça-feira, 25 de setembro de 2018

Militares na política produzem anarquia

Quando não se sabe o nome do ministro da Educação, mas conhece-se o de generais, coisa ruim pode acontecer

Houve um tempo em que se sabia o nome dos ministros da Educação e da Saúde. Depois, as pessoas tiveram que aprender a composição do Supremo Tribunal Federal e conheceram também a péssima opinião que alguns deles têm de seus colegas. Agora começa-se a aprender nome de generais. Há o Villas Bôas, o Mourão e o Augusto Heleno e o presidente do Supremo Tribunal levou um quatro-estrelas da
reserva para sua assessoria.

Mau sinal. Faz tempo, quando o presidente Ernesto Geisel decidiu promover Jorge de Sá Pinho a general de Exército, um curioso perguntou-lhe quem era ele.
— É um grande oficial e a prova disso é que você não sabe quem é. (Em 1984 Sá Pinho foi um dos generais do Alto Comando que impediram aventuras contra Tancredo Neves, mas pouca gente se deu conta.)

Quando se sabe o nome de generais, algo estranho está acontecendo. Felizmente dois dos notáveis de hoje estão na reserva. Nada a ver com o tempo em que comandantes de guarnições metiam-se em política. Em 2014 o general Hamilton Mourão comandava a poderosa tropa do Sul e meteu a colher onde não devia e perdeu o comando. Pouco se falou do episódio que em outros tempos abriria uma crise. Ele mesmo reconhece que “andei extrapolando o tamanho da minha cadeira e a autoridade do comandante não pode deixar de ser exercida”.

Quando a confusão é enorme, tende-se acreditar que a entrada dos militares na cena política é um remédio de última instância. Não é. Quando os militares ocupam a cena, acaba uma confusão e começa outra, a da anarquia militar.

Um golpe derrubou D. Pedro 2º em 1889 e, dois anos depois, o vice-presidente, marechal Floriano Peixoto, soprou o presidente-marechal Deodoro da Fonseca para fora do palácio. Floriano governou até 1894, esmagou duas rebeliões militares e fuzilou um marechal.

Durante o tumultuado regime constitucional que foi de 1946 a 1964 ocorreram quatro revoltas de generais. O consulado militar outorgou-se o primado da ordem e, mesmo com censura e AI-5, as revoltas também foram quatro: 1965, 1968, 1969 e 1977. Noves fora o Riocentro, de 1981.

Por maior que seja a confusão existente, quando se chamam os militares para botar ordem no circo, cria-se outra confusão, que nem eles são capazes de prever. O projeto de ordem de 1964, com o general Humberto Castello Branco à frente do processo, durou exatamente 12 horas.

AS 12 HORAS DO GENERAL FRANCÊS
No início da noite de 30 de março de 1964 nem o general Olímpio Mourão Filho sabia que derrubaria o presidente João Goulart. Só durante a madrugada de 31 é que ele disparou telefonemas anunciando que se rebelara.

Havia diversas conspirações em curso, mas nenhuma delas estava associada a Mourão, cuja tropa era despicienda. Às oito da manhã o general Amaury Kruel, comandante das guarnições de São Paulo, recusou-se a entrar naquilo que chamou de a “quartelada do senhor Mourão”.

No fim da noite, Kruel entrou e decidiu a parada. Restava a João Goulart a tropa do Rio, mas ao longo da manhã ela derreteu. Às 13h do dia 1º de abril o general Castello Branco telefonou a um amigo dizendo que o levante estava vitorioso.

Castello, um general de tintas francesas, prestígio militar e tradição legalista, comandava o Estado-Maior do Exército e parecia ser o chefe da nova ordem.

Na juventude, Castello e Kruel haviam sido amigos, mas desentenderam-se durante os combates de Monte Castelo, na Itália. Faltou pouco para que o “Alemão” encestasse “Tamanco”. Nunca voltaram às boas.

Kruel tinha um inimigo no quartel-general, mas tinha também um amigo, o general Arthur da Costa e Silva, inexpressivo e mal falado porém audacioso. Nas horas em que tudo confluía para a sagração de Castello,
os dois entenderam-se.

Por volta das seis da tarde, Costa e Silva estava na sala de Castello com o general Ernesto Geisel e saiu para dar um telefonema noutro lugar. O tenente-coronel Leônidas Pires Gonçalves, que saia de um banheiro, assistiu ao seguinte diálogo entre Geisel e Costa e Silva:
— Por que o senhor não vai assumir o 1º Exército (atual Comando Militar do Leste)?
— Eu vou assumir essa coisa toda, respondeu Costa e Silva. (O “coisa” vai por conta do cavalheirismo de Leônidas.)

À 1h da madrugada do dia 2, doze horas depois do telefonema comemorativo da vitória, Geisel redigiu uma nota informando que “o Excelentíssimo Senhor General Arthur da Costa e Silva” assumira
o comando do Exército.

Passados dois anos e uma revolta militar, ele emparedou Castello e tornou-se presidente. Em 1968, emparedou-se noutra revolta e baixou o Ato Institucional nº 5.

Em março de 1964 muita gente achava que era preciso tirar os militares dos quartéis, mas ninguém pensava que a República acabaria na mão de Costa e Silva, nem ele.

De Elio Gaspari em 16/08/2018 na Folha de São Paulo e n'O Globo

A gestão Tabajara do Posto Ipiranga

Paulo Guedes expõe mal e no lugar errado, recria situações que não ocorreram e se explica em tabajarês

Jair Bolsonaro diz que não entende de economia e que o doutor Paulo Guedes é seu “Posto Ipiranga”. Deve-se suspeitar que o sábio multiuso tenha terceirizado a gestão de seu estabelecimento para as “Organizações Tabajara”, imortal criação do humorista Bussunda.
Numa só reunião ele fez duas boas. Recusando entrevistas a canais de televisão, Guedes foi a uma reunião na GPS Investimentos, anunciou que pretendia propor a criação de um imposto sobre transações financeiras (leia-se CPMF) e revelou que em 2015 foi convidado pela presidente Dilma Rousseff para o Ministério da Fazenda. As pérolas foram reveladas pela repórter Mônica Bergamo.
A promessa iria melhor se tivesse sido anunciada publicamente, e não numa conversa fechada, promovida na banca. Trata-se de uma ideia que pode ser discutida como um mecanismo de política tributária, sem significar aumento nem redução de carga de impostos.
Na revelação de que Dilma o convidou é que entra o sistema Tabajara de gestão. Há algumas semanas a repórter Malu Gaspar publicou um perfil de Guedes no qual ele ligou sua metralhadora giratória e lançou uma acusação factualmente errada contra o banqueiro Persio Arida. Ele respondeu, chamando-o de “mitômano”.
Numa de suas conversas com Malu Gaspar, Guedes contou que foi chamado para um jantar com Dilma e que ela avisou que demitiria o então ministro Joaquim Levy, passando a perguntar o que ele achava que se devia fazer na economia. Nenhuma referência a convite.
Depois da divulgação de sua conversa na GPS e do desmentido de Dilma, Guedes explicou-se, em tabajarês:
“Ela está perfeitamente habilitada a dizer que não me convidou para ser ministro da Fazenda e eu estou perfeitamente habilitado a me sentir sondado. Ninguém chama alguém para jantar e faz essas [...] perguntas se não está fazendo um convite”.
Foi mal o “Posto Ipiranga”. Não houve convite algum nem sondagem. As perguntas revelavam curiosidade, talvez interesse. Doutor Guedes está perfeitamente habilitado a dizer apenas que Dilma quis saber suas opiniões, e só.
A cabeça do genial Steve Jobs operava com um campo de distorção da realidade, mas ele criou a Apple. Já os “fatos alternativos”, enunciados por uma assessora da Casa Branca, produziram a Presidência de Donald Trump, de onde já saíram mais de 2.000 mentiras.

De Elio Gaspari em 23/09/2018 na Folha de São Paulo e n'O Globo 

quinta-feira, 13 de setembro de 2018

A importância da leitura na educação infantil

Você já ouviu alguém dizer que nunca leu um livro por livre e espontânea vontade ou que não gosta de ler? Quase certo que sim, não é mesmo?

Mas será que, em algum momento da vida dessas pessoas, a leitura lhes foi apresentada de maneira natural? Como algo feito para o simples e puro prazer de entrar nesse universo da imaginação? Ou será que essas pessoas não tiveram boas práticas de leitura,e depois lhes foi imposto que lessem livros “difíceis” e que não eram do seu interesse?
Vamos refletir um pouco sobre essas questões?

Desde muito pequenos, as crianças demonstram interesse pelo universo dos livros. Folheiam curiosos, observando as imagens e as letras.É preciso incentivar esse interesse dos pequenos, e utilizá-lo para desenvolvê-los de maneira positiva.

Mas por que devemos nos preocupar com essa relação das crianças com os livros?

A resposta é simples: a leitura eleva, transporta, informa, educa, emociona.

Por meio da leitura, as crianças desenvolvem distintas habilidades, como diferentes linguagens, aumento de vocabulário,imaginação, criatividade,e também adquirem uma bagagem cultural que, em muitos casos, vai acompanhá-las para o resto da vida.

Se as crianças, desde muito cedo, têm oportunidade de conviver com as histórias e as tramas narrativas, elas podem desenvolver comportamento leitor, como, por exemplo: formar e compartilhar opinião sobre o que leem, experimentar e saber quais temas gostam mais, fazer indicação de leituras e relações com outras histórias.

Não devemos nos concentrar somente na questão da alfabetização. Se aproximarmos a leitura da escrita com portadores de texto reais, ou seja, textos que existem e possuem uma finalidade, como, por exemplo, os jornais, facilidade para essas duas áreas será algo mais natural, e terá grande impacto nessa fase tão importante que é a alfabetização, trabalhada com mais foco no ensino fundamental.

Nosso maior objetivo é que as crianças desenvolvam a oralidade, estabeleçam relações entre a história e a vida particular e desenvolvam senso crítico.

E como iniciamos esse processo de maneira eficiente?

Primeiramente, é preciso oportunizar o contato das crianças com bons livros literários, textos e imagens de qualidade e adequados para a faixa etária.

Seja em casa ou em sala de aula, é essencial que haja um momento especial da rotina para a hora da história. Pensando em um ambiente escolar, esse momento deve acontecer todos os dias.Entretanto, a leitura não deve ser algo imposto à criança,deve ser tratada como algo especial, misterioso e prazeroso, ou seja, algo natural,como uma brincadeira.

Para isso, é importante não ler apenas livros que contenham ensinamentos morais ou de bons costumes, e sim histórias literárias que retratem, de maneira divertida, o cotidiano infantil.Histórias que possuem interação com o leitor também são significativas, pois possibilitam a criação de vínculos e afetos das crianças com essa determinada história e/ou personagens.

Pensando nisso, é importante levar em consideração o tempo de atenção dos pequenos e seus interesses, e oportunizar um ambiente onde as crianças troquem ideias e experiências, havendo intercâmbio entre elas, para que se desenvolva também a oralidade. Para que isso aconteça, é importante sempre fazer perguntas sobre o enredo e permitir que haja conversas sobre a história lida.

Ter uma conversa reflexiva com as crianças sobre o tema do livro, capa, biografia do autor, entre outras informações presentes na obra como um todo, também fazem parte desse momento, e serão de fundamental importância para criar o comportamento leitor nos pequenos.

Atualmente, pais e professores já estão cientes da importância da leitura, entretanto, não deve se preocupar somente com a quantidade de livros oferecidos para as crianças. É essencial que se reflita sobre a qualidade do texto e, principalmente, das interações que são realizadas antes, durante e depois da contação de histórias. Educadores e pesquisadores reconhecem a importância do desenvolvimento integral das crianças nos primeiros anos de vida, e encaram a vivência escolar como parte essencial desse processo.

Portanto, nada é mais importante e necessário do que um professor dedicado, ou seja, aquele profissional que busca o conhecimento significativo de seus alunos.É ele que irá fazer um bom planejamento e se preocupar em selecionar boas histórias, envolvendo a todos com perguntas reflexivas, e pensando sempre em desenvolver nossos pequenos e transformar nossa realidade.

Texto de Ranna Pereira no blog Colégio Santa Amélia no site do Estadão


https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=4036561524199564942#editor/target=post;postID=8965870131034553667

segunda-feira, 10 de setembro de 2018

PARIDADE E INTEGRALIDADE na aposentadoria dos servidores

PARIDADE E INTEGRALIDADE na aposentadoria dos servidores (07/10/2015)

Os proventos e pensões são benefícios que substituem a remuneração dos servidores quando este se aposenta ou falece, assim, foi instituído o regime da integralidade e paridade para que fosse mantido o padrão remuneratório do servidor inativo e de seus dependentes.

A integralidade consiste na percepção de proventos e pensão igual a totalidade da remuneração do servidor no cargo efetivo em que se der a aposentadoria ou o falecimento, já a paridade versa sobre a concessão dos aumentos e reajustes atribuídos aos servidores ativos aos proventos e pensões.

Nesse sentido, o provento do servidor, que se aposenta com integralidade e paridade, não estará sujeito a qualquer redução, sendo correspondente a 100% da última remuneração e todo o aumento concedido a remuneração dos servidores ativos será comunicado aos proventos.

Entretanto, esse sistema causou um déficit nas contas públicas, pois a contribuição previdenciária do servidor por anos foi baseada em remuneração inferior e ao final de sua carreira era aposentado com o valor de sua maior remuneração.

Assim, foi editada a Emenda Constitucional nº 41, de 2003, e o regime da integralidade e paridade foi extinto. Os reajustes devidos aos proventos e pensões ficaram dependentes de edição de lei especifica, atualmente, estão vinculadas aos reajustes concedidos no Regime Geral de Previdência Social.

O art. 40, §3º da CF/88 passou a prever que no cálculo dos proventos será considerado a média aritmética das remunerações utilizadas para a contribuição ao Regime Próprio de Previdência Social (RPPS).

O art. 40, §7º, da CF/88, que regula a concessão de pensão por morte, também foi modificado para determinar que os dependentes poderão perceber até o limite de 100% do teto remuneratório do Regime de Previdência Social (RGPS) acrescido de 70% da diferença entre o provento ou remuneração do segurado e o teto do RGPS.

Deve ser ressaltado que foi extinto somente o regime de integralidade, mas a aposentadoria com proventos integrais se mantém vigente: integralidade não se confunde com proventos integrais. A aposentadoria com proventos integrais será concedida ao servidor que preencheu todos os requisitos do art. 40, §1º, inciso III, alínea a, da CF/88, e corresponderá a média das contribuições sem sofrer qualquer redução, enquanto na aposentadoria com proventos proporcionais será aplicado redutor a média das contribuições, este consiste no número de anos de contribuição efetivamente cumprido dividido pelos anos de contribuição exigidos para aposentar com proventos integrais.

Em virtude dessa profunda alteração foram editadas regras de transição para que os servidores que ainda não tinham direito ao regime anterior pudessem gozar de aposentadoria com integralidade e paridade quando preenchidos alguns requisitos.

O art. 3º e 7º, da EC nº 41/2003 garantiu a aplicação das regras de integralidade e paridade aos servidores que já haviam preenchidos os requisitos para se aposentar e para aqueles que já estavam em fruição do benefício.

O art. 3º, da Emenda Constitucional nº 47/2005, garantiu a fruição da aposentadoria com integralidade e paridade aos servidores que ingressaram no serviço público até a data da publicação da EC nº 20/1998, ou seja, até 16 de dezembro de 1998. O servidor, porém, deve cumprir alguns requisitos, quais sejam, se homem deve ter contribuído por 35 anos e, se mulher, por 30 anos; 25 anos de efetivo exercício no serviço público; 15 anos de carreira; 5 anos no cargo em que se der a aposentadoria e idade resultante da redução, a partir das idades prevista no artigo 40, §1º, inciso III, alínea a, da CR/88, de um ano de idade para cada ano de contribuição que exceder o mínimo estipulado por este dispositivo.

Ressalta-se que o art. 6º da EC nº 41/2003 garantiu a integralidade e a paridade, para os servidores que ingressaram no serviço público até a publicação desta Emenda. Para isso o servidor deverá cumprir os seguintes requisitos: se homem, deve ter 60 anos idade e contribuído por 35 anos e, se mulher, 55 anos de idade e 30 anos de contribuição; 20 anos de efetivo exercício no serviço público; 10 anos de carreira e 5 anos de efetivo exercício no cargo em que se der a aposentadoria.

Por fim, as pensões são calculadas com base na lei vigente no momento do óbito, portanto, somente os óbitos ocorridos até a entrada em vigor da EC nº 41/2003 permitiram a concessão de pensão por morte com integralidade e paridade aos dependentes. Salienta-se que, o art. 3º parágrafo único, da EC nº 47/05 permitiu o reajuste das pensões por morte com paridade quando o servidor se aposentou pelas regras do art. 3º da EC nº 47/2005.

Assim, o servidor que se enquadra nas referidas regras de transição ainda poderá se aposentar com integralidade e/ou paridade.

Texto de Camila Magalhães, advogada do escritório Cassel Ruzzarin Santos Rodrigues Advogados no blog Servidor Legal em 07/10/2015

http://www.blogservidorlegal.com.br/paridade-e-integralidade-na-aposentadoria-dos-servidores/

terça-feira, 4 de setembro de 2018

Museu Nacional teve proposta de US$ 80 milhões do Banco Mundial

Reforma foi rejeitada pela UFRJ há cerca de 20 anos, pois implicava em transformar a instituição em fundação de direito privado

O Museu Nacional chegou perto de deixar o chapéu da UFRJ há cerca de 20 anos. Na época, Israel Klabin, ex-prefeito do Rio e do grupo de papel e celulose que leva o nome da família, obteve recursos no exterior para custear a reforma da instituição, segundo o sociólogo Simon Schwartzman, ex-presidente do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets).

Ontem, um dia após o incêndio no museu, Schwartzman publicou um relato em sua página no Facebook sobre o episódio. “Lembro que uns 20 anos atrás houve projeto de transformar o museu em uma fundação de direito privado e conseguir recursos privados nacionais e internacionais para dar a ele as condições de preservação e funcionamento compatíveis com a importância do prédio e do acervo. Não foi possível, porque isto significaria retirá-lo da UFRJ, que nunca teve condições de gerenciar um museu deste porte, mas não abria mão de seu controle”, escreveu ele.

Schwartzman, que está fora do país, explicou que ouviu do próprio Klabin sobre o projeto. O empresário — formado em engenharia civil e matemática pela Universidade do Brasil, hoje UFRJ — teria obtido US$ 80 milhões junto ao Banco Mundial para financiar a reforma do Museu Nacional, informou o site “Brazil Journal”.

A instituição financeira, contudo, impunha como condição à liberação dos recursos que o museu tivesse gestão independente. A ideia era transformá-lo em organização social, entidade privada sem fins lucrativos que recebe subvenção do estado para prestar serviços de interesse público. “O problema não é privatizar ou não, mas a cultura de gerência profissional e responsável pelo patrimônio público, ou sua ausência”, ponderou o sociólogo sobre o Museu Nacional.

Procurados, a UFRJ e o Museu Nacional não responderam até o fechamento desta edição. Israel Klabin não atendeu o GLOBO.

O projeto de restauração do Museu Nacional, de R$ 21 milhões, teve que ser refeito, a pedido do BNDES, porque não previa um item obrigatório para a segurança do acervo: um sistema de prevenção e combate a incêndios. A revelação foi feita ontem pelo jornalista Lauro Jardim.

PROJETO ESTAVA IRREGULAR
Em em seu relatório de análise, o banco afirmou que o projeto original estava “irregular” por falta de licenças do Corpo de Bombeiros. A UFRJ teve que reformular a proposta e obter novas aprovações no Ministério da Cultura. Em junho deste ano, a nova versão do projeto foi finalmente aprovada, mas o dinheiro não foi liberado.

Ontem, em São Paulo, o presidente do BNDES, Dyogo Oliveira, atribuiu à legislação eleitoral a razão pelo qual os recursos ainda não tinham sido disponibilizados. Ele afirmou que a análise jurídica deve ser concluída o mais rapidamente possível, e BNDES poderá até aumentar o valor destinado ao museu.
D'O Globo de 04/09/2018
https://oglobo.globo.com/rio/museu-nacional-teve-proposta-de-us-80-milhoes-do-banco-mundial-23036407