domingo, 27 de junho de 2021

Pobreza menstrual

Meninas deixam de ir à escola quando estão menstruadas por falta de absorvente

Não é mimimi, são direitos humanos. O combate à pobreza menstrual, algo que vem crescendo no mundo e felizmente no Brasil também, precisa ser um grito de todos que se importam com educação. Meninas deixam de ir à escola e até acabam por abandoná-la porque não têm absorventes quando estão menstruadas. Sim, é algo básico. Mas um problema real e triste em um país com milhões de famílias vulneráveis – empobrecidas mais ainda com a pandemia.

A situação chamou a atenção quando, em 2019, o filme Absorvendo o Tabu, da diretora iraniana Rayka Zehabchi, ganhou o Oscar por melhor documentário em curta metragem. Ele mostra meninas em uma vila rural da Índia que deixam de sair de casa quando estão menstruadas e sequer sabem o que é um absorvente. A vida delas muda quando é trazida para a cidade uma máquina de fazer absorventes e elas mesmas passam a produzi-los. O nome que dão ao produto é "Fly" porque perceberam que, a partir daí, podiam voar.

Isso não acontece só na Índia rural. Uma em dez meninas no mundo perde aulas quando está menstruada, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). As estimativas são de que elas ficam sem ir à escola 45 dias por ano. Outro estudo do Unicef e do UNFPA sobre pobreza menstrual, divulgado mês passado, indica que no Brasil há 4 milhões de meninas que não têm itens básicos de higiene nas escolas para quando estão menstruadas. E 713 mil que vivem sem acesso a banheiro ou chuveiro. Adolescentes negras têm três vezes mais chances de estarem nessa situação.




Pode parecer bobagem, mas um pacote de um bom absorvente custa pelo menos R$ 10 e um só às vezes não é suficiente para o período menstrual. O valor é alto para famílias pobres. Há relatos de meninas que usam jornal e miolo de pão como absorvente, algo trágico e que pode claramente levar a infecções.

Fora a questão prática, de simplesmente não conseguir sair de casa para a escola quando não tem algo decente para absorver o sangue que sai de dentro delas, as meninas precisam lidar com o tabu da menstruação. Muita gente até hoje acha que não se pode falar do assunto em público ou que é algo sujo. E pior: machistas usam a menstruação para justificar comportamentos mais assertivos das mulheres. Há alguns anos, sequer o nome menstruação era mencionado por mulheres e meninas.

As escolas são espaços ideais para resolver os dois problemas, o prático e o social/emocional. Professores, formados para isso, precisam conversar com as meninas e os meninos sobre o que é o ciclo menstrual, o significado desse período, a possibilidade de gravidez. Falar do assunto com clareza e sem preconceitos ajuda a tirar o estigma. É a educação menstrual, que precisa fazer parte de aulas de educação sexual, condenada pelo presidente Jair Bolsonaro e seus seguidores. Pesquisas mostram como a educação sexual ajuda a evitar gravidez na adolescência e abusos.

E a escola precisa ter absorventes. Em países como Escócia, Austrália, Canadá, os produtos estão nos banheiros, garantidos por lei. Mais uma vez, básico, mas aqui não tem. A deputada federal Tábata Amaral apresentou projeto na Câmara há cerca de um mês para que as escolas possam comprar absorventes no Brasil. Em São Paulo, o governo lançou um programa que destina R$ 30 milhões para o mesmo fim. São 1,3 milhão de alunas na rede estadual paulista em idade menstrual e 500 mil em situação de vulnerabilidade.

Uma adolescente que deixa de ir à escola por estar menstruada tem acesso desigual a direitos e oportunidades. Deixa a nossa sociedade menos justa e a educação menos igualitária. Olhar para a pobreza menstrual é dar dignidade às meninas e asas para que possam voar para onde e como quiserem.

Texto de Renata Cafardo, repórter especial do Estadão e fundadora da Associação de Jornalistas de Educação (JEDUCA) n'O Estado de S.Paulo de 26 de junho de 2021

https://educacao.estadao.com.br/noticias/geral,pobreza-menstrual,70003760796

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