Tayguara Ribeiro entrevista Tainah Pereira
Tainah Pereira afirma que é necessário afastar ideia de que eleger pessoas negras para cargo público é identitarismo
Embora as mulheres negras sejam o maior grupo demográfico do país e representem 28% da população brasileira, elas estão sub-representadas nos cargos políticos.
Na Câmara e no Senado, por exemplo, existem apenas 14 parlamentares negras, o que corresponde a pouco mais de 2% das cadeiras do Congresso Nacional.
Para tentar mudar essa realidade surgiu em 2018 o Movimento Mulheres Negras Decidem, coordenado atualmente pela cientista política Tainah Pereira, 28.
"Nós estamos empenhadas em fazer um debate mais sofisticado sobre a questão das identidades. Afastar da mídia essa ideia de que eleição de pessoas negras, eleição de pessoas LGBTQIA+ tem a ver com identitarismo ou com fazer políticas apenas para aquele grupo social", afirma.
Assim como outros coletivos, como o Vote Nelas e Vamos Juntas, que pretendem incentivar a participação política feminina que é baixa e tem pouco espaço, de forma geral, o projeto promove encontros para discussão sobre o funcionamento do sistema político, debates e espaços de formação.
Além de apoiar as candidaturas de mulheres negras nas eleições para cargos no Congresso e no Executivo, o Mulheres Negras Decidem também apoia a participação de mulheres negras em disputas para posições em diversos outros espaços, como conselhos tutelares.
O projeto busca ainda levantar dados e realizar pesquisas sobre a participação política de mulheres negras, não apenas o número de candidatas e eleitas, mas leis e projetos relacionados.
Outra forma de atuação do movimento é tentar desmitificar, por exemplo, que pessoas negras não votam em candidatos negros.
"A gente busca qualificar essa agenda, esse debate público sobre o que é o imaginário em relação à participação política de mulheres negras e quais são as inovações que mulheres negras trazem para a política institucional."
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Qual a perspectiva para um possível aumento no número de mulheres negras candidatas e eleitas em 2022?
A gente considera que o ano de 2018 foi 'o ano' para a participação das mulheres negras na política institucional. Tivemos um aumento expressivo de candidaturas. Já existia esse movimento desde 2014. Chega a um pico em 2018, muito motivado pelo feminicídio político da Marielle.
A perspectiva é que nas eleições deste ano esse percentual de candidaturas se mantenha.
O que a gente trabalha agora é o aumento da elegibilidade. Não basta ter mulheres negras se candidatando, a gente quer que isso se converta em novos mandatos.
Na medida em que o debate sobre representatividade avançou e que ocorreram conquistas no acesso de mulheres negras nesses espaços, aconteceu uma apropriação [da pauta] por alguns grupos que não tem compromisso histórico com a pauta de universalização dos direitos humanos.
Ocorreu o escândalo de candidaturas laranjas do PSL e existem pessoas negras colocadas em partidos políticos que não constroem com os movimentos negros, com movimento de mulheres, e que têm agendas associadas a outros interesses.
Nós estamos empenhadas em fazer um debate mais sofisticado sobre a questão das identidades. Afastar da mídia essa ideia de que eleição de pessoas negras, eleição de pessoas LGBTQIA+ tem a ver com identitarismo ou com fazer políticas apenas para aquele grupo social.
A gente enfatiza que a agenda de mulheres negras é universal e voltada para a comunidade. Tudo que é popular no Brasil compreende as mulheres negras. Queremos desmitificar que a eleição de mulheres negras beneficia somente mulheres negras.
Como surgiu o movimento?
Nasce em 2018, para pensar a democracia. Foi um movimento fundado por cinco mulheres, três do Rio de Janeiro e duas de São Paulo. Para pensar soluções para a participação de mulheres negras na política institucional. O movimento surge antes do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ).
Após a morte [da parlamentar], ocorreu um aumento no interesse de mulheres negras de se aproximar de movimentos como o Mulheres Negras Decidem. Isso trouxe uma responsabilidade grande naquele momento para que a gente conseguisse ser um espaço seguro para a construção política. Até hoje temos protocolos de segurança para as reuniões.
A gente busca qualificar essa agenda, esse debate público sobre o que é o imaginário em relação à participação política de mulheres negras, quais são as inovações que mulheres negras trazem para a política institucional.
Este ano ocorrerá a terceira eleição desde que o projeto existe. Em quais avanços identifica que o movimento conseguiu contribuir?
2020 foi um ano bem importante. Teve as eleições municipais. Foi o ano que fizemos a pesquisa que foi um retrato sobre a participação política das mulheres negras naquele momento. O que as mulheres negras estavam fazendo no contexto eleitoral, ao mesmo tempo em que tinham que lidar com a crise sanitária.
Isso trouxe para junto do movimento muitas mulheres negras de vários lugares do Brasil, fez com que o movimento crescesse.
Também em 2020 começam as conversas com alguns atores da política que culminariam com a discussão no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) sobre a destinação de tempo de propaganda e de recursos dos partidos para candidaturas negras. Foi um processo que a gente participou ativamente.
A quais fatores podemos atribuir alguns dos avanços conquistados?
Certamente casos como o do George Floyd ajudam a impulsionar a pauta. Mas é a presença de mulheres negras na política institucional, na mídia, na academia, que faz com que o tema seja reposicionado.
O debate sobre representatividade já existe há muito tempo. A cada ciclo eleitoral a gente tem a oportunidade de ir um pouco mais fundo nessa conversa.
O movimento tem alguma ligação partidária? Dialoga apenas com mulheres progressistas?
Não tem ligação com nenhum partido. Nunca teve. A gente está sempre pensando em como dialogar com grupo de mulheres que não estão tão próximas do projeto.
A gente tem como meta estratégica ter uma proximidade maior com as lideranças de mulheres trans.
E também com mulheres que não se consideram progressistas, como as religiosas, por exemplo. É o caso de mulheres de alguns partidos de centro. Mas o movimento sempre foi suprapartidário.
E o diálogo com mulheres negras que se consideram conservadoras ou que façam parte de partidos de direita?
Na verdade, existe uma carência de espaços para as mulheres discutirem sua participação na política institucional. Elas eventualmente procuram. Com o tempo muitas se afastam por conta da dificuldade com alguns temas da nossa agenda.
A gente sabe que para uma mulher que está em um partido de direita vai ser muito difícil conseguir espaço para debater, por exemplo, direito reprodutivo e que é uma pauta muito cara para o movimento de mulheres negras no Brasil.
Mas já tivemos participação no nosso movimento de mulheres do PMB, PSDB, Podemos, PSD. Elas compõem, participam das reuniões, mas às vezes com reservas sobre alguns temas.
Como avalia as mudanças na distribuição de verba partidária e tempo de TV para candidaturas de mulheres e pessoas negras?
É o que a gente tem de mais concreto em termos de política pública visando uma participação mais diversa. Em 2020 o recurso chegou muito tarde e em uma quantidade inferior ao de pessoas brancas.
Ainda faltam mecanismos de verificação [na Justiça Eleitoral] sobre o caminho que o dinheiro faz até chegar nas candidaturas e mecanismos internos dos partidos de responsabilidade dessas candidaturas. Ainda tem muito para avançar. Temos que avançar também no debate sobre violência política.
Quais são algumas das principais dificuldades ainda enfrentadas para que mulheres negras participem da política?
A primeira é acesso a recursos. Também existe uma série de escolhas que a mulher precisa fazer. Conciliar a atuação política com o trabalho, com o cuidado com a família.
Tem ainda as estruturas partidárias, que são comandadas por homens brancos e apresentam um engessamento e tem pouco espaço para antirracismo e equidade.
Outra dificuldade é a violência política. A prática de coagir e tentar impedir a participação feminina sempre existiu.
Falta qualificação do debate. Existem mitos e desinformação tais como 'pessoas negras não votam em candidatos negros' ou 'mulheres negras são menos qualificadas para cargos de decisão'.
Falta informação e isso contamina o debate e desmotiva a participação. Fica a percepção de que o espaço de disputa de um cargo eleitoral é muito distante e isso acaba apartando esse grupo social.
Existem alguns outros movimentos sociais que também buscam incentivar a participação de mulheres. Esse é o melhor caminho para aumentar a presença feminina?
É fantástico e muito necessário. Nós temos um diálogo muito próximo com a imensa maioria desses movimentos. A gente entende que tem um trabalho complementar.
Normalmente elas nos procuram para que a gente auxilie na busca ativa por perfis de liderança de mulheres negras. E nós também somos informadas por estes outros movimentos de alguns temas.
Poucas mulheres estão sendo cotadas para liderar chapas nas eleições para governo estadual e para a Presidência. No máximo, os nomes são cogitados para vice...
As lideranças políticas femininas estão muito conscientes sobre isso. Ter uma mulher na chapa ou uma pessoa negra só para dizer que tem [participação].
As mulheres que são convidadas para participar, não só compondo a chapa, mas também se engajando nas candidaturas que serão predominantemente masculinas e brancas, precisam colocar pelo menos uma série de contrapartidas.
'Você vai contar com o apoio, a energia dos movimentos de mulheres desde que assuma o compromisso, por exemplo, na hora que for compor o gabinete. Ou que tal premissa exista ao longo do mandato'.
RAIO-X
Tainah Pereira, 28
Mestre em ciência política pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Formada em relações internacionais, é coordenadora política do movimento Mulheres Negras Decidem.
Da Folha de São Paulo de 7/03/2022
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/03/eleicao-de-mulher-negra-nao-beneficia-so-mulheres-negras-diz-cientista-politica.shtml
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