Estudo do Instituto Sou da Paz aponta para falhas nos sistemas de prevenção e proteção da violência de gênero
Uma a cada três mulheres que sofreram agressões com o uso de arma de fogo já havia sido vítima de violência em episódios anteriores.
O dado é de um relatório inédito do Instituto Sou da Paz sobre o papel da arma de fogo na violência de gênero no Brasil e aponta para falhas nos mecanismos de prevenção e de proteção à mulher vítima de agressões que podem estar perpetuando e agravando a vitimização de mulheres no país.
O levantamento usa os dados consolidados do SIM (Sistema de Informações sobre Mortalidade) e do Sinan (Sistema Nacional de Vigilância de Agravos de Notificação), entre 2012 e 2020, ano mais recente disponibilizado pelo Ministério da Saúde. Enquanto o SIM registra mortes violentas, o Sinan computa casos de agressão e outros tipos de violência que chegam à rede de atendimento em saúde.
A violência de repetição foi detectada em 31% dos casos de agressões por arma de fogo atendidos e registrados pela Saúde em 2020. Essa tipologia indica mulheres vítimas de violência armada que reportam violências anteriores quando recebem atendimento médico ou ambulatorial.
Em 2012, esse percentual era de 23%, e o aumento dessa proporção foi mais expressivo a partir de 2018, quando chegou a 26% para, dois anos depois, bater a marca de 31%. O cenário da grande maioria dessas agressões é a própria casa das vítimas: 72% dos casos de violência armada associados à violência de repetição ocorreram dentro da residência da mulher.
"O mais emblemático desse dado é que ele indica que a violência contra a mulher pode se apresentar como um ato contínuo", avalia a advogada Carolina Ricardo, diretora-executiva do Sou da Paz.
"O nosso sistema de proteção falha ao não endereçar nem contribuir para o fim dessa violência de repetição. E cessar esse ciclo é muito importante para que os casos de violência armada não terminem em feminicídio."
Ela aponta que a proliferação de armas no Brasil, promovida por decretos do governo Jair Bolsonaro (PL), tem o potencial de agravar esse quadro. Estudos internacionais já associaram o aumento da posse de armas com aumento da violência doméstica armada e de mortes de mulheres por parceiros e ex-parceiros, num contexto que se intensificou durante a pandemia da Covid-19.
Foi este o desfecho trágico ocorrido em setembro deste ano após outras agressões e ameaças perpetradas contra Michelli Nicolich, 37, por seu ex-marido, Ezequiel Lemos Ramos, 38. Ela e o filho mais novo do casal, de dois anos de idade, foram mortos dentro do carro por tiros disparados por Ezequiel. Outra criança que estava no carro, também filha do casal, não se feriu no ataque.
Em maio, ela havia deixado a cidade de Ponta Porã (MT) para viver escondida com os filhos na capital paulista depois de sofrer ameaças por parte de Ezequiel, que tinha registro CAC (sigla para caçadores, atiradores e colecionadores) e mantinha armas em casa. Na época, Michelli denunciou Ezequiel à polícia por tentar expulsá-la de casa e ameaçá-la de morte "engatilhando uma arma em sua cabeça".
Ezequiel chegou a ser preso, e foram aplicadas medidas protetivas que o proibiam de chegar a menos de 200 metros de Michelli e de manter contato com a vítima por qualquer meio de comunicação, entre outras medidas. Duas armas de Ezequiel também foram apreendidas pela polícia, mas elas não eram as únicas.
Para Cristina Neme, coordenadora de projetos do Sou da Paz e coautora do estudo, "a violência doméstica tem dinâmicas próprias e a repetição é uma delas". "Quando tem uma arma de fogo neste contexto, ela se torna um fator de risco importante para a violência e para a violência letal", afirma.
Ela destaca que, enquanto os homicídios de mulheres por arma de fogo caíram quando o contexto são as ruas, eles permaneceram em patamar semelhante ou até aumentaram um pouco quando o contexto é a residência da vítima.
Na violência não letal com arma de fogo, 42% dos casos acontecem também dentro de casa. No caso das mortes, a desigualdade de gênero fica evidente: 27% das mortes de mulheres com arma de fogo ocorrem em casa enquanto, entre homens, são 11%.
Para a socióloga Wânia Pasinato, especialista em violência de gênero, o fato de 31% das mulheres vítimas de violência armada terem sido alvo de outras agressões levanta questões importantes sobre a implementação da Lei Maria da Penha (11.340/2006) e de protocolos de prevenção e proteção criados pelo poder público.
"É importante que o Poder Judiciário observe os dados deste estudo e os considere para implementar dispositivos contidos na lei, como os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, previstos no artigo 14. São juizados com competência civil e criminal, o que permite ao juiz uma avaliação integral do caso para a aplicação de medidas protetivas de maneira mais rápida e eficiente", aponta.
Segundo Pasinato, ainda hoje há apenas quatro unidades desses juizados, implementadas em Mato Grosso do Sul.
"Outro instrumento importante é o formulário de avaliação de risco, desenvolvido em 2018, e que permite uma melhor gestão de medidas preventivas para que essa repetição da violência não aconteça nem seja agravada pelo uso de armas de fogo", completa.
Além de perguntas a serem colhidas junto às mulheres, o formulário propunha uma classificação de riscos, entre baixo, médio e alto, para diferentes propostas de encaminhamento do caso.
Pasinato explica que o formulário, desenvolvido em parceria com especialistas no tema, como ela, sofreu uma revisão no CNJ (Conselho Nacional de Justiça) por um grupo de trabalho formado sem a participação da sociedade civil.
"Fizeram várias alterações, com perguntas que nunca foram testadas, e retiraram a parte de classificação e de gestão do risco", relata. "Foi uma série de deturpações num instrumento que é importantíssimo."
O CNJ, por meio de nota, diz que as mudanças "para construção de um modelo único para o CNJ e o Conselho Nacional do Ministério Público foram necessárias para atender às múltiplas realidades brasileiras, nas quais nem sempre será possível a existência de uma equipe multidisciplinar".
A nota afirma ainda que o formulário é uma "ferramenta extremamente importante para auxiliar magistrados na decisão da medida protetiva de urgência mais adequada e eficaz", mas que se optou pela não inclusão de campos específicos destinados à quantificação e qualificação de fatores de risco.
"Não adianta a gente só aprovar leis se isso não for acompanhado por procedimentos, por protocolos e por acompanhamentos junto a quem tem que aplicar essas leis", critica Pasinato.
De acordo com o relatório do Sou da Paz, a arma de fogo é o instrumento mais utilizado nos assassinatos de mulheres no Brasil. Entre 2012 e 2020, em média, seis mulheres foram assassinadas por dia com arma de fogo no país.
Armas de fogo estiverem presentes em metade dos homicídios femininos no período, um tipo de violência que atinge negras de maneira desproporcional: 7 a cada 10 mortas por armas de fogo em 2020 eram negras.
Mulheres negras são mortas 2,3 vezes mais em espaços públicos do que dentro de casa, enquanto, entre brancas, a diferença é menor (1,5 vezes maior nas ruas do que na residência). O dado sugere maior vulnerabilidade da mulher negra também fora de casa.
Reportagem de Fernanda Mena na Folha de São Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2022/11/1-a-cada-3-mulheres-agredidas-com-arma-de-fogo-ja-havia-sofrido-violencia-antes.shtml
segunda-feira, 14 de novembro de 2022
terça-feira, 8 de novembro de 2022
Mortes relacionadas ao consumo de ultraprocessados chegam a 57 mil por ano no Brasil, aponta estudo
Número corresponde a cerca de 10% dos óbitos entre pessoas de 30 a 69 anos registrados em 2019, ano destacado para análise
Estudo feito por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) mostra que as mortes prematuras relacionadas ao consumo de alimentos ultraprocessados chegam a 57 mil por ano no Brasil. Isso corresponde a cerca de 10% dos óbitos de pessoas de 30 a 69 anos registrados em 2019, ano destacado para análise.
Como alternativas para mudar essa realidade, especialistas destacam a importância de trabalhar políticas públicas para tornar os alimentos saudáveis mais acessíveis para a população. Recomendam ainda que os consumidores priorizem alimentos orgânicos e que observem os valores nutricionais nas embalagens antes de comprar comida.
Há um mês, entrou em vigor no País a nova rotulagem de alimentos, para identificar produtos com alto teor de açúcares adicionados, gorduras saturadas e sódio.
Os resultados, que foram divulgados nesta segunda-feira, 7, em artigo publicado no American Journal of Preventive Medicine, indicam que 57 mil das mortes ocorridas em 2019 são atribuíveis ao consumo de alimentos ultraprocessados. O número corresponde a 10,5% do total de óbitos de pessoas entre 30 e 69 anos ocorridas naquele ano (541,3 mil) e a 21,8% das vítimas das chamadas doenças crônicas não transmissíveis (261,1 mil).
Entre as mortes relacionadas à má alimentação, destacam-se principalmente as que se dão por infarto e AVC (acidente vascular cerebral), explica o pesquisador do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da Universidade de São Paulo Eduardo Nilson, que liderou o estudo.
Isso porque, explica, estão diretamente ligadas a problemas como hipertensão. “Mas tem também a questão do diabete, da obesidade, da doença renal crônica”, exemplifica.
As descobertas do estudo foram fruto de uma análise aprofundada, feita ao longo de todo este ano, de informações do último ano pré-pandemia. O período foi escolhido por conta da solidez dos dados para modelagem, mas a avaliação dos pesquisadores é que, ao longo dos anos seguintes, deve ter se mantido padrão semelhante ou até pior.
“O risco em si não muda ao longo do tempo, o que vai mudar é o que a gente chama de exposição, que é o quanto aquele fator de risco está afetando a população”, explica Nilson. “Isso vai ser representado pelo tanto de alimentos ultraprocessados que se consome, e a gente sabe que vem havendo um aumento do consumo nas últimas décadas.”
Mudanças na alimentação do brasileiro
Conforme estudos recentes, nos últimos anos os alimentos ultraprocessados ganharam espaço na mesa do brasileiro. Eles passaram a representar cerca de 24% das calorias consumidas pelos brasileiros. Há cerca de 30 anos atrás, correspondiam a menos da metade que isso: tinham apenas 10% de participação calórica.
O índice segue melhor que o de países como Estados Unidos, Inglaterra e Canadá, em que os alimentos desse tipo podem corresponder a até 60% das calorias, mas Nilson alerta que as mudanças ao longo das últimas décadas chamam atenção. “Existe em uma tendência que é de aumento no consumo de ultraprocessados, inclusive porque existe muita propaganda, maior disposição desses alimentos”, afirma.
Ele destaca que, além de estarem disponíveis em muitos lugares, um outro ponto é que o preço de alimentos in natura e minimamente processados está crescendo e o de ultraprocessados, diminuindo. “Isso também influencia muito na questão de acesso de consumo, principalmente em um cenário de recessão, que nós temos já há alguns anos.”
Para o pesquisador, os resultados do estudo, que contou com apoio da ACT Promoção da Saúde, colocam o consumo crescente de alimentos ultraprocessados como um problema de saúde pública no País. “Uma das análises que fizemos no artigo é que, se voltássemos ao que nós tínhamos de ultraprocessados (na alimentação) há 10 anos atrás, já reduziria em 20% essas mortes atribuídas. Mostra que o impacto da redução é grande e necessário.”
Medidas adotadas para mudar esse cenário
Com o objetivo de manter a população informada sobre os alimentos que consome, entrou em vigor no dia 9 de outubro uma nova rotulagem de alimentos no Brasil. Além de mudanças na tabela de informação – como a obrigatoriedade de declarar a quantidade de açúcares totais e adicionados, do valor energético e de nutrientes –, uma novidade foi a adoção da rotulagem nutricional frontal.
Os produtos lançados após a mudança já estão submetidos às novas regras, mas os que já estão no mercado ainda vão demorar um pouco mais para incorporarem a alteração. Para Maria Edna de Melo, presidente do Departamento de Obesidade da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), a medida é bem-vinda, mas deve ser trabalhada em conjunto com outras iniciativas.
Os produtos lançados após a mudança já estão submetidos às novas regras, mas os que já estão no mercado ainda vão demorar um pouco mais para incorporarem a alteração. Para Maria Edna de Melo, presidente do Departamento de Obesidade da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), a medida é bem-vinda, mas deve ser trabalhada em conjunto com outras iniciativas.
Segundo Maria Edna, a industrialização cumpriu um papel importante para aumentar a quantidade de alimentos disponíveis para a população. “Mas agora a gente tem um problema que é a qualidade”, alerta ela, que cobra a criação de mais subsídios para reduzir o preço de produtos saudáveis para o consumidor final.
No Brasil, Nilson destaca que a alimentação escolar já adota as recomendações do Guia Alimentar para a População Brasileira, que é um documento norteador para a alimentação saudável no País. Mas cobra que esse tipo de política seja adotado também em outros setores. “Pode até passar pela revisão das cestas básicas, trazer mais cestas verdes, amarrando com agricultura familiar. É um múltiplo de alternativas que devem se complementar.”
Reportagem de Ítalo Lo Re n'O Estado de São Paulo
https://www.estadao.com.br/saude/mortes-relacionadas-ao-consumo-de-ultraprocessados-chegam-a-57-mil-por-ano-no-brasil-aponta-estudo/
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segunda-feira, 7 de novembro de 2022
Tiktok vira a nova ‘casa’ de vídeos manipulados com uso de ‘deep fake
Montagens são usadas como forma de diversão na rede social chinesa, mas o recurso é também uma forma de propagar discursos falsos e teorias da conspiração
THE NEW YORK TIMES- Os jacarés do TikTok não são o que parecem.
Eles aparecem em postagens espalhadas pelo serviço de vídeo, alterados por Photoshop em casas inundadas por furacões, misturados a híbridos de chita e pitbull ou aguardando uma luta com um avatar de Tom Cruise digitalmente projetado.
E eles são inofensivos, como grande parte da mídia manipulada no TikTok, garantindo algumas risadas e curtidas antes de voltar a um fluxo implacável de conteúdo. Mas sua existência preocupa as pessoas que estudam a desinformação, porque as mesmas técnicas estão sendo aplicadas a postagens que semeiam a divisão política, propagam teorias da conspiração e ameaçam os princípios centrais da democracia antes das eleições americanas de meio de mandato.
“Esse tipo de manipulação está se tornando cada vez mais difundido”, disse Henry Ajder, especialista em mídia manipulada e sintética. “Quando esse volume de conteúdo pode ser criado tão rapidamente e em tal escala, isso muda completamente o cenário.”
O material editado ou sintetizado também aparece em outras plataformas online, como o Facebook, que tem quase 3 bilhões de usuários ativos mensais. Mas especialistas disseram que é especialmente difícil fiscalizar o TikTok, que incentiva seus estimados 1,6 bilhão de usuários ativos a colocar sua própria marca no conteúdo de outra pessoa, e onde a realidade, a sátira e o engano completo às vezes se misturam nos vídeos em movimento rápido e ocasionalmente transmitidos ao vivo.
A disseminação de mídia manipulada potencialmente prejudicial é difícil de quantificar, mas os pesquisadores dizem que estão vendo mais exemplos surgirem à medida que as tecnologias que tornam isso possível ficam mais acessíveis. Com o tempo, dizem os especialistas, eles temem que as manipulações se tornem mais comuns e difíceis de detectar.
Nas últimas semanas, os usuários do TikTok compartilharam uma captura de tela falsa de uma história inexistente da CNN, alegando que as mudanças climáticas são sazonais. Um vídeo foi editado para sugerir que a secretária de imprensa da Casa Branca, Karine Jean-Pierre, ignorou uma pergunta do repórter da Fox News, Peter Doocy. Outro vídeo, de 2021, ressurgiu neste outono com o áudio alterado para que a vice-presidente Kamala Harris parecesse dizer que praticamente todas as pessoas hospitalizadas com COVID-19 foram vacinadas. (Ela havia dito “não vacinadas”.)
Os usuários do TikTok adotaram até as postagens alteradas mais absurdas, como as do mês passado que retratavam o presidente Joe Biden cantando “Baby Shark” em vez do hino nacional ou que sugeriam que uma criança na Casa Branca disse um palavrão para a primeira-dama, Jill Biden.
Mas, mais do que qualquer postagem, o perigo da mídia manipulada está no risco de prejudicar ainda mais a capacidade de muitos usuários de mídia social dependerem de conceitos como verdade e prova. Os deep fakes, que geralmente são criados ao enxertar um rosto digital no corpo de outra pessoa, estão sendo usados como acusação e desculpa por aqueles que esperam desacreditar a realidade e se esquivar da responsabilidade – um fenômeno conhecido como dividendo do mentiroso.
Os teóricos da conspiração postaram vídeos oficiais da Casa Branca do presidente no TikTok e ofereceram teorias desmentidas de que é um deep fake. O consultor político Roger Stone afirmou no Telegram em setembro que as imagens que o mostravam pedindo violência antes das eleições de 2020, que a CNN transmitiu, eram “vídeos deep fake fraudulentos”. Os advogados de pelo menos uma pessoa acusada no motim de 6 de janeiro no Capitólio dos EUA em 2021 tentaram lançar dúvidas sobre as evidências em vídeo do dia citando a tecnologia de criação de deep fake “amplamente disponível e insidiosa”.
“Quando entramos nesse tipo de mundo, onde as coisas estão sendo manipuladas ou podem ser manipuladas, podemos simplesmente descartar fatos inconvenientes”, disse Hany Farid, professor de ciência da computação da Universidade da Califórnia, Berkeley, que faz parte do conselho de conteúdo do TikTok.
As empresas de tecnologia passaram anos tentando novas ferramentas para detectar manipulações como deep fakes. Durante a temporada eleitoral de 2020, o TikTok, o Facebook, o Twitter e o YouTube prometeram remover ou rotular conteúdo manipulado nocivo.
O TikTok é um lugar para conteúdo autêntico e divertido, e é por isso que proibimos e removemos desinformação prejudicial, incluindo mídia sintética ou manipulada, projetada para enganar nossa comunidade
Ben Rathe, porta-voz do TikTok
Uma lei da Califórnia de 2019 tornou ilegal criar ou compartilhar deep fakes enganosos de políticos dentro de 60 dias de uma eleição, inspirada em parte por vídeos daquele ano que foram distorcidos para fazer a presidente Nancy Pelosi parecer bêbada.
O TikTok disse em comunicado que removeu vídeos, encontrados pelo The New York Times, que violavam suas políticas, que proíbem falsificações digitais “que enganam os usuários ao distorcer a verdade dos eventos e causar danos significativos ao assunto do vídeo, outras pessoas ou sociedade”.
“O TikTok é um lugar para conteúdo autêntico e divertido, e é por isso que proibimos e removemos desinformação prejudicial, incluindo mídia sintética ou manipulada, projetada para enganar nossa comunidade”, disse Ben Rathe, porta-voz do TikTok.
Mas especialistas em desinformação disseram que exemplos individuais são difíceis de moderar e quase fora de questão. A exposição prolongada à mídia manipulada pode intensificar a polarização e reduzir a capacidade e a vontade dos espectadores de distinguir a verdade da ficção.
A desinformação tornou-se um problema na plataforma antes das eleições de meio de mandato. Nos últimos dias, pesquisadores do SumOfUs, um grupo de defesa da responsabilidade corporativa, testaram o algoritmo do TikTok criando uma conta e pesquisando e assistindo a 20 vídeos amplamente vistos que semearam dúvidas sobre o sistema eleitoral.
Em uma hora, o algoritmo passou de fornecer conteúdo neutro para promover mais desinformação eleitoral, conteúdo polarizador, radicalismo de extrema direita, teorias da conspiração do QAnon e narrativas falsas sobre a COVID-19, descobriram os pesquisadores.
O TikTok disse que removeu o conteúdo, citado pelo relatório, que violava suas diretrizes e que atualizaria seu sistema para capturar os termos de pesquisa usados para encontrar os vídeos.
“Plataformas como o TikTok em particular, mas realmente todos esses feeds de mídia social, existem para você passar pelas coisas rapidamente – eles são projetados para ser essa enxurrada de conteúdo, e essa é uma receita para eliminar nuances”, disse Halsey Burgund , um tecnólogo criativo em residência no MIT Open Documentary Lab. “Os vestígios dessas reações emocionais muito rápidas ficam dentro de nossos cérebros e se acumulam, e é meio aterrorizante.”
Em 2019, Burgund trabalhou em um projeto de documentário com a artista multimídia e jornalista Francesca Panetta que projetou um deep fake de Richard Nixon anunciando o fracasso da missão Apollo 11 de 1969. (A expedição real desembarcou os primeiros humanos na lua.) O projeto, “In Event of Moon Disaster”, ganhou um Emmy no ano passado.
A maioria dos exemplos de conteúdo manipulado atualmente nas mídias sociais são de má qualidade e obviamente fabricados. Mas as tecnologias que podem alterar e sintetizar com muito mais sutileza são cada vez mais acessíveis e muitas vezes fáceis de aprender, disseram especialistas.
“Nas mãos certas, é bastante criativo e há muito potencial”, disse Burgund. “Nas mãos erradas, é muito ruim.”
No mês passado, várias postagens do TikTok com vídeos manipulados de Jill Biden promovendo iniciativas da Casa Branca relativas ao câncer no campo do Philadelphia Eagles foram visualizadas dezenas de milhares de vezes. Nas imagens da primeira-dama cantando ao lado de pacientes com câncer e sobreviventes, o som da multidão foi substituído por vaias e protestos altos, que os verificadores de fatos rastrearam a conteúdo mais antigo do YouTube e do TikTok.
O ex-presidente Donald Trump é um tema popular para paródia no TikTok e em outras plataformas. No TikTok, que oferece ferramentas para os usuários adicionarem áudio extra ou “fazerem dueto” com outros usuários e “costurar” em seu conteúdo, imitações de Trump apareceram em conversas com Harry Potter ou atuando como Marilyn Monroe.
“O TikTok foi literalmente projetado para que a mídia possa ser combinada – esta é uma plataforma inteira projetada para manipulação e remixagem”, disse Panetta, colega de equipe de Burgund. “Como é a verificação de fatos em uma plataforma como essa?”
Muitos usuários do TikTok usam rótulos e hashtags para divulgar que estão experimentando filtros e edições. Às vezes, a manipulação é mencionada na seção de comentários. Mas esses esforços são frequentemente ignorados na rolagem rápida do TikTok.
No ano passado, o FBI alertou que “atores maliciosos quase certamente irão alavancar conteúdo sintético para operações cibernéticas e de influência estrangeira” até este outono. Este ano a manipulação da mídia já foi armada no exterior na invasão russa da Ucrânia e na eleição presidencial brasileira.
“Não teríamos como combater cada conteúdo individual, porque parece que estamos jogando um jogo perdido e há batalhas muito maiores para lutar”, disse Claire Wardle, co-diretora do Information Futures Lab da Brown University. “Mas essas coisas são realmente perigosas, mesmo que um verificador de fatos ou uma pesquisa reversa de imagens seja capaz de desmenti-las em dois segundos. Está fundamentalmente alimentando esse constante gotejamento de coisas que reforçam sua visão de mundo.”
Texto original THE NEW YORK TIMES- Os jacarés do TikTok não são o que parecem.
TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES n'O Estado de São Paulo
https://www.estadao.com.br/economia/midia-mkt/tiktok-videos-manipulados/
THE NEW YORK TIMES- Os jacarés do TikTok não são o que parecem.
Eles aparecem em postagens espalhadas pelo serviço de vídeo, alterados por Photoshop em casas inundadas por furacões, misturados a híbridos de chita e pitbull ou aguardando uma luta com um avatar de Tom Cruise digitalmente projetado.
E eles são inofensivos, como grande parte da mídia manipulada no TikTok, garantindo algumas risadas e curtidas antes de voltar a um fluxo implacável de conteúdo. Mas sua existência preocupa as pessoas que estudam a desinformação, porque as mesmas técnicas estão sendo aplicadas a postagens que semeiam a divisão política, propagam teorias da conspiração e ameaçam os princípios centrais da democracia antes das eleições americanas de meio de mandato.
“Esse tipo de manipulação está se tornando cada vez mais difundido”, disse Henry Ajder, especialista em mídia manipulada e sintética. “Quando esse volume de conteúdo pode ser criado tão rapidamente e em tal escala, isso muda completamente o cenário.”
O material editado ou sintetizado também aparece em outras plataformas online, como o Facebook, que tem quase 3 bilhões de usuários ativos mensais. Mas especialistas disseram que é especialmente difícil fiscalizar o TikTok, que incentiva seus estimados 1,6 bilhão de usuários ativos a colocar sua própria marca no conteúdo de outra pessoa, e onde a realidade, a sátira e o engano completo às vezes se misturam nos vídeos em movimento rápido e ocasionalmente transmitidos ao vivo.
A disseminação de mídia manipulada potencialmente prejudicial é difícil de quantificar, mas os pesquisadores dizem que estão vendo mais exemplos surgirem à medida que as tecnologias que tornam isso possível ficam mais acessíveis. Com o tempo, dizem os especialistas, eles temem que as manipulações se tornem mais comuns e difíceis de detectar.
Nas últimas semanas, os usuários do TikTok compartilharam uma captura de tela falsa de uma história inexistente da CNN, alegando que as mudanças climáticas são sazonais. Um vídeo foi editado para sugerir que a secretária de imprensa da Casa Branca, Karine Jean-Pierre, ignorou uma pergunta do repórter da Fox News, Peter Doocy. Outro vídeo, de 2021, ressurgiu neste outono com o áudio alterado para que a vice-presidente Kamala Harris parecesse dizer que praticamente todas as pessoas hospitalizadas com COVID-19 foram vacinadas. (Ela havia dito “não vacinadas”.)
Os usuários do TikTok adotaram até as postagens alteradas mais absurdas, como as do mês passado que retratavam o presidente Joe Biden cantando “Baby Shark” em vez do hino nacional ou que sugeriam que uma criança na Casa Branca disse um palavrão para a primeira-dama, Jill Biden.
Mas, mais do que qualquer postagem, o perigo da mídia manipulada está no risco de prejudicar ainda mais a capacidade de muitos usuários de mídia social dependerem de conceitos como verdade e prova. Os deep fakes, que geralmente são criados ao enxertar um rosto digital no corpo de outra pessoa, estão sendo usados como acusação e desculpa por aqueles que esperam desacreditar a realidade e se esquivar da responsabilidade – um fenômeno conhecido como dividendo do mentiroso.
Os teóricos da conspiração postaram vídeos oficiais da Casa Branca do presidente no TikTok e ofereceram teorias desmentidas de que é um deep fake. O consultor político Roger Stone afirmou no Telegram em setembro que as imagens que o mostravam pedindo violência antes das eleições de 2020, que a CNN transmitiu, eram “vídeos deep fake fraudulentos”. Os advogados de pelo menos uma pessoa acusada no motim de 6 de janeiro no Capitólio dos EUA em 2021 tentaram lançar dúvidas sobre as evidências em vídeo do dia citando a tecnologia de criação de deep fake “amplamente disponível e insidiosa”.
“Quando entramos nesse tipo de mundo, onde as coisas estão sendo manipuladas ou podem ser manipuladas, podemos simplesmente descartar fatos inconvenientes”, disse Hany Farid, professor de ciência da computação da Universidade da Califórnia, Berkeley, que faz parte do conselho de conteúdo do TikTok.
As empresas de tecnologia passaram anos tentando novas ferramentas para detectar manipulações como deep fakes. Durante a temporada eleitoral de 2020, o TikTok, o Facebook, o Twitter e o YouTube prometeram remover ou rotular conteúdo manipulado nocivo.
O TikTok é um lugar para conteúdo autêntico e divertido, e é por isso que proibimos e removemos desinformação prejudicial, incluindo mídia sintética ou manipulada, projetada para enganar nossa comunidade
Ben Rathe, porta-voz do TikTok
Uma lei da Califórnia de 2019 tornou ilegal criar ou compartilhar deep fakes enganosos de políticos dentro de 60 dias de uma eleição, inspirada em parte por vídeos daquele ano que foram distorcidos para fazer a presidente Nancy Pelosi parecer bêbada.
O TikTok disse em comunicado que removeu vídeos, encontrados pelo The New York Times, que violavam suas políticas, que proíbem falsificações digitais “que enganam os usuários ao distorcer a verdade dos eventos e causar danos significativos ao assunto do vídeo, outras pessoas ou sociedade”.
“O TikTok é um lugar para conteúdo autêntico e divertido, e é por isso que proibimos e removemos desinformação prejudicial, incluindo mídia sintética ou manipulada, projetada para enganar nossa comunidade”, disse Ben Rathe, porta-voz do TikTok.
Mas especialistas em desinformação disseram que exemplos individuais são difíceis de moderar e quase fora de questão. A exposição prolongada à mídia manipulada pode intensificar a polarização e reduzir a capacidade e a vontade dos espectadores de distinguir a verdade da ficção.
A desinformação tornou-se um problema na plataforma antes das eleições de meio de mandato. Nos últimos dias, pesquisadores do SumOfUs, um grupo de defesa da responsabilidade corporativa, testaram o algoritmo do TikTok criando uma conta e pesquisando e assistindo a 20 vídeos amplamente vistos que semearam dúvidas sobre o sistema eleitoral.
Em uma hora, o algoritmo passou de fornecer conteúdo neutro para promover mais desinformação eleitoral, conteúdo polarizador, radicalismo de extrema direita, teorias da conspiração do QAnon e narrativas falsas sobre a COVID-19, descobriram os pesquisadores.
O TikTok disse que removeu o conteúdo, citado pelo relatório, que violava suas diretrizes e que atualizaria seu sistema para capturar os termos de pesquisa usados para encontrar os vídeos.
“Plataformas como o TikTok em particular, mas realmente todos esses feeds de mídia social, existem para você passar pelas coisas rapidamente – eles são projetados para ser essa enxurrada de conteúdo, e essa é uma receita para eliminar nuances”, disse Halsey Burgund , um tecnólogo criativo em residência no MIT Open Documentary Lab. “Os vestígios dessas reações emocionais muito rápidas ficam dentro de nossos cérebros e se acumulam, e é meio aterrorizante.”
Em 2019, Burgund trabalhou em um projeto de documentário com a artista multimídia e jornalista Francesca Panetta que projetou um deep fake de Richard Nixon anunciando o fracasso da missão Apollo 11 de 1969. (A expedição real desembarcou os primeiros humanos na lua.) O projeto, “In Event of Moon Disaster”, ganhou um Emmy no ano passado.
A maioria dos exemplos de conteúdo manipulado atualmente nas mídias sociais são de má qualidade e obviamente fabricados. Mas as tecnologias que podem alterar e sintetizar com muito mais sutileza são cada vez mais acessíveis e muitas vezes fáceis de aprender, disseram especialistas.
“Nas mãos certas, é bastante criativo e há muito potencial”, disse Burgund. “Nas mãos erradas, é muito ruim.”
No mês passado, várias postagens do TikTok com vídeos manipulados de Jill Biden promovendo iniciativas da Casa Branca relativas ao câncer no campo do Philadelphia Eagles foram visualizadas dezenas de milhares de vezes. Nas imagens da primeira-dama cantando ao lado de pacientes com câncer e sobreviventes, o som da multidão foi substituído por vaias e protestos altos, que os verificadores de fatos rastrearam a conteúdo mais antigo do YouTube e do TikTok.
O ex-presidente Donald Trump é um tema popular para paródia no TikTok e em outras plataformas. No TikTok, que oferece ferramentas para os usuários adicionarem áudio extra ou “fazerem dueto” com outros usuários e “costurar” em seu conteúdo, imitações de Trump apareceram em conversas com Harry Potter ou atuando como Marilyn Monroe.
“O TikTok foi literalmente projetado para que a mídia possa ser combinada – esta é uma plataforma inteira projetada para manipulação e remixagem”, disse Panetta, colega de equipe de Burgund. “Como é a verificação de fatos em uma plataforma como essa?”
Muitos usuários do TikTok usam rótulos e hashtags para divulgar que estão experimentando filtros e edições. Às vezes, a manipulação é mencionada na seção de comentários. Mas esses esforços são frequentemente ignorados na rolagem rápida do TikTok.
No ano passado, o FBI alertou que “atores maliciosos quase certamente irão alavancar conteúdo sintético para operações cibernéticas e de influência estrangeira” até este outono. Este ano a manipulação da mídia já foi armada no exterior na invasão russa da Ucrânia e na eleição presidencial brasileira.
“Não teríamos como combater cada conteúdo individual, porque parece que estamos jogando um jogo perdido e há batalhas muito maiores para lutar”, disse Claire Wardle, co-diretora do Information Futures Lab da Brown University. “Mas essas coisas são realmente perigosas, mesmo que um verificador de fatos ou uma pesquisa reversa de imagens seja capaz de desmenti-las em dois segundos. Está fundamentalmente alimentando esse constante gotejamento de coisas que reforçam sua visão de mundo.”
Texto original THE NEW YORK TIMES- Os jacarés do TikTok não são o que parecem.
TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES n'O Estado de São Paulo
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