quarta-feira, 26 de fevereiro de 2025

Lipedema ainda é cercado de estigmas e desconhecimento

LIPIDEMA

Embora muito prevalente, com estimativas que chegam a 1 a cada 5 mulheres, o lipedema foi reconhecido como doença apenas em 2019 pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Oficialmente, o termo foi incluído dois anos depois na 11º edição da Classificação Internacional de Doenças (CID), onde é caracterizado como um “inchaço ‘gorduroso’ (...) geralmente confinado às pernas, coxas, quadris e parte superior dos braços”.

A doença não é nova, foi descrita pela primeira vez ainda em 1940 por dois pesquisadores da Mayo Clinic, nos Estados Unidos. Por isso, também é conhecida como síndrome Allen-Hines, em referência aos nomes dos médicos. No entanto, demorou a ser difundida entre os profissionais, sendo até hoje comumente confundida com outros diagnósticos, como obesidade e linfedema.

— O lipedema é uma condição vascular, crônica e progressiva caracterizada pelo acúmulo anormal de gordura subcutânea principalmente nos membros inferiores (coxas e pernas) e, em alguns casos, nos braços. Esse acúmulo de gordura não é influenciado diretamente pela dieta ou pelo exercício físico e está associado a dor, sensibilidade e tendência à formação de hematomas. Além disso, ocorre quase que exclusivamente em mulheres — explica Armando Lobato, angiologista e cirurgião vascular, presidente da Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular (SBACV).

Mais recentemente, além da inclusão na CID, os relatos de personalidades que sofrem com o problema têm ajudado a jogar luz sobre o lipedema. No Brasil, alguns nomes que ganharam destaque nos últimos anos ao falarem sobre o diagnóstico foram o da modelo e ex-BBB Yasmin Brunet e da repórter do programa ‘Mais Você’, da TV Globo, Juliane Massaoka. Ambas relataram o inchaço nas pernas que não correspondia ao acúmulo de gordura no restante do corpo.

— O aumento da conscientização sobre o lipedema nos últimos anos se deve a vários fatores, como a maior disseminação de informações por profissionais de saúde e pacientes compartilhando sobre a doença, especialmente por meio da internet e redes sociais. Além disso, temos diagnósticos mais precisos e mais interesse nos tratamentos — afirma Lobato.

Quais os sintomas do lipedema?
Especialistas ouvidos pelo GLOBO explicam que o aspecto visual das pernas é geralmente o sintoma que acende o primeiro alerta sobre a possibilidade de ser um caso de lipedema, explica o médico Fábio Kamamoto, diretor do Instituto Lipedema Brasil:

— Alguns sintomas são bastante característicos, como a desproporção da região da cintura em relação às pernas, ou seja, alguém com muito menos gordura no resto do corpo do que nos membros. Além disso, quando essa pessoa perde peso com dieta e exercícios físicos, ela consegue emagrecer no tronco, mas nem sempre nos membros.

Ele explica que outras queixas que podem estar acompanhadas são dores, sensação de peso, de queimação e formação de hematomas, especialmente nas pernas. Esses sintomas podem piorar com mudanças hormonais, como na puberdade, com o uso de anticoncepcionais de hormônios, na gestação e na menopausa.

Qual a prevalência do lipedema no Brasil?
O diagnóstico é feito de forma clínica, baseado na avaliação do médico e na história da paciente. Exames de imagem, como ultrassonografia e ressonância magnética, podem ser utilizados para diferenciar o lipedema de outras condições, porém não existe um teste laboratorial específico para confirmar a doença.

Em relação à prevalência do lipedema na população, os especialistas explicam que, como ele muitas vezes não é diagnosticado corretamente, os números reais são incertos. No entanto, Lobato, da SBACV, aponta que os estudos têm apontado para algo entre 11% e 19% das mulheres – ou seja, até 1 a cada 5.

Entre as brasileiras, um trabalho publicado no periódico Jornal Vascular Brasileiro por pesquisadores paulistas, em 2022, estimou que 12,3% têm lipedema após realizar questionários. O que, com base nos últimos números do Censo Demográfico do IBGE, representaria cerca de 12,9 milhões de mulheres no país.

O que causa o lipedema?
Ainda não se sabe exatamente o que causa o lipedema, mas hoje a doença é compreendida como uma condição multifatorial que engloba fatores genéticos e hormonais. Isso porque há muitos relatos de pacientes que citam casos semelhantes na família, indicando uma predisposição hereditária.

Além disso, o fato de afetar quase que exclusivamente mulheres e estar ligado aos períodos de mudanças hormonais é o que sugere a ação dos hormônios femininos, especialmente do estrogênio, no seu desenvolvimento, explicam os especialistas.

Lobato, da SBACV, acrescenta que fatores ambientais, como alimentação inadequada, sedentarismo, obesidade, entre outros hábitos nocivos à saúde, podem impactar a progressão da doença.

Quais os tratamentos do lipedema?
Kamamoto, do Instituto Lipedema, explica que “por ser uma doença que se desenvolve a partir da presença de hormônios e tem características genéticas, não são causas que podem ser mudadas”. — Por isso dizemos que não existe uma cura para o lipedema, mas existe sim um controle — continua.

O tratamento consegue aliviar as queixas e melhorar a qualidade de vida da paciente. A estratégia ideal deve ser individualizada e orientada pelo profissional que acompanha o caso. Um dos fatores que pode influenciar a melhor conduta é o grau do lipedema, que é dividido em quatro estágios, do 1 ao 4, de acordo com a severidade.

Estágios do lipedema

Estágio 1
A superfície da pele é normal, ocorre aumento da gordura no tecido subcutâneo e há presença de nódulos ou bolinhas de gordura, como se fossem pérolas por baixo da pele;

Estágio 2
A pele é irregular, um pouco mais flácida do que o esperado para a idade e com aspecto de celulite, e os nódulos que podemos palpar ficam maiores;

Estágio 3
A pele é significativamente mais flácida, com a presença de dobras de pele. Isso pode causar dificuldade para caminhar e se movimentar. Além dos nódulos, podemos palpar também áreas de fibrose, que são como cicatrizes por baixo da pele causadas pela inflamação crônica;

Estágio 4
Todas as alterações descritas no estágio 3, mais o comprometimento do sistema linfático. O linfedema (comprometimento dos vasos linfáticos) pode ocorrer em qualquer estágio, mas é mais frequentemente encontrado em mulheres com lipedema a partir do estágio 3, quando é chamado de lipo-linfedema, ou no estágio 4.

* Fonte: Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular (SBACV)

Entre as alternativas terapêuticas, os médicos podem indicar a prática de atividades físicas de baixo impacto, como hidroginástica, caminhada e pilates, que ajudam na circulação e mobilização da gordura; a adoção de uma alimentação balanceada e terapias compressivas, com meias ou bandagens, para reduzir o edema e melhorar a circulação.

No caso da alimentação, orienta-se implementar dietas ricas em frutas, vegetais, proteínas magras e gorduras saudáveis para ajudar a reduzir a inflamação e a retenção de líquidos. O consumo de alimentos ultraprocessados, açúcar refinado e excesso de sal devem ser evitados.

Também é indicado que a paciente tenha uma boa ingesta de água, evite longos períodos sentada ou em pé e busque práticas que auxiliam a controlar o estresse, como meditação e yoga, já que ele pode piorar o quadro de inflamação.

Além disso, pode ser recomendado o uso de medicamentos para aliviar dores e inflamações e a prática da drenagem linfática para auxiliar a circulação.

Caso o tratamento conservador não melhore o quadro da paciente, há a opção de cirurgia. Nesse caso, Lobato explica que existe um tipo específico de lipoaspiração para lipedema que consegue remover a gordura em excesso:

— A técnica consegue reduzir significativamente os depósitos de gordura e aliviar os sintomas mas, como a doença é crônica, o depósito anormal de gordura pode voltar a aparecer novamente. E a lipoaspiração, como qualquer procedimento cirúrgico, tem risco de complicações, por isso deve ser avaliada a cada caso pelo médico junto com a paciente.

Reportagem de Bernardo Yoneshigue n'O Globo

https://oglobo.globo.com/saude/especial/lipedema-em-5-dias-especial-desvenda-causas-sintomas-e-tratamento-da-doenca-que-atinge-1-a-cada-5-mulheres.ghtml