sexta-feira, 25 de outubro de 2024
Seis palavras que as pessoas menos ‘inteligentes’ repetem, segundo a IA
Uma análise recente realizada pela inteligência artificial (IA) revelou como certas palavras tendem a ser usadas com mais frequência por pessoas que não têm pensamento profundo, ou que evitam desenvolver ideias complexas.
Embora o uso dessas expressões não determine a inteligência de uma pessoa, a IA do Google identificou que essas palavras refletem uma tendência à simplificação ou generalização, principalmente em temas que não são dominados.
Quais são as palavras que pessoas menos inteligentes repetem?
De acordo com esta análise, seis palavras se destacam como comuns entre indivíduos que apresentam menor capacidade de elaboração de conceitos detalhados:
Basicamente: essa palavra é usada para resumir explicações complexas, mas muitas vezes mostra a falta de conhecimento aprofundado sobre o tema em discussão.
Como: frequentemente utilizado para preencher pausas na fala, refletindo insegurança ou falta de clareza na comunicação de ideias.
Óbvio: costuma fazer parecer que algo é claro para todos, quando na realidade pode mascarar a falta de uma análise mais profunda da situação.
Simplesmente: esta palavra é usada para reduzir a complexidade de uma questão, o que denota uma visão limitada.
Legal: um adjetivo usado sem fornecer valor significativo ou raciocínio por trás dele, refletindo pouco desenvolvimento no pensamento crítico.
Não consigo: pessoas que usam essa expressão com frequência costumam apresentar uma atitude pessimista, o que indica falta de resiliência e de habilidades para enfrentar desafios cognitivos.
É importante esclarecer que essas palavras não determinam, por si só, a inteligência de uma pessoa, mas o uso repetitivo dessas expressões pode sugerir um estilo de comunicação que evita aprofundar-se na análise ou explicação de conceitos mais complexos.
As características que identificam as pessoas mais inteligentes
Por outro lado, diversos estudos indicam que certas características são comuns em pessoas com maiores capacidades cognitivas. De acordo com a revista Forbes, a seguir estão algumas características distintivas:
Leitores precoces: um estudo britânico revelou que as crianças que aprendem a ler desde cedo desenvolvem melhores capacidades cognitivas, mesmo entre gêmeos que compartilham a mesma genética.
Canhotos: pesquisas sugerem que canhotos tendem a se destacar em testes de inteligência. Um estudo de 2007 indicou que a sua capacidade de resolver problemas de forma diferente pode estar relacionada com a forma como processam a informação.
Aulas de música na infância: tocar um instrumento desde cedo está ligado a maior habilidade verbal e concentração, além de melhorar a plasticidade cerebral, o que favorece o aprendizado.
Senso de humor: um estudo publicado pela Newsweek observou que existe uma correlação entre humor e um QI elevado. Ser engraçado requer pensamento rápido e criativo, habilidades que refletem um alto nível de inteligência.
Reportagem do La Nacion traduzida e reproduzida por O Globo
https://oglobo.globo.com/saude/bem-estar/noticia/2024/10/24/seis-palavras-que-as-pessoas-menos-inteligentes-repetem-segundo-a-ia.ghtml
quarta-feira, 16 de outubro de 2024
O preço da privataria na saúde
A rede onde está o laboratório Saleme é muito maior
A polícia do Rio foi rápida. Em poucos dias, prendeu Walter Vieira, sócio do laboratório PCS LAB Saleme, de Nova Iguaçu, cujos laudos criminosos infectaram com HIV seis pacientes que haviam recebido transplantes em hospitais públicos do estado. Em seu primeiro depoimento, o doutor atribuiu a responsabilidade pelo crime a um erro de três funcionários. Em nota, o deputado federal Doutor Luizinho (PP), secretário de Saúde do Rio por duas vezes, pediu que os "culpados sejam punidos exemplarmente".
Se o Ministério da Saúde e o Governo do Rio olharem para baixo, o caso terminará com a culpabilização de meia dúzia de profissionais irresponsáveis. Se olharem para cima, verão muito mais, coisas sabidas, porém desprezadas. Verão que a saúde pública está sendo sucateada, privatizada, corrompida e arruinada.
Quando começou o processo de demonização do Estado, acreditou-se que, privatizando-se serviços de hospitais e de laboratórios, eles funcionariam melhor. Assim, a privataria produziu a figura das chamadas organizações sociais, que passaram a administrar serviços de saúde, inclusive hospitais. Ao mesmo tempo, profissionais foram obrigados a virar pessoas jurídicas. Esse truque abriu a porteira para o clientelismo, achatou os salários da turma do andar de baixo e engordou a remuneração do pessoal do andar de cima. Em seguida, criou-se um universo de contratos.
O Saleme é uma vitrine. Pelo lado do prestígio profissional, presta serviços a 14 hospitais do Rio, inclusive à Central de Transplantes. Coisa de R$ 17,5 milhões.
Pelo lado do prestígio de uma parentela, o Saleme mostra o vigor privatista do deputado Doutor Luizinho. Um dos sócios é marido de uma de suas tias e colocou na sociedade o próprio filho, ex-funcionário da Fundação Saúde (R$ 4.751 de salário). Este, por sua vez, teve interesses numa empresa que prestou serviços de radiologia ao Hospital Getúlio Vargas de 2021 a 2022, por cerca de R$ 8 milhões. Na Fundação Saúde, que cuida dos contratos com serviços, está uma irmã do deputado.
Do Governo do Rio e do Ministério da Saúde saíram vozes anônimas dizendo que o caso do Saleme é um "ponto fora da curva". Conversa fiada, ele é um ponto extremo da própria curva. A primeira queixa chegou à secretaria em setembro e não chamaram a polícia.
O Governo do Rio reagiu dizendo que, a partir de agora, os exames de doadores irão obrigatoriamente ao Hemorio, órgão público habilitado a fazer exames de sangue. Tradução: a privataria avançou sobre um serviço público, aspergiu contratos e, quando a casa pegou fogo, voltou ao ponto de partida.
A vida, essa trapaceira, fez com que o caso do Saleme aparecesse um dia depois de o Conselho Regional de Medicina de São Paulo suspender por 30 dias um médico que, em 2016, foi contratado pela prefeitura de São Bernardo do Campo para conduzir um mutirão de cirurgias de catarata. O mutirão foi realizado num hospital público pela equipe privada, e 22 pacientes foram infectados. Alguns ficaram cegos porque a privatagem descumpriu protocolos de higiene e esterilização.
Esse caso nada tem a ver com o do laboratório Saleme. Mostra apenas que a curva do sucateamento privatista é muito mais ampla e bem-relacionada do que se pensa.
Texto de Elio Gaspari, jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".
Publicado na Folha de São Paulo e n'O Globo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/eliogaspari/2024/10/o-preco-da-privataria-na-saude.shtml
quarta-feira, 18 de setembro de 2024
Coaches se multiplicam porque nasce um otário por minuto
Para dar o exemplo, coaches são os primeiros a prosperar, ficar ricos e ser felizes
Neste momento, há 101 influenciadores sendo investigados pela polícia no país. Alguma coisa a ver, talvez, com a biografia deles?
Pablo Marçal, 37 anos, chegado a cadeiradas por motivo justo, integrava em jovem uma quadrilha que desviava dinheiro de bancos. Depois, foi guia turístico em excursões de risco sem as devidas precauções, idealizador do imaginário kit gay e criador de um banco fantasma que aceitava depósitos. Até que se tornou coach digital e autor de livros como "A Arte de Prosperar", doutrinando seus seguidores a serem ricos e felizes. Para dar o exemplo, ele próprio prosperou, ficou rico e feliz. Hoje tem 29 empresas, um patrimônio de R$ 193 milhões e é ex-futuro prefeito de São Paulo.
Deolane Bezerra, 34, também deu duro para se realizar —quase três anos. Foi o tempo que levou para angariar 20 milhões de seguidores, conquistados um a um com vídeos sobre suas joias, roupas, festas, viagens e 12 mansões, fruto, segundo ela, de "lances ousados" em sites de apostas. "Sou viciada em vencer", explicou. É o segredo para quem quiser chegar aos píncaros como ela: apostar e vencer, vencer sempre. Deolane está atualmente atrás das grades, por suspeita de promover jogos ilegais e lavagem de dinheiro.
E o juiz Marcelo Bretas, 53, bolsonarista, evangélico e bombado (postou fotos recentes de seus músculos ao espelho), famoso por condenar o ex-governador do Rio Sergio Cabral a 500 anos, também vai bem. É professor de cursos de "impulsão profissional", em que ensina os alunos a "despertar a excelência contida em cada um" e "conquistar autoridade, respeito e influência". E nem precisam sair de casa —basta pagar R$ 2.700 por suas 25 aulas online. Está afastado do cargo de juiz, respondendo a processos por irregularidades no exercício da profissão.
Marçal, Deolane e Bretas são as estrelas da atividade que mais cresce no Brasil: a dos coaches e influenciadores digitais. É uma ciranda: a cada turma que eles "diplomam", saem mais coaches e influenciadores. Mas, se você acha que, com isso, não sobrará ninguém para influenciar, engana-se. Nasce um otário por minuto.
Texto de Ruy Castro na Folha de São Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/ruycastro/2024/09/a-arte-de-prosperar-ficar-rico-e-ser-feliz.shtml
segunda-feira, 26 de agosto de 2024
Incêndios criminosos em São Paulo
Segundo a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, o fato de os incêndios no interior paulista se intensificarem em dois dias, a partir da quinta (22), é sinal de ação humana. A suspeita de atuação criminosa também foi compartilhada pelo presidente Lula (PT).
Nas redes sociais, ele afirmou que o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) não registrou nenhum incêndio por causas naturais em São Paulo. "Significa que tem gente colocando fogo de maneira ilegal, uma vez que todos os estados do país já estão avisados e proibiram uso de fogo de manejo", disse.
Em reunião em Brasília neste domingo, Lula afirmou: "Ali é tudo propriedade privada, é canavial, é fazenda", em referência a São Paulo e a suspeita de incêndios criminosos.
O diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, anunciou que as 15 delegacias da instituição no interior de São Paulo e a superintendência regional estão mobilizadas para a investigação.
Mais cedo, também neste domingo, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) já havia dito que a Polícia Civil de São Paulo investiga casos de possíveis incêndios criminosos. A corporação diz apurar vídeos e imagens mostrando o que seriam autores das queimadas. Os registros circulam nas redes sociais.
Dois homens foram presos neste fim de semana em São Paulo suspeitos de atear fogo, em São José do Rio Preto e Batatais. O primeiro caso, no sábado, foi de um idoso de 76 anos suspeito de incendiar lixo em mata no bairro Jardim Maracanã, em São José do Rio Preto.
No domingo, em Batatais, um homem de 41 anos foi detido após ser flagrado por um morador, no bairro Jardim Celeste, colocando fogo em uma mata. Ele portava um isqueiro e uma garrafa com gasolina.
De acordo com policiais, o telefone celular do suspeito tinha vídeos de incêndios armazenados na galeria de imagens —inclusive dele comemorando outras queimadas.
Tarcísio, em visita a Ribeirão Preto, cidade que concentra grande parte dos focos de calor, disse que o detido em Batatais tem histórico de crimes. "Criminoso, com passagem pela polícia, com gasolina, ateando fogo, quer dizer, querendo agravar a situação", disse o governador.
Produtores rurais de São Paulo ouvidos pela reportagem compartilham da hipótese de que os incêndios têm origem criminosa. Eles afirmam acreditar que o fogo dos últimos dias foi provocado por ação humana. Representantes do setor disseram à Folha que a forma como as queimadas começaram aponta para uma ação coordenada.
Almir Torcato, diretor-executivo da Canaoeste (Associação dos Plantadores de Cana do Oeste do Estado de São Paulo), afirma que, embora as condições climáticas fossem favoráveis a incêndios (calor acima de 30°C, ventos fortes e baixa umidade), o fogo começou de pontos separados, o que pode indicar ação humana.
"Nós, como instituição, não temos prova suficiente para falar que foi algo coordenado. Mas os fatos por si só não são coerentes para ter sido exclusivamente natural, considerando as imagens de satélite e tudo mais", diz Torcato.
Torcato afirma que há décadas o setor já não usa queimadas na produção —atividade que, segundo ele, era comum quando a cana era colhida sem mecanização.
A visão é compartilhada pelo produtor Marco Guidi. Segundo ele, o setor nunca viu um incêndio ocorrer dessa forma.
"Os focos iniciaram simultaneamente, em pontos distantes um do outro, dificultando a presença das brigadas", afirma Guidi. "Tudo leva a crer que foi uma ação criminosa e bem articulada."
Segundo a Abag (Associação Brasileira do Agronegócio), essa é uma luta antiga do setor. A entidade diz que, em 2022, entregou um ofício à Secretaria de Segurança do Estado no qual pedia que os casos de suspeita de incêndios criminosos fossem levados adiante e investigados.
Empresas do setor também dizem que suspeitam de queimadas provocadas por ação humana. A Raízen diz acreditar que os incêndios são de natureza criminosa, agravados por estiagem, baixa umidade do ar, ação dos ventos e altas temperaturas.
Empresa do setor agrícola, o Grupo Moreno chegou a oferecer recompensa de R$ 30 mil por informações de incêndios criminosos.
O fogo no interior de São Paulo nos últimos dias já queimou 59 mil hectares de lavouras de cana-de-açúcar, causando um prejuízo aos produtores rurais de R$ 350 milhões.
Os dados são da Orplana (Organização de Associações de Produtores de Cana do Brasil) e contemplam áreas a serem colhidas e também de rebrota de cana pulverizadas em várias regiões agrícolas paulistas. Só entre sexta e sábado, foram 2.105 focos de incêndio no estado, 1.800 no primeiro dia e 305, no dia seguinte.
"O sábado começou melhor, mas os fortes ventos atrapalharam muito no fim do dia", afirmou o CEO da Orplana, José Guilherme Nogueira.
Reportagem de Bruno Lucca , Cézar Feitoza , Marcelo Toledo e Paulo Ricardo Martins na Folha de São Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2024/08/governos-e-produtores-veem-indicios-de-crime-e-pf-e-sp-investigam-incendios.shtml
domingo, 18 de agosto de 2024
Maioria dos brasileiros está gorda
Apenas 11% dos entrevistados têm diagnóstico médico; 4% consideram utilizar medicamentos para emagrecer
A maioria dos brasileiros (59%) está acima do peso, mas só 11% têm diagnóstico médico, segundo pesquisa do Datafolha encomendada pela Novo Nordisk e divulgada neste domingo (18). Aqueles com obesidade são 24%, enquanto os com sobrepeso, 35%.
O levantamento calculou o IMC (índice de massa corpórea) de 2.012 entrevistados com idade média de 43 anos e encontrou contradições na percepção de saúde dos brasileiros em relação ao excesso de peso. Segundo especialistas, o método ainda é usado como base para análises, apesar de ser considerado insuficiente por novas pesquisas.
Aqueles que dizem apresentar uma saúde boa ou muito boa são 64%. Os que afirmam não apresentar condições de saúde como pressão alta, problemas nos ossos ou articulações, colesterol alto e excesso de peso representam 51% da amostra.
A obesidade é uma doença crônica definida pela OMS (Organização Mundial da Saúde) como o acúmulo anormal ou excessivo de gordura corporal. Segundo especialistas, ela está associada a mais de 200 condições, incluindo diabetes tipo 2, doenças cardiovasculares, apneia do sono, problemas hepáticos e de circulação e câncer.
No público com sobrepeso e obesidade, 61% afirmam ter uma boa saúde, e 42% declaram não ter ao menos uma doença relacionada ao excesso de peso.
Além disso, 72% dos brasileiros dizem estar satisfeitos com o próprio peso, mas 63% dizem que gostaria de mudá-lo —17% querem ganhar mais e 46%, perder.
A população ainda encara a obesidade como um fator estético, incluindo os próprios profissionais de saúde, diz a endocrinologista Cynthia Valério. Segundo ela, isso acontece por causa do estigma e porque o diagnóstico da obesidade como doença pela OMS é recente.
"A pesquisa indica exatamente o que a gente já costuma ver, que é resultado do preconceito de enxergar o excesso de peso como uma doença. Obesidade por si só é uma doença e o sobrepeso associado a condições de saúde, também", diz a médica da Sbem (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia) e diretora da Abeso (Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica).
"Nós temos muito ainda a fazer em relação à conscientização das pessoas. Há um percentual muito baixo de pessoas que têm o diagnóstico da doença e um percentual grande que já entra na classificação", afirma. A OMS separou o dia 4 de março como o Dia Mundial da Obesidade para aumentar a conscientização sobre a doença crônica não transmissível.
O presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica em Alagoas, Luiz Guilherme de Almeida, afirma que desde os anos 1980 os brasileiros passaram a aumentar de peso culturalmente. "Passamos a comer mais carboidratos e ultraprocessados", diz. "Com o aumento de peso na sociedade ocidental, falta a percepção da população sobre ele."
Um estudo nacional divulgado no Congresso Internacional sobre Obesidade no último mês de junho afirma que quase metade da população brasileira será obesa nos próximos vinte anos se forem mantidos os padrões atuais.
"É alarmante", diz Almeida. "Isso já implica em aumento de risco cardiovascular —a gente está assistindo eventos cardiovasculares cada vez mais cedo. Esse percentual de quase 60% da população tem maior risco de diabetes; doença pulmonar; refluxo; câncer de cólon, esôfago, mama e rim. É um impacto que já existe na saúde brasileira", afirma.
O excesso de peso começa a preocupar as pessoas principalmente quando ele causa outros problemas de saúde (57%), segundo a pesquisa, e quando impede a realização de atividades, como trabalhar e serviços domésticos (45%). O IMC é alerta apenas para 37% dos entrevistados.
Como forma de tratamento, a principal alternativa considerada pelos brasileiros é a atividade física (71%), seguido pela mudança na dieta (56%). Apesar da popularização recente de medicamentos usados na perda de peso, como Ozempic e Mounjaro, o uso de remédios é considerado apenas por 4%, mesmo percentual da cirurgia bariátrica.
Reportagem de Geovana Oliveira na Folha de São Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2024/08/6-em-cada-10-brasileiros-estao-acima-do-peso-diz-datafolha.shtml
quinta-feira, 15 de agosto de 2024
Entenda como funciona o golpe do Pix errado e veja como se proteger
Criminosos criaram mais uma forma de desviar dinheiro dos brasileiros: o 'golpe do Pix errado'. Os bandidos se aproveitam de um recurso do Banco Central criado para recuperar o dinheiro quando é constatada fraude, chamado de MED (Mecanismo Especial de Devolução).
Segundo a Febraban (Federação Brasileira de Bancos), que fez um alerta sobre a fraude, os bandidos descobrem o número do celular da vítima, que muitas vezes também é sua chave do Pix, e fazem uma transferência para essa pessoa. Eles conseguem esses dados por meio de cadastros preenchidos na internet ou em pesquisas em redes sociais.
Em seguida, ligam ou enviam uma mensagem dizendo que foi feito um Pix errado e pedindo para mandar o dinheiro de volta. A vítima, ao conferir seu extrato, vê que de fato entrou o dinheiro em sua conta.
Porém, em vez de dar a mesma chave Pix que foi usada para transferir o dinheiro, o golpista fornece uma chave Pix de uma terceira conta, e então o bandido aciona o MED, alegando ter sido vítima de um golpe. Por meio deste mecanismo, os bancos envolvidos irão analisar a transação.
Como o Pix devolvido foi feito para uma terceira conta, diferente da conta original da transferência, as instituições entendem que esta ação é típica de golpe e, daí, podem fazer a retirada do dinheiro do saldo da conta da pessoa enganada. Se tiver êxito, além de receber o dinheiro devolvido espontaneamente, o bandido também recebe o valor pelo MED e a vítima fica no prejuízo.
A Febraban alerta que, ao receber um pedido de estorno de Pix por qualquer motivo, o cliente sempre deve fazer a transação para a conta original que o Pix foi feito. "Para isso, o cliente deve entrar em seu aplicativo bancário e dentro das funcionalidades do Pix, utilizar a opção de devolução da transação recebida, que automaticamente envia o valor para a conta de origem. Nunca, em hipótese alguma, faça um estorno para uma terceira conta. Se tiver qualquer dúvida, ligue para seu banco", afirma José Gomes, diretor do Comitê de Prevenção a Fraudes da Febraban.
Como devolver um Pix errado?
Entre na área Pix do banco;
Vá em Extratos, clique em "Devolver";
Desta forma, o dinheiro será devolvido diretamente para quem originalmente mandou o Pix.
Sempre faça a operação de devolução dentro da ferramenta do aplicativo oficial do banco. Nunca faça o estorno para uma nova chave Pix.
A Febraban também recomenda que os clientes tomem muito cuidado com a exposição de dados pessoais em redes sociais, com emails de supostas promoções que tenham cadastros e com mensagens recebidas em aplicativos de mensagens.
Reportagem de Laryssa Toratti na Folha de São Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2024/08/entenda-como-funciona-o-golpe-do-pix-errado-e-veja-como-se-proteger.shtml
domingo, 21 de julho de 2024
Entre perdas e ganhos: os perigos que existem no vício em jogos de azar
Jogo do tigrinho e outros jogos de azar
Um dinheiro que vem fácil, mas pode ir da mesma maneira, destroçando famílias e laços afetivos. O vício em jogos de azar destrói lares e afeta a saúde mental de vários indivíduos. Especialistas alertam para medidas que ajudem nesses cenários, sobretudo no Brasil
A ânsia pela ascensão social. Uma maneira, quem sabe, de garantir um dinheiro extra e ajudar nas contas de casa. Aquela emoção em ver os números subindo, a roleta girando e a imprevisibilidade surgindo. Apesar da euforia momentânea, a vida pode mudar de repente. O vício em jogos de azar, definido como jogo patológico, despedaça famílias e leva indivíduos ao fundo do poço. Mudar essa realidade não é uma tarefa fácil, mas há sempre uma luz no fim do túnel.
Segundo Antonio Carlos C. Freire, psiquiatra, doutor em medicina e saúde humana, denomina-se transtorno do jogo o comportamento problemático, recorrente e persistente que acarreta prejuízo significativo ao indivíduo. De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais da Associação Americana de Psiquiatria (DSM—5 TR), o transtorno do jogo requer que ao menos quatro critérios diagnósticos estejam presentes em um período de 12 meses.
A gravidade do transtorno, de acordo com o psiquiatra, baseia-se na quantidade de critérios diagnósticos preenchidos, quanto maior o número de critérios, maior a gravidade do problema, de acordo com o DSM -5 TR. "Claro que existem indivíduos que jogam profissionalmente, bem como existem pessoas que jogam socialmente. O jogo social costuma ocorrer em ambiente familiar ou com amigos, tem duração de tempo limitada a um determinado período e não acarreta perdas significativas em nenhuma esfera", explica.
O jogo patológico é caracterizado por uma contínua ou periódica perda de controle em relação ao jogo, uma preocupação em jogar e obter dinheiro para jogar e a manutenção desse comportamento apesar das consequências adversas. No entanto, o aspecto principal, que se faz presente dentro do transtorno do jogo, é o comportamento de jogar de maneira persistente e recorrente que ocasiona prejuízos pessoais, familiares ou profissionais. Na avaliação de Antonio, ao longo da vida, a prevalência do jogo patológico varia entre 0,4% e 1%, porém ainda não se sabe o impacto que as novas modalidades de apostas on-line poderão acarretar nesses números.
— Necessidade de apostar quantias de dinheiro cada vez maiores a fim de garantir a excitação desejada;
— Inquietude ou irritabilidade quando tenta reduzir ou interromper o hábito de jogar;
— Esforços repetidos e malsucedidos no sentido de controlar, reduzir ou interromper o hábito de jogar;
— Pensamentos persistentes sobre experiências de jogo passadas, preocupando-se frequentemente com possibilidades e planejamento de novos jogos;
— Frequentemente joga quando se sente angustiado, impotente, ansioso, deprimido ou culpado;
— Após perder dinheiro no jogo, frequentemente volta a jogar para “recuperar” o prejuízo;
— Costuma mentir para esconder a extensão do envolvimento com o jogo;
— Prejuízos ou perdas em relacionamento importante, emprego ou oportunidade educacional em razão do jogo;
— Depende de outras pessoas para obter dinheiro a fim de saldar situações financeiras desesperadoras causadas pelo jogo.
O mal à espreita
A vida em família, antes irretocável, se tornou um inferno para quem vê de perto um ente querido se afundando em um vício. Edna Pereira (nome fictício), 47 anos, conta que o genro sempre foi um homem trabalhador e dedicado. Casado com sua filha há mais de uma década, nunca deixou faltar com as contas de casa, muito menos com compras e outros itens básicos.
Durante o dia, Felipe Bastos (nome fictício), 28, trabalha em uma empresa e, à noite, complementa a renda como entregador de pizza. Ainda assim, de alguma maneira, precisava aumentar os lucros e garantir uma condição financeira melhor e estável. No princípio, a esposa, filha de Edna, resolveu entrar no mundo das apostas online. Sem nenhum resultado, parou assim que perdeu o primeiro dinheiro, de valor irrisório.
Felipe, no entanto, encontrou nesse lugar, um solo fértil para subir na vida. Bom, ao menos, era isso que ele pensava. “Meu genro continuou e não parou. Começou a ganhar muito, mas acabou perdendo tudo. Passou a se vestir mal, não cortava o cabelo e mal conseguia acordar no dia seguinte, porque passava a madrugada inteira jogando. A vida da minha filha virou um inferno. A de todos nós, na verdade”, detalha Edna.
Esse, infelizmente, foi apenas o início de toda a história de Felipe, segundo relatos da sogra. Um rapaz vaidoso e preocupado com a própria aparência, já não tinha mais roupas para usar. O aluguel de casa está atrasado e as prestações do carro não são pagas há um ano. Edna conta que o genro e a filha estão à espera do terceiro bebê. Diferente das outras vezes, eles ainda não conseguiram providenciar nada para a criança que está vindo. Fraldas, berço e outros itens ainda não foram comprados, em razão de toda essa realidade.
Tudo ou nada
Bem mais que o descontrole financeiro, o rumo de Felipe se perdeu completamente. Dívidas para agiota e todo o dinheiro das entregas de pizza na busca, sem resultados, de todo o dinheiro que deixou escapar nas apostas online. Qualquer valor que ele tem em mãos, deposita nos jogos de azar. Uma mistura de vício e de esperança. “Estamos tentando de tudo. Conversar, até tirar a moto, porque no emprego diurno ele não vai ter renda suficiente para apostar todos os dias. Mas o pior sempre vem. Agora descobrimos que ele está viciado em cocaína”, revela Edna.
Não bastasse todas as dificuldades em consequência das jogatinas, a droga surgiu como um elemento que veio para completar toda a situação trágica da família. Algumas plataformas virtuais, de acordo com a sogra, pagam mais durante a madrugada. Por isso, Felipe fez uso de cocaína para ficar acordado e ganhar mais dinheiro. No entanto, não conseguiu, pelo menos ainda, recuperar nenhum valor e nem se livrar do vício.
“Ele começou a ter acidentes de moto frequentes. Está completamente abatido, não tem paciência com a filha e nem com nada da vida. O motor da moto acabou quebrando e o Felipe está em casa esses dias. Era um menino muito alegre, brincalhão, uma pessoa vaidosa, que tinha dó de gastar dinheiro. Hoje não tem dinheiro para comprar balinhas pras filhas. Vamos ver o que vai acontecer, estamos esperançosos, dando força e apoio”, finaliza Edna.
Destrinchando o transtorno
Do ponto de vista biológico e de forma similar ao que acontece nos casos de dependência química, quanto mais rápido o estímulo para tentar novamente e mais atrativo do ponto de vista financeiro, maior o risco de desenvolver o transtorno do jogo. O psiquiatra Antonio Carlos ressalta a importância do circuito de recompensa do cérebro que, quando funciona normalmente, é crucial para a saúde, já que ele é responsável por trazer vontade de viver.
"É o sistema cerebral que nos gratifica por prazeres habituais. Isso é feito por meio da liberação de um neurotransmissor bem conhecido, a dopamina. O sistema de recompensa pode ser ativado por várias coisas, como comer um chocolate, ouvir uma música ou jogar. Ele nos gratifica pela experiência prazerosa, mas sem prejudicar nossas capacidades de avaliar riscos e julgar se nosso comportamento é adequado ou não. Quando entra em desequilíbrio, porém, nosso controle inibitório é prejudicado", completa o professor do Departamento de Neurociências e Saúde Mental da Universidade Federal da Bahia.
A grande questão, para o especialista, é que esse desequilíbrio não se restringe ao prazer, até porque, se fosse só uma resposta a essa questão, tecnicamente, seria mais fácil buscar o controle adequado. "As alterações alcançam áreas cerebrais mais nobres, como as relacionadas à capacidade de julgamento, levando a uma hipoatividade do sistema reflexivo. Assim, a velocidade e a facilidade de jogar com Tigrinho e bets podem desencadear comportamentos problemáticos em relação a esses jogos", acrescenta.
Por isso, essas modalidades parecem acometer pessoas mais jovens, além de serem mais prevalentes entre o gênero masculino. De acordo com o especialista, em um artigo de 2014, para o Royal College of Psychiatrists, sobre a necessidade de tratamento para jogadores problemáticos, a doença pode ser descrita como um vício oculto.
Suas manifestações e, de fato, presença na sociedade, não eram tão aparentes para a população em geral ou profissionais de saúde da época e, consequentemente, permaneceu subdiagnosticado e não tratado, realidade que é vista e ocorre no Brasil. "Todavia, proibir os jogos não parece ser uma estratégia possível neste momento, e talvez não seja o caminho", afirma Antonio Carlos. Contudo, algumas medidas podem ser levadas em consideração, entre elas:
Marketing: inclusão de um contraponto, que destaque os riscos, até o cerceamento da publicidade dos jogos;
Psicoeducação: é preciso educar a população no sentido que entendam os riscos associados às "bets", Tigrinho e demais jogos.
Rastrear jogadores patológicos através de cadastros obrigatórios que podem ser criados pelo Governo.
Perdas drásticas
Um casal feliz, pais de uma criança inteligente de 11 anos. No fim, é o que praticamente todas as pessoas esperam da vida: um lar para viver com as pessoas que ama. Era essa a vida que Irenice Silva (nome fictício), 48, batalhou tanto para construir. Mas, de repente, assistiu a tudo acabar. Há três meses, se separou do marido Antônio Silva (nome fictício), 49, que trabalhava como motorista de aplicativo. Com uma renda considerável, conseguia fazer altos valores juntando todas as corridas mensais.
Mas, ainda assim, não era suficiente. Em uma espécie de busca pelo sucesso e estabilidade, nada parece estar bom o bastante.
"O cunhado dele mandou uma plataforma on-line para que ele tirasse uma renda extra, com jogos conhecidos como Tigrinho e Touro. No começo, ganhou bastante, mas acabou querendo mais e mais. Trabalhando na rua e jogando, sem parar. Chegou a fazer um pix falso para pagar o carro alugado, mas a dona acabou descobrindo".
A primeira grande perda foi o carro, principal instrumento de trabalho de Antônio. De acordo com Irenice, a família nunca passou necessidade, porque ela sempre trabalhou bastante para prover alimentos dentro do lar. Arcava com aluguel e, praticamente, todas as despesas. Contudo, a partir da entrega do veículo, o cenário piorou. Por valores irrisórios, o ex-marido passou a vender qualquer eletrônico que encontrasse em casa para ganhar dinheiro e voltar a jogar.
Nem mesmo o apoio familiar e carinho pelo filho foram o bastante para fazer com que Antônio saísse do vício. Até que Irenice, sem conseguir suportar o sofrimento, optou pela separação. "Ainda assim ele continuou, foi uma situação muito difícil. Ele está tentando sair, acredito que vai conseguir. Pelo histórico de apostas, entre perdas e ganhos, foram mais de R$ 280 mil desperdiçados", relata Irenice.
Antônio, agora, está trabalhando como padeiro. Com o salário mensal, não sobram valores para apostar com frequência. Perdeu a família, o carro e a casa onde viveu inúmeros momentos especiais. Não era de beber, tampouco de viver em bar. O único grande vício, beirando os 50 anos, foi em jogos de azar. O filho, de perto, viu o pai se perdendo no meio do caminho.
"Não tenho intenção nenhuma de reatar. Não tinha tempo para o filho, vivia no celular. Ele acabou colocando a gente no vício também. Temos uma criança que sofre com falta de roupa, de calçado. O pai não o levava para passear. São coisas que me machucaram muito", descreve Irenice. Apesar de todo o sofrimento, não consegue desejar mal ao ex-marido. Somente que se recupere e volte a ser o homem que era.
Apostas, influencers e alerta
A nível nacional, esse apego fervoroso tem sido notório nos últimos anos. As apostas esportivas, certamente, são o epicentro desse aumento exponencial. De agosto de 2022 até o mesmo período, em 2023, o setor registrou um crescimento de 135% no Brasil. Os dados são do Datahub, divulgados pelo Aposta Legal Brasil. Para Igor Souza, advogado especialista no direito à saúde, os jogos de azar devem ser tratados muito além do que como uma simples dificuldade de quem os utiliza e realiza as apostas.
“Estamos falando sobre uma questão que envolve vícios de vários cidadãos, de algo que habitualmente destrói famílias e afeta milhares de brasileiros atualmente, de modo que, necessita não meramente de uma regulamentação estatal a fim de ocorrer o recolhimento de impostos, mas uma política pública efetiva para o funcionamento (permitido ou não), com a devida fiscalização e suporte para o enfrentamento de problemáticas decorrentes do jogo”, esclarece o especialista.
Todas as problemáticas envoltas nos jogos de azar perpassam pela devida fiscalização e intervenção do Estado de maneira imediata, para o combate à atos ilícitos decorrentes destes jogos, como lavagem de dinheiro, manipulação de resultados, bem como apropriação indébita de valores dos usuários, situações e casos práticos que vêm ocorrendo diariamente nos últimos tempos.
Graças ao impulsionamento de plataformas que não são fiscalizadas corretamente, bem como pela divulgação nas redes sociais de inúmeros influenciadores, que exercem um grande impacto na vida das pessoas, sobretudo dos jovens, as apostas online estão em alta no Brasil. Essa influência, para o advogado, pode ser muito perigosa, já que cria uma sensação ilusória de dinheiro fácil. Tal ponto é crucial para que mais indivíduos, de diferentes classes, de faixas etárias diversas, desenvolvam problemas sérios com o vício em jogos de azar.
O que diz a lei?
A exploração dos jogos de azar é proibida no Brasil desde o ano de 1946, sendo retomada sua discussão acerca da legalização dos cassinos, bingos e apostas, por intermédio do Projeto de Lei 2.234/2022, que apesar de aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça, ainda precisa ser aprovado pelo plenário da Casa Legislativa.
“Importante pontuar que a penalização para a exploração dos jogos de azar possui diversas previsões ao longo do ordenamento jurídico brasileiro, porém, não se trata somente do fato do desenvolvimento e exercício da prática em si, mas principalmente de atos ilícitos indiretos, como por exemplo: o lucro de influenciadores com a perda dos usuários e manipulação de resultados”, destaca Igor.
O Fortune Tiger, conhecido como Jogo do Tigrinho, é um dos principais jogos de azar do momento, em ascensão graças a divulgação desses influenciadores. Nas redes sociais, além de publicar publicidade das plataformas em si, muitos deles postam os supostos ganhos que têm ao utilizar os jogos. Alguns, inclusive, passam por investigação em razão de atos ilícitos provenientes dos jogos, como organização e associação criminosa, através da manipulação de resultados e ganhos sobre as perdas dos usuários. Além dos impactos no âmbito criminal, em algumas hipóteses, é possível buscar a responsabilização civil desses influenciadores.
De acordo com Igor, como a própria nomenclatura do exercício profissional dessas figuras digitais discorre, eles exercem uma grande influência sobre seus seguidores, sendo responsáveis (em alguns casos) por danos ocasionados aos usuários, com influência direta, provenientes dos atos ilícitos exercidos ao divulgarem indevidamente esses jogos de azar e plataformas clandestinas.
O fato de não existir uma regulamentação dessas plataformas no Brasil faz com que em vários casos não seja possível a interferência do Estado, por intermédio do poder judiciário, diretamente em face dessas empresas, já que várias delas sequer possuem vínculo ou sede em território nacional. Ao que tudo indica, este cenário deve passar por uma intensa mudança nos próximos meses. O Ministério da Fazenda deve publicar uma portaria, até o fim deste mês, para liberar jogos eletrônicos de azar no Brasil. A ilegalidade dos caça níquéis online deve acabar em janeiro de 2025.
Segundo a Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA) da pasta chefiada pelo ministro Fernando Haddad, jogos eletrônicos de azar passarão por uma reformulação para que possam funcionar no país. A exigência será registrar essas plataformas no país, sob o domínio “bet.br”. Aquelas que não estiverem com domínio hospedado em território nacional, serão bloqueadas pelo governo. A Secretaria estuda criar mecanismos de monitoramento para avaliar o comportamento dos apostadores, a fim de evitar o jogo compulsivo. Além, é claro, de uma legislação séria com diretrizes voltadas à publicidade responsável dessas plataformas.
O melhor dia!
Três anos e três meses sem nenhuma aposta. Ricardo Marques (nome fictício), 51, vive uma realidade completamente diferente de seu passado sombrio. A vida nos jogos de azar começou ainda na adolescência, quando descobriu nas antigas e populares roletas uma paixão fora do comum. A emoção, o dinheiro fácil e todos sentimentos proporcionados pelo jogo estavam ali. Logo em seguida, já na fase adulta, o vício apareceu com um novo rosto.
Ricardo conheceu o mundo das corridas de cavalo. Antes, imaginava que todo o percurso relacionado a apostas era algo facilmente descartável, que poderia parar em qualquer eventualidade. No entanto, percebeu que sair disso seria mais difícil do que imaginava. “A partir daí passei a perder tudo com o jogo. Minha existência foi muito prejudicada, estava no fundo do poço”, recorda.
Na sequência da vida, aos 25, partiu para a bolsa de valores. Lá, passou a fazer day trade — negociações e investimentos a curto prazo durante o mesmo dia — e perdeu ainda mais dinheiro. Mais de uma década com todos os esforços monetários e a saúde mental arruinadas pelo vício. Ricardo rompeu laços afetivos, destruiu relações familiares e pessoais, além de acabar com a própria autoestima. Todo esse contexto, para ele, parecia ter chegado ao fim, sem nenhuma luz no fim do túnel.
Até que, em 2013, descobriu a irmandade Jogadores Anônimos. Na partilha das dificuldades com outros colegas teve a sensação de que sairia do fundo do poço com a ajuda daqueles que estavam no mesmo barco. “Fiquei sete anos longe de qualquer tipo de jogo de azar. Minha vida voltou ao eixo e fiquei bem melhor. Mas, em 2019, tive uma recaída de 10 meses. Mas, há três anos, estou livre novamente”, completa.
Hoje, está em processo de recuperação. Mas, sem sombra de dúvidas, mais distante do que perto do vício que o destruiu durante toda sua jornada. Isso, deve-se ao grupo que lhe deu todo o suporte necessário na escuta e no acolhimento. “A minha vida é um milagre, a irmandade me salvou. Me deu direcionamento para viver um dia de cada vez. Todo dia em que não aposto vira o melhor dia da minha vida”, finaliza. Continuar nesse processo é fundamental. Ajudar mais pessoas também. Por isso desistir nunca foi uma opção, e Ricardo comemora bem o fato de nunca ter ficado no chão.
Jogadores Anônimos - O grupo existe em todo o país
Irmandade composta de homens e mulheres que compartilham suas experiências, força e esperança com o intuito de resolver o seu problema comum e ajudar outros a se recuperarem de problemas com o jogo. O único requisito para fazer parte da Irmandade é o desejo de parar de jogar. Não há mensalidades ou taxas para tornar-se membro de Jogadores Anônimos. O grupo existe em todo o país.
Reportagem de Eduardo Fernandes no Correio Brasiliense
https://www.correiobraziliense.com.br/revista-do-correio/2024/07/6899593-entre-perdas-e-ganhos-os-perigos-que-existem-no-vicio-em-jogos-de-azar.html
terça-feira, 4 de junho de 2024
Confira 6 dicas para fazer as pazes com o açúcar – sem prejudicar a saúde
Se pressionadas a definir sua relação com o açúcar, muitas pessoas diriam: “É complicada”. Um estudo de 2018 descobriu que 70% dos adultos nos EUA estão preocupados com a quantidade de açúcar que consomem, sugerindo que muitos de nós lutamos com um monólogo interior tóxico ao nos depararmos com bolo, biscoitos e outras sobremesas.
Por que tantos de nós temos uma conexão confusa com o açúcar — e como curamos nossa relação com ele?
Por que muita gente tem uma relação complicada com o açúcar
Se fazer dieta tivesse seu próprio filme de princesa da Disney, o açúcar certamente seria o vilão. “É difícil ter uma relação positiva ou neutra com algo que está constantemente sendo rotulado como ruim ou viciante”, diz Claire Chewning, RD, conselheira certificada em alimentação intuitiva. “Além disso, muitos de nós provavelmente estivemos em dietas restritivas que demonizam o açúcar e nos dizem para cortar ou limitar estritamente nossa ingestão de carboidratos. Esse tipo de restrição pode nos levar a sentir fora de controle em relação ao açúcar”.
Sentir que não estamos no controle quando nos encontramos, digamos, comendo bolo de aniversário pode levar a um pânico desproporcional sobre a quantidade de açúcar que estamos ingerindo. “É verdade que comer ‘demais’ açúcar não é bom para sua saúde. Mas, na verdade, comer um pouco de açúcar todos os dias é perfeitamente aceitável”, diz Emily Van Eck, RD, de Emily Van Eck Nutrition and Wellness.
Dizer a nós mesmos que o açúcar não tem lugar em nossa dieta pode realmente fazer com que o ingrediente pareça “proibido” e cause comportamentos de compulsão alimentar quando ficamos diante de uma sobremesa. Por exemplo: talvez você coma um pacote inteiro de biscoitos hoje para que possa começar sua dieta sem açúcar amanhã.
“Se você já se sentiu fora de controle em torno de doces ou como se não pudesse parar de comê-los, considere como quaisquer regras ou restrições alimentares podem ter desempenhado um papel”, diz Van Eck.
1- Resista ao impulso de rotular os alimentos como “bons” ou “ruins”
Van Eck aponta que a linguagem que usamos para falar sobre o açúcar tende a piorar nossa relação com ele. “Rotular alimentos como ‘bons’ e ‘ruins’ te mantém preso à ansiedade sobre cada detalhe da sua dieta”, diz Van Eck. “Rotular alimentos como ‘ruins’ pode nos fazer rebelar contra nossas próprias regras e comê-los em quantidades que estão fora de sintonia com o que nosso corpo realmente quer.”
Reserve um momento para refletir sobre como você atualmente pensa sobre o açúcar. Ele traz medo ou ansiedade? Faz você se sentir fora de controle? Quais ‘regras’ você tem em torno dele? Veja se você consegue mudar seus pensamentos para serem mais neutros em relação ao ingrediente. Por exemplo: tente dizer a si mesmo coisas como “açúcar é apenas um dos muitos tipos de alimentos em minha dieta” Embora possa ser difícil reescrever seu roteiro interno de uma só vez, enviar a si mesmo mensagens neutras sobre o açúcar pode diminuir seu estresse relacionado ao doce ao longo do tempo.
Reserve um momento para refletir sobre como você atualmente pensa sobre o açúcar. Ele traz medo ou ansiedade? Faz você se sentir fora de controle? Quais ‘regras’ você tem em torno dele? Veja se você consegue mudar seus pensamentos para serem mais neutros em relação ao ingrediente. Por exemplo: tente dizer a si mesmo coisas como “açúcar é apenas um dos muitos tipos de alimentos em minha dieta” Embora possa ser difícil reescrever seu roteiro interno de uma só vez, enviar a si mesmo mensagens neutras sobre o açúcar pode diminuir seu estresse relacionado ao doce ao longo do tempo.
A glicose é especialmente útil para pessoas que amam atividades como caminhar, fazer trilhas ou correr. De fato, a National Academy of Sports Medicine (NASM) recomenda consumir cerca de um grama de carboidrato por quilograma de peso corporal uma hora antes de um treino para ajudá-lo a ter o melhor desempenho. Por exemplo: alguém que pesa 70 quilos deveria consumir cerca de 70 gramas de carboidratos de qualidade antes de um treino. Suplementos pré-treino ou fontes alimentares completas, como pão integral, pasta de oleaginosas ou bananas, são ótimas opções para atingir essa meta e respeitar o papel que o açúcar tem a desempenhar em seu corpo.
3- Mantenha refeições equilibradas
“Se você não está comendo o suficiente em geral, você pode acabar desejando alimentos que não desejaria se estivesse adequadamente alimentado”, ensian Van Eck.
Servir-se de refeições que incluam proteínas, carboidratos e vegetais ajudará você a se sentir saciado. Ao longo do tempo, esse estilo de alimentação pode ajudá-lo a recuperar a confiança com seu corpo. Você responde aos sinais de fome com comida nutritiva; seu corpo lhe dá a energia para se apresentar cognitiva e fisicamente para sua vida.
E, claro, certifique-se de que está comendo o suficiente ao longo do dia. “Comer menos do que o necessário pode ser outro motivo pelo qual você se fixa no açúcar ou se sente fora de controle ao redor dele, então se certifique de que está comendo o suficiente ao longo do dia”, orienta Chewning. “Para a maioria das pessoas, isso é possível ao fazer várias refeições com um ou dois lanches no meio, conforme necessário.”
4- Pratique alimentação consciente
Outra forma de se reconectar consigo mesmo na hora das refeições é praticar a alimentação consciente, diz Van Eck. “Preste atenção em como seu corpo se sente durante e depois de comer. Quanto mais você puder observar seu corpo sem julgar o resultado, mais fácil será fazer as mudanças que deseja”, diz.
Embora essa prática possa parecer desafiadora no início, eventualmente ajudará você a perceber sinais de fome e saciedade e a apreciar ainda mais os sabores do que está comendo. Se parecer assustador focar em sua comida por uma refeição inteira, desafie-se a fazer isso na primeira mordida, depois nas três primeiras mordidas e assim por diante. Comece devagar.
5- Combine doces com outros alimentos
Em vez de dizer a si mesmo que não pode ter açúcar quando está desejando algo doce, tente combinar um biscoito ou um pedaço de chocolate com outros ingredientes. “Pratique permitir-se comer açúcar quando quiser, mas também tenha em mente que seu corpo provavelmente se sentirá melhor—especialmente se estiver de estômago vazio—se você também consumir algumas fibras e proteínas. Por exemplo, se você gosta de chocolate à tarde, coma alguma fruta ou nozes com ele”, recomenda Van Eck.
Não apenas combinar seus doces com outros alimentos ajudará você a se sentir satisfeito, mas também te ajudará a perceber que todos os alimentos podem se encaixar em um só prato. Em outras palavras, a fruta, as nozes e o chocolate não são “ruins” ou “bons”—eles são apenas elementos da sua dieta, cada um com um papel a desempenhar.
6- Faça pequenas mudanças
Se você já começou uma rotina de fitness ou tentou meditar, sabe que Roma não foi construída em um dia. Melhorar sua mentalidade sobre o açúcar requer trabalho contínuo, então Van Eck recomenda escolher uma das dicas acima e se concentrar nela antes de passar para a próxima.
“Curar sua relação com o açúcar não vai acontecer da noite para o dia, especialmente se isso tem sido uma luta de décadas”, ela diz. Seja paciente e lembre-se do motivo pelo qual remodelar sua relação com sobremesas importa para você em primeiro lugar.
Reportagem de C.2024 Fortune Media IL Limited / Distribuído por The New York Times Licensing Group
Este conteúdo foi traduzido com o auxílio de ferramentas de Inteligência Artificial e revisado pela equipe editorial d'O Estado de São Paulo
https://www.estadao.com.br/saude/confira-6-dicas-para-fazer-as-pazes-com-o-acucar-sem-prejudicar-a-saude/
sexta-feira, 31 de maio de 2024
O que muda na campanha de vacinação contra Covid
Os tipos de imunizantes disponíveis, os públicos-alvo e o esquema de doses sofreram uma série de alterações em relação ao início da vacinação contra o coronavírus. Saiba quais são as mais recentes recomendações das autoridades sobre a prevenção dessa enfermidade.
"É como se um avião caísse toda semana."
Essa é a comparação feita pelo médico Renato Kfouri, vice-presidente da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações), para lembrar que a Covid ainda causa cerca de 200 mortes no Brasil a cada sete dias.
Até o final de maio, o país havia registrado mais de 3,5 mil óbitos relacionados à infecção causada pelo Sars-CoV-2, o coronavírus por trás da pandemia.
"É claro que tivemos períodos mais graves, em que chegamos a contabilizar 4 mil mortes em um único dia", pondera Kfouri.
Em 2021, o ano mais grave da crise sanitária, o Brasil teve 424 mil mortes por Covid. Desde então, esses números caíram de forma dramática: foram 74 mil óbitos em 2022, 14 mil em 2023 e 3,5 mil nesses primeiros cinco meses de 2024.
A queda coincide com a chegada das vacinas a partir de 2021 e o aumento do número de pessoas que tomaram as doses preconizadas.
"A vacinação foi a grande responsável por conseguirmos conter essa doença tão ameaçadora", constata a infectologista Raquel Stucchi, professora da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
A médica Isabella Ballalai, também da SBIm, concorda: "A vacinação contra a Covid no Brasil foi um sucesso e nos tornamos um dos primeiros países a ter mais de 80% da população imunizada. Isso mostra que o brasileiro acredita nas vacinas".
Os dados recém-divulgados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) na PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua revelam que, no primeiro trimestre de 2023, 188,3 milhões de brasileiros haviam tomado pelo menos uma dose de vacina contra a Covid. Isso representa 93,9% da população. Cerca de 11 milhões (ou 5,6% do total) declararam que não se imunizaram.
Mônica Calazans, enfermeira do Instituto Emílio Ribas, de São Paulo, foi a primeira pessoa vacinada contra a Covid no país
"Hoje, ainda temos muitas mortes por uma doença para a qual existem doses disponíveis", lamenta Ballalai.
Passados mais de três anos desde que as primeiras doses que protegem contra o coronavírus começaram a chegar aos postos de saúde, muita coisa mudou.
Alguns imunizantes —que foram essenciais para conter a pandemia— acabaram aposentados, por diferentes motivos.
As faixas da população que devem tomar reforços periódicos também sofreram uma série de ajustes.
E ainda há um grande debate sobre quando e como as doses devem ser atualizadas para proteger contra as mais recentes variantes do coronavírus.
A seguir, a BBC News Brasil resume as principais informações sobre a nova campanha de vacinação contra a Covid, que foi iniciada pelo Ministério da Saúde no final de maio.
Algumas vacinas são aposentadas, e outras entram em cena.
Ao longo das campanhas de 2021 a 2023, o Brasil chegou a adotar quatro tipos diferentes de vacinas contra a Covid: a CoronaVac (Sinovac/Butantan), a Comirnaty (Pfizer), a Vaxzevria (AstraZeneca/FioCruz) e a Jcovden (Janssen).
"Todas foram extremamente importantes naquele momento", avalia Stucchi, que também integra a SBIm.
Mais recentemente, três dessas opções saíram de cena nos postos de saúde brasileiros: as vacinas CoronaVac, da AstraZeneca e da Janssen não são mais aplicadas.
Do grupo "original", restaram as doses fabricadas pela Pfizer —que também passaram por atualizações para proteger contra as variantes do vírus.
Além delas, o país também começará a usar na atual campanha o imunizante Spikevax, produzido pela farmacêutica Moderna.
Pfizer e Moderna usam a tecnologia do mRNA. Isso significa que as doses trazem uma pequena sequência de material genético capaz de instruir as células do nosso próprio corpo a fabricarem a proteína spike, uma estrutura presente na superfície do coronavírus.
Esse material é identificado pelo sistema imunológico, que cria uma resposta para conter uma infecção pelo patógeno e as consequências mais graves da Covid no organismo, que estão relacionadas à hospitalização e morte.
Há ainda uma terceira vacina recém-aprovada no Brasil: a Covovax, desenvolvida pelo laboratório Novavax e licenciada no país pela Zalika Farmacêutica.
Ela é uma vacina de subunidade proteica, uma tecnologia também usada nos imunizantes que protegem contra o HPV e a hepatite B.
Neste caso, proteínas do coronavírus são injetadas diretamente no corpo, para que as células de defesa aprendam a identificar e a lidar com essa ameaça.
Por ora, não há previsão de quando a Covovax será utilizada na rede pública de saúde brasileira.
Mas, afinal, o que motivou a "aposentadoria" de algumas vacinas e a "promoção" de outras?
"Hoje, sabemos que as vacinas de mRNA [Pfizer e Moderna] induzem uma resposta imunológica mais robusta e uma maior proteção", explica Stucchi.
Em comparação, os resultados obtidos com a CoronaVac se mostraram inferiores —e, por esse motivo, ela foi deixada de lado conforme os estoques foram se esgotando, embora ainda seja recomendada em algumas situações para as crianças.
Além disso, a experiência de vida real revelou que as vacinas de vetor viral (AstraZeneca e Janssen, entre outras) estão relacionadas a um efeito colateral raro em algumas populações, como as gestantes: a trombose com trombocitopenia.
O Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês) dos Estados Unidos calcula que esse evento adverso afeta 4 pessoas a cada 1 milhão de doses administradas.
"A trombose com trombocitopenia é um efeito colateral raro, mas sério, que provoca coágulos em grandes vasos sanguíneos, além de diminuir as plaquetas", explica o CDC.
Ballalai explica que, em um contexto de pandemia, quando havia um altíssimo número de casos e mortes por Covid, o uso dos produtos de AstraZeneca ou Janssen era justificado.
"Nesse contexto, essas vacinas continuaram a ser utilizadas, porque a relação risco-benefício era muito grande", explica Ballalai.
Os pesquisadores também colocaram na balança o fato de que a própria infecção pelo coronavírus representa um risco relativamente mais alto de desenvolver quadros de trombose quando comparada à vacinação com essas opções.
"Ou você simplesmente deixava as pessoas morrerem de Covid, ou apenas não aplicava essas doses naqueles grupos onde havia mais risco de desenvolver esse evento adverso", destaca a médica.
À época, as autoridades de saúde optaram pela segunda alternativa: as vacinas de AstraZeneca e Janssen seguiram na campanha, mas deixaram de ser utilizadas em mulheres grávidas, por exemplo.
"Com o passar do tempo, passamos a ter mais quantidade de outras vacinas, especialmente da Pfizer. Com isso, as doses de AstraZeneca foram sendo usadas com menor frequência, até que elas deixaram de ser utilizadas nas campanhas", complementa Ballalai.
Esse debate voltou à tona recentemente, quando a AstraZeneca divulgou no início de maio que deixaria de fabricar sua vacina.
A farmacêutica disse que estava "incrivelmente orgulhosa" dos resultados obtidos: "De acordo com estimativas independentes, mais de 6,5 milhões de vidas foram salvas apenas no primeiro ano de vacinação".
"Nossos esforços foram reconhecidos por governos de todo o mundo e são apontados como amplamente decisivos para acabar com a pandemia global", disse o laboratório.
A notícia recente não significa, porém, que a AstraZeneca só reconheceu agora que a vacina está relacionada aos (raros) casos de trombose com trombocitopenia, como sugerem alguns textos com informações falsas compartilhados em sites e redes sociais.
Há documentos divulgados pela farmacêutica desde 2021 que citavam claramente esse evento adverso —e propunham protocolos para minimizar os riscos ou fazer o diagnóstico precoce dos casos.
Vacinação contra a Covid: quem deve tomar as doses de reforço?
Se anteriormente os imunizantes contra o coronavírus estavam disponíveis praticamente a todas as idades (com raríssimas exceções), agora eles serão priorizados a alguns públicos-alvo específicos.
Kfouri diz que a definição de grupos prioritários tem a ver com o contexto atual. "A vacinação universal contra a Covid não faz mais sentido, pois não estamos diante do mesmo risco que enfrentávamos há quatro anos", avalia o médico.
"Alcançamos uma imunidade populacional, e dificilmente um adulto jovem saudável vai parar no hospital por causa dessa doença agora."
No entanto, existem alguns grupos que continuam altamente vulneráveis, seja porque eles ainda não tiveram contato algum com o Sars-CoV-2 ou porque têm um sistema imunológico mais frágil, que precisa ser lembrado com frequência sobre como combater esse patógeno.
Também há uma diferença na periodicidade de aplicação dos reforços. Alguns grupos precisarão receber uma dose por ano, enquanto outros devem tomar a injeção a cada seis meses.
A campanha de 2024 traçada pelo Ministério da Saúde estabelece o seguinte.
Duas doses por ano, com um intervalo mínimo de seis meses entre elas para:
Pessoas com mais de 60 anos;
Indivíduos imunocomprometidos com mais de 5 anos;
Gestantes e puérperas.
Os "imunocomprometidos" são pessoas que têm qualquer condição que altera o funcionamento do sistema imunológico, como é o caso de pacientes que fazem tratamento contra o câncer, por exemplo.
Já o grupo das puérperas inclui as mulheres que deram à luz nos últimos 45 a 60 dias.
Uma vacina por ano, com um intervalo mínimo de três meses em relação à última dose aplicada para:
Pessoas que vivem em instituições de longa permanência;
Trabalhadores de instituições de longa permanência;
Indígenas;
Ribeirinhos;
Quilombolas;
Trabalhadores da saúde;
Pessoas com deficiência permanente;
Pessoas com comorbidades;
Pessoas privadas de liberdade com mais de 18 anos;
Funcionários do sistema prisional;
Adolescentes e jovens que cumprem medidas socioeducativas;
Pessoas em situação de rua.
Para quem nunca foi vacinado contra a covid:
Crianças de 6 meses a 5 anos: duas doses de vacina, com um intervalo de quatro semanas entre elas;
Crianças de mais de 5 anos: uma dose do imunizante;
Pessoas imunocomprometidas com mais de 5 anos: três doses. A segunda é aplicada quatro semanas após a primeira. Já a terceira vem após oito semanas da segunda.
"Temos uma preocupação grande com as crianças, porque vemos muitos casos de covid nessa faixa etária que exigem hospitalização e apresentam risco de morte", alerta Ballalai.
"Precisamos aumentar a proteção desse público."
Os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil aprovam a estratégia adotada pelo Ministério da Saúde contra a Covid e observam que ela se assemelha ao que é feito há anos na vacinação contra o influenza, o vírus causador da gripe.
Doses que resguardam contra as novas variantes
Por fim, o último aspecto da vacinação que passou por uma mudança relevante tem a ver com a atualização das doses, para que garantam um bom nível de proteção contra as variantes do coronavírus que circulam com mais intensidade no momento.
Isso é necessário porque o patógeno sofre mutações genéticas o tempo todo. Algumas dessas mudanças conferem alguma vantagem a ele —como uma facilidade maior para ser transmitido de uma pessoa para outra, por exemplo.
Os imunizantes, portanto, precisam ser capazes de "treinar" células imunes para as ameaças em voga.
A vacina que será ofertada agora no Brasil foi desenhada para fazer frente à cepa XBB.1.5.
Embora já existam outras variantes de preocupação ou em monitoramento, como a JN.1 e a KP.2, as autoridades consideram que essa versão do imunizante em uso (contra a XBB) confere um bom nível de proteção, ao reduzir o risco de hospitalização e morte por Covid.
No entanto, os médicos entrevistados pela reportagem entendem que esse processo de atualização das vacinas contra o coronavírus precisará passar por ajustes nos próximos anos.
"A Organização Mundial da Saúde recomenda atualmente que as vacinas contra a covid sejam revisadas uma vez ao ano, no mês de junho. Mas essa orientação parece privilegiar o Hemisfério Norte, que terá acesso às doses mais atualizadas durante o inverno em comparação com o Hemisfério Sul", critica Stucchi.
Os especialistas sugerem aqui a adoção do mesmo modelo utilizado na imunização contra o influenza, em que a composição das doses que serão usadas nas campanhas é definida em fevereiro para o Hemisfério Norte e em setembro para o Hemisfério Sul.
Kfouri aponta que ainda é preciso observar o comportamento do coronavírus por mais tempo para entender a sazonalidade dele.
"Com o influenza, temos muitos anos de vigilância, o que nos garante uma previsibilidade das cepas de vírus que vão circular em cada temporada", compara ele.
"Já com o coronavírus, isso ainda não está bem definido. Tivemos picos de casos em pleno janeiro, durante o verão", argumenta o médico.
De acordo com o Ministério da Saúde, a meta da nova campanha de vacinação contra a Covid é proteger cerca de 70 milhões de brasileiros.
"A Covid não acabou. Ela ainda tem um impacto importante na saúde pública e privada", alerta Stucchi.
"A vacinação é a estratégia que pode mudar a história ao garantir um quadro mais leve para a grande maioria das pessoas."
Reportagem da BBC NEWS BRASIL na Folha de São Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2024/05/o-que-muda-na-campanha-de-vacinacao-contra-covid-doenca-que-ja-matou-35-mil-brasileiros-em-2024.shtml
segunda-feira, 6 de maio de 2024
82% dos nascimentos são cesáreas
Se considerados apenas os planos, as cesarianas representaram cerca de 82% dos nascimentos em 2022 enquanto a OMS recomenda que sejam apenas 15%
Por trabalhar na área da saúde, como enfermeira, a carioca Jéssica Pinho, de 35 anos, já imaginava que teria dificuldade para encontrar um médico que topasse fazer o parto da filha que ela esperava de maneira natural. Quando procurou um obstetra do plano de saúde, porém, ela entrou em uma verdadeira batalha — e saiu vencida: precisou contratar uma equipe particular, como única forma de evitar uma cesárea. Casos como o dela, de mulheres que não conseguem realizar o parto natural por meio do convênio, se avolumam no Brasil. Consumidoras e advogadas que acompanham o tema apontam os planos de saúde como o cerne do problema, porque uma parte significativa dos médicos credenciados se recusa a seguir no atendimento quando descobre a preferência da gestante pelo parto natural.
Por trabalhar na área da saúde, como enfermeira, a carioca Jéssica Pinho, de 35 anos, já imaginava que teria dificuldade para encontrar um médico que topasse fazer o parto da filha que ela esperava de maneira natural. Quando procurou um obstetra do plano de saúde, porém, ela entrou em uma verdadeira batalha — e saiu vencida: precisou contratar uma equipe particular, como única forma de evitar uma cesárea. Casos como o dela, de mulheres que não conseguem realizar o parto natural por meio do convênio, se avolumam no Brasil. Consumidoras e advogadas que acompanham o tema apontam os planos de saúde como o cerne do problema, porque uma parte significativa dos médicos credenciados se recusa a seguir no atendimento quando descobre a preferência da gestante pelo parto natural.
O número de cesarianas no Brasil continua a crescer e se distanciar do patamar recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), de que apenas 15% dos nascimentos sejam não naturais — o percentual estimado de casos em que o procedimento é realmente necessário. No país, aproximadamente 59,7% dos partos realizados no ano passado, incluindo nascimento através de hospital públicos, foram por meio de cesariana, ante 58,1% em 2022. Informações da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) obtidas pelo GLOBO mostram que, se considerados apenas os planos de saúde, as cesarianas representaram cerca de 82% dos nascimentos em 2022, o dado mais recente disponível.
O problema com os planos tem motivado reclamações na Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon). No primeiro trimestre, foram 78 queixas de consumidoras na plataforma consumidor.gov.br por não conseguirem realizar o parto normal pelo plano de saúde — para comparação, no mesmo período de 2019 não houve nenhuma queixa formal sobre o tema.
Na saga pelo parto normal, Jéssica primeiro entrou em contato com o plano, Bradesco Saúde, para descobrir a taxa de partos normais na rede de atendimento credenciada. Uma norma da ANS permite que as gestantes tenham acesso ao percentual de cesarianas entre os nascimentos realizados no convênio.
O GLOBO teve acesso a um documento que lista as informações de todos os 66 médicos e clínicas credenciados pelo plano no estado do Rio de Janeiro. Desse total, 60 realizaram apenas cesarianas em dezembro de 2023. Outros cinco tinham taxas de cesariana entre 80% e 98% dos nascimentos. Apenas um médico tinha taxa inferior a esse patamar, mas ainda elevada (50%).
— Pedi que o plano me indicasse um profissional que respeitasse as taxas da OMS — conta Jéssica. — Não conseguiram me indicar, e me passaram uma lista de prestadores, falando para eu entrar em contato com cada um. Os quinze consultórios indicados falaram que não faziam parto normal, a não ser que eu pagasse por fora.
Jéssica, então, entrou em contato novamente com o plano, que prontamente agendou uma consulta com um profissional que supostamente realizaria o parto natural. Após poucos minutos de atendimento, o médico disse que não haveria como assumir essa responsabilidade, por ter compromisso no mesmo dia, mas deixou escapar que a remuneração pelo procedimento é baixa, de apenas R$800.
— É possível fazer uma cesária em meia hora. Com o parto normal, pode acontecer de durar 20 horas. As operadoras remuneram o mesmo para os dois procedimentos, mas o pagamento deveria se basear na disponibilidade — diz o presidente da Comissão Nacional de Assistência ao Parto da Febrasgo, que representa associações de ginecologia, Elias Melo.
O médico explica que a cesariana apresenta maior risco de morte para a mãe, porque o corpo não possui mecanismos de defesa natural para cortes no abdômen, ao contrário da vagina, que tem um sistema linfático que protege a área durante o parto. Por isso, a probabilidade de a mulher se recuperar sem sequelas é maior.
Além disso, bebês nascidos por cesariana têm maiores chances de apresentar taquipneia transitória (dificuldade para respirar). A menor contração do útero nesses casos pode fazer com que o neném não consiga expulsar os líquidos dos seus pulmões.
‘Teria de chegar parindo’
A fisioterapeuta Pamela Britto, de 31 anos, encontrou outro tipo de problema ao procurar um médico associado a seu plano de saúde (que preferiu não identificar), em 2022: todos os profissionais disseram que só realizariam o parto normal se ela chegasse à maternidade “parindo”.
— Diziam que fariam, mas sem induzir. Não falaram diretamente, mas não queriam o parto normal por conta da demora. Sempre diziam que haveria riscos para o neném e para mim se induzissem. Alguns falavam que esperavam só uma ou duas horas — diz.
Ela desembolsou R$ 10 mil para pagar uma equipe de assistência particular e mais R$ 300 mensais para consultas, sobre as quais o plano reembolsou apenas 50%. Quase todos os valores da equipe foram reembolsados, com exceção da remuneração à enfermeira.
A taxa de disponibilidade
Segundo a psicóloga e doula Patrícia Ramos, a maioria dos médicos afirma que não assiste o parto. Alguns, embora digam que sim, exigem que a gestante chegue com o trabalho de parto avançado. Outros cobram uma “taxa de disponibilidade”.
— Há casos em que o médico arruma alguma desculpa para não induzir, já que uma indução pode demorar de quatro a cinco dias. Alguns usam isso para forçar a cesariana, dizendo que a indução deu errado — contra Patrícia.
A advogada Sabrina D’avila, especialista em direito público e privado, afirma que existe entendimento judicial de que não há problemas na cobrança da taxa de disponibilidade, desde que a paciente concorde. Ao mesmo tempo, existe uma interpretação contrária, de que essa taxa é abusiva pelas normas do Código de Defesa do Consumidor (CDC).
— O Conselho Federal de Medicina (CFM) entende que essa cobrança não é pelo parto, mas pela disponibilidade. Agora, se a paciente for em um médico do plano que só realiza o procedimento com taxa, o plano é obrigado a indicar um que não cobre. Se o plano disser que o médico credenciado não pode cobrar taxa, a paciente pode reclamar no plano e na ANS.
Edylaine Rodrigues, advogada especializada em direito da saúde e da mulher, afirma que os médicos muitas vezes recebem R$ 1 mil do plano pelo parto, e cobram outros R$ 3 mil da paciente como taxa extra.
— A paciente vai ter problemas para reembolsar esse valor, porque essa taxa, que os médicos chamam de disponibilidade obstétrica, não tem TUSS (Terminologia Unificada da Saúde Suplementar), ou seja, não é procedimento médico — diz Edylaine.
Ela menciona que, além desses problemas, as mulheres sofreriam outras violências no momento de dar à luz, como serem obrigadas a ficar sem comer durante o trabalho de parto. Sem forças, elas pediriam pela cesariana. Outros médicos falariam coisas como: “seu bebê é muito grande, vai te rasgar inteira”. Existe ainda a violência medicamentosa, quando a mulher recebe ocitocina sem necessidade.
— Esse remédio é dado como um punhal. A dor é tamanha que a mãe desiste.
'A gente não quer isso'
A estudante Alessandra Batista, de 27 anos, descobriu uma gravidez em janeiro, e começou a se consultar com um médico credenciado da Amil. Simultaneamente, fazia acompanhamento com uma doula. Na primeira consulta, ele disse que não era o momento de falar sobre como o neném nasceria. Quando Alessandra completou 17 semanas, não conseguiu mais fugir do assunto. Comentou que a data provável do parto seria em julho, antes que ela completasse 40 semanas:
— Perguntei se eu completaria as 40 semanas em julho. Ele disse: “você está louca? Não vou deixar você chegar a 40 semanas para entrar em trabalho de parto. A gente não quer isso”.
Alessandra disse que sentiu que a decisão não era dela e do marido, mas do médico:
— O tom da conversa foi mudando. Falei que queria tentar o parto normal. Ele disse que a cesariana era simples. Como sou cega, sei que minha experiência com a maternidade será desafiadora. Não quero ter de lidar com pontos e complicações.
O médico disse que ela se preocupava demais. Pediu para que pensasse com calma, que da forma como ele propunha ela “estaria com o neném mais rapidamente”. Depois, contou como seria complicado fazer o acompanhamento, sem saber quando entraria em trabalho de parto. Disse, enfim, que ela não conseguiria fazer o procedimento pelo plano, porque ninguém aceitaria.
— Saí de lá arrasada. Liguei para alguns médicos do plano, e nenhum aceitou.
Hoje, Alessandra faz o acompanhamento com uma médica particular e na Casa de Parto (SUS), onde pretende ter o filho, já que, no particular, um parto pode custar entre R$ 15 e R$ 30 mil.
O que dizem os planos
Em nota, a ANS afirma que vem trabalhando, desde a década de 2000, para sensibilizar o setor quanto à melhoria da qualidade e segurança da atenção à saúde materna e neonatal. A ANS menciona, por exemplo, o programa Parto Adequado, em parceria com o Institute For Healthcare Improvement (IHI) e o Hospital Albert Einstein, que levou a uma redução gradativa de cesarianas. “A taxa de cirurgias cesáreas vem declinando desde 2017 no setor suplementar de saúde, passando de, aproximadamente, 86% em 2017 para cerca de 81,8% nos anos de 2021 e 2022”, disse.
Procurada, a Bradesco Saúde disse entender que o tema deveria ser abordado junto à ANS. A Amil afirma que é apoiadora desde 2015 do Parto Adequado, da ANS, que busca estimular o cuidado mais indicado a cada gestante, para redução de cesáreas desnecessárias. Na Maternidade Madre Theodora, no estado de São Paulo, a operadora destaca que metade dos partos no último ano foram pelo método normal. “Educação continuada de médicos e enfermeiros para estímulo ao parto normal é uma outra prática”, disse em nota. A Amil disse, ainda, ter procurado a paciente para tentar solucionar o problema e oferecer uma alternativa dentro do convênio.
Marcos Novaes, superintendente executivo da Abramge, que representa os planos de saúde, afirma que as empresas têm incentivos para realizar o parto normal, que levam, de modo geral, a menor tempo de internação e recuperação melhor da paciente.
— Estamos habituados a realizar o parto com o mesmo médico que fez o pré-natal, diferentemente de países europeus, como Portugal, Inglaterra e França, em que o acompanhamento é feito com uma equipe multidisciplinar. Assim, no momento do parto, a gestante já estará acostumada com a equipe, para caso eventualmente algum deles precise realizar o parto — diz Novaes.
Ele afirma ainda que os médicos credenciados aos planos não podem cobrar taxa de disponibilidade. Além disso, caso o médico que aceitou realizar o parto não possa estar presente no dia do nascimento, os planos devem oferecer uma equipe no hospital ou maternidade para assistir à gestante.
Reportagem de Ana Flávia Pilar n'O Globo
https://oglobo.globo.com/saude/noticia/2024/05/06/parto-normal-taxa-de-cesareas-segue-em-alta-no-brasil-entenda-os-motivos.ghtml