domingo, 17 de agosto de 2025
Adultização de crianças é responsabilidade dos pais
Reportagem criou contas para ver direcionamento de conteúdos e encontrou manifestações de pedófilos; Instagram e TikTok dizem ter políticas de segurança para menores
A denúncia do youtuber Felca sobre a “adultização” de crianças nas redes sociais revelou o perigo por trás da fórmula secreta de distribuição de conteúdos pelo algoritmo das plataformas. Entre os casos extremos, está o do influenciador Hytalo Santos, preso esta semana sob acusação de lucrar com vídeos de exploração sexual infantil. Mas também há conteúdos aparentemente inocentes de crianças, muitas vezes publicados por mães e pais, que se tornam ponto de encontro de pedófilos e outros criminosos.
Para entender mais sobre esse mecanismo, a reportagem criou três perfis fictícios no Instagram e no TikTok. As contas e as interações foram observadas por quatro dias, em períodos de 30 minutos ou mais.
Pesquisadores no mundo todo destacam o risco do design das redes, que entregam conteúdos de olho na fidelização do usuário. Há estudos que mostram mais engajamento de vídeos com conteúdos extremistas, polêmicos e que tenham crianças.
Entre as consequências para a sociedade, estão a viralização de conteúdos com menores de idade, o acesso a materiais impróprios ou criminosos, danos à saúde mental e o “efeito bolha”, que limita o acesso a pontos de vista diferentes.
Procurados, a Meta, proprietária do Instagram, e o TikTok, não detalham os critérios dos algoritmos, dizem ter políticas rígidas para segurança de usuários menores e que removem conteúdos impróprios (leia mais abaixo). Já Hytalo Santos nega as acusações de exploração sexual infantil.
O experimento feito pelo Estadão envolveu criar contas com os seguintes perfis:
Perfil 1 - Homem adulto, de 55 anos, que no período observado só curtiu conteúdos que tivessem crianças, clicou para assistir e demonstrou interesse nesses vídeos, seguiu influenciadores mirins e ignorou qualquer outro tipo de material
Perfil 2 - Foi dividido em dois, um perfil de um adolescente de 15 anos e outro de um adulto, de 55 anos, ambos com interesse em futebol. Assim como no anterior, só eram curtidos, seguidos e assistidos conteúdos sobre esse esporte.
Perfil 3 - Também se divide em dois, um perfil de uma adolescente de 13 anos e outro de uma mulher adulta. O interesse era o mesmo: beleza, dietas, bem-estar.
O que vimos nas redes
Nos primeiros minutos de interação no TikTok, o algoritmo entendeu que o perfil 1 se interessava apenas por vídeos de crianças e adolescentes, restringindo o conteúdo a isso. Com cerca de 10 minutos na plataforma, a reportagem já encontrou nos comentários desses vídeos diversas mensagens que, segundo especialistas, estão relacionadas à pedofilia.
Elas aparecem em códigos como: "cambio" (troca, em espanhol) ou "quien cambio" (quer trocar?), "exchange" (troca, em inglês) e ainda "CP" (child porn, pornografia infantil, em inglês). A reportagem também encontrou o termo “trade” (troca, em inglês), mencionado pela denúncia de Felca.
O Estadão mostrou as mensagens a duas especialistas, que confirmaram que essas interações são pedidos de troca de materiais (fotos ou vídeos) com conteúdo de abuso sexual infantil.
Segundo Michele Prado, pesquisadora do Núcleo de Prevenção à Violência Extrema do Ministério Público do Rio Grande do Sul, os criminosos usam o espaço para se conhecer e, então, trocar ou vender materiais de pedofilia em outros ambientes virtuais
O Estadão encaminhou ao TikTok os conteúdos encontrados e a empresa os removeu da plataforma horas depois. Disse ainda ser “prioridade máxima” a segurança dos jovens.
“Se tivermos conhecimento de que um titular de conta tem violação grave ou cometeu infração sexual contra uma pessoa jovem, baniremos a conta e quaisquer outras contas dessa pessoa”, diz a política da plataforma
As mensagens relacionadas à pedofilia foram vistas em todos os dias e horários em que a reportagem acessou o perfil, sem dificuldade. Aparecem em vídeos caseiros e nada erotizados, de crianças em um barco, nadando em piscina, fazendo ginástica. E também em outros de meninas dançando de forma sensualizada.
Em todos os casos, eram crianças pequenas, que aparentam menos de 10 anos. Os vídeos estão em perfis das próprias crianças, de mães ou pais, no Brasil e no exterior.
Em geral, são vídeos que podem ser considerados como conteúdo viralizado porque têm mais de 100 mil curtidas e centenas ou milhares de comentários — a maioria, de elogios à aparência das meninas, alguns com conotação sexual.
‘Acham graça de ver criança dançando música inapropriada’
“Há banalização na cultura de achar graça em ver criança dançando música inapropriada. Mas é nossa responsabilidade de adulto dizer que ela não pode fazer isso e ainda não expor esse tipo de conteúdo”, diz a psicóloga Laís Flores, autora de um guia para escolas de proteção à criança e ao adolescente.
Segundo pesquisa do Pew Research Center, organização americana que estuda mídia e tecnologia, vídeos com crianças têm três vezes mais visualizações do que outros conteúdos. Canais no YouTube que produzem ao menos um vídeo com criança têm média de 1,8 milhão de inscritos, ante 1,2 milhão naqueles que não produzem. Esse volume maior facilita a monetização e o interesse das marcas em fazer anúncios no perfil.
Mesmo se não são vídeos adultizados ou com interesse publicitário, a psicóloga defende cuidado. “Pais, de modo geral, consideram seus filhos os mais bonitos e inteligentes. Por isso, muitas vezes, querem que todos vejam, mas não se dimensiona o risco.”
Ela e outros especialistas alertam que os pais precisam considerar que a criança não tem maturidade para decidir sobre postagens e isso pode afetar seu desenvolvimento e sua saúde mental no futuro.
Mas há também a preocupação crescente de não só responsabilizar as famílias e deixar claro que muitos dos problemas vêm do design das redes — de como os conteúdos são distribuídos pelos algoritmos.
O projeto de lei 2628/2022 prevê a proteção da criança e do adolescente nas redes, com obrigação das big techs de moderarem conteúdos com crianças e para crianças. Impede ainda a rolagem infinita, contas de menores de idade e exige ferramentas de supervisão parental mais claras. Depois da aprovação no Senado, a previsão é de que seja votado nesta semana na Câmara em regime de urgência.
“Claro que as famílias têm responsabilidades de proteger suas crianças, mas a população é muito desigual, falta literacia digital para entender o problema”, diz a coordenadora de programas do Instituto Alana, Maria Mello, que apoia o projeto de lei.
Depois da denúncia de Felca, mais de 60 projetos foram protocolados na Câmara sobre o assunto e o governo federal também prometeu uma lei sobre regulação de redes, que incluiria mecanismos de proteção de menores.
Os perfis dos usuários que enviaram mensagens relacionadas à pedofilia no monitoramento da reportagem, na maioria das vezes, não tinham nome definido e eram contas privadas. O Estadão também denunciou as contas por meio do canal da plataforma.
Em alguns vídeos, já foi possível notar usuários marcando o perfil de Felca ao se deparar com as mensagens de possíveis pedófilos, como uma forma de denúncia. Algumas das mensagens tinham ainda a palavra “Telegram”, o que pode indicar que o usuário tem canal na plataforma Telegram de pedofilia, segundo especialistas.
Procurada, a empresa diz estar comprometida “em impedir que material de abuso sexual infantil apareça em sua plataforma e aplica rigorosa política de tolerância zero”. Informou ainda que já removeu mais de 400 mil canais suspeitos.
No Instagram, a reportagem notou que o algoritmo mostrou logo nos primeiros minutos só conteúdo com crianças, direcionando tanto o feed quanto os reels apenas para este tema. Não encontrou, porém, comentários relacionados à pedofilia.
Na busca por dieta, canais de ajuda
No perfil 3, que buscava conteúdos de beleza e dieta, os algoritmos logo no primeiro dia entenderam o interesse e restringiram os conteúdos ao tema no Instagram e no TikTok. Os vídeos que apareceram para as contas da adolescente e da adulta foram similares.
Quando o perfil adulto pesquisou “Ozempic” (remédio usado para emagrecer) no Instagram, a plataforma indicou um canal de ajuda, que contém mensagens sobre resistir à pressão do autojulgamento e a valorizar o próprio corpo.
No TikTok, ajuda semelhante foi oferecida ao se pesquisar “anorexia”. A mensagem dizia: “você não está sozinho” e falava que era importante conversar sobre imagem corporal, alimentação e exercícios.
No entanto, na busca com a palavra “maquiagem” no perfil adolescente, o primeiro vídeo sugerido era de uma criança ensinando como passar o contorno no rosto para parecer mais magra.
Futebol e machismo
O perfil 2 foi rapidamente identificado no TikTok e no Instagram como um amante do futebol nas interações do primeiro dia. Logo após a criação da conta, a reportagem passou a seguir perfis ligados a esporte e a curtir conteúdos sobre o tema.
No perfil criado em uma conta específica para adolescentes (no Instagram) ou apenas informando no cadastro a idade de 15 anos (no TikTok), no primeiro dia viam-se apenas vídeos de passes e gols. Mas, a partir do segundo dia de monitoramento, em ambos surgiram conteúdos machistas, homofóbicos ou de mulheres sexualizadas.
Um deles mencionava os “sons que somente homens de verdade conhecem”, como o do churrasco e da cerveja abrindo. Outro dizia que as mulheres só precisam “não comer desesperadamente” para serem atraentes.
Também apareceram diversos vídeos de mulheres em poses ou danças erotizadas. Esses temas seguiram sugeridos mesmo sem a reportagem curtir ou demonstrar interesse nesse conteúdo.
O perfil adulto recebeu na primeira meia hora de monitoramento do TikTok muito futebol, mas também vídeos de sexualização de mulheres e alguns feitos com inteligência artificial de violência contra animais. No segundo dia, havia conteúdos sobre sexo.
O TikTok informa que suas políticas “não permitem que menores acessem uma série de conteúdos, incluindo aqueles que contenham beijos íntimos, enquadramento ou comportamento sexualizado” e ainda com “exposição significativa do corpo ou seminudez” de jovens.
A Meta afirma que as contas para adolescente “têm, por padrão, as configurações mais restritivas” com “controle de conteúdo sensível” nas abas Explorar e Reels. E diz recomendar conteúdos “relevantes e valiosas” para cada usuário e evitar “recomendar conteúdo que possa ser inadequado para visualizadores mais jovens”.
No início do ano, Mark Zuckerberg, fundador da Meta, anunciou que diminuiria as equipes de moderação de conteúdo da empresa, deixando a cargo dos usuários a avaliação de eventuais problemas.
Como funcionam os algoritmos?
Especialista em monitoramento de redes sociais, Pedro Barciela diz que as plataformas usam os dados que o usuário fornece por curtidas, comentários e tempo que assiste a um vídeo, para criar “personas”. É como se as pessoas fossem todas divididas em caixinhas pelos seus interesses, comportamentos e desejos de consumo.
“O algoritmo conclui que usuários que veem muito futebol, em geral, podem ter comportamento mais machista ou homofóbico”, diz. Outras pesquisas já mostraram resultados semelhantes ao monitorar o interesse pelo esporte.
Assim, a plataforma passa a entregar esse conteúdo que sabe que o usuário gosta em busca de fidelização, para mantê-lo mais tempo na rede. Além do risco do vício pela liberação constante de dopamina no cérebro, o neurotransmissor ligado a sensações de prazer, há interesse comercial.
“A venda de anúncios das plataformas para empresas será mais eficiente porque ela sabe exatamente o interesse de cada usuário”, afirma Barciela.
“Quando se coloca a criança ou o adolescente nesse lugar, trilha um caminho pra ele. Se ele gosta mais de Matemática e menos de Português, aparece conteúdo de Matemática apenas. E começa a moldar a criança numa idade muito tenra para o que será nos próximos 20 anos”, afirma Catarina Fugulin, advogada e uma das representantes do Movimento Desconecta.
O PL 2628/2022, que a entidade apoia, proíbe que as plataformas reúnam dados de interesses de menores de idade e os use com fins publicitários.
O professor da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) João Finamor cita diferenças entre as plataformas nos critérios para relevância do conteúdo. O TikTok, de 2016, já foi construído com machine learning (aprendizado de máquina) e considera tempo de tela, comentários, compartilhamento e curtidas para definir que um vídeo é engajador. “Não importa a quantidade de seguidores. Pode ter só dois e um vídeo com 100 mil visualizações.”
Já o Instagram surgiu em 2010 como rede social, em que os relacionamentos eram importantes. Aos poucos, se tornou uma plataforma de vídeos, mas a quantidade de seguidores ainda é relevante para o conteúdo ganhar engajamento.
“É um design para você ficar preso”, afirma o professor, e completa: “tudo que é polarizado gera entrega maior”. “A misoginia, por exemplo. Tem pessoas que param pra ver porque concordam e os outros vão lá criticar. O algoritmo não separa positivo e negativo: tudo é engajamento.”
Reportagem de Renata Cafardo no Estadão. Colaboraram Beatriz Herminio, Pedro Duarte, Mariana Cury e Isabela Moya
https://www.estadao.com.br/educacao/fizemos-uma-experiencia-nas-redes-sociais-como-sao-os-algoritmos-e-a-adultizacao-das-criancas/
domingo, 10 de agosto de 2025
Vergonha, medo e anonimato digital são travas para investigar violência sexual infantil
Uma das formas mais insidiosas de violência sexual infantil no ambiente virtual é o "grooming", ou aliciamento, quando um criminoso se aproxima da criança ou adolescente online e constrói um relacionamento de confiança.
O objetivo é manipular a vítima para que ela envie fotos ou vídeos íntimos, que posteriormente são usados para chantagem e coação, levando à exploração sexual.
Quem explica o cenário é Eronides Meneses, delegado titular da divisão de crimes cibernéticos da Polícia Civil de Pernambuco. Outra prática criminosa, diz, "envolve a produção, armazenamento, divulgação e compartilhamento de imagens de abuso sexual infantil".
"Embora o ciberbullying possa parecer uma categoria diferente, ele muitas vezes se entrelaça com a violência sexual", explica.
Em 2024, a ONG Safernet, dedicada à promoção e defesa dos direitos humanos na internet, recebeu 52.999 denúncias de crimes relacionados a imagens de abuso e exploração sexual infantil, uma queda de 26% em relação às 71.867 de 2023 —recorde histórico da série iniciada em 2006.
Dados de uma pesquisa recente realizada pelo ChildFund Brasil, organização dedicada à proteção infantil, revelam que a violência sexual online é uma realidade para mais da metade dos adolescentes brasileiros.
O estudo, intitulado "Mapeamento dos Fatores de Vulnerabilidade de Adolescentes Brasileiros na Internet", aponta que 54% dos jovens já foram vítimas de violência sexual na internet, o que representa aproximadamente 9,2 milhões de adolescentes.
O estudo destaca que 94% dos adolescentes não sabem como agir diante de situações de risco online, mesmo já tendo recebido algum tipo de orientação sobre o uso da internet. Essa falta de conhecimento cria um cenário de vulnerabilidade ainda maior para milhões de jovens.
Para o delegado Meneses, um dos principais desafios na investigação é o anonimato digital, que torna difícil o rastreamento de IPs, que funcionam como uma espécie de identificador de dispositivos eletrônicos —a criptografia é comum em aplicativos de mensagens, por exemplo.
"Enfrentamos também o problema do retardo na resposta dos provedores de internet e das aplicações, o que atrasa bastante o andamento das investigações."
Além do volume de dados e da falta de uma perícia especializada, o delegado cita que muitas vítimas ainda não denunciam por medo ou vergonha.
Apesar das dificuldades, sua divisão realiza operações integradas, como a iniciativa Luz na Infância, do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), que busca proteger crianças e adolescentes de crimes digitais.
Além disso, a delegacia monitora redes de compartilhamento de conteúdo, ajudando a identificar atividades ilícitas. Há também cooperação internacional com organizações como Interpol e Europol, permitindo ações conjuntas e troca de informações globais.
No Recife, a conselheira tutelar Elen Brito diz que a maioria das vítimas de denúncias no ambiente virtual é de meninas.
Por meio das redes sociais ou plataformas de mensagens, elas são atraídas por jovens ou homens que se passam por menores. Esses adultos conseguem obter imagens e vídeos íntimos, posteriormente usados para fazer chantagens e ameaçá-las.
"Geralmente as denúncias chegam pelo Disque 100 ou por instituições de ensino, tendo em vista que alguns casos acontecem dentro da escola. É comum casos entre adolescentes que tiveram algum tipo de relacionamento, mas, quando a menina não quer mais, o garoto ameaça divulgar imagens íntimas, muitas vezes obtidas sem consentimento", diz Elen.
Desde 2018, o Código Penal foi alterado para tipificar o crime de importunação sexual, que inclui divulgar, por qualquer meio, cenas de estupro ou divulgar cena de sexo ou nudez sem a autorização da vítima.
Família, professores e profissionais da saúde mental destacam que um dos desafios na identificação de casos de violência sexual na internet é que, muitas vezes, as mudanças no comportamento das vítimas podem ser interpretadas como parte do processo de desenvolvimento.
Para a psicóloga Priscila Souza, que atua no Creas (Centro de Referência Especializado de Assistência Social) do Recife, o diálogo precisa virar rotina.
"Muitas vezes os adultos evitam tocar no tema por medo de falar algo errado ou por não saber como iniciar essa conversa. Não há um modelo único ou perfeito, cada família deve encontrar o seu próprio jeito, respeitando o nível de compreensão da criança", afirma Priscila.
A psicóloga alerta que a exposição a conteúdos inadequados na internet pode acarretar prejuízos significativos, como "comportamentos sexualizados, aumento do risco de desenvolver ansiedade, depressão, baixa autoestima e isolamento social."
Apagamento de histórico de navegação, presença de contatos de desconhecidos em redes sociais e uso excessivo da internet, especialmente em horários incomuns, são listados pelo delegado Meneses como sinais de alerta no ambiente digital.
A psicóloga considera importante compreender que a proteção também depende da colaboração ativa da sociedade, especialmente no que diz respeito à formalização de casos.
"As denúncias não servem apenas para investigar casos pontuais. São essenciais para a produção de dados, que subsidiaram o trabalho da Segurança Pública. A partir da análise desses dados, será possível identificar padrões, variáveis que influenciam o aumento dos casos e até prevenir reincidências" diz Priscila.
Esta reportagem da Suellen Barbosa é resultado do curso sobre cobertura jornalística de violência sexual infantil promovido pela Folha e pelo Instituto Liberta em junho de 2025
https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2025/08/vergonha-medo-e-anonimato-digital-sao-travas-para-investigar-violencia-sexual-infantil.shtml
segunda-feira, 28 de abril de 2025
Movimento antivax surgiu com a própria vacina, em 1796, e ganhou força na pandemia da Covid
Desde o início deste ano, os Estados Unidos têm registrado altos índices de contaminação de sarampo, causando surtos nos estados do Texas e do Novo México. Ao todo, são mais de 300 casos espalhados pelo país, principalmente em crianças não vacinadas.
Quando o médico Edward Jenner inventou a vacina da varíola, em 1796, surgiram simultaneamente os movimentos antivacina. Séculos antes, com a variolação —ato de esfregar o pus da lesão da varíola na pele para se tornar imune—, já existiam grupos opostos à prática.
Na época, religiosos protestavam dizendo que não se pode contrariar a vontade de Deus. E, se alguém está predestinado a morrer por causa da varíola, esse desejo deveria ser respeitado. Por outro lado, algumas pessoas sentiam medo de serem infectadas com o vírus por meio da vacina, ou até mesmo sofrerem com os efeitos colaterais que ela poderia ter.
São argumentos utilizados até os dias de hoje. "A ciência evolui, o antivacinismo não", afirma Isabella Ballalai, diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).
A história do movimento antivax, ou antivacinismo, no mundo é dispersa e não linear. As motivações são vastas e os movimentos surgem em resposta a fatos diversos. Por exemplo, as revoltas no País de Gales, em 1853, e no Rio de Janeiro, em 1904, foram algumas que ocorreram contra a imposição da vacinação contra a varíola. Desde então, ligas antivacina foram criadas por todo o mundo.
Outros grupos característicos que se opõem à vacinação são os de motivação filosófica, como os naturopatas, homeopatas e antroposóficos.
Eles sugerem que o sistema imune pode ser sobrecarregado se exposto a muitos antígenos e que as vacinas poderiam induzir a autoimunidade —uma resposta inadequada do sistema imunológico, que ataca o próprio corpo.
Segundo Guido Levi, presidente da Comissão de Ética da SBIm e autor de livros como "Vacinar: sim ou não?" e "Pioneiros: conquistas e percalços", o auge da hesitação vacinal aconteceu quando o médico inglês Andrew Wakefield publicou, em 1998, um estudo que relacionada a vacina MMR (contra sarampo, caxumba e rubéola) ao autismo em crianças. Posteriormente, o médico foi desmentido e teve seu diploma cassado, mas a mensagem já havia sido espalhada.
"Até hoje os pais chegam e perguntam se eu tenho certeza que a vacina não vai causar autismo", conta Levi.
A diretora da SBIm lembra que a pesquisa de Wakefield fez com que as pessoas perdessem a confiança nos médicos. Até porque, segundo ela, os grupos antivacina sempre usam argumentos simplistas, mas críveis, como a justificativa de serem embasados em estudos.
O Brasil sempre pareceu imune a esses grupos, chegando a ter índices de vacinação dignos de reconhecimento mundial. Atualmente, as religiões mais populares no país apoiam a vacina, e até a maioria dos médicos homeopatas passou a recomendá-las. Foi com a pandemia do coronavírus que as coisas começaram a mudar.
Manuela Pucca, biomédica imunologista e professora de imunologia na Unesp (Universidade Estadual Paulista) de Araraquara, explica que isso se deu principalmente "por termos mais informação via mídias sociais", gerando a alimentação da desinformação por meio do movimento algorítmico.
O caráter do antivacinismo durante a pandemia foi uma mescla dos grupos já existentes com um fator político forte, já que as principais autoridades nacionais questionaram a vacina da Covid e incentivaram a população a procurar soluções sem evidências científicas, como a cloroquina e a ivermectina.
"Abriu as portas para todos os antivacinistas com suas fake news. Tivemos um número enorme de desinformação em relação à doença e as suas vacinas", diz Levi.
Hoje, o infectologista afirma que o Brasil está recuperando seus índices de vacinação que ficaram defasados durante a pandemia. Em novembro de 2024, o país recebeu novamente o certificado de erradicação do sarampo, que havia sido perdido em 2018.
Não se pode dizer o mesmo de outros países que também têm uma influência política na vacinação, como os Estados Unidos. Desde a campanha eleitoral, o presidente Donald Trump já bradava contra toda e qualquer vacina, e não apenas a da Covid. Ele proibiu as escolas de solicitarem o cartão de vacinação para matrícula das crianças.
"O resultado é que doenças que estavam esquecidas, que estavam quase que erradicadas, estão reaparecendo", diz Levi. É o caso do sarampo, que está causando surto em diversos estados do país. "E a maioria dessas crianças não foram vacinadas", afirma.
Pucca concorda que o antivacinismo desencadeou os surtos atuais de sarampo nos EUA, seja pelos movimentos populares ou até mesmo pela falta de informação e acesso. "Eles não têm um Sistema Único de Saúde e um Programa Nacional de Imunizações como nós temos."
Reportagem de Giulia Peruzzo na Folha de São Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2025/04/movimento-antivax-surgiu-com-a-propria-vacina-em-1796-e-ganhou-forca-na-pandemia-da-covid.shtml
terça-feira, 15 de abril de 2025
Mel é alimento natural que nunca vence e cura até feridas
Em meio a tantos produtos perecíveis, o mel se apresenta como opção de alimento natural que desafia as leis do tempo. Esta doce substância, produzida pelas abelhas a partir do néctar das flores, consegue manter sua pureza, sabor e propriedades por séculos, resistindo às condições ambientais que degradam a maioria das comidas.
Para entender o que torna o mel tão especial, é necessário compreender como ocorre a decomposição dos alimentos, que geralmente é influenciada por alguns fatores. A ação de microorganismos como bactérias, fungos e leveduras, somada aos processos químicos de oxidação e à atividade de enzimas naturais, acelera essa deterioração. Além disso, fatores como umidade, temperatura e exposição ao oxigênio contribuem para alterar a cor, sabor, textura e cheiro dos produtos, tornando impróprios para consumo.
Portanto, a velocidade que um alimento leva para perder sua qualidade depende, na maioria das vezes, da sua composição química e condições de armazenamento. Alimentos ricos em água, gorduras ou açúcares simples, tendem a se deteriorar mais rápido. Já os produtos mais secos, com muito sal ou açúcar, ou aqueles processados para eliminar microorganismos e umidade, têm uma vida útil mais longa. Entre estes alimentos com maior longevidade, o mel é um dos destaques.
Mel natural pode levar séculos para vencer
A composição natural do mel permite que a substância consiga manter suas condições de consumo por séculos. Isto porque contém açúcares, antioxidantes, vitaminas, minerais e compostos bioativos que contribuem para sua estabilidade. Mas o baixo teor de umidade para sua conservação também ajuda na conservação, por dificultar o crescimento de bactérias e leveduras. Sua alta acidez também cria um ambiente hostil para microorganismos.
Esses elementos se complementam com a presença de peróxido de hidrogênio, um composto antimicrobiano que as abelhas adicionam durante a produção do mel, reforçando sua capacidade de permanecer intacto.
Ao mesmo tempo, a elevada concentração de açúcares no mel desidrata as bactérias, impedindo sua proliferação. Graças a essas características, o mel pode ser conservado por séculos sem a necessidade de aditivos artificiais.
Como armazenar o mel para que ele mantenha suas propriedades?
Para garantir que o mel preserve suas propriedades inalteradas, é fundamental armazenar adequadamente. Assim, é recomendado que ele seja mantido em um recipiente hermético, ou seja, com vedação que impeça a entrada e saída de ar, líquidos ou gases. Além disso, ele deve ficar em local fresco e seco, longe da luz direta. Também é essencial evitar a exposição à umidade, pois isso pode alterar sua composição e favorecer a fermentação.
Cristalização do mel não significa perda de qualidade
Vale destacar que a cristalização ou mudança de cor do mel não significam perda de qualidade. A cristalização é um processo natural que pode ser revertido com um leve aquecimento em banho-maria.
Quanto à data de validade do mel, é importante que não seja confundida com um indicativo de que o produto se torna inseguro após um determinado período. A data de consumo indicada em embalagens atende a regulamentações alimentares para alertar que, com o tempo, podem ocorrer alterações na textura, aroma e cor do produto. Mas, se o mel for armazenado corretamente, ele seguirá seguro para o consumo.
No que diz respeito à segurança alimentar, é importante destacar que o mel não é indicado para crianças com menos de um ano, por conta do risco de esporos de Clostridium botulinum, um microorganismo que o sistema digestivo dos bebês ainda não consegue combater. Mas, em crianças maiores e adultos, o mel é seguro e benéfico para saúde.
Benefícios do mel para saúde
O mel oferece uma lista de benefícios à saúde. Seu alto teor de açúcares naturais o torna uma fonte rápida de energia, ideal para revitalizar o corpo. Além disso, sua riqueza em antioxidantes e compostos anti-inflamatórios ajuda a proteger as células contra danos oxidativos e a reduzir inflamações, fortalecendo as defesas naturais do organismo.
O alimento também é conhecido por suas propriedades terapêuticas tradicionais. É utilizado com eficácia para aliviar a tosse e dores de garganta, graças à sua capacidade de suavizar as mucosas irritadas.
Quando utilizado diretamente na pele e machucados, favorece a cicatrização de feridas leves devido às suas propriedades antimicrobianas. Ao mesmo tempo, seu conteúdo de prebióticos naturais (fibras e carboidratos não digeríveis que estimulam o crescimento de bactérias benéficas no intestino), contribui para o crescimento de bactérias benéficas no intestino, promovendo uma digestão saudável e um equilíbrio adequado da microbiota intestinal.
Então, o mel é mais do que um alimento saboroso. Sua resistência ao passar do tempo e seus benefícios à saúde o tornam um produto único, capaz de perdurar e manter sua eficácia ao longo dos séculos. Com o armazenamento adequado, este tesouro natural se mantém como aliado da saúde e bem-estar.
Texto original de El Tiempo reproduzido por O Globo
https://oglobo.globo.com/saude/noticia/2025/04/15/saiba-qual-e-o-alimento-natural-que-nunca-vence-e-cura-ate-feridas.ghtml
quarta-feira, 9 de abril de 2025
União Brasileira de Mulheres pede ao STF para colaborar em caso Mariana Ferrer
A entidade quer participar do processo como coloaborador, para fornecer informações ao tribunal ante a relevância do caso, que avançou no Supremo. Na semana passada, Luís Roberto Barroso determinou a distribuição do recurso, que foi parar no gabinete de Alexandre de Moraes.
Num primeiro momento, deverá ser apreciado pelos 11 ministros se há repercussão geral, quando a Corte julga recursos com questões relevantes sob aspectos econômico, político, social ou jurídico. Se assim entender o Supremo, pode ser julgado se a audiência que absolveu o réu deve ser anulada, o que reabriria a possibilidade de condenação.
A UBM argumenta que é responsabilidade do Estado brasileiro, signatário de tratados internacionais, garantir que crimes de violência sexual sejam investigados com rigor e que as vítimas tenham acesso à justiça sem sofrerem novas violências no processo.
Sustenta ainda que, ao permitir que um caso com provas técnicas e periciais ainda não tenha tido uma condenação, o Estado viola seu compromisso com os direitos humanos das mulheres e reforça um sistema que desencoraja outras vítimas a denunciarem.
O principal ponto questionado pela defesa é o tratamento dado a Mariana na audiência do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), na qual foi humilhada pelo advogado do réu. Segundo os advogados, os ataques comprometeram não apenas seu depoimento, como também o devido processo legal e o contraditório.
Segundo o processo, Mari Ferrer foi foi dopada no Café de La Musique em Santa Catarina e estuprada, conforme exame pericial. À época, aos 21 anos, ela ainda não havia tido relações sexuais.
Reportagem de Rodrigo Castro no blog do Lauro Jardim
https://oglobo.globo.com/blogs/lauro-jardim/post/2025/04/uniao-brasileira-de-mulheres-pede-ao-stf-para-colaborar-em-caso-mari-ferrer.ghtml
quarta-feira, 26 de março de 2025
Comovente e apavorante, 'Adolescência' mostra que o perigo está dentro de casa
A comoção causada pela série "Adolescência", da Netflix, que teve 160 milhões de horas assistidas em apenas 13 dias, é sintoma de uma revelação inconveniente: a de que o perigo está dentro de casa.
No enredo, adolescente Jamie Miller, 13, é o autor de um homicídio. Ele esfaqueou Katie, 13, sua colega de classe. E não se trata de um spoiler: a informação é apresentada logo no primeiro episódio. A questão que a série levanta não é quem nem como, mas por quê. E não há resposta simples nem única.
A incômoda sensação de proximidade com a tragédia que "Adolescência" provoca é fruto da aparente normalidade do contexto do assassino: uma família convencional e amorosa, uma escola tradicional, um quarto com computador e bichinhos de pelúcia.
Online e sem o conhecimento de seus pais, Jamie sofria bullying de Katie e acessava conteúdos redpill e incel, duas subculturas violentas da internet que compõem a chamada machosfera ou manosfera.
Redpill é o termo usado para designar indivíduos e grupos que pregam uma superioridade masculina radicalizada e que compartilham conteúdos misóginos, de ódio e submissão de mulheres.
Já incel, flexão em inglês das palavras celibatário e involuntário, indica pessoas que não conseguem encontrar um par romântico ou sexual. Majoritários entre os incels, os meninos culpam as mulheres por seu celibato involuntário e, em muitos casos, pregam a violência como vingança.
Especialistas ouvidos pela Folha alertam que este tipo de conteúdo é cada vez mais comum na internet, atrai adolescentes vulneráveis em busca de pertencimento e tem potencial para radicalizá-los a ponto de discursos de ódio online se concretizarem em crimes cometidos no mundo real.
Eles também são unânimes em dizer que os pais precisam estar mais presentes e acompanhar com atenção os conteúdos que crianças e adolescentes acessam na internet, além de suas conversas em redes sociais e aplicativos de trocas de mensagens.
"O cenário hoje é muito desafiador", afirma o delegado da Polícia Federal Flávio Rolim, chefe da Unidade de Repressão a Crimes Cibernéticos de Ódio (Urcod).
"Jovens que são abandonados no ambiente cibernético, desamparados, são recebidos por essas comunidades que promovem uma cultura de ódio contra mulheres, contra negros etc.", diz. "Há comunidades incel e redpill que monetizam muito dinheiro vendendo cursos e livros voltados a uma ideologia de inferiorização do sexo feminino."
Rolim diz enxergar, na prática, diferentes etapas de um processo de radicalização de adolescentes nas redes. Ela tem início na internet aberta, em redes como Instagram, Tiktok e Reddit e no YouTube, e em tom de brincadeira.
Em seguida, migra para programas como Telegram e Discord, em que circulam vídeos de violência contra mulheres e discursos de incitação a crimes.
O próximo estágio da radicalização acontece na dark web, a internet não indexada e que permite o anonimato, em que comunidades assumem nomes tão literais quanto clube dos feminicidas e clube dos estupradores, e por onde circula de tudo, inclusive tutoriais sobre como praticar atos de violência extrema. "O último estágio é quando essa subcultura se concretiza no mundo físico. E temos visto isso acontecer", afirma o delegado.
Vanessa Cavalieri, juíza da 1ª Vara da Infância e Adolescência do Rio de Janeiro, a única da capital fluminense a julgar crimes cometidos por adolescentes, corrobora o relato de Rolim. "Nos últimos anos, a gente tem tido muitos casos de feminicídio consumado por adolescentes, além de outras violências de gênero praticadas por eles", testemunha.
Ela revela também que parte desses meninos estava envolvido em comunidades misóginas na internet e que hoje há cada vez mais meninas adolescentes com medidas protetivas da Lei Maria da Penha por conta de stalkers e ex-namorados que as perseguem e ameaçam.
"Nesses grupos, meninos recebem explicações fáceis para suas infelicidades. Eles propagam que mulheres não prestam, que são interesseiras, e que o problema, portanto, é com elas, e não com os meninos", conta.
Expostos periodicamente a imagens de violência inapropriadas para sua idade, eles se dessensibilizam. "É um mecanismo de proteção que vem sendo falado e estudado, e cuja consequência é a redução da empatia", diz.
Para Thiago Tavares, diretor-presidente da Safernet Brasil, essa naturalização da misoginia extrapola esses grupos. "Uma parcela da população naturalizou esse tipo de conteúdo, que passou a circular mais amplamente, inclusive em discursos políticos, vídeos, programas de rádio e podcasts, o que faz com que muita gente passe a defender essas ideias como legítimas."
A psiquiatra da infância e adolescência Gabriela Viegas Stump, que atua no Hospital das Clínicas da FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo) e no Sírio Libanês, ambos em São Paulo, explica que a exposição a esses conteúdos eleva o risco de dessensibilização porque ocorre em uma fase do desenvolvimento em que o adolescente "não tem desenvolvida a capacidade de se colocar no lugar do outro".
"Quanto mais jovem a pessoa é exposta a conteúdos violentos e abusivos, maiores as chances de se identificar com comportamentos negativos e de ser influenciado por eles ou de querer imitá-los, porque ainda não existe uma capacidade de pensamento crítico desenvolvida", explica ela. "O adolescente não tem arcabouço neurológico para a percepção do contexto e das consequências de longo prazo disso."
Para Juliana Diniz, psiquiatra, psicoterapeuta e neurocientista, pesquisadora no Instituto de Psiquiatria no Hospital das Clínicas, a banalização da violência por conta da hiperexposição a conteúdos do gênero lembra os debates a potencial má influência de videogames violentos em adolescentes.
"Esse medo não se confirmou. E minha impressão clínica é que um adolescente que não é vulnerável nem sequer se interessa por este tipo de conteúdo extremo, mas aqueles em vulnerabilidade podem se interessar. E essas imagens passam a figurar nas fantasias desses adolescentes, criando teorias da conspiração e explicações sobre o que acontece com eles", analisa a autora do livro "O que os Psiquiatras Não te Contam" (ed. Fósforo).
O psicanalista Breno Herman Sniker, do departamento de psicanálise do Sedes Sapientiae, afirma que hoje meninos e homens têm dificuldade em lidar com a questão da masculinidade e não sabem como se posicionar de maneira razoável.
"O lugar do homem, que era tido como de respeito, dinheiro e poder, atributos desejados por mulheres que não trabalham, foi transformado pelas mudanças objetivas dos nossos tempos, quando muitas mulheres não precisam mais de um homem para sobreviver. Cria-se um vácuo em que essas ideologias redpill e incel se instalam porque trazem respostas fáceis."
Para ele, a série traz muitas camadas, entre elas, a do bullying que Jamie sofre. "Na idade dele, ser humilhado perante os amigos e colegas é algo mortal e envolve um sentimento de morte mesmo porque não são muitos os mundos em que esses adolescentes podem circular", explica.
A também psicanalista Julieta Jerusalinsky, professora da PUC-SP e diretora do Instituto Travessias da Infância, explica que a passagem para a adolescência tem a complexidade do luto da infância, do brincar e da proteção mais próxima dos pais. "Passa-se a um momento de transição dos laços familiares para os laços sociais, seja nas amizades, nos namoros ou nos interesses de vida. O adolescente é alguém que quer ganhar experiência e, portanto, pode acabar produzindo atos que decisivos para quem ele vai se tornar."
Jerusalinsky aponta que adolescer hoje em dia, no entanto, traz o desafio extra de uma cultura em que as redes sociais ocupam o lugar dos laços sociais, da família e dos namoros.
"Neste contexto, é complicada a função dos pais, que muitas vezes acham que os filhos estão protegidos porque estão no quarto, mas, através da janela virtual, chegam a eles transmissões não mediadas e discursos de intolerância que incentivam a violência com quem é diferente", diz. "É isso o que torna a série tão chocante."
Para ela, a série "não cai na armadilha de diagnosticar este ou aquele personagem, mas revela a complexidade de um laço social que é pervertido pela lógica da fama e da difamação das redes sociais, que impele a atos de violência contra si mesmo e contra os outros".
O remédio, diz, passa por conversar e debater as diferenças e discordâncias.
"O que aconteceu ali e acontece em quase todas as famílias é o abandono digital", diz a juíza Cavalieri. "Isto é, a negligência dos pais no ambiente digital, porque estão muito distraídos com seus trabalhos e seus próprios celulares", aponta. "Isso é uma violência porque coloca crianças e adolescentes em situação de risco extremo, seja porque podem ser tornar vítimas de abusos por quadrilhas digitais, seja porque podem acessar conteúdos inapropriados e perigosos."
Segundo ela, os pais precisam supervisionar o que adolescentes acessam e usar aplicativo de controle parental para monitorá-los e bloquear certos conteúdos.
"Há uma desconexão com a realidade. Os pais entregam aos filhos um produto que ele não tem maturidade para lidar sozinho. A idade mínima para usar WhatsApp é 16 anos. E quantos pais criam contas para os filhos mesmo assim e deixam eles sem monitoramento?", questiona. "Os pais ainda não entenderam que olhar o grupo de Whatsapp não é invadir privacidade, não é como ler um diário. É, sim, como supervisionar seu filho numa praça pública."
Reportagem de Fernanda Mena na Folha de São Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/equilibrio/2025/03/comovente-e-apavorante-adolescencia-mostra-que-o-perigo-esta-dentro-de-casa.shtml
segunda-feira, 24 de março de 2025
Não existe alimento ultraprocessado saudável, diz médico britânico
Eu não estou gostando, mas não consigo parar", diz o infectologista Christopher van Tulleken, do Hospital de Doenças Tropicais em Londres, em um vídeo para a BBC britânica em que documenta o mês durante o qual se submeteu a uma dieta na qual 80% dos alimentos eram ultraprocessados.
Nesse período curto, Van Tulleken ganhou mais de seis quilos, seu cérebro passou a associar comida com as recompensas do sistema límbico e exames acusaram que os hormônios reguladores da saciedade e da fome ficaram totalmente descontrolados. É sob essa dieta com 80% de ultraprocessados que vivem 20% dos adolescentes no Reino Unido —no geral, o consumo de ultraprocessados corresponde a 66% da dieta dos jovens.
O experimento na pegada "Super Size Me" —documentário de 2004 em que o diretor Morgan Spurlock come McDonald's por um mês— não foi um pedido desesperado de socorro de Van Tulleken. Ele emulou, guardadas as proporções, um dos principais estudos que tenta comprovar a tese da classificação Nova, criada pelo brasileiro Carlos Monteiro e outros pesquisadores do Nupens/USP (Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde) e que sugere que o nível de processamento é determinante na qualidade dos alimentos.
Van Tulleken partiu dos achados de Kevin Hall, pesquisador do NIH (National Institute of Health) dos Estados Unidos, em um estudo em que voluntários ficaram um mês confinados num laboratório onde dormiam, comiam e se exercitavam. A comida, porém, era ultraprocessada para metade do experimento e livre de ultraprocessados para a outra metade.
"Se você se preocupa com a sua alimentação, pegue seu pacote de M&M's e leia os ingredientes. E se pergunte por que eles estão ali", diz Van Tulleken em entrevista à Folha, após questão levantada pela reportagem. "Pode haver óleo de palma, corantes, emulsificantes. Isso é realmente delicioso? Tratar um ultraprocessado como um produto de luxo, que é o que a indústria quer, não cola. A comida não é boa o bastante e se torna nojenta rapidamente."
O médico reforça que não acredita que existam bons ultraprocessados, seja um iogurte, um pão de forma ou um salgadinho. O problema, ele diz, não é o consumo esporádico de, digamos, um pacotinho dos confeitos coloridos, mas o fato de que esse tipo de alimento é hoje a base de dietas —e disputas econômicas e políticas acirradas— ao redor do mundo.
Por que o sr. decidiu se usar de cobaia nesse experimento inspirado nos estudos de Kevin Hall?
Por duas razões: primeiro, queríamos um paciente piloto para um estudo maior, que está acontecendo agora. Queríamos entender se valia a pena fazer um grande estudo, então a melhor coisa era ter um voluntário para ver quais mudanças ocorriam num ambiente não controlado. Em segundo lugar, filmamos o experimento para um documentário da BBC, e documentários precisam de pessoas fazendo coisas interessantes. Não dá para só ficar falando.
Há uma terceira razão que é: eu não pensei que seria algo de mais. Eu acreditava nas evidências do Kevin [Hall], mas não me parecia que veríamos grandes mudanças, principalmente porque eu não estava confinado. Eu estava livre no mundo, ingerindo uma dieta típica de adolescentes. Achei que o impacto em mim seria menor do que o observado no estudo do Kevin. Mas acabei ganhando um monte de peso, que levei dois anos para perder.
Isso é impressionante. Levou dois anos para o sr. perder o peso adquirido em um mês comendo uma dieta 80% composta por ultraprocessados.
Sim, porque eu ganhei mais de 6 kg e perder peso, mesmo 1 kg, é difícil. E eu ganhei mais peso depois que a dieta de ultraprocessados acabou porque eu estava me sentindo um lixo.
O sr. relata, no livro, o impacto não só do ganho de peso, mas da forma como o sr. se sentia durante a dieta de ultraprocessados.
Eu me sentia péssimo. Quando você está nessa dieta, comendo essa comida, você já se sente mal. Mas você não percebe que é a comida. Você imagina que sua esposa e suas filhas tiraram aquele mês para ser especialmente irritantes. É o que acontece quando você está cansado e qualquer pessoa ao redor te irrita e você acha que eles são o problema. Mas eles não são. O problema é cansaço ou estresse. E isso vale para a comida. Nós não associamos o mal-estar à comida.
Quando eu parei a dieta, me senti melhor entre 24 horas e 48 horas depois. Uma semana depois, me senti ainda melhor. Mas as mudanças no meu cérebro foram duradouras. Eu continuei viciado naquela comida, apesar de não gostar mais dela. É importante diferenciar gostar de querer. Eu sentia necessidade daquela comida, mas, quando a comia, a achava nojenta. Foram meses confusos, em que eu pedia um fast food e jogava [a comida] fora sem comer.
No livro o sr. diz que a popularidade dos ultraprocessados não se dá necessariamente porque são alimentos deliciosos ou benéficos, mas por serem baratos e práticos. O sr. acha que existe um aspecto social da comida ultraprocessada que precisa ser levado em consideração nesse debate?
Você está certa, as pessoas não querem comer essas coisas. Veja o que as pessoas muito ricas comem, o que as celebridades comem. Talvez com exceção de Donald Trump comendo seu McDonald's, são pessoas que comem muito bem. Se uma pessoa não precisasse comer ultraprocessados, ela não comeria. Comida de verdade custa muito dinheiro no Reino Unido. Devemos encarecer os ultraprocessados e mudar os sistemas de subsídios. Ultraprocessados são baratos na hora de comprar e caros na hora de comer. É o custo da saúde pública, da poluição com os plásticos, da emissão de carbono.
Existem casos no Brasil de crianças que estão simultaneamente obesas e desnutridas, em grande parte porque elas se alimentam de ultraprocessados em versões ainda mais baratas.
É crucial entender que obesidade e desnutrição andam de mãos dadas. A mesma comida que causa obesidade leva à desnutrição. Pensamos na desnutrição como uma deficiência de calorias, mas pode haver um excesso. São alimentos que causam desnutrição porque eles existem a partir da destruição de nutrientes na comida, que são rearranjados para garantir durabilidade.
Os Estados Unidos baniram o corante vermelho nº3, que já era banido na União Europeia, onde também se proíbe o dióxido de titânio. Como o sr. enxerga essas tentativas de regulação?
Existem duas abordagens para isso. Há quem diga que é possível tornar os hambúrgueres do McDonald's 10% mais saudáveis. Tire o sal, o açúcar, adicione fibra, proteína e vitaminas —para algumas pessoas, isso seria um grande ganho. Banir corantes é similar no sentido de ser um passo na direção certa. É positivo por revelar o poder da indústria alimentícia, revela o desejo de colocar componentes maléficos na comida.
Mas mesmo sem corantes, com menos açúcar, menos sal, são alimentos que ainda seriam ultraprocessados. A genialidade da classificação Nova está em sinalizar que o processamento é a questão. Eu acho impossível reformular ultraprocessados. Não existe ultraprocessado saudável. Existem menos maléficos, mas só. O corante vermelho não é o prejudicial desses produtos. O que é prejudicial é que todos os aspectos dele levam ao consumo excessivo e ao lucro. Não há aspecto nutritivo ou de saúde. O corante é só um sinal de que uma comida é feita por uma empresa que não se importa com a saúde.
Já que o sr. mencionou o consumo excessivo como um problema, algo que eu me pergunto sempre, e imagino que muita gente que goste de comer M&M's ocasionalmente também queira saber, é se existe uma quantidade segura de ultraprocessados que podemos ingerir.
Os efeitos na saúde são variáveis de acordo com a dosagem. É como com o cigarro. Não tem quantidade segura, mas um cigarro por semana não vai te fazer um grande mal se você já está exposta à poluição de São Paulo. Um teco de cocaína por mês não vai fazer mal, um pouquinho de heroína. O problema com a heroína e os M&M's é que é difícil comer um só. Ninguém passa a semana comendo ensopado caseiro, vegetais frescos e saladas de frutas e chega na sexta-feira e come M&M's. As pessoas tomam sorvete na quinta-feira e [comem] uma barra de chocolate no café da manhã e biscoitos à tarde e tomam mais sorvete no sábado e comem um cachorro-quente no domingo. O problema é o padrão de dieta.
Pensando no consumo infantil de ultraprocessados, e até na experiência com sua filha pequena comendo uma tigela de cereais com o sr. durante a parte ultraprocessada do experimento, como o sr. vê a questão do marketing direcionado aos pequenos, com animais fofos e cores chamativas?
As empresas predam os mais vulneráveis, os menos escolarizados, os mais pobres. As crianças são as mais vulneráveis de todos, e esse processo começa no marketing, que começa na persuasão para que os pais troquem o leite materno por fórmula. Comida de verdade é algo desafiador. Tem que mastigar, muitas vezes são fibrosas, amargas. Crianças comem mais que os adultos quando se pensa no consumo por peso e eles não sabem ler as caixas do que comem. Eles não têm autocontrole, são impulsivos. Os cartoons precisam sair das embalagens. Precisamos proteger as crianças do marketing.
Houve na Europa um debate acirrado sobre o Nutri Score, o sistema de etiquetas que classifica alimentos como saudáveis ou prejudiciais. A primeira-ministra italiana Giorgia Meloni pegou a briga pra si no contexto de um debate sobre a valorização de queijos, presuntos e produtos artesanais nacionais, que acabaram mal avaliados nesse sistema. É um projeto eficaz?
Não há forma perfeita de descrever comida saudável ou não saudável. Países sul-americanos têm bons sistemas, a partir da OPAS (Organização Pan-Americana da Saúde). Mas será que um açougueiro de uma cidade do interior precisa colocar um aviso de excesso de sal e gordura no presunto que ele fez? Eu não acho que essas pessoas sejam parte do problema de saúde pública em curso. Presunto não é saudável, mas pessoas não compram quantidades gigantes disso. É parte de um modo de viver tradicional.
Temos que construir leis que não penalizem o pequeno produtor que faz comida tradicional. O jeito fácil é deixar claro que estamos falando de alimentos feitos por grandes empresas, embalados, que não demandam preparo posterior. O problema não é uma empanada tradicional vendida na rua ou o queijo da delicatessen. Nada disso é vendido em embalagens com personagens infantis. Se o alimento vai ter um aviso na embalagem, deveria ser proibido ter também um personagem.
Existe um debate, capitaneado por pesquisadores em Harvard, de que alguns ultraprocessados são piores do que outros. As carnes seriam os piores, e um iogurte seria melhor do que um refrigerante. Devemos levar isso em consideração ou todos os ultraprocessados devem ser tratados da mesma forma?
Podemos discutir o dia todo se pão é melhor que chocolate, se uma dieta só de pão seria melhor que uma dieta só de chocolate. Mas ninguém faz isso. O pão está na base da dieta e é cheio de açúcar, sal e gordura. Sempre mencionam o iogurte, que é cheio de açúcar. Eles deveriam ganhar um aviso de que foram adoçados artificialmente. Ninguém está dizendo que tudo é exatamente igual, que Cheetos é igual a pão. Mas é difícil criar uma análise de dados de subgrupos quando olhamos índices de sal, açúcar, gordura e teor calórico. Para comunicar isso às pessoas você cria um sistema que diz que Cheetos é uma merda e que o pão também não é lá essas coisas, mas melhor que o Cheetos.
Bárbara Blum da Folha de São Paulo entrevistou o médico Christofer van Tulleken
Livro Gente Ultra-Processada
Preço R$ 80 (432 págs.)Autoria Christoffer van TullekenEditora Elefante e O Joio e o TrigoTradução Érika Nogueira Vieir
RAIO-X | CHRIS VAN TULLEKEN, 48
1978, Londres. É médico formado pela Universidade de Oxford e autor de "Gente Ultraprocessada". É apresentador de TV na Inglaterra e esteve a frente de programas como "Medicine Men Go Wild" e "Operation Ouch!".
https://www1.folha.uol.com.br/equilibrio/2025/03/nao-existe-alimento-ultraprocessado-saudavel-diz-medico-britanico.shtml
quarta-feira, 26 de fevereiro de 2025
Lipedema ainda é cercado de estigmas e desconhecimento
LIPIDEMA
Embora muito prevalente, com estimativas que chegam a 1 a cada 5 mulheres, o lipedema foi reconhecido como doença apenas em 2019 pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Oficialmente, o termo foi incluído dois anos depois na 11º edição da Classificação Internacional de Doenças (CID), onde é caracterizado como um “inchaço ‘gorduroso’ (...) geralmente confinado às pernas, coxas, quadris e parte superior dos braços”.
A doença não é nova, foi descrita pela primeira vez ainda em 1940 por dois pesquisadores da Mayo Clinic, nos Estados Unidos. Por isso, também é conhecida como síndrome Allen-Hines, em referência aos nomes dos médicos. No entanto, demorou a ser difundida entre os profissionais, sendo até hoje comumente confundida com outros diagnósticos, como obesidade e linfedema.
— O lipedema é uma condição vascular, crônica e progressiva caracterizada pelo acúmulo anormal de gordura subcutânea principalmente nos membros inferiores (coxas e pernas) e, em alguns casos, nos braços. Esse acúmulo de gordura não é influenciado diretamente pela dieta ou pelo exercício físico e está associado a dor, sensibilidade e tendência à formação de hematomas. Além disso, ocorre quase que exclusivamente em mulheres — explica Armando Lobato, angiologista e cirurgião vascular, presidente da Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular (SBACV).
Mais recentemente, além da inclusão na CID, os relatos de personalidades que sofrem com o problema têm ajudado a jogar luz sobre o lipedema. No Brasil, alguns nomes que ganharam destaque nos últimos anos ao falarem sobre o diagnóstico foram o da modelo e ex-BBB Yasmin Brunet e da repórter do programa ‘Mais Você’, da TV Globo, Juliane Massaoka. Ambas relataram o inchaço nas pernas que não correspondia ao acúmulo de gordura no restante do corpo.
— O aumento da conscientização sobre o lipedema nos últimos anos se deve a vários fatores, como a maior disseminação de informações por profissionais de saúde e pacientes compartilhando sobre a doença, especialmente por meio da internet e redes sociais. Além disso, temos diagnósticos mais precisos e mais interesse nos tratamentos — afirma Lobato.
Quais os sintomas do lipedema?
Especialistas ouvidos pelo GLOBO explicam que o aspecto visual das pernas é geralmente o sintoma que acende o primeiro alerta sobre a possibilidade de ser um caso de lipedema, explica o médico Fábio Kamamoto, diretor do Instituto Lipedema Brasil:
— Alguns sintomas são bastante característicos, como a desproporção da região da cintura em relação às pernas, ou seja, alguém com muito menos gordura no resto do corpo do que nos membros. Além disso, quando essa pessoa perde peso com dieta e exercícios físicos, ela consegue emagrecer no tronco, mas nem sempre nos membros.
Ele explica que outras queixas que podem estar acompanhadas são dores, sensação de peso, de queimação e formação de hematomas, especialmente nas pernas. Esses sintomas podem piorar com mudanças hormonais, como na puberdade, com o uso de anticoncepcionais de hormônios, na gestação e na menopausa.
Qual a prevalência do lipedema no Brasil?
O diagnóstico é feito de forma clínica, baseado na avaliação do médico e na história da paciente. Exames de imagem, como ultrassonografia e ressonância magnética, podem ser utilizados para diferenciar o lipedema de outras condições, porém não existe um teste laboratorial específico para confirmar a doença.
Em relação à prevalência do lipedema na população, os especialistas explicam que, como ele muitas vezes não é diagnosticado corretamente, os números reais são incertos. No entanto, Lobato, da SBACV, aponta que os estudos têm apontado para algo entre 11% e 19% das mulheres – ou seja, até 1 a cada 5.
Entre as brasileiras, um trabalho publicado no periódico Jornal Vascular Brasileiro por pesquisadores paulistas, em 2022, estimou que 12,3% têm lipedema após realizar questionários. O que, com base nos últimos números do Censo Demográfico do IBGE, representaria cerca de 12,9 milhões de mulheres no país.
O que causa o lipedema?
Ainda não se sabe exatamente o que causa o lipedema, mas hoje a doença é compreendida como uma condição multifatorial que engloba fatores genéticos e hormonais. Isso porque há muitos relatos de pacientes que citam casos semelhantes na família, indicando uma predisposição hereditária.
Além disso, o fato de afetar quase que exclusivamente mulheres e estar ligado aos períodos de mudanças hormonais é o que sugere a ação dos hormônios femininos, especialmente do estrogênio, no seu desenvolvimento, explicam os especialistas.
Lobato, da SBACV, acrescenta que fatores ambientais, como alimentação inadequada, sedentarismo, obesidade, entre outros hábitos nocivos à saúde, podem impactar a progressão da doença.
Quais os tratamentos do lipedema?
Kamamoto, do Instituto Lipedema, explica que “por ser uma doença que se desenvolve a partir da presença de hormônios e tem características genéticas, não são causas que podem ser mudadas”. — Por isso dizemos que não existe uma cura para o lipedema, mas existe sim um controle — continua.
O tratamento consegue aliviar as queixas e melhorar a qualidade de vida da paciente. A estratégia ideal deve ser individualizada e orientada pelo profissional que acompanha o caso. Um dos fatores que pode influenciar a melhor conduta é o grau do lipedema, que é dividido em quatro estágios, do 1 ao 4, de acordo com a severidade.
Estágios do lipedema
Estágio 1
A superfície da pele é normal, ocorre aumento da gordura no tecido subcutâneo e há presença de nódulos ou bolinhas de gordura, como se fossem pérolas por baixo da pele;
Estágio 2
A pele é irregular, um pouco mais flácida do que o esperado para a idade e com aspecto de celulite, e os nódulos que podemos palpar ficam maiores;
Estágio 3
A pele é significativamente mais flácida, com a presença de dobras de pele. Isso pode causar dificuldade para caminhar e se movimentar. Além dos nódulos, podemos palpar também áreas de fibrose, que são como cicatrizes por baixo da pele causadas pela inflamação crônica;
Estágio 4
Todas as alterações descritas no estágio 3, mais o comprometimento do sistema linfático. O linfedema (comprometimento dos vasos linfáticos) pode ocorrer em qualquer estágio, mas é mais frequentemente encontrado em mulheres com lipedema a partir do estágio 3, quando é chamado de lipo-linfedema, ou no estágio 4.
* Fonte: Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular (SBACV)
Entre as alternativas terapêuticas, os médicos podem indicar a prática de atividades físicas de baixo impacto, como hidroginástica, caminhada e pilates, que ajudam na circulação e mobilização da gordura; a adoção de uma alimentação balanceada e terapias compressivas, com meias ou bandagens, para reduzir o edema e melhorar a circulação.
No caso da alimentação, orienta-se implementar dietas ricas em frutas, vegetais, proteínas magras e gorduras saudáveis para ajudar a reduzir a inflamação e a retenção de líquidos. O consumo de alimentos ultraprocessados, açúcar refinado e excesso de sal devem ser evitados.
Também é indicado que a paciente tenha uma boa ingesta de água, evite longos períodos sentada ou em pé e busque práticas que auxiliam a controlar o estresse, como meditação e yoga, já que ele pode piorar o quadro de inflamação.
Além disso, pode ser recomendado o uso de medicamentos para aliviar dores e inflamações e a prática da drenagem linfática para auxiliar a circulação.
Caso o tratamento conservador não melhore o quadro da paciente, há a opção de cirurgia. Nesse caso, Lobato explica que existe um tipo específico de lipoaspiração para lipedema que consegue remover a gordura em excesso:
— A técnica consegue reduzir significativamente os depósitos de gordura e aliviar os sintomas mas, como a doença é crônica, o depósito anormal de gordura pode voltar a aparecer novamente. E a lipoaspiração, como qualquer procedimento cirúrgico, tem risco de complicações, por isso deve ser avaliada a cada caso pelo médico junto com a paciente.
Reportagem de Bernardo Yoneshigue n'O Globo
https://oglobo.globo.com/saude/especial/lipedema-em-5-dias-especial-desvenda-causas-sintomas-e-tratamento-da-doenca-que-atinge-1-a-cada-5-mulheres.ghtml
domingo, 26 de janeiro de 2025
Brasil precisa de mais engenheiros
Indicador sinaliza um país que anda para trás
Foi a repórter Isabela Moya quem avisou: em 2014 os calouros que entraram em cursos de engenharia foram 469 mil e em 2023, apenas 358 mil, uma queda de 23%. Para se ter uma ideia do que esses números significam, em 2023 a China tinha 6,7 milhões de jovens em cursos de engenharia.
Esse indicador sinaliza um país que anda para trás. Em 1950, quando o brigadeiro Casimiro Montenegro criou o Instituto Tecnológico da Aeronáutica, o Brasil andava para a frente. A China comunista andava de bicicleta e seu PIB havia encolhido a um terço do que havia sido um século antes. A China andou para trás, até que Deng Xiaoping acordou-a e deu no que deu.
Durante os anos difíceis da década de 1980, o engenheiro Odil Garcez Filho perdeu o emprego e decidiu abrir uma lanchonete na avenida Paulista. Seu diploma ficou exposto ao lado da caixa e a lanchonete se chamou "O Engenheiro que Virou Suco".
A queda no número de calouros de 2023 indica que no século 21 é a engenharia que está virando suco, e não se pode dizer que seja culpa do governo. Em 2024 Lula criou um campus avançado do ITA em Fortaleza. As aulas das primeiras turmas de 25 alunos começarão neste ano, com cursos de energias renováveis e de sistemas de computação, no campus de São José do Campos (SP).
Em 2026, o ITA começará a funcionar em Fortaleza, com laboratórios e alojamentos. Os cursos são gratuitos e os estudantes recebem casa, comida e roupa lavada.
A queda do número de calouros significa que diminuiu o interesse pela profissão. Na China, o governo resolve o problema com sua mão visível, estimulando algumas carreiras e desestimulando outras. No Brasil quem faz isso é o mercado, e faz de forma imperfeita.
A mensalidade para o curso de engenharia numa boa escola privada pode custar em torno de R$ 7.000. Para os cursos de administração de empresas ou economia os preços são menores e os salários oferecidos pelo mercado a quem acaba de deixar a faculdade são maiores. É o jogo mal jogado.
Nos Estados Unidos, empresários do Massachusetts e da Califórnia criaram dois gigantes, o MIT e o Caltech. Lá a mão invisível do mercado empurrou o país para a frente. É o jogo bem jogado. Os magnatas dos tempos dourados da segunda metade do século 19 sabiam que o país precisava de engenheiros.
Texto de Elio Gaspari na Folha de São Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/eliogaspari/2025/01/queda-de-calouros-indica-que-engenharia-virou-suco.shtml
segunda-feira, 9 de dezembro de 2024
Crianças sofrem crimes online dentro do quarto, e pais não fazem ideia
Você sabia que dixx é uma conta secreta usada por crianças e adolescentes no Instagram, à qual os pais não têm acesso? E que essa conta, utilizada normalmente para postar besteiras normais da idade, também pode ser um espaço em que eles, muitas vezes sem ter ideia do que estão fazendo, acabam se tornando autores ou vítimas de crimes?
Foi com um vídeo no qual explica aos pais o que é dixx –trecho de uma entrevista ao programa "Sem Censura", da TV Brasil– que a juíza Vanessa Cavalieri, 47, viralizou.
Titular há nove anos da Vara da Infância e Juventude do Rio de Janeiro, ela testemunhou o surgimento de um novo perfil de menores infratores: os de classe média e alta que cometem crimes ligados às redes sociais. Acompanhou a onda de ataques a escolas e conversou com todos os meninos detidos no Rio que haviam planejado ou cometido esses crimes, 100% deles articulados pela internet.
Foi a partir dessas experiências que resolveu militar na defesa da infância e da adolescência no ambiente digital. Em palestras, fala da fofoca que soa inocente, mas destrói crianças e adolescentes e, para acender o alerta máximo em pais e professores, cita também crimes inacreditáveis, como os descobertos na plataforma Discord, em que jovens chantageiam meninas de 12 anos a ponto de levá-las, por exemplo, a fazer sexo com um cachorro ou a abrir o peito do animal e arrancar o seu coração.
Cavalieri defende o letramento digital da sociedade, o banimento dos celulares nas escolas, o monitoramento, pelos pais, do que crianças e jovens fazem na internet, além de um acordo entre as famílias, como propõe o Movimento Desconecta, para que os filhos ganhem o primeiro celular com pelo menos 14 anos e só possam entrar nas redes sociais a partir dos 16. Os motivos ela detalha nesta entrevista à Folha.
Como a sra. descobriu o que é dixx?
Quando a minha filha mais velha tinha 13 anos, ela criou uma conta no Instagram com o combinado de que eu teria o login e a senha para olhar sempre que achasse necessário. Um tempo depois, me pediu para fazer uma conta dixx e me explicou que era para postar coisas entre amigos. Ela concordou em me passar o login e a senha, mas pediu que eu não a seguisse no dixx. Entendi que era uma questão de pertencimento, porque todos os adolescentes têm.
Com o tempo, e conversando com outras pessoas, percebi que os pais devem ficar atentos ao dixx, porque é um espaço que, embora tenha besteiras normais de adolescente, palavrões, pequenas transgressões, pode mostrar problemas maiores, como o consumo de álcool e a exposição disso, com fotos de adolescentes apagados em festas. Essas são oportunidades para explicar que não só o consumo de álcool não é adequado, como também a exposição de pessoas dessa forma.
Quando o meu vídeo viralizou, alguns questionaram se, ao olhar o dixx, os pais não estariam invadindo a privacidade dos filhos. É preciso entender que não existe privacidade na internet e que, inclusive, os filhos estão sendo monitorados o tempo todo, até pela Interpol. Recebo toda semana processos de monitoramentos que a Interpol faz de jovens. Eles estão cometendo crimes, e os pais não fazem ideia. E, além do dixx, há ainda os "explanas", os perfis usados para o cyberbullying.
O que a sra. tem visto nos 'explanas'?
São usados por jovens e até por crianças. Há "explanas" feitos por alunos do 6º, 7º ano, com fofocas superpesadas. O aluno exposto sofre bullying, é excluído. Vi uma publicação terrível sobre uma menina de 12 anos, que dizia: "Ela pagou boquete para um menino do ensino médio". Se é verdade, em primeiro lugar, ela havia sido vítima de um estupro. E, mesmo que seja mentira, circula e vira verdade. Postam fotos e vídeos de casais de adolescentes ficando em festas. E isso é crime, e de organização criminosa: é um grupo, com método, agindo com regularidade para cometer crimes de difamação, pornografia infantil e cyberbullying.
Ouvi um relato de uma menina de 14 nos que foi "explanada" em um perfil do bairro. Pessoas que nem a conhecem apontam o dedo para ela nas ruas. A menina teve que mudar de escola, mas não consegue fazer amigos. E foram coisas que ela nem fez, como ficar com o namorado de uma amiga. Enquanto me contava isso, a menina teve uma crise de ansiedade, chorou desesperadamente e ficou com falta de ar. Eles fazem isso como se não fosse nada demais, só uma fofoquinha feita no recreio.
Quando a sra. decidiu militar pela proteção da infância e adolescência no ambiente digital?
Há nove anos sou titular da Vara da Infância e da Juventude do Rio, a única da cidade que julga adolescentes infratores. Aqueles casos de ataques a escolas vieram para mim. Alguns se efetivaram e muitos foram evitados com a atuação da polícia, do Ministério Público e do Judiciário. Tive a oportunidade de conversar com esses meninos, olho no olho, e ouvir suas histórias. E eram histórias de muita violência e negligência que sofreram nas escolas por anos, sem que ninguém tivesse percebido.
Nunca me esqueço do primeiro com quem conversei, em 2018. Tinha 16 anos e havia esfaqueado colegas. Ele me falou que havia um carro na porta da escola, com um homem mascarado. Disse que tinha que matar os colegas, ou esse homem mataria a sua família. Também ouvia vozes que o mandavam matar os colegas. Três meses antes, havia tentando o suicídio. Passou por um hospital público e não houve encaminhamento para atendimento da saúde mental. Bem antes, aos 4 anos, incendiou a casa porque as vozes mandavam. Como estava em sofrimento havia 12 anos e ninguém viu? A família tem pouco esclarecimento, e a escola também não viu.
Reuni um time e desenvolvemos um projeto de prevenção à violência nas escolas, o Protocolo Eu Te Vejo. Uma das estratégias são palestras para pais, alunos e professores, sobre crimes digitais. Pergunto aos adolescentes, por exemplo, se sabem o que é o crime de pornografia infantil. Eles dizem: "Ah, é quando uma criança é abusada". Respondo que, sim, é isso também, e pergunto: "Mas sabiam que, quando vocês filmam um casal de amigos se beijando na festa, um passando a mão no outro, e postam, isso também é crime de pornografia infantil?"
O que chamou a sua atenção nesses nove anos na Vara da Infância e Juventude?
A chegada dos crimes ligados às redes sociais. Há nove anos, o adolescente que chegava ao Judiciário era, basicamente, um menino pobre, muitas vezes em situação de evasão escolar, que cometia três tipos de crimes: roubo, furto e tráfico. São crimes ligados a uma aquisição rápida de renda para um menino em situação de privação.
Isso continua, é um problema social, mas, cada vez mais, começaram a chegar jovens de classe média e alta cometendo crimes que eu nunca tinha visto, como apologia do nazismo, tortura de animais, estupro virtual. Começaram a chegar investigações da Interpol, do Homeland Security [órgão dos EUA que monitora terrorismo internacional], os ataques às escolas, o caso do Discord, noticiado no ano passado, de uma organização criminosa com adolescentes e vítimas de 11, 12, 13 anos.
Foram fatos gravíssimos, e aconteceram dentro de casa. Ou seja, poderiam ter sido evitados. Imagina uma menina de 12 anos, que foi obrigada a fazer sexo com o cachorro ao vivo... O pai e a mãe estavam em casa, mas não viram porque a garota estava no quarto, e eles não supervisionavam suas redes sociais.
Os criminosos fazem chantagens e levam meninas a fazer coisas absurdas. Tem um vídeo de uma menina abrindo o peito de um cachorro e arrancando o coração dele. Elas fazem coisas assim aos prantos, e os meninos assistem rindo.
"Os pedófilos não estão mais em parques e shoppings procurando crianças mal vigiadas. Estão onde as crianças estão: TikTok, Instagram, Roblox, Fortnite" - Palavras de Vanessa Cavalieri, juíza da Vara da Infância e Juventude do Rio de Janeiro
Nas palestras com pais, quando pergunto quem sabe o que é o Discord, metade levanta a mão. Já os adolescentes me perguntam do King, líder de uma organização criminosa do Discord condenado a 25 anos de prisão. As famílias não conhecem o Discord, e os jovens sabem até o user ID [identificador de usuário] de criminosos. E são adolescentes de classe média e alta, sem supervisão dos pais na internet.
Crianças e jovens passam anos expostos a discurso de ódio, ideologias extremistas, comunidades que planejam ataques a escolas... 100% desses ataques foram combinados via internet. Se as famílias supervisionassem, poderiam ter sido evitados. Tenho um caso de um pai que viu que o filho estava combinando um ataque à escola, na zona sul do Rio, e denunciou. Ele impediu um massacre.
Famílias de classe média e alta não estão conseguindo fazer essa supervisão dos filhos na internet. Em que medida esse controle é viável na sociedade brasileira?
O ambiente digital é novo, e muitas famílias ainda acham que o filho está seguro no quarto. Só que, se ele está no quarto com internet, está exposto a tudo. Os pedófilos não estão mais em parques e shoppings procurando crianças mal vigiadas. Estão onde as crianças estão: TikTok, Instagram, Roblox, Fortnite...
As famílias precisam passar por um letramento digital e, quando entenderem a gravidade, vão começar a fazer o seu papel, a adiar o máximo possível o momento de dar o primeiro celular para os filhos e, quando derem, a terem os cuidados necessários. Aos poucos, a informação está chegando às pessoas.
Por que a sra. defende o banimento do celular nas escolas?
Há relação entre o adoecimento psíquico, o uso do celular nas escolas e a violência escolar. Quando eles deixam de conviver na escola para ficar com o olho na tela, deixam de estabelecer conexão. O outro não é mais o meu amigo, ele não é ninguém, não importa para mim.
Houve um aumento da sensação de solidão dos estudantes dentro das escolas, constatado pelo Pisa [avaliação internacional], a partir de 2012, ano da entrada massiva dos smartphones no ambiente escolar. Os adolescentes pararam de brincar, namorar, jogar bola, de lidar com os conflitos naturais da convivência, estabelecer conexões humanas, o que é essencial para a saúde mental. Com isso, a violência na escola aumentou.
Não só os ataques, mas incivilidades, desrespeito, tratamento pouco gentil entre crianças e adolescentes, e, principalmente, o cyberbullying. E o cyberbullying é mais frequente quando os celulares são permitidos nas escolas. Muitas escolas baniram o celular neste ano, e a disciplina, o foco e a atenção melhoraram. Por outro lado, a violência entre pares diminui porque eles passam a desenvolver relações humanas.
Para quem é contra o banimento e pensa "Ah, devemos ensinar a criança e o adolescente a evitar esse conteúdo", eu queria lembrar que, de um lado, temos uma criança e um adolescente com um cérebro em formação, ainda sem funções essenciais para esse autocontrole. E, do outro lado, adultos, com o cérebro formado, profissionais como psiquiatras, neurocientistas, psicólogos que ganham salários milionários das big techs para tornar o celular cada vez mais viciante.
Essa luta é impossível. O letramento digital é importantíssimo, deve acontecer em casa e na escola, mas não é preciso liberar celular na escola para isso.
RAIO-X | VANESSA CAVALIERI, 47
Juíza da Vara da Infância e Juventude do Rio de Janeiro há nove anos. É professora de direito da criança e do adolescente na Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (Emerj) e da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam). Atua como coordenadora do Cejusc (Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania) de Justiça Restaurativa do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. É membro do International Visitors Leadership Program (Programa de Liderança para Visitantes Internacionais) do Departamento de Estado dos Estados Unidos, em um programa de proteção às mulheres e às crianças. Desenvolveu o Protocolo Eu Te Vejo, um projeto de prevenção à violência escolar, com palestras a pais, professores e estudantes, além da interlocução com as secretarias de educação.
Entrevista realizada por Laura Mattos da Folha de São Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2024/12/criancas-sofrem-crimes-online-dentro-do-quarto-e-pais-nao-fazem-ideia-diz-juiza.shtml