sábado, 19 de fevereiro de 2011

Se o Brasil não fosse tão desigual, o brasileiro viveria mais

Richard Wilkinson: “Se o Brasil não fosse tão desigual, o brasileiro viveria mais”

O pesquisador associa a desigualdade a problemas sociais que vão das drogas à violência, do diabetes à obesidade, dos homicídios à gravidez adolescente

Quando, há 25 anos, o inglês Richard Wilkinson, professor emérito de epidemiologia social da Universidade de Nottingham, na Inglaterra, começou a estudar as diferenças de saúde na população inglesa, esbarrou na crescente diferença de renda entre ricos e pobres no país. A desigualdade social se tornou o foco de seus estudos e tema de vários de seus livros, entre eles The spirit level (O nível do espírito), lançado em 2009 em parceria com a epidemiologista Kate Pickett, da Universidade York. No livro, Wilkinson afirma que a desigualdade é o principal problema do mundo e que ela está associada a problemas tão diversos quanto uso de drogas, obesidade e números de presos, homicídios e gravidez na adolescência. O livro, que será lançado no Brasil no segundo semestre sob o título O nível, pela Editora Record, tem causado grande polêmica entre acadêmicos e políticos. Só para responder às críticas, os autores fizeram uma nova edição com longo capítulo adicional. Nesta entrevista, Wilkinson fala das conclusões de seus estudos e responde a algumas das críticas.

                                                ENTREVISTA - RICHARD WILKINSON  


   Divulgação
QUEM É Professor emérito da Universidade de Nottingham, dá aulas na Universidade City of London e na Universidade York

O QUE FEZ
Formou-se em história da economia e especializou-se em epidemiologia

O QUE PUBLICOU Unhealthy societies (Sociedades doentes) (1996); The impact of inequality (O impacto da desigualdade) (2005); The spirit level (O nível do espírito) (2009)

ÉPOCA Como o senhor concluiu que a desigualdade está relacionada a tantos problemas diferentes?
Richard Wilkinson –
O quadro foi se desenhando aos poucos. Em 1996, começamos a entender que a saúde era pior nos países mais desiguais. Depois, começamos a entender as razões disso. Soubemos de estudos que mostravam que o mesmo era verdade para criminalidade. E que nas sociedades mais desiguais havia menos coesão social, menos envolvimento na vida da comunidade e menos confiança entre as pessoas. Logo antes de publicar o livro, vimos uma rápida evolução na pesquisa da área. Percebemos que não era um padrão relacionado apenas a saúde e criminalidade, mas a todos os problemas mais comuns nas camadas inferiores da sociedade, como gravidez na adolescência, uso de drogas, doenças mentais, mau desempenho na educação, prisão. Isso mudou nossa percepção sobre a desigualdade. Não é possível explicar problemas tão diferentes olhando apenas para a saúde. É preciso pensar nas causas fundamentais, que afetam muitas coisas diferentes.

ÉPOCA A desigualdade é uma questão científica ou política?
Wilkinson –
A desigualdade tem sido vista como um tema político e tem dividido esquerda e direita. Políticos como Tony Blair, do último governo trabalhista inglês, pensaram que a desigualdade não importava. Achavam que talvez importasse na década de 30, quando muita gente ainda não tinha o que comer, mas não agora, que todos têm comida, casa e carro. Mostramos, porém, que a desigualdade tem efeitos psicossociais. Não se trata apenas de uma questão material, mas de superioridade e inferioridade. Por isso, olhamos para vários problemas com fatores comportamentais, como gravidez na adolescência, abuso de drogas ou violência. Não estamos falando de como uma casa menor prejudica sua saúde, mas de como um status social inferior afeta sua saúde.

ÉPOCA A cultura que valoriza o mérito, que incentiva as pessoas a dar o máximo de si, tem relação com a desigualdade?
Wilkinson –
Até certo ponto, sim. Nas sociedades mais desiguais as pessoas trabalham mais, poupam menos e emprestam mais dinheiro, correm mais risco de ir à falência. Acredito que isso se deve à importância que o dinheiro adquire: é como você mostra seu valor. Nas sociedades mais desiguais, as crianças tendem a ter aspirações mais ambiciosas, porque o que importa é ser rico. Querem ser estrelas de cinema, craques do futebol, presidentes de empresas. E isso é irreal, porque, nas sociedades desiguais, a mobilidade é menor e o desempenho educacional é pior. Mas, como é o dinheiro que importa, todo mundo tem expectativas irreais de ser rico.

ÉPOCA O problema da desigualdade nos países desenvolvidos e em desenvolvimento, como o Brasil, é diferente?
Wilkinson –
É difícil estudar o problema da desigualdade nos países em desenvolvimento, por falta de dados que possam ser comparados. Mas há dados sobre expectativa de vida, mortalidade infantil e, em alguns casos, homicídios. A desigualdade parece ser importante tanto para países desenvolvidos quanto em desenvolvimento. A principal diferença é que, nos países mais ricos, o crescimento econômico deixou de ser importante. Nos países mais pobres, o crescimento econômico e a renda média ainda são importantes.

ÉPOCA Não é possível crescer economicamente e diminuir a desigualdade ao mesmo tempo?
Wilkinson –
Combater a desigualdade é importante em todos os níveis de desenvolvimento. Países mais igualitários têm um desempenho melhor em qualquer estágio de desenvolvimento. Se o Brasil fosse menos desigual, poderíamos esperar uma expectativa de vida maior e uma mortalidade menor, por exemplo. A renda é importante até certo ponto. Depois de um limite, faz pouco para aumentar a expectativa de vida.

A desigualdade é importante tanto para países desenvolvidos quanto para países em desenvolvimento

ÉPOCA Alguns críticos dizem que o crescimento econômico é importante também para as nações ricas, pois permite que as pessoas sintam que sua vida melhorou em relação à de seus pais.
Wilkinson –
A questão é que, a partir de um certo nível de renda, um país tem de gastar dez ou 100 vezes mais do que um país mais pobre para aumentar um ano na expectativa de vida de seus habitantes. Os estudos mostram que é muitíssimo mais caro “comprar” um aumento de expectativa de vida nos países mais ricos. O PIB per capita tem de crescer de maneira tão grande que se torna estúpido e insustentável.

ÉPOCA O Brasil já foi chamado de Belíndia, uma mistura de Bélgica e Índia, por causa da desigualdade. É possível que poucos vivam como belgas cercados por muitos indianos?
Wilkinson –
A desigualdade afeta mais quem está embaixo, mas mesmo quem está no topo teria pequenos benefícios numa sociedade mais equalitária. Porque os ricos não podem se isolar. A igualdade melhora, por assim dizer, a qualidade do ambiente social. A luta por status aumenta a competição e a insegurança. Quem está no topo são as pessoas mais ambiciosas, mais motivadas e mais preocupadas com a posição social. Numa entrevista, um jornalista disse a um banqueiro que ganhava muito dinheiro e bônus gigantescos que ele não conseguiria gastar toda aquela quantidade de dinheiro e, por isso, não faria nenhuma diferença. O banqueiro disse que fazia porque o tornava melhor do que seu concorrente. Trata-se do status.

ÉPOCA A desigualdade no Brasil caiu muito na última década. Mas nosso crescimento econômico ainda deixa a desejar. Há relação entre os fenômenos?
Wilkinson –
Alguns acreditam que é preciso haver desigualdade para haver crescimento econômico. Mas estudos mostram que o crescimento econômico é tanto maior quanto maior a igualdade. Outros dizem o contrário. Quando essa é a situação, talvez a desigualdade não influencie tanto o crescimento. Mas uma sociedade mais coesa e menos desigual é melhor para os negócios. Parece também que as sociedades desiguais desperdiçam boa parte de seu talento, pois os mais pobres não têm educação, e a mobilidade social é menor. E isso não é bom para os negócios.

ÉPOCA Quais são as possíveis soluções para a desigualdade?
Wilkinson –
Há muitas estratégias diferentes. Impostos e programas de benefícios são as maneiras mais fáceis, de curto prazo. Mas são difíceis de sugerir no atual clima político. Talvez seja mais fácil fazer campanha contra a sonegação de impostos. Outra questão é mudar a estrutura das empresas, para restringir a cultura do bônus. Essa cultura só prosperou porque as pessoas no topo da cadeia não têm de responder a ninguém. Isso mudaria se houvesse representantes dos funcionários e da sociedade no conselho de administração ou se os próprios funcionários fossem sócios da empresa. Se as estruturas fossem mais democráticas, diminuiriam as diferenças de salário dentro das companhias. É possível que alguém aceite que o outro ganhe dez vezes o que ganha, mas não 200. Os dados mostram que as empresas mais democráticas são menos desiguais. Poderíamos desenvolver um selo para empresas menos desiguais, no modelo do “comércio justo”. Parece que esse tipo de empresa tem uma produtividade maior. Essa é a solução de longo prazo. E a desigualdade é um problema que levará anos para ser resolvido, dez, 15, 20 anos. E precisa de um movimento social constante defendendo sua diminuição.

ÉPOCA O senhor diz que mesmo quem é contra a ideia de maior igualdade se convence depois de ler seu livro.
Wilkinson –
As pessoas estão muito abertas para essa ideia, mesmo quem é ligado aos negócios. Temos tido uma ótima recepção e topamos com muitos “igualitários enrustidos”. A simpatia pela igualdade tem sido escondida, mas a intuição de que a desigualdade é ruim e divide a sociedade é universal.
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Testo de Letícia Sorg na revista Época de 12/02/11

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