quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Educação: o direito ao letramento

Mais que condição "sine qua non" para que as crianças avancem na escolarização, o letramento potencializa o exercício da cidadania

"Fui passando, passando, passando e cheguei na quinta série sem saber ler nem escrever. Daí minha mãe me colocou na primeira série de novo, quando eu tinha 11 anos." Essa é a trajetória da Tia Edna, que, mesmo sem abandonar os estudos ou ser reprovada, concluiu o ensino médio apenas aos 22 anos. Hoje, com 39, ela se dedica a dar aulas de reforço para crianças na periferia de São Paulo, a maioria não alfabetizada.
O problema vivido por Tia Edna persiste. A sociedade brasileira ainda não solucionou a desigualdade que afeta, particularmente, territórios vulneráveis como as periferias urbanas e as zonas rurais. É preciso reconhecer as desigualdades que marcam o acesso à língua escrita e às práticas de letramento no Brasil.
Apenas 1 em cada 4 brasileiros domina plenamente as habilidades de leitura, escrita e matemática. Da população de 15 a 64 anos, 27% é analfabeta funcional --a proporção de analfabetos funcionais na área rural é de 44% e de 24% nas áreas urbanas. Um em cada 4 brasileiros que cursaram até o ensino fundamental 2 tem nível rudimentar de alfabetismo e somente 35% dos brasileiros com ensino médio completo podem ser considerados plenamente alfabetizados (Indicador de Alfabetismo Funcional 2011/2012).
O conceito de letramento é uma evolução do termo alfabetização. Busca responder à complexidade das demandas de conhecimento atuais, incluindo as novas mídias e linguagens. Letramento designa as diferentes práticas de leitura e escrita nos diversos domínios da vida social como o trabalho, a família e a escola.
Mesmo considerando a história de superação de tantas Tias Edna, os alunos das escolas públicas não deveriam precisar de aulas de reforço particulares. A escola é a instituição que trabalha intencionalmente o ensino da leitura e escrita. É, portanto, sua responsabilidade garantir o letramento da população, para que o indivíduo usufrua das oportunidades da sociedade contemporânea. Para isso, é necessário fortalecer o papel do professor, peça-chave para assegurar o letramento do aluno, investindo em sua formação continuada.
Mais que condição "sine qua non" para que as crianças dominem os demais aprendizados e competências e avancem na escolarização, o letramento é um direito humano. Condição que potencializa o exercício da cidadania, contribui para a formação individual e a autonomia.
A sociedade globalizada demanda cidadãos que pensem globalmente e atuem localmente. Cidadãos capazes de fazer uma leitura de mundo e contribuir para a sustentabilidade do planeta.
A escola tem que ser eficaz em seu papel fundamental de garantir o direito ao letramento, estimulando o acesso às novas práticas originadas pela cultura digital. Só assim conseguiremos avançar na construção da nação que desejamos neste século 21 --uma sociedade que, além de economicamente desenvolvida, seja socialmente justa e sustentável.
Em tempo: Tia Edna é o nome fictício de uma entrevistada na pesquisa Educação em Territórios de Alta Vulnerabilidade Social na Metrópole, coordenada pelo Cenpec, em 2012. 

Texto de MARIA ALICE SETUBAL, doutora em psicologia da educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, é presidente dos conselhos do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec) e da Fundação Tide Setubal

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Usinas nucleares: entre a desinformação e a insanidade

Chico Whitaker escreve
Entre a desinformação e a insanidade

Preocupa o possível acordo nuclear do Brasil com o Japão. Nossos irmãos japoneses estão em pânico com vazamentos radioativos em Fukushima

No Brasil, quando falamos dos riscos das usinas nucleares, as pessoas nos olham como se fôssemos ETs desgarrados, perguntando-se, quase penalizados, o que nos teria acontecido para abordarmos assunto tão fora de hora e lugar...

E nem foi há tanto tempo que aconteceu o desastre de Fukushima! Mas nosso instinto de autodefesa logo empurra más lembranças para o esquecimento.
Assim é que cada vez menos gente se recorda das 19 gramas de césio-137 que em 1985 foram retiradas, num ferro velho de Goiânia, de um aparelho de radioterapia e mataram, até se descobrir que eram radioativas, dezenas de pessoas e provocaram amputações e doenças diversas em centenas de outras.
Mas por que falar de acidentes de tão pouca probabilidade? O que acontece é que aqueles que têm a sorte (ou o azar) de serem informados um pouco mais (só um pouco já assusta) sobre o que aconteceu em Chernobyl em 1986 e continua a acontecer em Fukushima desde 2011 não podem dormir tranquilos.
Menos ainda quando constatam, de um lado, a desinformação da maioria e, de outro, a insanidade dos que promovem o uso de reatores nucleares para produzir energia elétrica --esse modo extremamente perigoso de esquentar água e produzir vapor para girar turbinas.
Um punhado de brasileiros quer chamar a atenção das autoridades políticas para a tragédia que poderia atingir as mais de 30 milhões de pessoas que vivem no Rio e em São Paulo e suas regiões se acontecer um acidente em Angra dos Reis.
Mas são como vozes que clamam no deserto, enfrentando tanto enormes interesses econômicos nacionais e internacionais que lucram com o nuclear, como interesses militares que ainda sonham com o Brasil Grande, submarinos atômicos e armas nucleares, como se este fosse o preço a pagar --alto demais...-- para o Brasil integrar o seleto clube de detentores de bombas que compõem o Conselho de Segurança da ONU...
Nesse quadro, é triste tomar conhecimento da escandalosa decisão da Caixa Econômica Federal de emprestar dinheiro para a conclusão da terceira usina nuclear de Angra.
O governo brasileiro tinha, para isso, pedido um empréstimo a bancos europeus. Estes exigiram que o Brasil mostrasse que estavam sendo respeitadas as normas de segurança da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), respondendo ao questionário da "prova de resistência". Nosso governo não teve condições de fazê-lo, e o empréstimo europeu não saiu. Numa clara demonstração de irresponsabilidade social e autismo político, esse cuidado com a vida de tanta gente pareceu desnecessário à Caixa.
Igualmente preocupante é a possibilidade de a presidente Dilma ir ao Japão assinar um acordo nuclear para trazer tecnologia e equipamentos de lá, quando nossos irmãos japoneses estão entrando em pânico ao não conseguir evitar vazamentos radioativos em Fukushima...
É por isso que cerca de cem entidades civis, japonesas e brasileiras, uniram-se num abaixo-assinado a ser entregue aos governos de seus países como oposição à possível cooperação entre eles nessa área.
Não seria de estranhar que nas próximas manifestações nas ruas do Brasil surgissem cartazes com as palavras "Pela Vida: Xô Nuclear!".

terça-feira, 3 de setembro de 2013

INCLUSÃO NA MARRA

Pais de autistas estão em pé de guerra. O motivo é o alcance da regra que garante a inclusão dessas crianças no ensino regular.
Ao sancionar a lei que regula os direitos de autistas (nº 12.764), a presidente Dilma Rousseff vetou um trecho que deixava aberta a possibilidade de oferecer educação especial gratuita (e não em salas do ensino regular) para quem tivesse necessidade.
Esse veto, em conjunção com o Plano Nacional de Educação, que deverá proibir o setor público de repassar, a partir de 2016, recursos para instituições que mantenham classes exclusivas para deficientes, tornará o ensino especial, senão inviável, pelo menos mais difícil e mais caro.
Pais de autistas não se entendem. Há aqueles que defendem com unhas e dentes a inclusão de todos na educação regular e os que protestam pelo direito de matricular seus filhos nas salas especiais. Alegam, a meu ver com razão, que cada caso é um caso e que seria um erro adotar um padrão único para todos.
O paralelo aqui é com o movimento de desmanicomialização, que teve início nos anos 70. A ideia geral de tirar doentes mentais dos hospitais psiquiátricos para colocá-los com suas famílias ou em comunidades terapêuticas era correta. Avanços farmacológicos na classe dos medicamentos antipsicóticos tornavam a desinstitucionalização não só possível como desejável. Mas a mudança de diretriz foi tão ideologizada e exagerada que desapareceram as vagas até para pacientes que tinham real e desesperada necessidade delas.

Vejo com bons olhos a integração de autistas, downs, PCs etc., mas não a ponto de descrer dos axiomas da matemática. Não importa o que digam nossos sentimentos, sempre que tentamos regular uma multiplicidade de casos complexos por meio de uma regra linear, produzimos paradoxos e injustiças. E não acho que caiba a burocratas lotados em Brasília decidir o que é melhor para crianças que nem sequer conhecem.

De Hélio Schwartsman

http://www1.folha.uol.com.br/colunas/helioschwartsman/2013/08/1331533-inclusao-na-marra.shtml