Maioria dos assassinatos de mulheres acontece dentro de casa, diz relatório
O Brasil tem a 7ª maior taxa de morte de mulheres entre os 84 países pesquisados pelo Mapa da Violência de 2012. Dessas mortes, quase 69% ocorreram dentro da casa da vítima, ou seja, é bastante provável que boa parte desses assassinatos tenham sido cometidos por alguém muito próximo dessas mulheres, em geral, o parceiro.
De acordo com Lori Heise, 54, professora da London School of Hygiene and Tropical Medicine e especialista em violência doméstica, é quase sempre o parceiro da mulher quem a agride sexual ou fisicamente.
Anne Koerber/London School of Hygiene and Tropical Medicine
Lori Heise, 54, professora da London School of Hygiene and Tropical Medicine
"Isso só não é verdade em países como a África do Sul e a Papua Nova Guiné, onde a violência é tamanha que a mulher tem mais chance de ser estuprada fora de casa", explica.
Heise já liderou estudos internacionais para a Organização Mundial da Saúde sobre o tema e está no Brasil para debater as causas e estratégias de combate à violência doméstica como uma das principais palestrantes do 1º Seminário Internacional Cultura de Violência contra a Mulher.
O evento, que ocorre nesta quarta (20) e quinta-feira (21), entre 10h e 18h, no Sesc Pinheiros, em São Paulo, é uma iniciativa do Instituto Vladimir Herzog e do Instituto Patrícia Galvão. Com inscrições esgotadas, os painéis e debates reunirão um elenco de especialistas nacionais e internacionais e poderá ser acompanhado, ao vivo, a partir das 10h, pelo site scovaw.org.
Heise explica que a violência contra a mulher pode tanto ser algo calculado —parte de um sistema de normas e crenças que justificam esse tipo de agressão— como pode ser apenas o caminho mais curto para "obter o que se quer ou colocar um ponto final em uma discussão" quando as coisas fugiram do controle.
Estudos conduzidos por ela e sua equipe em vários países do mundo questionaram mulheres e homens sobre a legitimidade da violência doméstica em casos como falta de cuidado com as crianças ou com a casa ou ainda suspeita de que a mulher tenha um amante.
"Surpreendentemente, há lugares em que o percentual de mulheres que acha legítima a agressão é maior que o de homens", conta. "Acho que isso se deve ao fato de as atitudes dos homens estarem, vagarosamente, mudando, mas as mulheres ainda não conseguiram percebê-las e elas superestimam o conservadorismo de sua comunidade."
De acordo com Heise, a violência de gênero é um tema relativamente novo na agenda internacional. "Para ter uma ideia, o primeiro tratado global sobre o tema, a Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, de 1979, nem ao menos menciona a violência contra a mulher. Foi só no início dos anos 1990 que o tema entrou na agenda feminista internacional.
"Com isso, os estudos são todos dos últimos 10, 12 anos. É muito recente nosso entendimento desse fenômeno", diz.
Segundo ela, só muito recentemente está sendo pensada a prevenção, e não apenas o reconhecimento e a punição, desse tipo de agressão. "Hoje sabemos, por exemplo, que a educação em nível médio e superior se mostrou protetiva da mulher em relação à violência física e sexual. Ou seja, é muito bom colocar meninas nas escolas, mas, mais do que tudo, é preciso mantê-las lá por muito tempo."
Reportagem de Mena Mena na Folha de São Paulo de 20/05/2015
http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2015/05/1631246-maioria-dos-assassinatos-de-mulheres-acontece-dentro-de-casa-diz-relatorio.shtml
quarta-feira, 20 de maio de 2015
domingo, 17 de maio de 2015
Crianças indígenas morrem mais de gripe e desnutrição
Foto de Rubens Valente - 29.mar.2015/Folhapress
Família mayoruna enterra bebê morto dias após nascer em hospital de Atalaia do Norte
A pequena Ingrid, filha do cacique da etnia mayoruna Antônio Flores, líder de uma aldeia com seu sobrenome no Vale do Javari (AM), teve apenas quatro dias de vida.
Na manhã do último domingo de março, dia 29, após o velório com parentes que vieram de aldeias a muitas horas de viagem pelo rio Solimões, o corpo do bebê foi enterrado em Atalaia do Norte (AM). A laje do túmulo foi improvisada com tijolos retirados do muro do cemitério.
A Folha presenciou a cena quando o cacique, falando em sua língua e traduzido por um primo, interpelou o enfermeiro no velório. Para Flores, a culpa pela morte foi o excesso de soro dado à criança no hospital de Tabatinga (AM). A causa oficial da morte foi infecção generalizada decorrente de problemas na gravidez.
A perda que atingiu a família se repetiu tragicamente em todo o território nacional entre 2000 e 2012. Dados do Ministério da Saúde obtidos pelaFolha com a Lei de Acesso à Informação revelam que gripe e fome mataram 1.156 crianças indígenas de até um ano de idade no país, do total de 7.149 mortes no período.
Combinadas, as duas causas responderam por 16% de todos os óbitos, quase um quinto. As mortes por gripe representaram 13% do total, mais do que o dobro da média nacional para infecções respiratórias no período 2000-2011 na população brasileira de zero a cinco anos.
Entre os guaranis-caiuás, no Mato Grosso do Sul, 40 morreram de desnutrição, respondendo por 17% de todos as mortes do gênero entre os bebês indígenas no país, embora a etnia corresponda a 5% da população de índios brasileira. Outras 107 crianças xavantes morreram de gripe, ou quase 12% do total nacional.
SEM CAUSA
Crianças ianomâmis foram as que mais morreram, proporcionalmente e em termos absolutos, com 1.217 óbitos no período, ou 17% do total nacional, embora a etnia represente 2,5% dos índios no país.
Os números indicam a persistência de alto número de mortes entre os ianomâmis. A taxa de mortalidade infantil saltou de 76 em 2000 para 150 em 2005, oscilou para 146 em 2011 e chegou a 133 em 2012.
A taxa de mortalidade infantil entre os índios em 2012, de 38 mortes para mil nascidos vivos, foi mais do que o dobro da taxa nacional observada nesse mesmo ano (15).
O levantamento expõe ainda a ausência de explicação para 1.001 mortes no período, cuja causa foi "mal definida ou desconhecida". Em 242 casos, o campo destinado à anotação da causa ficou vazio.
Além da fome, os pequenos guaranis-caiuás sofrem com a gripe. Setenta e três perderam a vida por causa da doença, o que correspondeu a quase 8% dos óbitos do gênero no país entre os índios.
Em Japorã (MS), onde vivem 5,2 mil guaranis-caiuás, o prefeito Vanderlei Bispo (PT) estimou que dez bebês indígenas morreram de desnutrição entre 2013 e 2015. "O atendimento de saúde não evolui. A estrutura é um paquiderme", disse o prefeito.
A prefeitura mantém com recursos próprios um centro de recuperação de índios desnutridos. O Ministério da Saúde colabora com transporte dos doentes e dois profissionais de saúde. Segundo Bispo, a situação seria pior se três médicos cubanos do programa Mais Médicos não tivessem passado a atender os indígenas.
OUTRO LADO
O secretário especial de saúde indígena do Ministério da Saúde, Antônio Alves, disse que o órgão intensificou o trabalho de ampliação da cobertura vacinal na população indígena para reduzir as mortes por gripe e pneumonia.
Alves disse que a desnutrição é um problema grave e o órgão tem enfrentado isso com uso de "equipes de vigilância nutricional-alimentar" que identificam as crianças de baixo peso e alertam outros setores do governo para que forneçam cestas básicas.
Segundo Alves, no ano passado a campanha de vacinação atingiu 91,6% dos índios, índice superior à média nacional. Mas ele reconheceu que a vacinação não é suficiente para conter as mortes.
Para o secretário do ministério, não é adequado comparar a taxa de mortalidade infantil nas aldeias indígenas com a do resto do país. "Não dá para comparar alguém que mora na cidade, com acesso a água e condições ambientais totalmente diferentes", afirmou Alves. "A realidade é outra."
Editoria de arte/Folhapress | ||
http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/05/1630007-criancas-indigenas-morrem-mais-de-gripe-e-desnutricao.shtml
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