domingo, 4 de abril de 2021

Os horrores da necroespiritualidade

Liturgia da morte inclui políticos e falsos pastores

A pandemia de Covid-19 está escancarando o que há de pior numa sociedade, que é o lado vil e animalesco do ser humano. Ouvimos relatos de pessoas que roubam vacinas, fraudam filas e que insistem na produção de mensagens capazes de convencer os mais simples de que usar máscaras e álcool em gel e praticar o distanciamento social são mecanismos de “ideologia política”. E, ainda, vemos pastores fabricando uma diabólica necroespiritualidade como claro sinal de automanutenção de suas benesses auferidas junto aos dízimos e ofertas dos fiéis, incentivando-os a se fazerem presentes nos templos, sob a desculpa de que precisam do alimento espiritual.

A necroespiritualidade é um tipo de louvor à morte, como se ela fosse promoção para uma vida superior, celestial. A palavra “necro” vem do grego (“nekros”), que significa cadáver. Já “espiritualidade”, também do grego (“pneuma”), significa espírito, sopro divino que gera e mantém a vida com a qual nos relacionamos espiritualmente com Deus. Assim, necroespiritualidade dá o sentido de espiritualidade que tem como finalidade a própria morte.


Os protagonistas são os falsos pastores de nosso tempo, que têm incentivado os fiéis a não seguirem os protocolos sanitários, com a finalidade de auferirem apoio irrestrito aos adeptos da necropolítica que projetam a instalação do caos social para, posteriormente, agirem por meio de métodos fascistas e intervencionistas sobre a nação.

No Brasil, em nome da necropolítica, temos assistido aos horrores de uma liturgia da morte conduzida por personagens públicos, incluindo políticos e religiosos, em nome do “salvamento” da economia. Como disse o apóstolo São Paulo sobre tais líderes: “É preciso fazê-los calar, porque andam pervertendo casas inteiras, ensinando o que não devem, por torpe ganância” (Tito 1.11).

Todo pastor que reproduz essa nefasta necroespiritualidade está a serviço de satanás, que veio somente para matar, roubar e destruir. No extremo oposto, Jesus Cristo promoveu um Evangelho pautado na abundância da vida, na espiritualidade ecológica, com raízes profundas nas relações de alteridade e solidariedade. Se teu pastor o desafia a negligenciar os protocolos sanitários, se ele te desafia a provar sua fé fazendo aglomeração nas ruas, no comércio, nas festas familiares e até mesmo na igreja, tenha toda certeza de que ele está a serviço de satanás, que é o anjo da morte.

Teologicamente, o início do pecado na Bíblia começou com o desejo de matar, conforme Gênesis 4.7; nesta passagem, registra-se o primeiro assassinato de uma vida humana. O sinal bíblico de que Deus é o Deus da vida, e não da morte, está estampado em toda a criação. Aliás, o sinal escatológico da redenção completa contra o pecado aponta para a promessa da restauração de novos céus e nova terra, como podemos verificar nas profecias de Isaías 65.17 e em Apocalipse 21.

Outra riqueza profética que encontramos na Bíblia está registrada em Ezequiel 18.23. Nesta passagem Deus diz enfaticamente: “Acaso, tenho eu prazer na morte do perverso? —diz o Senhor Deus; não desejo eu, antes, que ele se converta dos seus caminhos e viva?”.

Portanto, pior do que não seguir os protocolos sanitários é incentivar o teu próximo —que desde o Antigo Testamento Deus nos ordenou amar— a desrespeitar e desdenhar da dádiva da vida. Se teu pastor desrespeita as ordens civis e sanitárias, dizendo que isso é sinal de fé, por não temer a doença nem a morte, na verdade ele é psicopata, característica de alguém que é incapaz de sentir empatia, incapaz de sentir a dor do outro.

Não temer a morte não é sinal de fé, mas sim uma patologia depressiva que tem como característica o desejo de morrer. Aos pastores que desafiam as ovelhas de Jesus a irem aos seus templos, resta-lhes cumprir a profecia proferida por Jesus: “Então, lhes direi explicitamente: nunca vos conheci. Apartai-vos de mim, os que praticais o mal [a necroespiritualidade]”, Mateus 7.23.

Texto de Adilson de Souza Filho, pastor da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil, é doutor em ciências da religião e professor na Fatipi (Faculdade de Teologia de São Paulo) na Folha de São Paulo de 04/04/2021

https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2021/04/os-horrores-da-necroespiritualidade.shtml

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