Foi numa conversa dentro de casa que a estudante Camily Pereira dos Santos, 18, deparou-se com a pobreza menstrual pela primeira vez. Ainda durante a pandemia, ela descobriu que a mãe não teve acesso a absorventes na juventude e precisava improvisar o bloqueio do fluxo com panos velhos e tecidos.
"Nunca imaginei que essa questão estivesse tão próxima de mim", diz Camily.
Foi então que a aluna do curso técnico em informática do Instituto Federal do Rio Grande do Sul, integrado ao ensino médio, em Osório (RS), teve certeza de qual seria seu objeto de estudos: um absorvente sustentável feito a partir de subprodutos industriais que fosse ecologicamente correto, barato e acessível.
Funcionária pública desde 2010, a professora Flávia Twardowski logo abraçou a iniciativa e passou a orientá-la. Laura Nedel Drebes, 19, estudante do curso técnico em administração da mesma instituição –e que já tinha conhecimento prévio sobre plástico biodegradável, fundamental para uma das camadas do absorvente–, logo se uniu a elas.
Foram quase nove meses trabalhando por cinco horas diárias durante a pandemia para chegar ao protótipo laureado em agosto na Suécia com o Prêmio Jovem da Água de Estocolmo, onde as cientistas foram contempladas com US$ 3.000 (cerca de R$ 15.500).
"Quando foram anunciar o prêmio e falaram sobre a questão da dignidade humana, foi o momento em que a Laura e eu nos olhamos e demos as mãos. Eu sussurrei: 'não acredito, é a gente'. Nos levantamos e nos abraçamos", afirma Camily.
Laura explica que cada quilograma de algodão usado para produzir o produto convencional precisa de 10 mil litros de água. O processo do absorvente sustentável, que ganhou o nome de SustainPads, usa 99% menos água, segundo a aluna.
O algodão, explica Camily, é substituído por fibras do pseudocaule da bananeira e do açaí de Juçara, planta típica da Mata Atlântica. "Usamos essa matéria-prima no lugar do plástico feito de recursos não renováveis."
O produto criado por elas tem um custo médio de R$ 0,02 a unidade (refil mais invólucro de tecido que o envolve) e segue padrões nacionais e internacionais de segurança para absorventes, segundo o grupo.
A equipe, ainda durante a estadia na Suécia, foi sondada por uma empresa europeia que tem trabalhos sociais na África. Organizações brasileiras e o sistema carcerário também demonstraram interesse no produto e, com isso, o grupo decidiu abrir processo de patente do protótipo.
"O próprio Unicef [Fundo das Nações Unidas para a Infância] nos mandou mensagem para uma parceria", afirma a professora Flávia.
Até a conquista no exterior, as alunas passaram por uma série de desafios: muitas tentativas e erros em seu experimento, além da falta de um laboratório e de equipamentos básicos para trabalhar, como prensa e o aparelho para fazer os testes mecânicos dos filmes.
Para substituir o algodão que reveste a parte interna do absorvente, elas tentaram usar sabugo de milho e casca de arroz.
"Mas esses não foram materiais tão bons e tão absorvente quanto o algodão. Ficamos, então, com as fibras do pseudocaule da bananeira, que se mostraram ser capaz de absorver 17% mais que o absorvente convencional", afirma a professora.
Para extrair essa fibra que substitui o algodão, elas precisaram improvisar, na falta do equipamento adequado. "Então veio a ideia de literalmente atropelar o insumo com a roda do meu carro como se fosse uma prensa", afirma a orientadora.
Apesar da importância social do absorvente sustentável, as três brasileiras não tinham expectativa de ganhar o prêmio na Suécia. Elas já haviam passado pela etapa nacional, no Rio de Janeiro, e foram as escolhidas para representar o Brasil em Estocolmo, onde concorreram com outros 35 países.
"Foi muito inusitado [vencer]. Quando fizemos a inscrição, não imaginávamos que nosso projeto estava tão relacionado com a água. Havia trabalhos como tratamento de fluentes, por exemplo, que pareciam mais prováveis de vencer", afirma Laura.
A aluna lembra, ainda, um encontro especial que teve em Estocolmo. "Conhecemos a princesa Vitória da Suécia [primeira na linha de sucessão ao trono sueco], patrona do prêmio."
Para a professora Flávia, o prêmio expõe a relevância do ensino público. "Mostramos que o Brasil também produz bom conhecimento e que as meninas podem fazer ciência, inclusive na educação básica e em uma escola pública."
As estudantes esperam ter seu produto no mercado em, no máximo, cinco anos. "Que o SustainPads chegue a um custo bom e acessível às consumidoras no mundo inteiro para reduzir a pobreza menstrual", afirma Camily.
No Brasil, mais de 4 milhões de mulheres não têm acesso a itens mínimos de cuidados menstruais nas escolas, de acordo com dados da Unicef. Isso inclui falta de acesso a absorventes e instalações básicas nas instituições de ensino, como banheiros e sabonetes.
Em março, o governo estadual de São Paulo afirma ter repassado R$ 35 milhões para o Programa Dignidade Íntima, que distribui absorventes nas escolas da rede como forma de combate à pobreza menstrual, com destaque para alunas em situação de vulnerabilidade.
Na mesma época, após polêmica do veto do presidente Jair Bolsonaro, foi promulgada a Lei 14.214/2021, que cria o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual. A norma determina que estudantes dos ensinos fundamental e médio, mulheres em situação de vulnerabilidade e presidiárias recebam absorventes para sua higiene pessoal gratuitamente.
Reportagem de Tatiana Cavalcanti na Folha de São Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2022/09/alunas-de-escola-publica-sao-premiadas-por-absorvente-sustentavel-de-r-002.shtml
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