Pescador teve sete filhos com a própria filha
(Foto: Divulgação/Polícia Civil do Maranhão)
Isolamento, falta de acesso à educação e condições sociais precárias. A soma de todos esses fatores poderia explicar o caso do pescador que teve sete filhos com a própria filha no povoado de Extremo, em Pinheiro (MA). No entanto, especialistas ouvidos pelo G1 afirmam que tudo isso não justifica o abuso, mas colabora para que ele ocorra. Eles chegam a afirmar que em algumas regiões do interior do Brasil é um costume os homens iniciarem sexualmente as filhas.(Foto: Divulgação/Polícia Civil do Maranhão)
O psiquiatra José Raimundo da Silva Lippi, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Universidade de São Paulo (USP), explica que somente o isolamento não leva a uma conduta incestuosa, mas a falta de contato com a sociedade colaborou para o incesto.
“Dentro de cada pai incestuoso, existe algo não resolvido, que o faz buscar a solução para seu desejo sexual com uma criança ou o próprio filho. Ele age ainda como uma pessoa primitiva em termos de desenvolvimento afetivo”, afirmou.
De acordo com o médico, o incesto não é uma questão biológica, mas psicológica e predominantemente cultural. Ele ressalta que há semelhanças entre o pescador brasileiro e o engenheiro austríaco, que também abusou e teve filhos com a filha, que era mantida em cárcere privado, apesar do nível socioeconômico dos dois ser bem diferente. O caso do austríaco veio à tona em abril de 2008.
“Todos nascemos instintivos, mas conforme vamos nos desenvolvendo, criamos estruturas que nos permitem interromper pensamentos que ocorrem. Não é proibido um pai ter desejo ao ver uma filha, mas o pai com desenvolvimento afetivo adequado tira o pensamento da cabeça e não concretiza o ato. Já o pai instintivo vê a filha como objeto sexual e não tem essa lei interior que o ajuda a conter esses impulsos. O lugar ermo pode ter dificultado o mecanismo de contenção interior, então ele se sentiu mais livre para isso, sem regras sociais que o impedissem”, disse.
Casa onde pescador vivia tem dois cômodos e fica afastada do Centro de Pinheiro
(Foto: Divulgação/Polícia Civil do Maranhão)
A cientista social Sandra Nascimento, pesquisadora do programa de Cultura e Sociedade da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), destaca que o pescador falou com naturalidade sobre o incesto após a prisão. “O fato de ele viver isolado, sem controle, contribuiu para o que aconteceu. Até pelas condições de miséria em que vivia, ele não tem dimensão social do horror que causou com o incesto. Talvez, ele tenha considerado que é algo natural para todos os homens, que desejam e têm as mulheres”, explicou.Sandra também vê aspectos semelhantes entre os casos do Brasil e da Áustria. “Tanto no caso da Áustria quanto no brasileiro, há uma relação de poder muito forte. Existe a questão de querer dominar a filha, que é vista como propriedade. Eles quiseram possuir as meninas e subjugá-las aos seus domínios. Nós nos horrorizamos, porque, pelas normas, pai é proteção”, disse.
O antropólogo José Rogério Lopes, professor do programa de pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), concorda que o isolamento não é uma explicação. “Em quase todas as culturas é proibido ter relação dentro de um grupo íntimo de parentesco. Isso é importante, inclusive, para forçar as pessoas a buscar alternativas e constituir outras relações que ampliam o núcleo de convivência. O indivíduo não nasceu no isolamento, portanto, ele já tinha conhecimento dessa proibição, que foi estabelecida antes.”
De acordo com o antropólogo, o incesto não é aceito na maioria das culturas. “Os casos não são legitimados e, quando ocorrem, os indivíduos são penalizados. Agora, existem relatos de homens que não têm possibilidade de buscar uma companheira para estabelecer uma relação conjugal que seja fora da própria família. Isso faz com que, muitas vezes, sujeitos pratiquem atos incestuosos”, disse.
Casos ocorrem com frequência
De acordo com Lippi, em algumas regiões do interior do Brasil, é um costume os homens iniciarem sexualmente as filhas. “Existe a idéia de que o pai sabe mais sobre as coisas do mundo. Em determinada região do Tocantins, por exemplo, há relatos de meninas que passam por isso, porque é algo visto como ‘obrigação de pai’.”
O médico conta que assim surgiram os filhos dos botos, que seriam, na verdade, fruto do relacionamento incestuoso entre pais e filhas. “Criou-se uma lenda para tirar a culpa dos pais e justificar a gravidez das jovens. Então, surgiu a história de que as crianças são filhas de um boto”, diz.
Sandra também relata que esse tipo de caso é comum no interior do Maranhão. “Pais dizem que eles vão ter as filhas primeiro, porque elas não serão de outro homem sem ser primeiro deles. É uma dominação de gênero. O homem quer ter a posse da mulher. A vítima se sente ameaçada e, ao mesmo tempo, não consegue reagir contra o próprio pai. Acontece muito, mas é algo que tem pouca visibilidade.”Lopes lembra que essas atitudes também são comuns na Região Amazônica. “É possível encontrar, entre a população ribeirinha, famílias em que os pais iniciam sexualmente as filhas. Não constituem família ou chegam a ter filhos com elas, mas ocorre a relação sexual”, diz.
Denúncias
O psiquiatra acredita que, quando situações como essa são descobertas, a população tem um incentivo maior para denunciar casos de abuso. “A tendência é que a comunidade não permita mais. Se isso chega à comunidade como algo proibido, então a cultura do local pode mudar”, diz.
Nenhum comentário:
Postar um comentário