Não é possível que o controle do politicamente correto tenha um braço no Estado, exercendo sua autoridade até mesmo em aspectos privados
Nas iniciativas que visam controlar a publicidade, vislumbra-se um excessivo desejo de proteger a sociedade, como se esta fosse completamente vulnerável às mensagens publicitárias.
Longe de ser infantil e hipossuficiente, a sociedade não necessita de proteção a esse ponto, sendo mais razoável que, em situações como essas, o Estado se coloque em posição neutra.
O debate gerado pela recente representação contra o anúncio de lingerie demonstra que a sociedade tem informação e destreza suficientes para lidar com situações sutis. Tanto isso é verdade que diversas manifestações deram conta de defender ou criticar o anúncio, muitas vezes de modo contraditório.
Recentemente, nesta Folha, um procurador de Justiça do Distrito Federal defendeu a proibição com um argumento inédito: o de que o anúncio era ofensivo aos homens!
Outros entenderam que era ofensivo às mulheres, por reduzirem-na à condição de objeto. E muitos viram apenas humor e graça na atuação de Gisele.
A imposição de única interpretação ao anúncio revela-se autoritária por não reconhecer a capacidade dos cidadãos de filtrarem o que há de humor e sugestão na mensagem. Se o Estado se imiscui nessas áreas, toma para si o detestável papel de defensor da moralidade pública.Na semana passada, um exemplo de iniciativa desse excesso de zelo foi rechaçado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.
No julgamento de um recurso, foi afastada uma multa no valor atualizado de mais de R$ 700 mil imposta pelo Procon a um anunciante por ter veiculado uma publicidade em que uma idosa encabeçava uma fila diante de um caixa eletrônico.
No caso, o Procon entendeu que a mensagem era preconceituosa, como se não restasse mais nenhuma alternativa de compreensão do anúncio, até mesmo a que nele visse um incentivo aos idosos que se deslocam para cuidar das próprias finanças. Isso mostra que o preconceito está na cabeça do receptor da mensagem, não na do emissor.
Porque se em vez de retratar a idosa na fila tivesse o anunciante retratado uma loira oxigenada, diriam os moralistas que a ofensa era sexista. Se um homossexual estivesse na fila, então o anúncio seria homofóbico, e assim por diante.
Não é possível que o controle do politicamente correto tenha um braço no Estado, exercendo sua autoridade até mesmo sobre aspectos privados. Nos termos do Código de Defesa do Consumidor, a propaganda abusiva é aquela que veicula mensagem opressiva, inescrupulosa e sem ética.
Para ser retirada de circulação por um caráter discriminatório ou preconceituoso, não basta que sinalize um comportamento. Tem que ser forte e pontual o suficiente para incitar um tipo de agressão ou violência, ainda que moral.
Se não ultrapassar esses limites, a publicidade insere-se no contexto da liberdade de expressão, não podendo ser proibida, sob pena de excesso de controle e infantilização da sociedade.
Tentativas de regular os comportamentos sociais são próprias de uma sociedade fascista. Não há no Brasil, em absoluto, uma sociedade fascista, mas os excessos de regulação e intervenção do Estado na esfera particular justificam o receio de que estejamos avançando pelos terrenos anunciados por Orwell.
Texto de TAÍS GASPARIAN, 52, advogada, mestre pela Faculdade de Direito da USP, é sócia do escritório Rodrigues Barbosa, Mac Dowell de Figueiredo, Gasparian - Advogados.
Na Folha de São Paulo de 11/10/2011
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