Quem quer calar o MP?
O país assiste bestificado a um debate corporativo e kaftiano sobre quem pode fazer e quem manda na investigação criminal. O Parlamento discute a PEC 37, que torna a investigação exclusividade da polícia.
Paralelamente, a criminalidade aumenta, torna-se mais violenta e o crime organizado avança, contaminando as estruturas estatais, atingindo o Executivo, Judiciário e Legislativo. A pergunta que poucos fazem é sobre a eficiência e a competência do Estado contra a criminalidade.
Há quem defenda o fim dessas investigações, para gáudio dos criminosos. Em polo oposto está quem advoga a possibilidade do Ministério Público realizar ou assumir a investigação criminal. Ninguém fala em dar qualidade, rapidez e eficiência ao inquérito, com melhores salários e garantias ao delegado de policia.
Ora, a Constituição é clara no seu artigo 144, deferindo à Policia Judiciária a direção do inquérito policial, sob a presidência de um delegado.
Por outro lado, a mesma Constituição, no artigo 129, atribui ao Ministério Público o exercício soberano da ação penal pública e o controle externo da atividade policial, sendo que o Código de Processo Penal permite que a Promotoria ofereça denúncia sem inquérito -ou seja, que realize investigações, colhendo documentos para a ação penal.
Na verdade, o que a Constituição não proíbe, e estatuto processual e Lei Orgânica do Ministério Público permitem, é o direito do Ministério Público coletar provas fora do inquérito policial para elucidar o crime.
Em alguns casos famosos e históricos, como no episódio do Esquadrão da Morte, se não fosse a ação de promotores destemidos, sob o comando de Hélio Bicudo, em plena ditadura militar, os crimes da polícia teriam permanecido impunes.
Os crimes iam desde de homicídio qualificado até tráfico de entorpecentes, sob o comando do lendário delegado Fleury. Não esqueçamos que mais de 200 pessoas foram mortas e a matança só foi interrompida graças às investigações criminais feitas pelos promotores, com o inestimável apoio do juiz Nelson Fonseca.
No Espírito Santo, igualmente o Esquadrão da Morte e o crime organizado na década de 1990 começaram a ser desbaratados graças a uma denúncia feita por um desembargador ao Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana do Ministério da Justiça, que fez as investigações e diligências e conseguiu apurar as responsabilidades.
Igualmente, o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), a Receita Federal e a Previdência Social realizaram investigações que têm esclarecido crimes contra a administração publica.
Como se vê, a polícia tem o monopólio da direção do inquérito, mas não da investigação.
É verdade que ambas as instituições incomodam, como demonstram investigações recentes realizadas pela Policia Federal e pelos promotores, principalmente quando se aproximam dos donos do poder.
Mas a atuação desses destemidos funcionários deve ser objeto de aplauso e não de condenação, sendo que os abusos e excessos devem alvo de punição pela corregedorias dos organismos envolvidos, com punição dos responsáveis.
Se há abusos, eles devem ser punidos, instituindo-se inclusive o controle externo do Ministério Público. Mas calar a Promotoria é solução perigosa para o país e um retrocesso que certamente o STF não adotará, pois receberia aplausos somente da criminalidade organizada.
Texto de João Benedicto de Azevedo Marques, 73, procurador de justiça aposentado, é advogado. Foi secretário nacional de Justiça (2002, governo FHC)
Na Folha de São Paulo de 24/06/2012
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