quarta-feira, 11 de julho de 2012

Ancião, Velho, Idoso


Ruy Castro escreve: Passou de 60
Foi em 1970. Meu colega Alvaro Cotrim, Alvarus, caricaturista, colaborador da histórica "Careta" e amigo de J. Carlos, entrou tiririca na Redação da revista em que trabalhávamos, na avenida Presidente Vargas. Acabara de ler a manchete de um jornal pendurado na banca: "Ancião é mordido no nariz por seu papagaio". Seguia-se a notícia: "Fulano de Tal, português, 65 anos...".

Em plena era beatle, Alvarus era um egresso da belle époque. Tinha bastos bigodes retorcidos, como os do barão do Rio Branco, usava gravata-borboleta e cheirava a talco francês. Mas sua indignação era justa. O homem tinha 65 anos, sua exata idade, e fora chamado de ancião. "Quer dizer que, apesar de nunca ter sido mordido por um papagaio, também sou ancião?", esbravejou Alvarus. Logo ele, que só pensava em mulher.

Hoje, o politicamente correto impediria que se usasse essa palavra. Mas a que a substituiu não ajuda muito: idoso. E está o tempo todo na mídia. "Idoso assaltado sobrevive quatro dias, nu, em matagal no entorno de Brasília", saiu outro dia. O idoso tinha 61 anos. Significa que, se eu próprio, aos 64, for encontrado nu num matagal em Brás de Pina, subúrbio carioca, também entrarei na categoria de idoso?

Ou: "PF prende idoso com fitas e vídeos de pedofilia no Paraná". O gajo tinha 60 anos. Ou: "Idoso engasga com asa de frango na Bahia e morre" -62. Ou: "Bombeiros resgatam idoso que subiu em árvore no Rio e não conseguiu descer" -63. Enfim, tanto quanto os jovens e os homens de meia-idade, os chamados idosos vivem se metendo em encrencas pelo Brasil. Mas não se veem manchetes como "Homem de meia-idade é flagrado assaltando pipoqueiro em SP".

Segundo o IBGE, passou de 60 já é idoso. Com direito a andar de graça em ônibus, pagar meia-entrada no teatro e o dobro do preço no plano de saúde.
Da Folha de São Paulo de 06/07/201

Luiz Caversan escreve: Sai, velho!


Recentemente escrevi aqui neste mesmo espaço algumas linhas laudatórias aos "cabeças brancas", profissionais já entrados nos anos e que ultimamente vêm recebendo o devido reconhecimento do mercado de trabalho, que os passou a requisitar mais, valorizando seus dotes e retribuindo financeiramente de forma adequada.

E mais recentemente ainda louvei o fato de ter-me tornado avô, com a feliz e festejada chegada do Gabriel à nossa família, acontecimento que acrescentou à existência mais alegria e "joie de vivre".

Os dois fatos relacionados acima, lincados com a idade que o caro leitor pode observar aí em baixo na minha breve biografia, coloca-me portanto no mesmo patamar de boa parte da população brasileira que está juntando a fome com a vontade de comer, ou seja, exercitando sua capacidade de se manter, de sobreviver às próprias custas, com os prazeres da vida e da família.

Sim, seria isso tudo não fosse um pequeno detalhe: o preconceito do brasileiro em relação a quem não é jovem, está "passado", perdeu a beleza e/ou o vigor da juventude, está mais pra lá do que pra cá.

Se este preconceito revela-se ainda que aparentemente menor no mercado de trabalho atual, e isso se deve certamente a circunstâncias transitórias da economia, ele permanece firme e forte no cotidiano e na maneira como os mesmos entrados nos anos a que me referi acima são ainda (mal) tratados.

A ponto de a palavra "velho" continuar a ser usada como xingamento!

Ontem descia de carro a rua de casa, parei na faixa de pedestre para deixar um homem de seus 35/40 anos atravessar. Mas, quando acelerei para finalmente seguir, o homem se assustou e não teve dúvidas: virou pra mim e mandou o grito: "Sai, velho safado".

Confesso que o "velho" doeu mais que o "safado"...

Não porque o tenha sido (safado) recentemente, mas velho já sou um pouco e o serei cada vez mais, e vinha vindo feliz nesta condição (bem incluído no mercado de trabalho e com a família crescendo feliz), esquecendo de que isso é "feio numa sociedade imediatista e enclausurada em conceitos tão ignorantes como ultrapassados".

Como se todos não fossemos ficar velhos um dia e como se isso fosse uma maldição que vemos apenas nos outros e a espantamos com um "vade retro" gritado ou silencioso.

Ok, como diria o Fernando Pessoa, somos mesmo cadáveres adiados e certamente a idade é um peso que aumenta a cada dia, o meu joelho esquerdo que o diga. Mas que não seria tão ruim assim se o espelho da sociedade não nos retratasse como algo indesejado, quase abjeto, refletindo na verdade medos e angústias que a saúde e a alegria de viver aceitando suas eventuais limitações espantam facilmente.

Da Folha de São Paulo de 07/07/2012

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