87% das garotas vivenciam agressão no namoro; e elas ferem tanto quanto eles
Estudo mostra que xingamentos e tapas fazem parte dos relacionamentos entre jovens de 15 a 19 anos
Fernanda Aranda
Antes de virar mulheres, elas já viveram a experiência da agressão do parceiro, que pode ser um garoto conhecido na festa do último fim de semana. No entanto, entre os casais jovens, as meninas não ocupam só papel de vítimas, mas também de autoras dos maus-tratos . Pesquisa realizada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), feita com pessoas entre 15 e 19 anos de todo o País, identificou que 87% das adolescentes já vivenciaram formas de violência no namoro ou no "ficar". "Atestamos, porém, que as garotas estão agredindo quase que na mesma proporção do que os meninos", afirma a autora do estudo, Kathie Njaine, que tabulou os 3.205 questionários, recolhidos nas cinco regiões do País.
Na pesquisa, relacionamentos efêmeros foram suficientes para reunir episódios agressivos. "Beliscões, empurrões, tapas, xingamentos, ofensas, humilhação pela internet foram formas de agressão citadas pelos entrevistados", diz ela, que afirma não ter atestado diferenças regionais nos números. "No geral, a prevalência de agressão é alta e surpreendente." Os dados estão sendo interpretados e devem virar um livro.
Os índices de agressão equiparados entre garotas e garotos podem ser explicados por outros estudos que já identificaram aumento no comportamento destrutivo por parte das garotas. As menores de 15 anos, segundo o Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid) da Unifesp, representam o único grupo etário que usa tantos entorpecentes quanto meninos de mesma idade (5% em média). Nas outras faixas, há diferença significativa entre os gêneros. O Inquérito sobre Saúde do Paulistano - recém-divulgado pela Prefeitura - mostra que o número de mulheres que dizem beber de uma a três vezes por semana passou de 12,4% em 2003 para 19,8% em 2008, crescimento não atestado entre homens. Drogas e álcool - que há mais tempo frequentam a vida deles - são combustíveis de agressividade, afirmam os especialistas. "A igualdade delas no consumo de substâncias psicoativas aumentou o envolvimento em atos mais violentos", afirma a médica Vilma Pinheiro Gawryszewski, que coordenou o Núcleo de Combate à Violência de São Paulo. "A droga atrapalha o autocontrole, tudo é exacerbado, incita a violência.Isso é mundial."
Ainda que o uso de entorpecentes esteja por trás das agressões praticadas pelas garotas, isso não anula, na visão dos especialistas, a importância da iniciação precoce da violência entre os jovens casais, fenômeno antes só associado à fase adulta. No estudo da Fiocruz se identificou que muitas meninas não terminam o relacionamento por medo das ameaças.
Na Casa do Adolescente, unidade de saúde de Pinheiros, na zona oeste da capital paulista, duas meninas amedrontadas pediram proteção policial por ameaças dos namorados. Não pareciam ser as únicas. Hematomas, depressão, medo e tristeza eram recorrentes entre outras pacientes da casa. "Decidimos inserir a violência no namoro e relacionamentos como tema de nossas dinâmicas, o que se mostrou tão importante quanto a relação sexual", afirmou a coordenadora do Programa de Saúde do Adolescente, Albertina Takeuti.
Na unidade semelhante inaugurada em Heliópolis, na zona sul, os depoimentos das meninas confirmam a importância do projeto. "Minha amiga tem a minha idade (13 anos), namora há dez meses, está superinfeliz, mas não consegue terminar. Ela tem medo de que ele faça alguma coisa ruim com ela. Ameaças não faltam."
CASO ELOÁ
A imagem da garota mais bonita da escola pedindo calma, com semblante de pânico, pela janela do edifício de Santo André, região do ABC paulista, é a mais citada pelas meninas e meninos quando questionados sobre a violência entre os casais jovens. Eram as últimas horas de vida de Eloá Pimentel, transmitidas em rede nacional. Ela foi assassinada no fim do ano passado, aos 15 anos, por tiros disparados pelo ex-namorado ciumento. Ele, antes de chegar ao ápice da agressividade, costumava dar mostras de seu comportamento com chutes e empurrões contra a menina. Como nesse caso, a violência costuma ser negligenciada por parecer que faz parte da rebeldia da adolescência.
"A juventude tem relações bastante agressivas, desde o jeito de falar até o modo de se relacionar e a característica precisa ser considerada", afirma Neide Castanha, coordenadora do Centro de Referência, Estudos e Ações sobre Crianças e Adolescentes. "Independentemente disso, os jovens de hoje têm dificuldade enorme de resolver o conflito sem ser com mecanismos violentos", diz Neide, que cita outro fator por trás da violência no relacionamento juvenil. "O namoro, mesmo que na fase do ficar, estabelece intimidade em pouco tempo. Dormem juntos, acordam juntos, um padrão de vida conjugal maduro, que acirra o sentimento de posse."
O "medo de ser Eloá" aparece como consequência mais extrema de quão longe a violência no namoro pode chegar. "A violência na adolescência é precursora da vida conjugal adulta. Romper o ciclo no início pode criar um padrão mais sadio", completa Kathie.
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