domingo, 4 de abril de 2010

Pivô dos "aloprados" vira fazendeiro no sul da Bahia


Ex-assessor de Mercadante que ganhava R$ 5.000 agora é sócio em negócio de R$ 1,5 mi

Hamilton Lacerda, que levou a mala com R$ 1,7 mi para petistas comprarem o dossiê anti-PSDB, tem como sócio ex-assessor de Palocci 

Apontado pela Polícia Federal como o homem da mala de dinheiro que seria usado na compra de um dossiê contra tucanos, o empresário petista Hamilton Lacerda virou fazendeiro no sul da Bahia.
De assessor parlamentar do senador Aloizio Mercadante (PT-SP), com salário de cerca de R$ 5.000, Lacerda passou a tocar há dois anos uma fazenda com plantação de eucalipto e uma revenda de produtos agrícolas -negócios com capital social de R$ 1,5 milhão.
Na propriedade, Lacerda tem como sócio Juscelino Dourado, ex-assessor de Antonio Palocci envolvido com um suposto negociador de propina para o PT. Foi Lacerda quem entregou a mala com R$ 1,7 milhão de origem ilícita para emissários petistas comprarem o dossiê que tentava ligar José Serra, então candidato a governador, a um esquema de venda fraudulenta de ambulâncias a prefeitos.
O caso ficou conhecido como o escândalo dos "aloprados" -termo usado por Lula para classificar os petistas envolvidos- e contribuiu para que a eleição presidencial entre ele e o tucano Geraldo Alckmin fosse levada para o 2º turno.
A PF indiciou Lacerda sob acusação de lavagem de dinheiro, mas não descobriu de onde veio o R$ 1,7 milhão -apreendido com dois emissários petistas num hotel em São Paulo. O petista nunca revelou a origem dos recursos. Na época, Lacerda era um dos coordenadores da campanha de Mercadante a governador. Com o escândalo, perdeu o cargo e deixou o PT.
Em fevereiro deste ano, voltou ao partido. Em São Caetano do Sul, onde mora, é conhecido pelos companheiros petistas apenas como professor universitário de vida social discreta.
Seus vizinhos desconhecem seu lado empresarial. Ele é fundador e um dos sócios da Bahia Reflorestamento, que mantém plantações de eucalipto na fazenda Olho d'Água, no município de Encruzilhada (BA).
Com 247 hectares de área, a propriedade está avaliada em aproximadamente R$ 500 mil.
Dourado, seu sócio mais ilustre, foi chefe de gabinete de Palocci até setembro de 2005. Ele deixou o cargo devido às suas ligações com um advogado que afirmou ter negociado propina de R$ 6 milhões para o PT em troca da renovação de um contrato da Caixa Econômica.
O ex-assessor de Palocci entrou na empresa sete meses após ela ter sido criada por Lacerda. É o "aloprado" quem está registrado na Junta Comercial como administrador do negócio, com poder para movimentar a sua conta bancária.
Os dois também foram sócios na empresa de revenda de produtos agrícolas, a Destak Agrícola. Dourado deixou essa sociedade há um ano.
Para atuar na Bahia, Lacerda usa uma empresa de consultoria aberta logo após o caso do dossiê e que tem como endereço sua casa em São Caetano do Sul. Outro artifício é utilizar um preposto na Bahia, Breno Macedo Santos, 27. Com profissão de estudante declarada à Junta Comercial, ele serve tanto como atual sócio na revenda de produtos agrícolas como para manter a fazenda registrada em seu nome no cartório, como se a área estivesse apenas arrendada a Lacerda.
Uma visita à propriedade, porém, entrega a manobra. Na porteira há uma placa onde está escrito que a dona do imóvel é a Bahia Reflorestamento, comandada por Lacerda.
A fazenda está às margens da BR-116, próximo a um posto da Polícia Rodoviária Federal e à divisa com Minas Gerais. A área possui uma trilha de 200 metros de comprimento, com plantações de eucalipto. As árvores estão em fase de crescimento -serão necessários mais cinco anos para cortá-las.


Acusados permanecem impunes e ativos

Jorge Lorenzetti, negociador do dossiê, abriu empresa em SC e é cobrado por dívida de R$ 18,1 mi no Banco da Amazônia
Osvaldo Bargas é dono de consultoria em Brasília e Expedito Veloso acabou promovido ao cargo de diretor na BB Previdência 

Os protagonistas da compra do dossiê contra tucanos em 2006 estão hoje impunes.

O ex-petista Jorge Lorenzetti -funcionário da cúpula da campanha de Lula que negociou o dossiê- responde por um débito de R$ 18,1 milhões no Basa (Banco da Amazônia).
A dívida se refere a empréstimos feitos pelo banco à Nova Amafrutas, uma fábrica de sucos no Estado do Pará -da qual Lorenzetti era um dos diretores- que faliu no fim de 2006.
Quase um ano após o dossiê, o Basa passou a cobrar na Justiça dos então diretores da empresa, entre eles Lorenzetti.
Documento obtido pela 
Folha mostra que ele foi avalista no Basa de ao menos três empréstimos a partir de 2005 que somam R$ 1,3 milhão. O último contrato é de fevereiro de 2007, após a falência da empresa.
Procurada, a assessoria do Basa disse que não há registro da participação de Lorenzetti nos empréstimos.
Três meses após o Basa iniciar ação judicial de cobrança, Lorenzetti passou a administrar uma empresa especializada em venda de sanduíches em shoppings da região de Florianópolis e Camboriú.
A Mage Sanduicheria foi aberta em nome da ex-mulher e da filha. Seu irmão, Silvestre Lorenzetti, disse que o negócio foi paralisado há um ano. Entretanto, a empresa continua ativa na Receita Federal.
Osvaldo Bargas, outro envolvido no escândalo, abriu em Brasília a MB Consultoria para atuar nas áreas de comércio, recursos humanos e sindical.
A empresa tem como sede uma sala constantemente fechada e sem placa de identificação. O porteiro informa que "seu Bargas" aparece apenas para pegar correspondências.
O sócio de Bargas na MB é seu filho Helder, nomeado em abril de 2009 para um cargo na prefeitura de São Bernardo do Campo, comandada por Luiz Marinho (PT) -que foi quem deu o aval para Hamilton Lacerda voltar ao partido.
Aparentemente o único punido no episódio ao perder o emprego de diretor de Gestão e Risco do Banco do Brasil, Expedido Veloso voltou ao banco no cargo de gerente e foi promovido a diretor-superintendente da subsidiária BB Previdência em setembro de 2008.
Veloso administra 41 planos de previdência complementar de empresas ou entidades privadas, com ativos totais de R$ 1,37 bilhão, de acordo com balanço da empresa.


Envolvidos no caso preferem ficar em silêncio 


Hamilton Lacerda e os envolvidos no caso dossiê preferiram ficar em silêncio.

Preposto de Lacerda na Bahia, Breno Macedo Santos disse que está à frente do negócio de reflorestamento: "Na realidade sou eu que trabalho com isso. Vocês estão distorcendo isso". Santos disse que Lacerda é "um familiar" dele, mas não informou o grau de parentesco.
Folha deixou recado na casa de Lacerda em São Caetano do Sul e enviou mensagem por celular e e-mail. Lacerda mandou um assessor perguntar qual era o assunto. Informado, não quis falar.
Juscelino Dourado não ligou de volta. A 
Folha deixou recados na casa de Jorge Lorenzetti e na empresa de Osvaldo Bargas. A Prefeitura de São Bernardo disse que a contratação do filho de Bargas seguiu critérios técnicos.


Reportagem de Hudson Corrêa e Leonardo Souza na Folha de São Paulo de 04/10/10

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