ENTREVISTA ROSE MARIE MURARO
Quero "empoderar" as mulheres de baixa renda
PIONEIRA DO FEMINISMO NO BRASIL DIZ QUE FALTA CONQUISTAR IGUALDADE DE SALÁRIO ENTRE HOMENS E MULHERES; PARA ELA, MOVIMENTO HOJE É MAIS SILENCIOSO, MAS MAIS PROFUNDO
Rose Marie Muraro não para. Aos 80 anos, quase cega e numa cadeira de rodas, ela diz que está muito bem. "Tenho feito de tudo. Escrevo enlouquecidamente."
Seu 36º livro vai se chamar "Um Mundo ao Alcance de Todos". Patrona do feminismo brasileiro, cinco filhos, 12 netos, ela estudou física e economia, mas se notabilizou por levantar a questão feminina e ser uma voz impertinente contra a ditadura. Na sua autodefinição, ela é "porra-louca e pré-arcaica".
Defende hoje o microcrédito e as feiras de trocas.
Nesta entrevista, concedida ontem por telefone a propósito do 8 de Março, Dia Internacional da Mulher, ela fala de seus projetos atuais e dos rumos do movimento feminista, que hoje acredita ser mais profundo.
Mas que ainda precisa conseguir "o mais importante": igualdade de salários entre homens e mulheres.
Folha - Qual o significado do 8 de Março nos dias de hoje?
Rose Marie Muraro - Agora temos uma mulher presidente da República. Houve um grande avanço na participação da mulher nas estruturas.
Haverá muitas mudanças porque há muitas diferenças entre o homem e a mulher. As Nações Unidas fizeram uma pesquisa em 121 países e descobriram que com mulheres no poder cai o nível de corrupção. O homem pensa primeiro nele e depois nos outros, daí sai a corrupção. A mulher pensa primeiro nos outros depois nela.
Como a sra. define o feminismo hoje? O movimento, que teve importância nos anos 1960, 1970, hoje parece mais enfraquecido.
Ao contrário. Ele está na Presidência da República. Isto me irrita: achar que o feminino é mais fraco porque é menos barulhento.
Ao contrário, está muitíssimo mais forte. Saiu a Lei Maria da Penha, que diminuiu a violência doméstica, que é a primeira violência que a criança vê. É a raiz de todas as outras violências, das guerras etc.
Quais seriam as bandeiras do feminismo hoje?
Mais importante de tudo -que acho que não vai ser conseguido nem nos Estados Unidos por enquanto- é: trabalho igual, salário igual. O resto foi conseguido. Nos EUA, a mulher ganha 80% do que ganha o homem; no Brasil, 70%.
Espero que o feminismo amadureça dentro da sociedade e que haja uma sociedade do homem e da mulher.
Quais são os movimentos de luta da mulher mais importantes no Brasil?
Sou muito adepta da Secretaria de Política para as Mulheres. Hoje em dia, em todas as comunidades populares as mulheres tendem a fazer microcrédito, feiras de troca e diminuírem a pobreza extrema.
É um movimento geral, mas silencioso -97% dos movimentos de transformação da pobreza estão na mão da mulher: o Bolsa Família, Minha Casa, Minha Vida. Hoje é cem vezes melhor [em relação aos anos 1960, 1970].
Não faça uma identidade entre grandeza do movimento e barulho. Há muitos movimentos silenciosos, como esses da economia solidária, por exemplo, que são levados por mulheres. É um movimento mais silencioso, mas mais profundo.
Está dando "empoderamento" às mulheres e fortíssimo, até nas áreas rurais.
Qual o seu projeto agora?
Meu projeto é "empoderar" as mulheres de baixa renda, que vão mudar a estrutura da corrupção no Brasil, o que vai fazer os fluxos de dinheiro se voltarem para onde devem. Como na Escandinávia, onde se voltam ao povo, para pão, escola, trabalho.
A corrupção é muito mais séria do que você pensa. Porque o dinheiro em vez de ir para quem precisa, para quem tem fome, vai para quem tem mais dinheiro, para as Ilhas Cayman.
Exemplo: o Lula deu um dinheirinho pequeno, uma esmolinha para os pobres, e fez do Brasil a sétima economia do mundo. E deu um dinheirão para os bancos.
O que as mulheres devem fazer para atingir esse objetivo, o de "empoderamento"?
Microcrédito, feiras de troca e bancos comunitários. Elas se apossarão do dinheiro. Porque nos espaços do Brasil onde já existem essas coisas a mulher é quem faz, negocia. Os homens brigam. Há muita diferença entre homens e mulheres. A mulher é soft; o homem é hard.
Mas isso não é muito mais uma questão cultural do que de gênero?
Não. É uma questão biológica. A mulher é obrigada a proteger a vida. O homem é obrigado a buscar comida. Daí as guerras, a corrupção.
Eu acho que tem a ver com os neurônios masculinos. No cérebro, a maior diferença entre o masculino e o feminino é a área da agressividade.
A gente pode mudar o cérebro com o correr das gerações. Está mudando muito. Só o fato de a população se organizar. Olha a organização dos pobres nos países islâmicos. Isso era impossível há cinco anos. Graças ao Facebook, os pobres estão se reunindo, tendo uma voz, contra os corruptos.
Há grande desigualdade porque há grande desigualdade de dinheiro. A gente está criando um outro tipo de dinheiro, o dinheiro solidário, que não gera juro. O dinheiro que não gera juro gera igualdade.
É um projeto de reformulação das estruturas da sociedade. Já existem 400 bancos comunitários. Vamos apresentar um projeto à Dilma que é um passo além do Bolsa Família.
Estou muito animada. Quando eu comecei me chamavam de prostituta, mal-amada, machona, solteirona. Hoje, os tapetes vermelhos estão abertos para mim. Já não sou vista como uma bruxa contra os homens.
Hoje quem é a vanguarda desse movimento?
Não existe uma vanguarda intelectual. Isso é uma maneira machista e centralista de pensar. Existem movimentos no mundo inteiro, já entrou na sociedade.
Vanguardas? Não sei. Pode ser que as presidentes das repúblicas sejam. Eu não acredito no sistema de liderança como é no sistema masculino, mas num sistema de comunidades, feminino.
E a questão do aborto no Brasil? A presidente disse que não vai mexer nisso.
São 15 países que não têm o avanço. Nos outros todos o aborto é legalizado. Mexer com a Igreja aqui no Brasil é uma barbaridade.
Ruth Cardoso levou [a questão] e a Igreja ficou danada. Jandira Feghali perdeu a eleição no Rio porque era a favor da legalização do aborto. A Igreja tem muito poder no Brasil. As mulheres pobres é que sofrem. Será uma surpresa uma modificação disso no curto prazo.
Texto de Reportagem de Eleonora de Lucena na Folha de São Paulo de 08/03/2011
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