domingo, 29 de julho de 2012

Pequena história do MENSALÃO

Fernando Rodrigues escreve: A invenção do caixa dois
Em julho de 2005, os principais envolvidos no escândalo se reuniram para definir uma estratégia comum de defesa, criando uma tese que estará no centro dos debates do STF
PROCURADO POR SILVINHO APÓS AS RECLAMAÇÕES DE VALÉRIO, JOSÉ DIRCEU RETRUCOU: "MAS NÃO ERAM SÓ R$ 40 MILHÕES?"
NO MEIO DO ENCONTRO DELÚBIO DISSE: "VOCÊS NÃO SE ESPANTEM, MAS O MARCOS VALÉRIO ESTÁ CHEGANDO"

O mês de agosto será marcado por uma guerra de versões entre os 38 réus durante o julgamento do mensalão.

Essas divergências se acentuaram ao longo dos anos, mas, quando o escândalo eclodiu, em 2005, muitos dos envolvidos formularam uma tese unificada sobre o dinheiro do esquema. Tudo virou "caixa dois". É o jargão usado para o uso de dinheiro não declarado pelas campanhas.
A história é longa. Remonta ao início de 2003, primeiro ano de Lula na Presidência. Na época, o empresário Marcos Valério Fernandes de Souza frequentava as sedes do PT. Loquaz, dizia aos dirigentes da sigla: "O PT me deve uns R$ 120 milhões".
Em meados de 2004 o então ministro da Casa Civil, José Dirceu, foi procurado por Silvio Pereira, secretário-geral do PT, que relatou o que ouvira. Dirceu retrucou: "Mas não eram só R$ 40 milhões?".
Dirceu nega a existência do diálogo. Já Silvinho, como é conhecido, relatou a conversa a mais de uma pessoa. Vistos em retrospecto, os indícios do início do governo Lula iam todos na direção de um esquema em formação.
O escândalo do mensalão se materializou em 6 de junho de 2005. Nessa data a Folha publicou uma entrevista com o deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) afirmando que congressistas aliados recebiam o que ele chamava de "mensalão" de R$ 30 mil do PT.
Os petistas ficaram aturdidos. Não sabiam como reagir. Aí ocorreu algo inusitado. O discurso de defesa foi arquitetado pela mesma pessoa que forneceu recursos para o esquema: Marcos Valério.
Tudo seria apenas caixa dois. Dívidas de campanha que precisavam ser pagas. Algo que todos os políticos acabam praticando. Um achado. O mensalão passou a ser a versão oficial da defesa.

O ESCÂNDALO

Após a entrevista de Jefferson, a pressão aumentava a cada dia sobre o Planalto. Valério estava prestes a dar depoimento à Procuradoria.
O empresário mineiro deixou vazar numa sexta-feira (dia 8 de julho) que teria marcado sua ida à Procuradoria para a semana seguinte. Vários políticos entraram em contato com ele. Delúbio Soares foi um deles. O tesoureiro do PT e das campanhas de Lula falou com Valério no sábado. Conversa tensa, com ameaças diversas.
Valério se dizia abandonado. Queria proteção. Falou em negócios de seu interesse que o governo não poderia deixar de tocar, como a liquidação do Banco Econômico.
Delúbio comprometeu-se a tratar desses pleitos com a cúpula do PT e do governo. Mas a comunicação era difícil naqueles dias. Na segunda-feira, 11 de julho, Delúbio foi a Belo Horizonte conversar com Valério. Poucos na direção do PT foram avisados. Era uma operação de alto risco, mas imprescindível para montar uma versão aceitável.
Enquanto Delúbio se mexia, o governo enviava bombeiros para conversas reservadas. Foi importantes nesse processo o governador do Acre, Jorge Viana, que conhecia o meio publicitário de Minas (a agência que fazia a propaganda de seu governo era a mineira ASA). Sua missão era acalmar o setor e evitar que mais pessoas começassem a dar entrevistas.
Ao mesmo tempo, o prefeito de Belo Horizonte, Fernando Pimentel (hoje ministro), procurou políticos locais para colocar água na fervura.
Em Brasília, Lula se aconselhava com um antigo tesoureiro do PT, Paulo Okamotto. O ministro Antonio Palocci (Fazenda) acalmou os credores dos bancos Rural e BMG, usados no valerioduto. Preocupados com a eventual quebra das instituições, os credores ameaçavam acioná-las na Justiça. Ouviram de Palocci que deveriam aguardar, pois o governo não deixaria a situação sair do controle.
Em 12 de julho, dia seguinte à visita de Delúbio a Valério, fez-se uma reunião secreta em São Paulo em um escritório do advogado Arnaldo Malheiros Filho, responsável pelos casos de Delúbio e Silvio Pereira. Além de Delúbio, Silvio e dos advogados, estava no local José Genoino, presidente do PT quando o escândalo surgira. A reunião começou por volta de 9h.
No meio do encontro Delúbio disse: "Vocês não se espantem não, mas o Marcos Valério está chegando". Um jatinho com o publicitário e o advogado Marcelo Leonardo aterrissara por volta das 10h no Campo de Marte.
Por volta das 10h30, Valério e Marcelo Leonardo entraram e se isolaram por alguns minutos em uma das salas do escritório. Quando entraram na sala maior, onde estavam os outros, o empresário pediu a palavra. "Temos três hipóteses. A primeira é derrubar a República. Vamos falar tudo de todos. PT, PSDB, PFL, todos. Não sobra ninguém. A segunda hipótese é a tática PC Farias: ficar calado. Só que ele ficou calado e morreu. A terceira hipótese é um acordo negociado, de caixa dois."
Todos ficam calados. Segundo um presente, "era como se estivéssemos todos congelados". Várias conversas paralelas começaram, até que cada um apresentou seu ponto de vista. Genoino defendeu o governo Lula e a escolha da hipótese número 3. Essa foi a saída consensual.
Antes de a decisão ser aceita por todos, Delúbio, Valério e Genoino se reuniram separadamente numa sala. Depois da conversa reservada, o encontro maior não se instalou mais. Não houve anúncio formal, mas ficou subentendido que a saída era vender a versão do caixa dois ao público.
Já passava das 13h. A fome dos presentes foi saciada com sanduíches da padaria Barcelona, na praça Vilaboim, reduto tucano em São Paulo.
O primeiro a sair foi Valério. Ficaram no local os demais. Decidiu-se que no dia seguinte eles iriam a Brasília consultar o governo e as cúpulas dos partidos aliados. Malheiros providenciou o aluguel de um jatinho. Embarcaram cedo na quarta. Genoino preferiu não ir.
Ao chegar à capital federal, Malheiros e Delúbio se dividiram. O advogado foi ao encontro do então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, hoje advogado de um ex-diretor do Banco Rural, que é réu. O petista se deslocou para a casa de um amigo.
Na conversa entre Thomaz Bastos e Malheiros, o governo teve pela primeira vez detalhes da versão do caixa dois. Bastos ouviu e falou da necessidade de todos afinarem o discurso. Aprovou a estratégia, mas antes precisava submeter o acordo a Lula.
Nessa mesma quarta, Thomaz Bastos chamou Antonio Palocci e ambos foram até o presidente. Lula concordou com a versão. O ministro deu sinal verde a Malheiros.

CENTRAL

O endereço em que Delúbio se instalou em Brasília foi transformado em central da versão do caixa dois. Foram chamados ao local todos os políticos que precisavam ter o discurso ajustado. Em romaria, eles chegavam, tomavam conhecimento e concordavam com a estratégia.
Estiveram ali, pelo menos, Arlindo Chinaglia, José Janene, José Borba, Valdemar Costa Neto, Aloizio Mercadante, Ricardo Berzoini, Paulo Okamotto e Renato Rabelo. Entre os que foram consultados estão Dirceu e um representante do PTB.
No dia seguinte, quinta-feira (14 de julho), já com tudo acertado, Delúbio passou por Belo Horizonte para finalizar os detalhes do depoimento de Valério à Procuradoria, que acabou sendo feito nessa mesma data. Antes de prestar seu depoimento, o ex-tesoureiro tomou conhecimento do teor do que fora dito por Valério. O depoimento de Delúbio à Procuradoria ocorreu na sexta-feira, dia 15.
Na véspera desse depoimento, com o discurso afinado, os protagonistas da montagem da versão do caixa dois voltaram a São Paulo. Havia um clima mais relaxado. No dia 14, à noite, houve ainda duas reuniões para preparar o depoimento de Delúbio.
A primeira teve como protagonistas Genoino, Delúbio, Silvio Pereira, Ricardo Berzoini e José Dirceu. O advogado Arnaldo Malheiros chegou na metade do encontro. Nessa reunião o objetivo era checar de maneira pontual os detalhes que Delúbio abordaria.
Um exemplo de que o clima estava melhor foi o prazer a que se deu Delúbio, torcedor do São Paulo: ele assistiu ao final da partida em que seu time disputava a finalíssima da Libertadores -e foi campeão pela terceira vez. Após a partida, todos saíram para um segundo encontro, já na madrugada de sexta. Coube a Malheiros ligar para o procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, para acertar o depoimento de Delúbio. Estava montada a versão do caixa dois.
Ato contínuo, em viagem a Paris, o presidente Lula deu entrevista na qual falou sobre a operação. O "Fantástico", da TV Globo, transmitiu o vídeo em 17 de julho: "O que o PT fez do ponto de vista eleitoral é o que é feito no Brasil sistematicamente". E mais: "Não é por causa do erro de um dirigente ou de outro que você pode dizer que o PT está envolvido em corrupção".
O escândalo começava a ficar domado. No discurso oficial, circunscrevia-se o mensalão a mero uso de dinheiro não contabilizado em campanha. Lula não virou réu.
Agora, sete anos depois, o STF julgará se é verossímil a versão do caixa dois, tão bem arquitetada naquele conturbado julho de 2005.
Janio de Freitas escreve: O dinheiro do mensalão



Como Kátia Rabello, do Banco Rural, sabe que o dinheiro veio do governo e estatais não está indicado


UMA DAS questões centrais no julgamento do mensalão, a despontar desde as defesas iniciais na quinta-feira, já se mostra nas entrevistas de advogados e de réus como um choque de versões cuja solução, segundo o entendimento de cada ministro, será um fator determinante de condenações ou absolvições.
O Banco Rural encabeça a versão de que o dinheiro usado no mensalão procedia do governo e de estatais. Dirigente do Rural com relevância em várias partes do caso, Kátia Rabello inclui em sua defesa a afirmação de que o dinheiro "passava pelas contas de Marcos Valério" no banco. "Passava" porque "vinha de outros bancos". Como sabe que o dinheiro foi posto, antes, em outros bancos pelo governo e por estatais, não está indicado.
Por sua vez, e desde as primeiras indagações sobre o dinheiro do mensalão, Marcos Valério e Delúbio Soares o atribuíram a empréstimos bancários. Logo, dinheiro de procedência privada, sobretudo do Banco Rural, com participação também do Banco de Minas Gerais, o BMG.
Se admitida a utilização de dinheiro público, de algum modo desviado de verbas publicitárias do governo ou de estatais, muitos fatos se desdobrariam em agravantes e muitos réus teriam sua posição piorada no processo.
Se admitido o levantamento de empréstimos como fonte do mensalão, desvinculam-se, no todo ou em maior parte, o mensalão e os negócios do governo. Por exemplo, os de publicidade, que chegaram a exigir sucessivas explicações do então ministro Luiz Gushiken contra cargas da imprensa e da oposição.
A CPI dos Correios, arena do escândalo, não deixou dúvida sobre a existência dos empréstimos bancários. O Rural não pôde negá-los. Mais tarde, em segundo reconhecimento deles, adotou providências para cobrá-los de Marcos Valério, com uma fortuna em acréscimos.
Tudo noticiado com fartura, como pretendida prova de que nada fora mais do que operações bancárias comuns. Comuns, mas de dezenas de milhões, em empréstimo sobre empréstimo, sem que a CPI tenha constatado mais garantias do que avais insuficientes, apenas de formalidade.
Não ficou claro, ainda, o que seria feito das dezenas de milhões tomados em empréstimos, se o dinheiro do mensalão, como diz a banqueira Kátia Rabello, era proveniente do governo e de estatais, e não dos empréstimos.
Do mesmo modo, embora o Tribunal de Contas da União venha de aprová-lo, não está claro o que se passou com o contrato de publicidade dos cartões de crédito do Banco do Brasil. E, menos ainda, com o caminho tomado por parte da respectiva verba.
Não se negue ao Banco Rural, porém, tratar-se de um grupo empresarial com história.
Foi o banco das "operações especiais" cuja descoberta fundamentou, para a CPI do Congresso, as conclusões sobre a associação PC Farias/Collor. Antes, o grupo Rural, por intermédio de sua empreiteira Tratex, foi parte de escândalos de fraude em licitações para grandes obras públicas.
No escândalo da ferrovia Norte-Sul, cuja fraude de US$ 2,4 bi foi aqui comprovada, o então presidente do Rural/Tratex disse à CPI do caso, no Senado, que eu deveria ser mandado para a Sibéria. Inquirido a respeito pela CPI, informei preferir o Taiti ou o Havaí.

Da Folha de São Paulo de 29/07/2012


sexta-feira, 27 de julho de 2012

A lógica dos seios grandes e dos dentes bonitos


Bonitos, altos e com bons dentes costumam ganhar mais, contrariando a tese de que beleza não importa

Em um bom número de países, os ganhos resultantes de um investimento na melhora do aspecto físico superam os que se obtêm com um investimento em um diploma universitário. Para uma jovem russa, chinesa ou argentina, por exemplo, é mais rentável ser bela que ser universitária formada. Sem que isso implique que elas se prostituam.
De modo geral, as pessoas bonitas ganham mais que as feias. Esta afirmação contraria a premissa de que as aparências não importam, que a beleza é relativa e que os padrões de beleza e feiura dependem da cultura. A realidade é que nada disso é verdade.
Daniel Hamermesh, da Universidade do Texas, entrevistou uma amostra aleatória de pessoas de 7 a 50 anos de idade em vários países, pedindo a cada entrevistado que classificasse as pessoas cujas fotos lhe mostrava segundo seu grau de atratividade física.
A primeira surpresa foi que em todas as partes do mundo, e independentemente de idade, sexo, educação, religião ou nível de renda, os entrevistados coincidiram em suas opiniões quanto a quem eram as pessoas mais atraentes nas fotos.
A segunda surpresa é que Hamermesh tinha a informação sobre os salários de cada um dos fotografados e descobriu que as pessoas classificadas como mais atraentes ganhavam acima da média, enquanto as "feias" ganhavam menos.
Assim, nos Estados Unidos os homens vistos como feios ganham 9% menos que aqueles que são medianamente atraentes; no Reino Unido, 18% menos; e na China (em Xangai), 25%. As mulheres menos agraciadas que a média ganham 6% menos nos Estados Unidos, 11% menos no Reino Unidos e espantosos 31% menos em Xangai, onde as mulheres mais atraentes recebem 10% acima da média, formando uma diferença de 41% entre a renda das mulheres mais bonitas e mais feias.
Outros estudos demonstram que, em toda parte, a estatura maior acompanha o aumento de renda.
Nos Estados Unidos, os 25% mais altos da população ganham 10% mais do que os 25% mais baixos. Muitas explicações já foram aventadas para esta tendência -psicológicas, sociais, nutricionais etc. Mas a mais recente é a mais explosiva: os mais altos ganham mais porque são mais inteligentes.
É o que concluem Anne Case e Christina Paxson, que, estudando amostras de crianças de três anos, constataram que as mais altas tinham resultados substancialmente superiores em provas cognitivas que as mais baixas. Resta ver se essa conclusão controversa sobrevive ao escrutínio de outros pesquisadores.
Vale a pena mencionar que os seios bonitos, por exemplo, não são o único bilhete de entrada no paraíso econômico. Os dentes também o são. Isso mesmo: quem tem dentes melhores ganha mais.
O valor econômico dos dentes é o título do trabalho em que Sherry Glied e Matthew Neidell demonstram que as mulheres que têm a dentição melhor ganham 4% mais que as que têm a pior. É uma boa notícia: escovar os dentes com frequência é mais fácil (e barato) que submeter-se a cirurgias plásticas.

De Moises Naim na Folha de São Paulo de 27/07/2012

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Pessimismo sem razão

Delfim Netto escreve:
Pessimismo
Quando olhamos a situação social e econômica do mundo, não podemos deixar de sentir perplexidade acompanhada de um sentimento de apreensão. A sensação é a de que ele está caindo aos pedaços.
Não há para onde fugir. Parece não haver esperança que nossos filhos e netos viverão mais tranquilos e melhores do que nós. Uma nuvem escura e um nevoeiro opaco transmitem medo aos empresários (que não veem por que investir), intimidam os consumidores (que não confiam na continuidade do seu emprego) e acovardam o sistema financeiro (que teme ver-se subitamente envolvido num descasamento mortal entre seus ativos e passivos).
A explicação para tudo isso é que parte do sistema financeiro internacional transformou-se numa fonte inesgotável de patifarias. Estamos a ver o que ele foi capaz de fazer com a Libor (London Interbank Offered Rate), a taxa de juros interbancária estabelecida em Londres (o centro financeiro mais importante do mundo), que durante anos foi determinada pela Associação dos Banqueiros Britânicos e parecia ser o último reduto de moralidade que lhe restara.
A estrutura produtiva e financeira mundial ruiu porque foi destruída a frágil base sobre a qual é construída: a confiança dos agentes sociais nas suas atividades econômicas e financeiras.
O ideal seria reconstruir essa confiança simultaneamente em todos os países, pois elas se autoestimulariam e haveria uma retomada econômica generalizada e de menor custo. Isso parece pouco provável pelo descompasso em que os países se encontram no processo de recuperação. Cada um, portanto, sem fechar os olhos para o que está acontecendo aos outros, tem de acelerar a sua recuperação para minimizar os sacrifícios de ajuste.
No caso brasileiro, isso significa olhar objetivamente para a nuvem escura e enxergar mais longe no nevoeiro, para diminuir o pessimismo inerente à economia trimestral que acabou nos dominando.
Será aceitável concordar com o fato de que a única coisa que importa é o "balanço trimestral" para seduzir os "investidores"? Não há dúvida de que poderíamos estar melhor: mais educação e mais saúde com uma pouco melhor administração, algumas mudanças na política tributária e no mercado de trabalho, uma cooptação mais rápida do setor privado com concessões de projetos de infraestrutura com taxas de retorno realistas etc.
Não há, também, a menor dúvida de que, relativamente ao resto do mundo, não fazemos papel feio na fotografia. E mais, há uma clara determinação política da administração federal naquela direção.
Nossas condições objetivas não sustentam o pessimismo que domina alguns setores da sociedade brasileira.


De Antonio Delfim Netto na Folha de São Paulo de 25/07/2012

Josué Gomes da Silva escreve: 
Gigante pela própria natureza
Em contrapartida a certo ceticismo que se observa quanto às perspectivas de o Brasil seguir enfrentando com sucesso a crise internacional, um dos mais reconhecidos economistas mundiais, Dani Rodrik, professor da Universidade Harvard (EUA), salienta nossa capacidade de crescer 5% ao ano, a despeito do cenário de baixa expansão que deverá permear a economia global ainda por longo tempo.


O mestre não ignora as dificuldades advindas da estagnação nos países desenvolvidos e da desaceleração chinesa. Mas demonstra conhecer as virtudes brasileiras para superar adversidades: contas públicas equilibradas, democracia consolidada e mercado interno pujante.


Brasil, Índia e Coreia do Sul, na visão do economista, são os países que têm melhor potencial para enfrentar problemas da economia.


Somam-se a essas condições estruturais, na visão do professor Rodrik, o impacto positivo das medidas anticíclicas adotadas pelo governo, como a redução de tributos para alguns setores e o reequilíbrio de duas variáveis macroeconômicas fundamentais -juros e câmbio, que têm contribuído para manter o nível de atividade em patamares razoáveis.


Também concordo com Dani Rodrik quanto à importância da ação do BNDES. Ele, que palestrou em seminário comemorativo dos 60 anos da instituição, salientou o quanto são significativos os financiamentos de longo prazo disponibilizados pelo banco para o investimento da indústria, do setor de infraestrutura e de outros segmentos de nossa economia.


O diagnóstico feito pelo economista reflete algumas políticas públicas implantadas com eficácia pelo Brasil nas duas últimas décadas.


E ainda temos numerosos pontos positivos não abordados pelo professor. A disponibilidade de água potável, por exemplo, fator fundamental para a vida e um bem humano cada vez mais escasso.


As reservas de água doce do Brasil somam 12% das do planeta, o dobro das chinesas e cerca de duas vezes e meia das americanas. Quando levamos em conta as populações -a chinesa equivalente a 19% da mundial, a dos EUA, cerca de 4%, e a do Brasil, de pouco menos de 3%-, vemos que nossa disponibilidade per capita de água é 12 vezes maior que a chinesa e quase quatro vezes maior que a americana.


Esse e outros fatores altamente favoráveis ao Brasil, e que abordaremos em próximas colunas, dão a dimensão e a força de nosso país.


Se economistas da envergadura de Dani Rodrik expressam sua confiança no Brasil, será que não deveríamos compartilhar tal sentimento, trabalhando com mais força e otimismo para, de fato, continuar crescendo?
Da Folha de São Paulo de 29/07/2012

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Ancião, Velho, Idoso


Ruy Castro escreve: Passou de 60
Foi em 1970. Meu colega Alvaro Cotrim, Alvarus, caricaturista, colaborador da histórica "Careta" e amigo de J. Carlos, entrou tiririca na Redação da revista em que trabalhávamos, na avenida Presidente Vargas. Acabara de ler a manchete de um jornal pendurado na banca: "Ancião é mordido no nariz por seu papagaio". Seguia-se a notícia: "Fulano de Tal, português, 65 anos...".

Em plena era beatle, Alvarus era um egresso da belle époque. Tinha bastos bigodes retorcidos, como os do barão do Rio Branco, usava gravata-borboleta e cheirava a talco francês. Mas sua indignação era justa. O homem tinha 65 anos, sua exata idade, e fora chamado de ancião. "Quer dizer que, apesar de nunca ter sido mordido por um papagaio, também sou ancião?", esbravejou Alvarus. Logo ele, que só pensava em mulher.

Hoje, o politicamente correto impediria que se usasse essa palavra. Mas a que a substituiu não ajuda muito: idoso. E está o tempo todo na mídia. "Idoso assaltado sobrevive quatro dias, nu, em matagal no entorno de Brasília", saiu outro dia. O idoso tinha 61 anos. Significa que, se eu próprio, aos 64, for encontrado nu num matagal em Brás de Pina, subúrbio carioca, também entrarei na categoria de idoso?

Ou: "PF prende idoso com fitas e vídeos de pedofilia no Paraná". O gajo tinha 60 anos. Ou: "Idoso engasga com asa de frango na Bahia e morre" -62. Ou: "Bombeiros resgatam idoso que subiu em árvore no Rio e não conseguiu descer" -63. Enfim, tanto quanto os jovens e os homens de meia-idade, os chamados idosos vivem se metendo em encrencas pelo Brasil. Mas não se veem manchetes como "Homem de meia-idade é flagrado assaltando pipoqueiro em SP".

Segundo o IBGE, passou de 60 já é idoso. Com direito a andar de graça em ônibus, pagar meia-entrada no teatro e o dobro do preço no plano de saúde.
Da Folha de São Paulo de 06/07/201

Luiz Caversan escreve: Sai, velho!


Recentemente escrevi aqui neste mesmo espaço algumas linhas laudatórias aos "cabeças brancas", profissionais já entrados nos anos e que ultimamente vêm recebendo o devido reconhecimento do mercado de trabalho, que os passou a requisitar mais, valorizando seus dotes e retribuindo financeiramente de forma adequada.

E mais recentemente ainda louvei o fato de ter-me tornado avô, com a feliz e festejada chegada do Gabriel à nossa família, acontecimento que acrescentou à existência mais alegria e "joie de vivre".

Os dois fatos relacionados acima, lincados com a idade que o caro leitor pode observar aí em baixo na minha breve biografia, coloca-me portanto no mesmo patamar de boa parte da população brasileira que está juntando a fome com a vontade de comer, ou seja, exercitando sua capacidade de se manter, de sobreviver às próprias custas, com os prazeres da vida e da família.

Sim, seria isso tudo não fosse um pequeno detalhe: o preconceito do brasileiro em relação a quem não é jovem, está "passado", perdeu a beleza e/ou o vigor da juventude, está mais pra lá do que pra cá.

Se este preconceito revela-se ainda que aparentemente menor no mercado de trabalho atual, e isso se deve certamente a circunstâncias transitórias da economia, ele permanece firme e forte no cotidiano e na maneira como os mesmos entrados nos anos a que me referi acima são ainda (mal) tratados.

A ponto de a palavra "velho" continuar a ser usada como xingamento!

Ontem descia de carro a rua de casa, parei na faixa de pedestre para deixar um homem de seus 35/40 anos atravessar. Mas, quando acelerei para finalmente seguir, o homem se assustou e não teve dúvidas: virou pra mim e mandou o grito: "Sai, velho safado".

Confesso que o "velho" doeu mais que o "safado"...

Não porque o tenha sido (safado) recentemente, mas velho já sou um pouco e o serei cada vez mais, e vinha vindo feliz nesta condição (bem incluído no mercado de trabalho e com a família crescendo feliz), esquecendo de que isso é "feio numa sociedade imediatista e enclausurada em conceitos tão ignorantes como ultrapassados".

Como se todos não fossemos ficar velhos um dia e como se isso fosse uma maldição que vemos apenas nos outros e a espantamos com um "vade retro" gritado ou silencioso.

Ok, como diria o Fernando Pessoa, somos mesmo cadáveres adiados e certamente a idade é um peso que aumenta a cada dia, o meu joelho esquerdo que o diga. Mas que não seria tão ruim assim se o espelho da sociedade não nos retratasse como algo indesejado, quase abjeto, refletindo na verdade medos e angústias que a saúde e a alegria de viver aceitando suas eventuais limitações espantam facilmente.

Da Folha de São Paulo de 07/07/2012

domingo, 8 de julho de 2012

Fraude em nome dos deficientes físicos

Ministério abasteceu esquema de fraude

O Ministério da Ciência e Tecnologia abasteceu, via convênios com uma entidade beneficiada por R$ 24,7 milhões em recursos públicos, um esquema de fraudes praticado por empresas de fachada. Favorecido por 32 contratos na gestão do PSB no ministério, o Instituto Muito Especial forjava cotações de preços e contratava para executar os serviços fornecedoras ligadas aos seus dirigentes e que existem apenas no papel. Reportagem do jornal Estado de S.Paulo revela que cerca de 90% dos recursos que abasteceram o esquema vieram de emendas parlamentares. Com sede no Rio de Janeiro, o Instituto Muito Especial obteve, desde 2008, R$ 22,4 milhões em emendas individuais do primeiro-secretário da Câmara, Eduardo Gomes (PSDB-TO), de dez ex-parlamentares e da Comissão de Ciência e Tecnologia, a título de desenvolver ações de apoio a portadores deficiência. Os dados estão sob investigação da Controladoria-Geral da União (CGU).

Do blog do Cláudio Humberto publicado em 08/07/2012 | 10:38
http://www.claudiohumberto.com.br/principal/

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Tratado China Mercosul e a destruição da indústria brasileira

Quem comprará biquínis de quem?

Passando por Buenos Aires, a simpática figura do primeiro-ministro chinês Wen Jiabao propôs a negociação de uma zona de livre-comércio com o Mercosul. Beleza. O Brasil passará a vender biquínis do tipo fio dental para centenas de milhões de mulheres chinesas. Falso. O Império do Meio exporta mais "fios dentais" que Pindorama.
A proposta de Wen Jiabao atende à política chinesa de expandir suas exportações por meio de acordos de livre-comércio. Já firmaram nove, do Chile a Cingapura e do Peru ao Paquistão. Atualmente negociam 28 outros tratados, nos cinco continentes. Para um país que em 2008 perdeu 20 milhões de empregos no setor exportador, nada mais certo. Até que ponto esse movimento será duradouro, não se sabe.

Quando os americanos propuseram uma zona de livre-comércio à América Latina, a ideia foi derrubada, com alguma razão, porque nela estaria embutida a destruição da indústria brasileira. Agora a proposta vem da China, com alavanca argentina, e a doutora Dilma diz que "em um quadro de crise de caráter agudo como a atual, que parece estender-se por um período longo, é importante que os países como a China e o Mercosul estreitem relações. Para nós, é indiscutível a prioridade que damos à relação com a China".


A subordinação de uma parte do comércio exterior brasileiro ao Mercosul é uma política arriscada, talvez suicida. Os companheiros acabam de admitir a Venezuela, aproveitando-se da cassação do Paraguai. Com isso, numa época de crise, o Brasil junta sua economia à dos dois únicos países do mundo com inflação superior a 25%. Deixando-se de lado a opinião que se tenha de Cristina Kirchner e Hugo Chávez, seus mandarinatos transformaram a Argentina e a Venezuela em encrencas.

O Mercosul já foi uma construção voluntarista. Hoje caminha para ser casa de loucos. Nela, todos desentenderam-se com o Paraguai, e a diplomacia companheira desentendeu-se com o chanceler uruguaio. A proposta da criação da zona de livre-comércio com a China, numa videoconferência a partir de Buenos Aires, logo depois de Wen Jiabao ter deixado o Rio de Janeiro, parece ter sido concebida num manicômio. Uma sugestão desse tamanho demandaria ao menos reuniões técnicas preparatórias e, quando os chefes de Estado tivessem que entrar em cena, isso deveria ocorrer um carne e osso, não na telinha.

No ano passado 81% do valor das exportações brasileiras para a China vieram de minérios, grãos e petróleo. Em pouco mais de dez anos as exportações de bens industrializados caíram de 58% para menos de 15%. Graças aos chineses os brasileiros compram têxteis e eletrodomésticos baratos, mas nessa relação há uma instabilidade perigosa. Quando a doutora Dilma estudava no Colégio Estadual Central, em Belo Horizonte, estava na moda a "Canção do Subdesenvolvido", de Carlos Lyra. O Grande Satã da época eram os Estados Unidos, e sua letra dizia assim:

"E começaram a nos vender e a nos comprar
Comprar borracha - vender pneu
Comprar madeira - vender navio
Pra nossa vela - vender pavio"

Pequim e Brasília sabem que precisam conversar. Enquanto forem os dois, todo mundo terá a ganhar. Se o Mercosul entrar nessa negociação com seu multilateralismo chavecado, vale repetir Luís Eduardo Magalhães: "Não há a menor chance de dar certo".

De Elio Gaspari na Folha de São Paulo de 04/07/2012
Elio Gaspari, nascido na Itália, veio ainda criança para o Brasil, onde fez sua carreira jornalística. Recebeu o prêmio de melhor ensaio da ABL em 2003 por "As Ilusões Armadas".

Opinião do editor deste jornal:

Isto parece piada de português, piada de mau gosto, caso este tratado se assinado nós deveremos pedir desculpas aos "patrícios", por terem assinado o
t
ratado Portugal e Inglaterra que proibia indústrias em Portugal e colônias, conhecido como tratado de Methuen, assinado em 27 de dezembro de 1703 em Lisboa, com três artigos afirmando que a Inglaterra se comprometia a adquirir os vinhos de Portugal, pagando estes dois terços dos direitos impostos aos vinhos franceses. Na mesma lógica, os portugueses se comprometiam a adquirir os panos ingleses. 

Em 1810, D.João VI piorou a coisa ao assinar vários tratados com a Inglaterra, sendo o mais importante deles o TRATADO DE COMÉRCIO E NAVEGAÇÃO, que estabelecia uma taxa de apenas 15% sobre a importação de produtos ingleses. Para avaliar o significado dessa medida, basta lembrar que a taxa de importação de produtos portugueses era de 16% e a de produtos de outras nações de 24%. Com esse tratado os ingleses praticamente eliminavam a concorrência no mercado brasileiro, dominando-o por completo. 
Além disso, os tratado de 1810 acabaram com as vantagens que o Alvará de 1º de abril de 1808 trouxera para a indústria brasileira. Esta ficou então obrigada a sofrer a concorrência insuportável dos produtos ingleses, que entravam na colônia pagando taxas alfandegárias muito baixas.

José Geraldo da Silva