quarta-feira, 19 de março de 2008

Diferencial de juro estimula especulação

Com juros reais negativos nos EUA, o Brasil fica ainda mais atraente para o investidor estrangeiro por conta do diferencial entre os juros internacionais e os locais. Os títulos do governo brasileiro pagam hoje uma média de sete pontos percentuais a mais que os papéis do Tesouro americano, já descontadas as respectivas inflações.
No caso da Bolsa, o país também pode oferecer perspectivas melhores de retorno para as empresas, considerando que a economia americana enfrenta -ou caminha para- uma recessão, com crescimento anual previsto de 1%, enquanto no Brasil a previsão é de alta de 5% do PIB.
Os efeitos de curto prazo desse diferencial de juros na economia se traduzem em uma apreciação do real, que se soma a uma desvalorização internacional do dólar -política que ajuda os EUA a venderem mais no exterior e a atraírem capitais, financiando o fim da recessão.
Quando entra no Brasil, o estrangeiro lucra duas vezes: primeiro, com o retorno maior, seja por juro alto ou alta das ações; depois, com o câmbio, já que o real tem comprado sempre mais dólares meses depois, na saída.
O esquema permite uma das operações financeiras mais rotineiras envolvendo países emergentes, o chamado "carry trade". Investidores emprestam dinheiro com juro baixíssimo nos EUA, Europa e Japão para investir em emergentes como Brasil, Leste Europeu e Turquia. Com o ganho no país emergente, pagam o empréstimo original e ainda embolsam uma soma considerável.
"A redução dos juros nos EUA torna ainda maior o nosso diferencial de taxa. Além de um porto seguro, o Brasil ainda paga sete pontos percentuais a mais de juros. Isso vai trazer mais dólares. Não sei como o governo pensa em equacionar a questão cambial", disse Jason Vieria, da UpTrend.
E esse quadro pode ser acentuado, caso o Banco Central brasileiro resolva subir os juros para conter eventual pressão inflacionária, como sinalizou o Copom. "A ata do Copom foi alarmista. Não há motivo para subir o juro. Os outros países estão baixando os juros, e não há perspectiva de aumento inflacionário", disse Alcides Leite, da Trevisan.
Leite reconhece que o diferencial de juros existe, mas relativiza seu impacto em momentos de turbulência. Ele afirma que o diferencial servirá para "tapar o buraco" que se abre com o aumento da aversão ao risco, que prejudica o Brasil. "Um anula o outro, e fica na mesma. O diferencial de juros é grave, mas não maior do que já era."
Para Fernando Blanco, presidente da Coface, empresa de seguro de crédito, o governo brasileiro não deixará o país virar um "cassino" para especulação com diferencial de juros. "Quem vai peitar um Banco Central com US$ 190 bilhões de reservas? O governo já mostrou que está atento e não vai deixar a moeda se fortalecer por uma questão temporária. Depois que o mundo se regulariza, esse dinheiro sai e causa volatilidade. O país é um porto seguro porque a economia está blindada."


De TONI SCIARRETTA na Folha de São Paulo de 19/03/2008

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