domingo, 16 de março de 2008

Educação

Educação e Bolsa Família

Texto de Antônio Ermírio de Moraes

Os resultados de uma pesquisa recente, publicados pelo Estado, foram muito preocupantes. Eles dizem que os filhos dos que recebem Bolsa Família estão abandonando a escola precocemente ("Abandono escolar cresce entre dependentes do Bolsa Família", 9/3/08). Foi a pior notícia que li nos últimos tempos. Nada é mais urgente neste país do que uma boa educação. O pioneiro Bolsa Escola, criado pelo ex-prefeito de Campinas José Roberto Magalhães Teixeira, na década 90, foi um grande achado, porque introduziu um sistema de reciprocidade que deu como resultado a redução da evasão escolar: a família recebia um reforço de renda com o compromisso de manter seus filhos na escola e com bom aproveitamento. O então governador Cristovam Buarque introduziu o sistema na capital federal, e o presidente Fernando Henrique ampliou-o para todo o Brasil. Foi um sucesso. O programa ganhou a atenção internacional. A reciprocidade era o cerne daquela ação. Na pesquisa apresentada pelo Estado, a taxa de evasão escolar dos que recebem Bolsa Família cresceu entre 2002 e 2005. Em alguns casos, a taxa mais do que dobrou. Isso é grave, muito grave. O que está havendo? Os controles afrouxaram? A reciprocidade acabou? O valor da ajuda se deteriorou? O Bolsa Família paga R$ 58 por família e mais R$ 18 por filhos entre 0 e 15 anos nas situações familiares em que a renda per capita é inferior a R$ 60. Após os 15 anos, o filho deixa de receber a sua parcela. Na referida pesquisa, alguns professores afirmaram que muitos dos seus alunos só estão na escola por causa daquela ajuda. Assim que completam os 15 anos, vão embora. O Ipea indica também que a evasão mais alta é dos adolescentes mais velhos, o que levou o Ministério da Educação a estender o reforço de renda até os 17 anos. Com isso, o pagamento máximo para uma família subirá dos atuais R$ 112 para R$ 172, desde que ela mantenha na escola os seus filhos entre 15 e 17 anos. Se esse é o problema, tudo indica que o Brasil precisará ir aumentando o benefício do Bolsa Família para atingir seus objetivos. De um lado, a referida extensão tranqüiliza, porque manteremos os brasileiros na escola por mais tempo. De outro, preocupa, porque muitos ficarão na escola só para receber essa ajuda. Por isso, precisamos saber qual é o desempenho real dos alunos mais velhos mantidos com o Bolsa Família. Esse dado é essencial para saber o valor do programa nos dias de hoje. mailto:antonio.ermirio@antonioermirio.com.br



O país do faz-de-conta

Texto de Gilberto Dimenstein

É impossível travar um debate sobre o desempenho de um governo se o eleitor não entende porcentagem
A CADA ELEIÇÃO, OS JORNALISTAS tentam descobrir meios para tornar menos chatos os debates técnicos de programas de governo pelo simples e óbvio motivo de que o essencial, na disputa, deveriam ser as propostas dos candidatos. Saímos frustrados dessa batalha editorial porque sempre vence, com ampla diferença, o jogo de marketing, com a manipulação de emoções e as promessas faz-de-conta que desaparecem com a desmontagem dos palanques. Novamente, vamos nos frustrar na escolha dos futuros prefeitos.Uma das razões dessa inevitável frustração apareceu na semana passada, quando foi revelada a trágica falta de capacidade dos brasileiros de lidar com números.
Na quinta-feira, saíram os resultados das provas do Saresp (Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo), que revelaram que, na rede estadual de educação de São Paulo, apenas 4,3% dos alunos do terceiro ano do ensino médio apresentaram o conhecimento adequado de matemática -os demais 95,7% foram classificados no nível "abaixo do adequado". Para chegar ao "adequado", o estudante precisaria, por exemplo, fazer cálculos de porcentagem ou selecionar dados de um gráfico. É impossível travar um debate com um mínimo de objetividade sobre o desempenho de um governo se o eleitor não entende nem mesmo o que é uma porcentagem ou um simples gráfico.
Note que estamos falando de uma rede de educação de São Paulo, que está entre os primeiros lugares nos testes nacionais. Considere também que, neste artigo, selecionei apenas os alunos do último ano do ensino básico, um grau de escolaridade de uma minoria dos brasileiros. De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral, somos 127 milhões de eleitores, dos quais mais do que a metade (64 milhões) não conseguiu o diploma do ensino fundamental; desse total, 8,2 milhões não sabem ler nem escrever. No Nordeste, a média dos que não têm diploma do ensino fundamental sobe para 70%.
A subcidadania matemática do eleitor é visível cotidianamente no consumidor. Grupos financeiros vêm desenvolvendo programas de ensino de matemática para jovens e adultos. A razão é simples, e não é apenas por caridade educacional. Com a maior oferta de crédito popular, muita gente está se afundando em dívidas porque não sabe comparar o valor de cada prestação ao próprio salário. As financeiras querem que o indivíduo compre, mas não que ele quebre e dê o calote, daí seu ímpeto educativo. Se já é difícil para um indivíduo calcular se uma prestação o levará ao buraco, muito mais difícil é a escolha de um candidato ou a avaliação racional de uma gestão administrativa, baseada em indicadores.
O problema não é só votar com menos consciência, mas não saber, depois, fiscalizar os governantes. Isso ajuda a explicar por que escolas numa região tão desenvolvida como São Paulo ensinam tão pouco. Se todos os pais conseguissem entender o que sai dos testes educacionais, eles se indignariam, cobrariam atitudes dos governantes e se vingariam nas urnas -e seus filhos saberiam fazer contas, seriam melhores eleitores e não se deixariam enganar tão facilmente pelas baboseiras dos candidatos. A frustração dos jornalistas, então, seria amenizada porque eleitores atentos são bons leitores, e os programas dos candidatos não seriam de faz-de-conta.
Está aí o custo daquela brincadeira de que, no Brasil, o aluno faz de conta que aprende e a escola faz de conta que ensina -o resultado final é a cidadania do faz-de-conta.
PS - Há, no entanto, pelo menos dois motivos para comemorar :
1) Graças à linguagem simplificada, é possível saber como anda cada escola e compará-la às demais, estabelecendo um ranking, o que facilita a pressão. Vemos que, em lugares onde os professores estão mais comprometidos (faltam menos), são mais bem preparados, sabem usar o cotidiano para ilustrar as aulas e aproximam-se da comunidade, os resultados aparecem.
2) O teste vai servir para romper o pacto de mediocridade e premiar todos os funcionários da escola, com base, principalmente, no sucesso dos alunos. A implantação do prêmio por mérito faz sentido, porque os professores receberam, neste ano, materiais que estabelecem a expectativa de aprendizagem para cada série. Por causa desses dois motivos de comemoração e pela importância da rede pública de São Paulo, não tenho dúvidas em afirmar que estamos diante do mais importante projeto de renovação da educação brasileira.
gdimen@uol.com.br

Textos copiados da Folha de São Paulo de 16/03/2008

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