O verão no norte deve diminuir a velocidade de propagação; para nós, no sul, o pior é agora
VIVEMOS UMA pandemia de gripe suína. Foi o que declarou a Organização Mundial da Saúde nesta semana, após contabilizar 36 mil casos em 75 países.
A designação de pandemia se refere à disseminação do vírus pelos diversos países, não à gravidade da doença -a mortalidade tem sido em média 0,4%.
Sempre que surge uma epidemia, o mundo quer saber se tudo foi feito para contê-la nos momentos iniciais. A pergunta tem lógica porque não são raros os exemplos de governantes que escondem os primeiros casos de doenças contagiosas para evitar preconceitos e perdas econômicas. Em número recente, a revista Science mostra que não foi esse o caso na atual crise.
Na cidade do México, no dia 7 de abril, os serviços de saúde detectaram a existência de pneumonias graves associadas a quadros gripais em adultos jovens, justamente a faixa etária que costuma apresentar poucas complicações de gripe.
Imediatamente, os mexicanos começaram a colher dados e a acompanhar a evolução do surto.
Como os laboratórios daquele país não dispunham da tecnologia necessária para identificar o novo vírus, foram enviadas diversas amostras para os Centers for Disease Control and Prevention, nos Estados Unidos, e para a Public Health Agency, no Canadá.
Em 23 de abril -portanto apenas 16 dias após identificado o surto-, canadenses e americanos confirmaram que realmente se tratava de um novo vírus, o A (H1N1), de origem suína. Segundo a epidemiologista Ira Longini, da Universidade de Washington, criadora de modelos matemáticos para prever a disseminação das epidemias de gripe: "Os mexicanos fizeram todo o possível dentro de uma situação impossível".
Tem razão, é praticamente impossível para qualquer país conter um surto epidêmico de um novo vírus da gripe. Para reforçar, os epidemiologistas mexicanos apresentam um argumento indiscutível: "Os americanos identificaram o vírus antes de nós, e não foram capazes de contê-lo".
Enquanto nas epidemias passadas os cientistas trabalhavam isolados em seus laboratórios, desta vez as informações sobre as características do vírus e da enfermidade causada por ele foram trocadas em conferências pela internet, YouTube, Skype, Twitter, Google Maps e toda a parafernália disponível nas telas dos computadores. Jamais uma epidemia foi monitorizada em tempo real como esta.
Em poucos dias os genes do vírus haviam sido sequenciados e colocados à disposição da comunidade científica através do GenBank.
Ficou claro que cerca de um terço deles veio do vírus da gripe suína da América do Norte, um terço da gripe aviária também norte-americana e o terço restante da gripe suína típica dos países europeus e asiáticos.
Os fatores que facilitaram a transmissão do vírus para o homem, bem como sua adaptação à disseminação de homem para homem, são desconhecidos. Há especulações de que o surto tenha suas origens na infecção de um porco, no Estado mexicano de Veracruz. Outros supõem que o primeiro animal tenha se infectado nos EUA, como consequência do comércio de porcos com os países asiáticos.
No dia 2 de maio, os canadenses anunciaram a primeira infecção pelo vírus A (H1N1) em porcos que nunca haviam saído do país: numa fazenda com 2.200 animais, 10% foram infectados.
A suspeita da fonte de infecção recaiu sobre um marceneiro que tinha viajado para o México e trabalhado na pocilga num dia em que se sentia adoentado. Caso seja confirmado, esse caso é único na literatura: um vírus transmitido do porco para o homem, que mais tarde percorre o caminho inverso.
O que acontecerá?
Ninguém sabe, leitor, a epidemia está em sua infância. A chegada do verão nos países do hemisfério norte provavelmente diminuirá a velocidade de propagação, mas existe a possibilidade de seu retorno no outono.
Para nós, que vivemos ao sul, o pior virá agora, com o inverno.
O perigo mais temido é o de que depois desse ataque inicial, o vírus sofra mutações que o tornem mais letal, como ocorreu com a gripe espanhola. Essas mutações, no entanto, ainda não aconteceram: as amostras virais colhidas nos quatro cantos do mundo são portadoras de genes idênticos.
Surgirão cepas mutantes, mais agressivas. Como saber?
A evolução das espécies é sobretudo imprevisível, como ensinou Charles Darwin.
Texto do Doutor Draúzio Varella na Folha de São de Paulo de 20/06/09
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