sexta-feira, 26 de junho de 2009

A mulher no islã

A mulher no islã

OS PROTESTOS sobre o resultado das eleições no Irã mostraram a face de um dos mais dolorosos tratamentos impostos à mulher, que, baseados em motivos religiosos, varre os países islâmicos e a sujeita a uma situação de inferioridade que atinge brutalmente os direitos humanos.
Já contei uma vez, nesta coluna, que Antonio Alçada Baptista, grande escritor português que morreu no ano passado, certa vez, conversando comigo em Lisboa, dava graças a Deus por ter nascido português. Dizia que achava isso um privilégio que o Criador lhe tinha deferido e acrescentava com humor: "Calcule se ele me tivesse feito mulher no Afeganistão".
Os talibãs eram radicais em relação ao uso da burca, aquele cárcere de pano que prende o corpo e a face das mulheres, sem que possam mostrar nem sequer a forma dos pés.
Outros países vão à mutilação do clitóris para que a mulher seja apenas um repositório do sêmen do homem. No Irã, são legalmente consideradas cidadãs de segunda classe, que nem sequer têm direito à guarda dos filhos e são obrigadas pela sharia (a lei islâmica) a usar uma bata que lhe esconda os contornos do corpo, além de terem de cobrir a cabeça e usar o véu. Tudo isso as transforma em escravas sujeitas a todos os tipos de tratamento desumano.
Estive em Teerã, de passagem apenas pelo aeroporto, há mais de 30 anos, com Tancredo e Nelson Carneiro, quando íamos a uma conferência da Interparlamentar no Sri Lanka. A cidade é cercada de montanhas, muito seca, sem nenhuma umidade e dá uma sensação de aridez. É tão grande esse clima de opressão causado pela secura que, quando o aiatolá Khomeini morreu, em seu sepultamento a multidão de milhões de pessoas foi constantemente aspergida por helicópteros especializados em incêndios, que jogavam água sobre ela -e nem assim conseguiram evitar muitos mortos.
Agora surgiu na campanha eleitoral um candidato, Mousavi, que revolucionou tudo. Comparecia aos comícios com sua mulher, Zahra Rahnavard. Transformou-se logo no homem que valorizava a mulher. Seu cartaz dizia: "Mousavi, igualdade". Esta palavra, igualdade, ficou logo associada à causa feminista.
Agora, os protestos violentos que enchem as ruas de Teerã contra a fraude eleitoral têm como vanguarda sempre mais mulheres. Jovens de todas as idades. E o símbolo desse protesto passa a ser Neda, uma mulher morta pela milícia fanática dos aiatolás, basiysí. Seu rosto ensanguentado foi mostrado em todo o mundo. Seu sangue sem dúvida vai motivar mais ainda a libertação da mulher iraniana. Isso mostra que nem as mais cruéis tiranias, mesmo as teocráticas, resistem às ideias de liberdade e igualdade.

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Texto de José Sarney na Folha de São Paulo de 26/09/09


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