Nos últimos 50 anos, a evolução da medicina permitiu redução drástica nas mortes causadas por doenças mais conhecidas, como as cardiovasculares e o câncer. Infelizmente, o mesmo ainda não ocorreu com o suicídio: as taxas se mantêm estáveis ou até aumentaram em alguns países, caso do Brasil. Entre 2011 e 2015, o número de ocorrências subiu cerca de 7% no país —77% das mortes por suicídio acontecem em países de baixa e média renda.
O suicídio é um fenômeno complexo e multicausal. Existe, contudo, uma motivação comum em aproximadamente 90% dos casos: a existência de um transtorno mental, tal como depressão e alcoolismo. A mortalidade associada ao suicídio é apenas a ponta do iceberg. É preciso ampliar o debate: temos que olhar para a saúde mental e cuidar das pessoas com transtornos mentais.
Durante a pandemia, o tema saúde mental entrou pela porta da frente de nossas casas. Sentimentos, emoções, pensamentos, todos os componentes do funcionamento típico da nossa mente foram afetados pela mesma ameaça. Num primeiro momento, vivemos o medo, a ansiedade, as preocupações. Muitos viveram o luto. Sofremos e usamos nossas ferramentas para lidar com esse sofrimento. Esse processo de negociação contínua é uma boa definição para saúde mental.
Quando essa negociação não vai bem, temos os sintomas. E quando os sintomas persistem e vencem a nossa capacidade de superação, o nível de sofrimento aumenta, passando a afetar várias dimensões da vida, impactando a rotina no trabalho, na escola e nas relações. Isso caracteriza um transtorno mental, termo mal compreendido e estigmatizado, mas que designa os diagnósticos da psiquiatria, incluindo depressão, transtornos de ansiedade e transtorno bipolar, entre outros.
Os transtornos mentais são muito frequentes: uma em cada quatro pessoas vai desenvolver um quadro ao longo da vida. São as principais causas de incapacitação na faixa etária dos 14 aos 50 anos. Isso gera um custo para a economia mundial estimado em US$ 2,5 trilhões. De acordo com projeções da Organização Mundial da Saúde, esse número chegará a US$ 6 trilhões em 2030.
Atualmente, os transtornos mentais são considerados doenças crônicas dos jovens, já que três em cada quatro adultos acometidos começaram a apresentar sintomas antes dos 24 anos e metade desses antes dos 14 anos. Por outro lado, o investimento em saúde mental tem um retorno inquestionável. A Lancet Commission para saúde mental global aponta que, para cada dólar investido por um governo no tratamento de depressão e ansiedade, há um retorno de outros quatro em melhora de saúde e ganho de produtividade.
Para mudar esse cenário temos que chegar mais cedo, identificando precocemente e tratando de forma eficaz as pessoas com transtornos mentais. Contudo, essa não é uma tarefa trivial, e são inúmeras as barreiras. Dados de estudo que conduzimos no Instituto Nacional de Psiquiatria do Desenvolvimento (CNPq e Fapesp), que segue 2.500 jovens em São Paulo e Porto Alegre por mais de dez anos, mostram que cerca de 80% daqueles que apresentam um transtorno mental não estão em atendimento. Segundo o estudo, o principal motivo associado à falta de tratamento não foi a escassez de serviços de atendimento, mas sim o estigma relacionado de ter alguém com um transtorno mental na família.
Uma das maiores campanhas de conscientização sobre suicídio do mundo, chamada Setembro Amarelo, vem sendo desenvolvida com sucesso no Brasil. Realizada por importantes atores da sociedade civil, ela busca levar informações para combater o estigma ligado ao suicídio.
Uma pessoa que apresenta pensamentos suicidas precisa ser avaliada e tratada com urgência. A ação rápida e coordenada salva vidas.
Não há dúvidas de que cuidar do suicídio é primordial, mas temos que agir antes: adotar o paradigma da prevenção, que começa pela informação sobre o tema. Nesse sentido, a pandemia vem oferecendo uma oportunidade única. Precisamos falar sobre saúde mental.
Texto de Rodrigo Bressan e Pedro Pan na Folha de São Paulo
Rodrigo Bressan, psiquiatra, é presidente do Instituto Ame Sua Mente e professor livre docente pela Unifesp e do King’s College London
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