terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Genética liga sedução à agressividade em moscas

Genética liga sedução à agressividade em moscas Substância que induz macho a brigar também aumenta receptividade de fêmea 

Biólogos identificaram pela primeira vez em um animal o circuito neural que regula a atuação dos feromônios de comportamento violento


Kravitz Lab/HMS

Moscas-das-frutas lutam em arena montada em laboratório 

O mecanismo genético que regula o comportamento sexual de moscas-das-frutas é o mesmo que controla a agressividade desses animais. A descoberta saiu de um estudo que analisou insetos sob influência de feromônios, substâncias exaladas para comunicação química. Foi a primeira vez que biólogos identificaram neurônios específicos de feromônios de comportamento violento.
O estudo, assinado por Liming Wang e David Anderson, do Instituto de Tecnologia da Califórnia, saiu na revista "Nature". O trabalho pode ajudar, no futuro, a entender a influência da genética na agressividade de animais mais complexos.
Drosófilas podem parecer pacíficas quando sobrevoam a banana na sua cozinha. Mas, coloque-as em um ringue de luta, e elas dão socos, cabeçadas, empurrões, e safanões. Esse comportamento foi identificado em 1915, e só agora começou a ser estudado em detalhe, sobretudo por Edward Kravitz, da Universidade Harvard.
Wang e Anderson mostraram que o feromônio cVA, exclusivo de moscas macho, induz conduta agressiva nelas -e isso parece parece estar ligado ao controle de população.
Quando um número grande de machos se junta em uma fonte de comida, o excesso de cVA no ar faz com que comecem a se estapear, e parte deles foge, "reduzindo assim a densidade de população para um nível que representa um equilíbrio ótimo entre alimentação, reprodução e competição", escreveram os pesquisadores.
"Agressão requer regulações de níveis diferentes do sistema nervoso dos animais. Para iniciar uma agressão, um animal precisa "sentir" a presença de oponentes. Nossos estudos mostraram que dados olfativos têm um papel crítico na regulação de agressão em drosófilas", disseram à
Folha Wang e Anderson, em e-mail conjunto.

Vale-tudo artrópode
No ano passado, a equipe de Richard Axel, da Universidade Columbia, de Nova York, havia demonstrado como o cVA produz comportamentos diferentes nos dois sexos, revelando diferenças sutis nos circuitos cerebrais de macho e fêmea.
"Agressão é um comportamento complexo em moscas-das-frutas, e certamente mais do que um feromônio e um receptor estarão envolvidos", disse Kravitz à Folha. Para ele, o estudo de Wang e Anderson ainda não encerra a questão.
"Esse novo artigo confirma o trabalho anterior e possivelmente sugere novas respostas despertadas por estes receptores nas moscas macho", continua Kravitz, que construiu em seu laboratório uma "arena de luta" para duelos de moscas, nas quais elas podem competir por comida, ou, no caso de machos, pelo corpo de uma fêmea.
Dois comportamentos opostos, a luta e o acasalamento, estão ligados nesses animais pela ação de um mesmo gene, o fruitless, abreviado fru. Segundo Kravitz, isso ocorre porque quando um animal se depara com outro, há duas decisões básicas para escolher: partir para a briga ou tentar seduzir.
Nos machos, a ativação neuronal provocada pelo cVA inibe a tentativa de acasalamento de machos com outros machos; já nas fêmeas, ela cria maior receptividade sexual para as investidas dos machos.
O gene fru tem versões diferentes em machos e fêmeas. Um estudo de 2005 na revista "Cell" mostrou que fêmeas alteradas geneticamente para ter a versão masculina passavam a ter comportamento de acasalamento semelhante ao dos machos, e começavam a tentar seduzir outras fêmeas. Já os machos com a versão feminina perdiam o interesse pela coisa.
Kravitz descobriu que o mesmo gene influencia o estilo de luta das moscas. Machos com o gene fru feminino tendiam a querer mais lutar do que fazer sexo com fêmeas, e lutavam feito menininhas, dando mais empurrões do que socos. E fêmeas com o fru masculino passavam a lutar como machos.

Do inseto ao homem
Em humanos, claro a agressão é um comportamento bem mais complexo; como os estudos com mosquinhas poderiam ajudar na sua compreensão?
"Em algum momento nós compreenderemos as raízes da agressão nos modelos biológicos no nível dos neurônios e dos circuitos envolvidos", diz Kravitz. "Nossa esperança é que entender como comportamentos complexos acontecem em qualquer sistema animal -sim, mesmo nas mosquinhas-, deverá nos dar informação de pelo menos onde procurar as respostas em formas de vida superiores, incluindo seres humanos."


De Ricardo Bonalume Neto na Folha de São Paulo de 28/12/09 

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