domingo, 4 de novembro de 2007

Habemus Defensoria!

Em 31 de outubro de 2007, o STF (Supremo Tribunal Federal), declarou em histórico julgamento, por unanimidade de votos (8 a 0), a total improcedência da ação direta de inconstitucionalidade que objetivava prejudicar os beneficiários da garantia constitucional inscrita no artigo 5º, inciso LXXIV.

Com essa importante e histórica decisão, observamos, finalmente, o reconhecimento, agora também pela cúpula do Judiciário, da cristalização da formação da carreira de defensor público de São Paulo.

A presente coluna bem poderia ter sido intitulada de “a segunda luta dos defensores públicos de São Paulo”, como um complemento a uma outra publicada em 28 de abril de 2006, aqui mesmo no Última Instância .

Conforme destacou o voto do eminente ministro Aires Brito, bem ao contrário do alegado na referida e improcedente inicial da ação direta de inconstitucionalidade, os ex-procuradores do Estado de São Paulo, que optaram pela Defensoria Pública, após a extinção da PAJ, haviam sido submetidos a um “super-concurso” público.

Portanto, que não se tente subverter a verdade. Os ex-procuradores do Estado que, por vocação, optaram pela defesa dos pobres na acepção jurídica do termo, haviam se submetido a um concurso público que lhes permitia – tamanha a dificuldade e a grade de matérias exigidas – exercer 3 funções distintas: defensores públicos, atuar na consultoria administrativa, e exercer a função própria de advogado do Estado (contencioso).

A “criação” da Defensoria em São Paulo nada mais representou que a necessária cisão dessas funções. Nada foi, propriamente, criado. O Estado apenas se beneficiou. A oferta da tutela jurisdicional (inclusive a coletiva – conforme minha coluna de 19 de janeiro de 2007) apenas se intensificou.

No meu tempo de procurador do Estado costumava-se publicar as notas de classificação dos aprovados no concurso, após a opção. Assim, tínhamos um primeiro classificado (aprovado com a maior nota no concurso de provas e títulos), mas sempre sabíamos também quem era o “primeiro lugar na PAJ”.

Não tive talento para atuar na assistência judiciária. Na realidade, faltava-me vocação. Conforme destacaram os ministros Aires Brito e Cezar Peluso, apenas a vocação para essa atividade essencial do Estado permite que alguém abandone a carreira de procurador do estado para se dedicar aos menos favorecidos. Mais: no caso concreto, ganhando menos!

Em várias outras oportunidades, inclusive no Departamento Jurídico do XI de Agosto, atuei como defensor dos beneficiários da Lei nº 1.060/50. Posso testemunhar a dificuldade e o envolvimento emocional com situações que trazem à tona uma dura realidade de quem, como diria a bela letra da música de Eros Ramazzotti ("Se bastasse una canzone"), “sono allo sbando”.

Posso testemunhar, ainda, que jamais a maioria dos ex-colegas viam os “procuradores da PAJ” como integrantes da mesma carreira. Apenas do ponto de vista formal a carreira era uma só.

Pior: não faltavam manifestações de preconceito, pois a advocacia dos pobres sempre foi vista como uma tarefa menos nobre entre muitos dos meus ex-colegas.

Curiosamente, nobre rima com pobre.

Essa pequena alteração de letras ganhou uma nova dimensão a partir do julgamento de 31 de outubro de 2007. No “dia das bruxas” o STF queimou uma bem malévola.

Não fiquemos apenas com o resultado. Interessante será a leitura de cada um dos 8 votos.

Com mais ou menos ênfase, cada voto proferido tocou o mesmo tema: a nobreza da atividade que já desempenham os defensores públicos poderá representar a diminuição da pobreza do sentimento de injustiça que decorre da exclusão.

Nesse contexto, significativo o voto da ministra-Presidente. Aliás, não se esperaria outra conduta da ministra Ellen Gracie Northfleet, que traduzindo a insuperável obra de Mauro Cappelletti ("Accsses to Justice: the worldwide movement to make rights effective") sabe, como poucos, que o acesso à Justiça passa pelo aperfeiçoamento dos órgãos que têm como missão permitir que os menos afortunados possam, no mínimo, “reconhecer a existência de um direito juridicamente exigível” (p. 22). Aos que torciam contra, aproveito a data para manifestar meu profundo pesar.

Parabéns aos defensores. Não se iludam: “a luta continua”!

Texto de José Marcelo Vigliar em Úlima Instância
http://ultimainstancia.uol.com.br/colunas/ler_noticia.php?idNoticia=44067


Comentário: esta é minha homenagem e de todos leitores deste blog aos defensores dos pobres, aos defensores da mulheres espancadas, aos defensores dos "sem defesa" por que são pobres.

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