Reforma tributária, por Antonio Delfim Netto
OS EQUÍVOCOS tributários têm sido uma marca de nossa história desde a Colônia. O Primeiro Império assistiu à reação das Províncias à centralização tributária de dom Pedro 1º que a Regência tentou corrigir sem sucesso.
O mesmo aconteceu no Segundo Império, quando as reivindicações regionais por um mínimo de autonomia tributária foram solenemente ignoradas. Numa simplificação dramática de nossa história, podemos dizer que a Independência, a crise do Primeiro Império, as revoltas da Regência, a queda do Segundo Império e a República tiveram como uma de suas causas o desejo de um razoável sistema tributário. O mesmo fenômeno é visto na recusa à centralização do período Vargas (1930-1945) e do regime autoritário (1964-1984).
Ao contrário do que freqüentemente se supõe, a Federação brasileira não é construção de cérebros peregrinos, o que explica por que nos acompanha, desde sempre, a busca de uma estrutura tributária que incorpore as diversidades regionais e dê a elas a oportunidade de um mínimo de autonomia dentro da coerência nacional.
O Brasil sabe que precisa de um sistema tributário mais simples, mais equânime e mais eficiente na mobilização do trabalho, com impostos não-cumulativos que desonerem os investimentos e as exportações. E precisa saber, também, que nunca o conseguiu, desde a Constituição outorgada por dom Pedro 1º em 1824 e as experiências posteriores de 1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e 1988.
Vivemos hoje um regime teratológico: a maior e mais desajeitada carga tributária/PIB do mundo para sustentar o Estado mais ineficiente do mundo entre aqueles com a nossa renda per capita. Deveria ficar claro que o problema prioritário não é a "reforma tributária", mas a análise crítica e correção da relação custo/benefício do Estado que nos sufoca. O projeto de reforma tributária proposto ilide o problema fundamental e considera a carga tributária/PIB como uma tragédia da natureza!
O substitutivo adotado pela Comissão Especial da Reforma Tributária revela alguns avanços. Parece, entretanto, uma temeridade tentar aprová-lo na base da "carga de cavalaria". São enormes os riscos jurídicos que apresenta sua grande inovação, o IVA-Federal, e assustador o potencial de desestabilização política implícito na mudança das regras de decisão do Confaz, além de banalizar a constitucionalização dos tributos.
Neste instante de grande insegurança e de necessidade de concentrar o esforço nacional na redução dos efeitos da crise mundial, seria aconselhável postergar a reforma para discuti-la com maior cuidado num momento mais adequado.
Temeridade em dobro, por Paulo Rabello de Castro
A reforma tributária é uma temeridade que duplica o absurdo do atual Orçamento da União para 2009
ENQUANTO avança a tsunâmica crise financeira mundial, deixando analistas boquiabertos pelas vítimas que tem deixado por seu caminho, na terrinha de Cabral continuamos distraídos na nossa brincadeira preferida: a cabra-cega.
Mas nem todos. Venho de um encontro no Brasil central, aliás dois, um deles em Cuiabá, idealizado e organizado pelo prefeito reeleito Wilson Santos (PSDB-MT), e outro na Comissão de Finanças da Câmara dos Deputados, em audiência convocada por Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR) e presidida por Pedro Eugênio (PT-PE). Dois magníficos encontros para debater a extensão e a gravidade da crise global que já engolfa nosso país e nos pegará em cheio em 2009.
Em Cuiabá, o foco do seminário foi regional e local. Wilson Santos estava intrigado como o governo ainda não se mobilizara para estudar a crise, deixando-se acomodar pelos dados positivos da arrecadação tributária acumulados durante 2008. Queria ele avaliar o tamanho do tombo que levará o agronegócio em Mato Grosso, afetando todos os programas de investimento do Estado e da capital, inclusive inviabilizando a cota-parte dos 20% prometidos por municípios de MT nas obras do PAC.
O seminário começou, oportunamente, com um Pai-Nosso puxado por uma pastora evangélica. Rezar também é preciso diante da avaliação do estrago que a queda de preço das commodities agrícolas e minerais provocará, não só às finanças daquele grande Estado produtor como à própria lógica do crescimento econômico baseado sobretudo na valorização de preços de alguns exportáveis.
A maré virou. O cenário diante de nós lembra, sem retoques, uma tragédia de desbarrancamentos financeiros. Para prevenir o pior, o governo de MT, segundo relato do secretário das Finanças do governo Blairo Maggi, acaba de contingenciar 30% da arrecadação orçamentária do próximo ano. Agiu com oportunidade, cautela e verdadeiro espírito público.
Em Brasília, recolhi na Comissão de Finanças da Câmara o mesmo senso de preocupação sobre como agir preventivamente em relação ao Orçamento federal de 2009. O experiente deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR) nos chamou a atenção sobre o risco da imagem do Congresso Nacional perante a sociedade brasileira. Discute-se lá a peça orçamentária do ano que vem, contendo um rega-bofe de aumentos de gastos correntes, promovido pelo mesmo Poder Executivo que, até então, vinha fazendo bom trabalho na direção de um orçamento equilibrado (o déficit zero). Três portas adiante, confabulava-se a aprovação, a toque de caixa, de uma reforma tributária sem eira nem beira, capaz de alegrar apenas aos escritórios de tributaristas, que ganharão ações bilionárias contra o governo mau legislador.
A reforma tributária é uma temeridade que duplica o absurdo do atual Orçamento da União para 2009. Dois Brasis surgem dos trabalhos de parto desta crise. Um, atento aos fatos, antecipando situações, contingenciando ações, programando-se para o pior a fim de minimizar as surpresas e o sofrimento da falta de planejamento público. Outro, desatento, lúdico, quase pueril, não distinguindo fato de suposição, não conseguindo fazer leitura correta das reais necessidades de aperto fiscal (e afrouxamento monetário!) .
Falta aquela resposta mais criativa a uma crise global que, por seu ineditismo, exigirá total solidariedade de todos os brasileiros. Como na infausta tragédia catarinense.
PAULO RABELLO DE CASTRO , 59, doutor em economia pela Universidade de Chicago (Estados Unidos), é vice-presidente do Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora de riscos. Preside também a RC Consultores, consultoria econômica, e o Conselho de Planejamento Estratégico da Fecomercio-SP
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