terça-feira, 8 de julho de 2008

Pará: Cartório registra 48 mortes de bebês desde junho

Cartório registra 48 mortes desde junho

Santa Casa
Números indicam mortes de bebês são ainda maiores do que se pensava

Quarenta e cinco bebês morreram em junho na Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará, segundo o cartório do 2º Ofício de Registro, que atende diretamente com um posto avançado as famílias carentes que procuram o hospital. A soma desses 45 óbitos com as três mortes já confirmadas em julho pelo cartório alcança a marca de 48 em apenas 16 dias. O número total de mortes do período de janeiro até ontem chega a 230 bebês.

O número corresponde às certidões de óbito expedidas no mês passado pela unidade cartorária da instituição e significa que quase 20% dos bebês que deveriam nascer no hospital, acabaram morrendo ou durante ou depois do parto. O percentual máximo de mortes considerado aceitável pelo Ministério da Saúde é até 14%.

Mas o número de mortes pode ser ainda maior. Tudo porque nem todas as famílias recorrem ao serviço cartorário gratuito do posto avançado.

Algumas preferem fazer o registro fora da unidade. Mas a maioria absoluta, cerca de 84%, faz a opção pelo serviço ali mesmo. Tanto que o Cartório do 2º Ofício registra, em média, o nascimento de 300 crianças todos os meses.

O número de bebês mortos na Santa Casa vem aumentando desde janeiro deste ano, segundo o relatório do cartório. Em janeiro, 25 óbitos, sendo que 12 de recém-nascidos e 13 de natimortos. Em fevereiro, o número saltou para 38 (10 recém-nascidos e 28 natimortos); em março, mais 35, o que correspondeu a 18 recém-nascidos e 17 natimortos; em abril, o número voltou a subir, com 40 no total. Já em maio, segundo o cartório, 43 bebês morreram, dos quais 19 recém-nascidos e 24 natimortos.

O fato é que, de janeiro a junho, o número de mortes entre os bebês da Santa Casa praticamente dobrou. Saltou de 25 para 45, o que quer dizer um aumento real de 80% no período de seis meses. O sinal de que as coisas não estavam indo bem na maternidade começou a ser dado em fevereiro, quando o número de mortes cresceu, em relação a janeiro, nada menos do que 52%, saindo de 25 óbitos para 38. Em abril, o crescimento já foi de 60% em comparação a janeiro. E, em maio, novo incremento, 72% a mais de bebês mortos do que no início de 2008.


CONTRADIÇÕES


O governo do Estado não divulga os dados oficiais do hospital, mas relata em encarte publicado nos jornais, uma série de contradições.

A principal delas é o número oficial de mortes, restrito a somente um período, de 20 a 22 de junho. Uma outra diz respeito a um dos bebês que morreu na Santa Casa em junho, com vísceras expostas, por exemplo, que teria feito uma longa viagem de ônibus até a capital. Mas, na verdade, o recém-nascido chegou a Belém de helicóptero, trazido pelo Resgate Aéreo do Corpo de Bombeiros, direto do Marajó, em uma operação que durou, entre a solicitação e o resgate, apenas quatro horas.

O próprio coordenador do resgate, tenente-coronel Mauro Tadeu, declarou à época que o bebê vítima da doença congênita conhecida como gastrosquises era o que apresentava melhor estado de saúde.

Hoje, a doutora em Infectologia Irna Carneiro, que ocupou a chefia da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH) da instituição, estará na Fundação Santa Casa de Misericórdia para participar de sindicância aberta para apurar a morte dos bebês. A médica Irna Carneiro saiu do hospital há dois meses, pedindo afastamento, até hoje não explicado nem pela maternidade, nem por ela própria.

Cemitérios têm até hoje para fornecer informações ao Ministério Público

Os cemitérios do Tapanã e Parque das Palmeiras têm até às 17 horas de hoje para encaminhar ao Ministério Público do Estado (MPE) a lista dos sepultamentos de bebês feitos de janeiro a junho deste ano. O promotor de Justiça da Infância e Juventude do Ministério Público do Estado, Ernestino Roosevelt Silva, aguarda essa relação para se pronunciar amanhã sobre o caso dos falecimentos dos bebês na Santa Casa de Misericórdia do Pará.

A Divisão de Atendimento ao Adolescente (Data) aguarda as mesmas informações para dar início às oitivas do inquérito policial aberto para investigar as mortes dos bebês. Segundo a delegada Socorro Maciel, titular da Data, a intenção é começar as oitivas ao longo desta semana, mas as outras informação importante são os resultados das perícias feitas na Santa Casa pelo Instituto Médico Legal (IML). Cinco peritos do IML estiveram na Santa Casa na segunda-feira, 30, para para investigar as instalações e equipamentos da UTI neonatal.

O promotor Ernestino Silva encaminhou ofícios, entre os dias 27 e 30 de junho, a seis cemitérios de Belém, para que prestassem informações que subsidiriam as investigações: Santa Izabel, Tapanã, Parque da Eternidade, Recanto da Saudade, Max Domini e Parque das Palmeiras. Apenas o cemitério Max Domini teria respondido à solicitação de Ernesto Silva, que na última quinta-feira, 3, reiterou o pedido para o cemitério do Tapanã e Parque das Palmeiras. Ele deu prazo de 72 horas para que retornassem com as informações. O prazo termina ao final do expediente do MP hoje.

Segundo as informações emitidas pelo cemitério Max Domini ao Ministério Público, foram realizados três sepultamentos no perfil investigado, todos em datas anteriores ao mês de junho. A promotoria irá comparar os novos dados com o que foi repassado pela Fundação Santa Casa e descobrir o número exato de bebês que morreram no hospital desde janeiro. As informações coletadas podem ser somadas à ação protocolada em março deste ano, que pede a construção de um hospital para atendimento neonatal em Belém, ou poderão subsidiar uma nova ação civil pública contra o Estado e município.

PERÍCIAS


Ontem, a delegada Socorro Maciel explicou que, por nenhuma mãe ter prestado queixa na polícia quanto às mortes dos bebês, é preciso aguardar os resultados das perícias que darão subsídios ao inquérito policial. Uma parte da documentação, pedida pelo promotor Ernestino Silva, foi encaminhada pela Santa Casa e diz respeito aos procedimentos adotados e as informações sobre as causas mortis de cada criança.

Depois de analisar os dados, a delegada solicitou, em conjunto com o promotor Milton Luís Lobo Menezes, que o Conselho Regional de Medicina (CRM) também apresente parecer sobre a conduta adotada pela Santa Casa, informando se as mortes poderiam ter sido evitadas, levando em consideração questões como falta de médicos, de estrutura e de equipamentos do hospital.

Toda essa documentação, segundo Socorro Maciel, vai ajudar na condução do inquérito, para determinar quem será intimado em de que maneira será ouvido no decorrer do inquérito.

Associação de Medicina Intensiva quer apuração de mortes em Belém

A Associação de Medicina Intensiva do Pará (Amipa), regional da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (Amib), enviou um ofício ao Conselho Regional de Medicina do Estado do Pará (Cremepa), para convocar a Câmara Técnica de Medicina Intensiva do mesmo, para avaliar a situação na UTI Neonatal da Santa Casa de Misericórdia do Pará, onde morreram mais de 20 recém-nascidos, desde o último dia 20, informou a presidente da Amipa, Rosangela Leão, por meio da assessoria de imprensa da Amib.

O pedido visa a uma apuração paralela das razões das mortes, já investigadas pelos Ministérios Públicos Estadual e Federal, bem com os motivos da saída do diretor do hospital, Anselmo Bentes, que entregou o cargo a 28 junho. 'Até o momento ainda não havia chegado ao conselho qualquer documento oficial relacionado ao ocorrido. Por isso, encaminhamos ofício para que a câmara reavalie o cadastramento e a operacionalização, junto ao SUS, não só dessa UTI, mas de todas as unidades do Estado, juntamente com a Vigilância Sanitária, que será convocada para apresentar o resultado de vistorias recentes. A partir daí, esperamos que seja emitido um parecer o mais breve possível, para que sejam tomadas medidas plausíveis, dando uma resposta à sociedade', disse a médica Rosangela Leão.

De acordo com a médica intensivista, a Santa Casa, vem enfrentando dificuldades relacionadas à quantidade de pacientes que chegam para atendimento tanto no berçário, quanto na UTI Neonatal, culminando com o resultado lamentável das mortes desses bebês. A falta de especialistas dentro das UTIs é um fator que prejudica o atendimento, ainda mais em hospitais, como a Santa Casa, onde há superlotação.

'Belém precisa muito de mais um hospital materno-infantil e novos pronto-socorros. Além disso, a meu ver, é relativamente fácil adquirir equipamentos, mas é difícil formar uma equipe de intensivistas. Em grande parte das UTIs neonatais da região Norte, por exemplo, é comum utilizarem nos bebês apenas oxímetro de pulso, quando, na verdade, seria necessário o uso de monitorização cardiológica, o que melhoria a qualidade do cuidado', recomenda a médica Leila Rezegue, integrante da Câmara Técnica do CRM.

Para o médico Helio Queiroz, vice-presidente da Amib, as tragédias nas unidades neonatais das regiões Norte e Nordeste se repetem constantemente, chegando esporadicamente à mídia, mas são a rotina de uma região. 'A situação é claramente demonstrada até mesmo nos órgãos oficiais com taxas de mortalidade infantil berrantes, chegando a 47,09 por 1.000 nascidos vivo em Alagoas. Contrapondo-se a outras realidades no mesmo país como em Santa Catarina com uma taxa 13,62 por 1.000 nascidos vivo. A cobertura de pré-natal, por exemplo, varia de 28,65% no Norte, 35,16% no Nordeste; contrapondo-se a 67,98 no Sul'.

'Visitas do Ministério da Saúde, avaliações dos outros órgãos oficiais (CFM, Ministério Público) em momentos de crise geradas por denúncia de pais, de nada resultarão se não forem tomadas medidas políticas e sociais, com intensificação da atenção básica, pré-natal adequado para todas as gestantes, parto humanizado e a oportunidade de ter um leito digno de UTI para aqueles neonatos que assim necessitarem. Independentemente dos resultados que cheguem às investigações, não procede que um Estado como o Pará, com uma população de 6.970.586 habitantes, em 2005, disponha de 176 leitos de UTI Neonatal cadastrados no CNES, não sendo nenhum cadastrado como do SUS, realidade esta que se repete em muitos outras localidades. Muito ainda tem que ser feito em prol da nossa dócil população, que chora silenciosamente a morte de seus recém-nascidos', conclui o vice-presidente da AMIB.

Senador pelo Paraná chama de 'genocídio' casos ocorridos na Santa Casa

BRASÍLIA
Da Sucursal


Parlamentares dos outros Estados manifestarem ontem, na tribuna do Senado, sua reação às mortes de 32 bebês recém-nascidos na Santa Casa de Belém, causadas pela superlotação e falta de equipamentos e condições de higiene. O senador paranaense Álvaro Dias (PSDB) foi o mais radical nas críticas e classificou de 'genocídio' o ocorrido, responsabilizando o governo do Estado pela situação que a principal maternidade do Estado se encontra. 'Não posso denominar de outra forma. Nós já assistimos a inúmeros massacres contra seres humanos no Brasil e no mundo, mas não há massacre mais revoltante do que aquele que alcança recém-nascidos. Vidas que mal chegaram, partiram. Foram decepadas pela irresponsabilidade de quem governa', criticou.

O senador reclamou da cobertura do episódio no restante do País. Comparou a repercussão da morte dos bebês aos casos do Massacre de Carajás, ocorrido em 1996, quando 19 sem-terra foram mortos em confronto com a Polícia Militar, e o da menina Isabella, que foi arremessada do alto de um prédio, em São Paulo, pelo próprio pai, segundo as investigações. 'A imprensa nacional deu destaque anormal a esses episódios. Mereceram destaque internacional. Mas não vejo o mesmo destaque em relação a esse massacre. Esse massacre da UTI da Santa Casa de Belém do Pará. Merece, sobretudo, um chamamento à responsabilidade'.

As mortes, disse o senador, revelam incompetência, irresponsabilidade e desorganização do governo, que precisa definir prioridades na destinação dos recursos públicos para atender às camadas mais empobrecidas da população. Dias ressaltou que o problema que vive a população paraense é um reflexo do problema da saúde em todo o País. 'Não ouvi uma palavra do ministro José Gomes Temporão. A questão é nacional. Onde está o ministro da Saúde? E o presidente da República? Ou o que ocorreu no Pará é pouco para convocar a responsabilidade deles?', perguntou.

O senador disse ainda que o governo precisa mudar de perfil, deixar de ser perdulário e evitar o desperdício, e refutou a argumentação de falta de recursos, pois 'o governo vem arrecadando horrores como jamais arrecadou, próximo de 40% do PIB em receita pública'. Falta competência, organização e sensibilidade humana. 'Um governo que assiste passivamente a um massacre que atinge dezenas de bebês recém-nascidos por absoluta irresponsabilidade de quem governa é um governo que há de ser condenado pela história', sustentou.

Papaléo Paes (PSDB), senador do Amapá, também criticou o descaso do governo federal com o Pará. Por ser uma administração petista, lembrou o senador, imaginava-se que o ministro ou o presidente olhassem com mais atenção para a situação. Conforme Papaléo, que é médico formado pela Faculdade de Medicina do Pará, a Santa Casa de Misericórdia deixou de ser referência de qualidade de serviço, como era na época que lá estudou. 'A Santa Casa está completamente abandonada pelo serviço público. Recebeu uma atenção muito especial – e quero fazer justiça – no governo Almir Gabriel e no governo Jatene, ex-governadores do Pará. Mas hoje está em plena decadência', protestou.

O representante do Amapá avisou que uma comitiva de senadores estará quinta-feira na Santa Casa para conferir in loco as denúncias. 'Vamos lá, na quinta-feira, fazer a nossa parte, que é a fiscalização que esta Casa tem obrigação de fazer – e vão médicos nessa comissão – e fazer também a avaliação das providências já tomadas', disse o parlamentar.

Fonte o Liberal, edição de 08/07/2008
http://www.orm.com.br/oliberal

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