domingo, 16 de dezembro de 2007

Diabo inventou o casamento

O que esperar do casamento

A igreja estava lotada e todos esperavam na fila, para cumprimentar os noivos. Na minha frente, duas velhinhas conversavam, quando uma delas, se referindo à noiva, disse baixinho: 'Coitada, hoje começa a cruz dela.' Aí, não pude deixar de lembrar da avó da minha amiga, que na década de 1970 tinha 89 anos e muita sabedoria. Um dia, no meio de um papo qualquer, ela declarou em tom solene para a neta: “Minha filha, se demônio existe mesmo, pode ter certeza de que foi ele que inventou o casamento.” As mulheres quando casavam, até meados do século 20, sabiam o pesado fardo que dali para frente teriam que carregar. Mas como o sofrimento sempre foi considerado uma virtude na nossa cultura judaico-cristã, havia compensações. Quanto mais difícil a vida e mais problemas tivessem, se suportassem tudo com resignação, adquiriam valor social. A idéia de felicidade conjugal depende da expectativa que se tem do casamento. Durante muito tempo, a mulher não pôde reclamar se seu marido fosse bom chefe de família, não deixando faltar nada em casa. Para o homem, a boa esposa seria aquela que cuidasse bem da casa, dos filhos e dele próprio. E, claro, mais do que tudo, não deixasse aflorar o menor sinal de sua sexualidade. Como não havia pretensão de romance nem de prazer sexual, ninguém se decepcionava e, portanto, não havia separações.

O amor romântico, que durante tanto tempo ficou excluído, mudou toda a história do casamento, depois que, por volta da década de 1940, foi introduzido na relação do casal. Todos passaram a acreditar que só é possível estar bem vivendo uma relação amorosa, e o casamento por amor começou a ser visto como sinônimo de felicidade. Aí as coisas se complicaram. Novos anseios trouxeram expectativas impossíveis de ser satisfeitas. Ao escolher seu parceiro por amor, as pessoas esperam que esse amor e o desejo sexual que o acompanha sejam recíprocos e para a vida toda. Além disso, imagina-se que no casamento se alcançará uma complementação total. Com a convivência e intimidade excessiva, se percebe que não é bem assim. As frustrações se acumulam e inúmeras concessões começam a ser feitas.

Bem que todos se esforçam para corresponder às esperanças depositadas no casamento. Entretanto, por mais que se adie uma decisão, quando se chega ao limite, quando não se suporta mais fazer concessões, não tem jeito: a separação acontece. Em muitos casos, a dependência emocional que se tem do outro pode levar a uma atitude de resignação. As pessoas continuam juntas, acomodadas, dando a impressão de estarem anestesiadas. No entanto, de uns tempos para cá, vem diminuindo muito a disposição para sacrifícios. Muitos estão percebendo que a idéia de complementação com o outro não passa de um grande equívoco. Talvez só seja possível um casamento funcionar bem e durar muito, se for como sempre foi: uma união por interesses políticos e econômicos. Essa novidade de se misturar romance e expectativa de satisfação sexual com casamento dificilmente vai dar certo. São ingredientes totalmente incompatíveis com a união estável, e durante séculos não se duvidou disso.

Regina Navarro Lins, psicanalista e sexóloga

Fonte Jornal da Tarde de 16/12/07
http://txt4.jt.com.br/suplementos/catv/2007/12/16/catv-1.94.1.20071216.5.1.xml

Meu comentário
Esta é a primeira vez que leio alguém concordando com um velho pensamento meu:

Deus inventou o AMOR e o diabo inventou o casamento, apesar da igreja dizer o contrário.

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