domingo, 10 de fevereiro de 2008

Escada para peixe aumenta risco de extinção

Estudos sugerem que mecanismo, criado no hemisfério Norte, falhou nos trópicos

Dispositivo funciona como uma "armadilha ecológica", atraindo cardumes para ambientes mais pobres e prejudicando reprodução

Se o presidente Lula soubesse como é dura a vida dos bagres, não manifestaria tanto desprezo por esses peixes.
Tome por exemplo os mandis do rio Tocantins: todo ano eles empreendem uma viagem extenuante de centenas de quilômetros para desovar. Ao chegarem ao local da barragem de Lajeado, ao norte de Palmas, são surpreendidos por aves aquáticas, botos e jacarés, predadores que se concentram abaixo da represa.
Depois, precisam atravessar uma escada construída especialmente para facilitar a transposição da barragem -mas que é patrulhada noite e dia por peixes carnívoros. Os que conseguem atravessar os 874 metros de escada sofrem ainda o ataque de tucunarés e piranhas, que habitam o reservatório. Os que têm sucesso na jornada dificilmente farão o percurso de volta até seu habitat original.
Pior: suas larvas e seus ovos serão quase todos destruídos ou devorados, o que põe populações inteiras de mandis -e outras três dezenas de peixes migradores do Tocantins- em risco de extinção.
O fenômeno observado em Lajeado por cientistas da Universidade Estadual de Maringá (PR) e da Universidade Federal do Tocantins está provavelmente se repetindo em vários rios Brasil afora: as chamadas escadas de peixe, concebidas para atenuar o impacto de hidrelétricas sobre a fauna, em vários casos acabam tendo o efeito inverso -estão acelerando extinções.
"Elas funcionam como armadilhas ecológicas", diz o biólogo Fernando Mayer Pelicice, da Universidade Estadual de Maringá. "Se forem feitas sem muitos estudos técnicos, acabam tirando os peixes de um ambiente onde eles têm condições de se reproduzir e jogando-os em um ambiente mais pobre", afirma.
Em um estudo publicado on-line no mês passado na revista científica "Conservation Biology", ele e seu colega Angelo Antonio Agostinho analisam casos de escadas instaladas na usina de Porto Primavera, no rio Paraná, e do complexo de hidrelétricas do rio Paranapanema. Concluíram que os dispositivos nos dois rios causaram impactos tão grandes à fauna que deveriam ser desativadas "imediatamente".
No caso das usinas de Canoas 1 e 2, no Paranapanema, operadas pela Duke Energy, as escadas causaram um colapso na pesca a jusante (rio abaixo) dos reservatórios. No primeiro ano de operação das escadas, em 2001, conta Pelicice, "a quantidade de peixes que subiu foi enorme". No segundo ano, no entanto, a piracema colapsou -sinal de que os peixes que subiram não desceram depois.
O pior, diz o biólogo, é que desta vez culpa não foi da empresa. "A Duke não queria construir as escadas, mas foi forçada a fazê-lo pelo Ministério Público", afirma Agostinho.
As razões pelas quais os peixes não voltam são várias. Mas, em geral elas são uma combinação da biologia dos peixes tropicais e do ambiente alterado pelas construção das usinas hidrelétricas.
Peixes migradores dos trópicos depositam seus ovos em afluentes dos grandes rios. Os ovos e as larvas descem o rio, seguindo a correnteza, e amadurecem no caminho. Mas, para isso, eles dependem de águas agitadas e turvas, o que as represas em geral não têm. Os adultos, por sua vez, tendem a evitar água parada. A aposta de Agostinho e Pelicice é que, na viagem de volta da piracema, a água parada da represa funciona como uma barreira. "Quando chegam à água estagnada eles não descem mais", diz Pelicice.

Esquema importado
As conclusões dos pesquisadores ainda são preliminares, e é impossível agora dimensionar qual tem sido o real impacto das escadas e de outros mecanismos de transposição de barragens sobre a fauna dos rios brasileiros. Segundo a dupla, a razão dessa ignorância é que sempre se assumiu que as escadas -algumas implementadas há mais de 50 anos- fossem uma boa idéia.
Isso porque no hemisfério Norte, onde foram concebidas para facilitar a subida de salmões, as escadas funcionaram.
Os poucos dados que sugeriam o oposto no Brasil estão perdidos em relatórios técnicos, afirma Pelicice. "Os primeiros estudos sistemáticos são de uma década para cá."
No ano passado, cientistas de vários países reuniram pela primeira vez dados sobre a eficácia das escadas em várias barragens da América do Sul. O resultado saiu na forma de uma série de estudos numa edição especial da revista "Neotropical Ichthyology" (www.ufrgs.br/ni). Eles são unânimes em recomendar parcimônia na adoção do mecanismo.
Em Lajeado, o impacto negativo da escada foi tão grande que o Ibama determinou seu fechamento. "Uma escada com subida indiscriminada não é boa em nenhuma situação", diz Agostinho. "Uma subida controlada ainda pode ajudar a manter a variabilidade genética dos cardumes a montante. Mas, se há ambientes propícios à reprodução a jusante e ambientes piores a montante, não há razão para a transposição."
O problema, afirma Pelicice, é convencer as autoridades e as empresas disso. "A lei determina que você tem de adotar medidas de mitigação, e o pessoal [empresas] acha mais fácil construir as escadas."


CLAUDIO ANGELO na Folha de São Paulo de 10/02/08

Quem crê no Planalto faz papel de bobo

Esquecem-se da lição do juiz Louis Brandeis: "A luz do sol é o melhor dos desinfetantes"

PRESIDIDO POR UMA "metamorfose ambulante", o governo está detonando a credibilidade que os contribuintes precisam dispensar ao poder público. Precisam, porque pagam para ser governados por pessoas confiáveis. Em três episódios, quem acreditou no governo fez papel de bobo. São eles o do uso dos cartões de crédito por funcionários da Presidência, o alcance do desmatamento da Amazônia e a reação oficial ao embargo das importações de carne pela União Européia.
A Presidência da República teve três anos para lidar a sério com os seus cartões de crédito corporativos. Em vez de respeitar a patuléia, o Planalto entrincheirou-se, bloqueando pedidos de informações apresentados no Senado. Coisa do comissariado, pois os cartões são transparentes e rastreáveis. Além disso, o Tribunal de Contas teria acesso a todos os extratos. Tudo o que o governo fez nos últimos dias poderia ter sido feito em 2005, mas prevaleceu a prepotência. Ela persiste na tentativa de blindar as contas da pequena corte de Nosso Guia.
No caso do desmatamento da Amazônia, no dia 24 de janeiro Lula fez saber que estava preocupado com a expansão da rapina da floresta. Seis dias depois, assessorado pela turma da motosserra, sugeriu que o Ministério do Meio Ambiente estava fazendo "alarde". O ponto de vista do ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, prevaleceu sobre o da ministra Marina Silva.
Tudo bem, Stephanes merece crédito. Eis que no dia 30 de janeiro a União Européia decide embargar as importações de carne brasileira. Seu ministério respondeu que "a medida é desnecessária, desproporcional e injustificada". Se a choldra tivesse acreditado nele, teria ficado no papel do paspalho. O governo sabia que cederia, pois tentara um golpe de João Sem Braço, enviando a Bruxelas uma lista de 2.681 produtores, quando a UE queria 300. Uma semana depois, o Ministério da Agricultura anunciou que enviaria uma nova lista, com 600 fazendas. À patuléia, ofereceu-se uma patranha, segundo a qual em 2.081 casos haviam sido cometidas impropriedades. Se Stephanes trabalha com uma margem de erro parecida (78%), a agricultura nacional está perdida. O comissariado esqueceu a lição do juiz americano Louis Brandeis (1856-1941): "A luz do sol é o melhor dos desinfetantes".


Elio Gaspari na Folha de São Paulo de 10/02/08

Governo estuda anistiar desmatadores da Amazônia

Para tentar reduzir e compensar o desmatamento na Amazônia Legal, o governo planeja dar uma anistia a quem derrubou ilegalmente a floresta. Pela medida em estudo nos Ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente, empresas e agricultores poderão manter 50% das fazendas desmatadas, voltar à legalidade e ter direito ao crédito agrícola oficial se aceitarem recuperar e repor a floresta dos outros 50% das propriedades.

Feitas as contas, se a decisão for adotada, o governo vai legalizar em torno de 220 mil quilômetros quadrados de Amazônia desmatada ilegalmente, uma área correspondente à soma dos Estados do Paraná e Sergipe.

A obrigatoriedade estabelecida no Código Florestal, de manter reserva legal correspondente a 80% do tamanho do imóvel, podendo desmatar e produzir nos demais 20%, continuará valendo para quem não derrubou a mata ou para quem adquirir propriedade nova.

“O dano ambiental já ocorreu, a área já está desmatada. Esse é o fato. Permitir que a recuperação nas áreas de uso intensivo seja de 50% é uma forma de diminuir a pressão por novos desmatamentos”, disse o secretário-executivo do Meio Ambiente, João Paulo Capobianco, um dos defensores da idéia.

Embora a medida funcione como uma anistia, o secretário não aceita essa definição. Para ele, trata-se de uma medida excepcional, destinada a resolver um problema urgente.

O raciocínio do governo é de que a anistia funcionará, na prática, como uma punição, enquadrando quem desmatou fora do critério de preservação de 80%, e hoje trabalha sem cobertura vegetal nenhuma, pois o obrigará a repor até 50% da mata destruída. Entre o zero de floresta e a recuperação de 50% das matas, o governo considera que haverá um ganho considerável, mesmo que, para isso, tenha de abrir exceções.

De acordo com dados oficiais, dos 5 milhões de quilômetros quadrados da Amazônia Legal, cerca de 730 mil quilômetros quadrados - 73 milhões de hectares - já foram derrubados. O governo não tem números exatos sobre o tamanho do desmatamento ilegal, mas calcula-se que, do total de floresta derrubada, pelo menos 80% disso está nessa categoria, ou seja, cerca de 580 mil quilômetros quadrados. As informações são do jornal "O Estado de S. Paulo".

Do Último Segundo - IG 10/02 - 07:52 e Agência Estado

sábado, 9 de fevereiro de 2008

PT e PSDB 0 x 0

PT e PSDB dividem e disputam a hegemonia política do país há muitos anos. Isso não é novidade para ninguém. Foi na eleição de 1994 que os partidos se consolidaram como pólos do jogo democrático. Tudo indica que em 2010 continuará sendo assim -embora, sem Lula, Ciro Gomes possa romper a monotonia dessa gangorra.
Fernando Henrique, que ao longo da vida -como intelectual e político- viu coisas importantes antes dos outros, disse certa vez que PT e PSDB competiam para ser a locomotiva das forças do atraso no processo de modernização do país.
É verdade. Resta saber o que exatamente resultou das alianças políticas firmadas e dos compromissos assumidos por tucanos e petistas. Ou quanto eles próprios revelaram ser identificados com o atraso que prometiam combater. Não é um jogo muito bonito e deve acabar 0 x 0. A história fará melhor balanço.
O fato é que tucanos e petistas, como lembrou Elio Gaspari, se parecem no essencial. Mais, talvez, do que gostariam. Convergiram para o centro, tornaram-se pragmáticos e cínicos no exercício do poder.
O efeito dessa hegemonia tucano-petista sobre o pensamento crítico foi devastador. Quantos radicais do nada, quantos Fla x Flus imaginários! Mas tudo sempre pode piorar. Em termos de degradação moral e miséria intelectual, nada supera hoje certos blogs politicamente aparelhados por PT e PSDB.
Farei como falou um dia Demétrio Magnoli: não direi seus nomes, assim como não jogo lixo na rua. O pequeno dândi que serve a Lula e o grasnador a serviço do serrismo são, no fundo, a mesma pessoa. Um não existe sem o outro. Funcionam, além disso, como seitas virtuais, mobilizando um restrito grupo de seguidores ruidosos que costuma mimetizar até jargões e cacoetes ofensivos dos gurus. É lamentável.
No caldeirão fervilhante desse parajornalismo rebaixado, é impossível discernir o que é engajamento, o que é negócio e o que é só lobby de si mesmo. PT e PSDB -tudo a ver.

FERNANDO DE BARROS E SILVA na Folha de São Paulo de 09/02/08

Tapioca corporativa

Os ricos não gostam de pegar em dinheiro. Por isso inventaram o talão de cheques e o cartão de crédito, sem falar no seu velho e respeitável substituto, o calote. Homens como Onassis, J. Paul Getty e Antenor Patiño, que eram podres de ricos, passavam anos sem tocar numa cédula. Seus acompanhantes pagavam tudo por eles, à vista ou com cartão. E ai de quem não prestasse contas direito.
Nossos governantes e ministros também não gostam de pegar em dinheiro. Nem precisam. Seus assistentes, motoristas ou aspones encarregam-se das despesas, com os cartões corporativos que recebem juntamente com a carteira funcional, as chaves do carro e o terno preto. A diferença está na prestação de contas. Onassis, Getty e Patiño eram rigorosos ao conferi-las, porque, afinal, tratava-se do dinheiro deles. Já nossos mandantes, liberais com o dinheiro público e eufóricos com o "nouveau-richisme" de seus cargos, não parecem ter muita paciência para conferir números.
É essa liberalidade que explica seus gastos com mesas de sinuca, lojas de enxoval, piscinas, colchões, flores, vinhos, bombons, carnes importadas para churrascos e outros itens do Carnaval governamental -com todo respeito pelo Carnaval. No Japão, a compra indevida de uma tapioca (R$ 8,30) com o cartão corporativo faria o responsável atirar-se do 65º andar em sinal de vergonha. Aqui, basta devolver o dinheiro para que a nódoa ética seja considerada apagada.
Mas o grande cartão corporativo é o que o governo passou para si mesmo ao criar exóticas "secretarias especiais", como a da Aqüicultura e Pesca, a de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, a de Políticas para as Mulheres, a de Planejamento de Longo Prazo etc. Todas com peso e despesas de ministério, e tão deslumbradas quanto.

De Ruy Castro na Folha de São Paulo de 09/02/08

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Pedofilia: muito barulho e pouca prisão

A Internet multiplicou as oportunidades dos pedófilos. Mas só 30 dos mil detidos na Espanha por posse e tráfico de pornografia infantil nos últimos quatro anos estão presos. O resto anda solto



Mil pedófilos foram detidos na Espanha nos últimos quatro anos. Só 30 estão na prisão. É um número muito elevado com resultado frustrante, porque não se compreende que esse tipo de pessoas circulem livremente pelas ruas perto de nossos filhos. O fenômeno da pornografia infantil e suas conseqüências não despertam alarme social porque não há uma compreensão exata do problema. A crença de que o pedófilo é um personagem obscuro, marginal, que sofre seu transtorno sexual na solidão, não é exata. O pedófilo é uma pessoa integrada à sociedade, é pai de família e tem um trabalho qualificado. Quando age, conhece suas vítimas. É cada vez mais jovem e não está nem se sente só.

O avanço da pornografia infantil (e com ela da pedofilia) tem todas as características de uma praga, que é a percepção que tem tanto a polícia como as organizações que a combatem: a mera reforma do código penal espanhol em 2003 (considerada insuficiente) e o reforço das equipes policiais que combatem esse delito propiciaram que as estatísticas disparassem e surgisse a verdadeira dimensão do problema. Em 2003 foram detidas 84 pessoas, em 2007 o número começa a ser significativo: 677. Nos últimos quatro anos os detidos somam 974. Com as últimas detenções em janeiro deste ano são mais de mil.

A epidemia pode chegar às nossas casas. Que segurança você tem de que seu filho ou filha não esteja em contato com um pedófilo através da Internet? Nenhuma. Talvez se observar que a criança está mudando de humor, dorme mal, perde o apetite ou chora por qualquer coisa deva lhe perguntar se se relaciona com amigos pela Internet e se os conhece. Uma menina asturiana de 13 anos mostrava esse sintomas, finalmente agravados por uma tentativa de suicídio. A origem de seus males estava no computador. Um adulto do Brasil a estava assediando.

Tudo tinha começado de forma inocente, como começam essas coisas, porque entre as características gerais dos 12 perfis do pedófilo está a de ser homens integrados na sociedade, com família, com estudos, conscientes do que fazem e, em alguns casos, com uma assustadora capacidade de sedução. Aquele adulto do Brasil se apresentou no bate-papo como um rapaz de 13 anos, simpático e agradável. Teve paciência para esperar seu momento, conquistou a confiança da garota, conseguiu uma foto dela, utilizou um programa para captar sua senha e sua lista de contatos, entre eles os endereços de correio de seus amigos e colegas de classe. E a partir de então começou o assédio. O fenômeno é conhecido como "grooming" [preparação]. Sob a ameaça de que contaria seus segredos a seus amigos, lhe pediu uma foto provocadora. Os pedidos foram aumentando e a chantagem também.

O risco é palpável porque o acesso à pornografia infantil não é complicado. Não exige conhecimentos especiais de navegação pela Internet. É tão simples quanto abrir o navegador Google e pesquisar. As próprias páginas de sexo tradicional conduzem inevitavelmente a esses lugares tenebrosos, onde se começa por meninos em pose provocativa imitando as imagens dos adultos. O passo seguinte são os nus e logo começa a vir tudo o mais: o sexo explícito. Umas páginas levam a outras, os links viajam para fóruns e comunidades onde o nível é cada vez mais elevado, as crianças são menores e as imagens mais duras. Nessas estações aparece a troca de fotos, o contato com outros pedófilos, a exigência de imagens exclusivas, o lugar final em que um menino de sete anos torna-se "velho" para o apetite dessa gente e se busca mais, mais dureza em mais tenra idade.

Há fóruns de pedófilos que se autoclassificam como legais ou limpos. Circunstância curiosa. Nesses lugares, os internautas dispensam as fotos aberrantes e adotam um ar reivindicativo. São acompanhados de apelidos delicados e fotos de meninos angelicais para justificar-se, para se dar conselhos uns aos outros de como evitar a vigilância na rede, para se defender dos ataques dos que não entendem o "amor dos mais velhos pelos pequenos". Sentem-se incompreendidos, elogiam a relação consentida com menores na antiga Grécia, comentam suas fantasias, expressam seus sentimentos para com meninos que conhecem, esse vizinho, esse aluno tão encantador, e até criticam seus pais (no fórum, naturalmente) por não estarem preparados para admitir o muito que ele "pode ensinar a seu filho".

Não se qualificam como pedófilos. Hoje são Boy Lovers. Ou, resumindo, BL, como se fosse uma imagem de marca. Até nesse ponto se sentem fortes.

Depois há os outros fóruns, os da verdade nua, sem dissimulação, os do mais puro intercâmbio, os mais selvagens no uso da linguagem, um lugar onde as imagens e as palavras são de arrepiar.

Por exemplo, os risos de alguns.

"He, he, he, esse material não serve, é velho, são maiores. Quer de 3 anos?"

David é um ciber-sentinela. Toda noite, depois de jantar, coloca-se diante de seu computador e inicia uma busca de páginas e fóruns. É uma disciplina que dura pelo menos duas horas. É um dos 300 voluntários ativos que colaboram com Protegeles.com, uma organização espanhola financiada pela Comissão Européia, dedicada a combater a pornografia infantil e o abuso de menores. Há 25 organizações na Europa e meia dúzia na Espanha que se interessam por esse assunto. A utilização desse tipo de voluntários tem sua importância: são aliados muito valorizados pelas forças de segurança na hora de descobrir esse tipo de páginas e perseguir os que se ocultam atrás delas. Das 1.500 denúncias anuais que chegam a essa associação, de 12% a 15% acabam sendo efetivas e permitem que a polícia rastreie informação útil. Os ciber-sentinelas, que fazem às vezes de investigadores privados, têm uma vantagem sobre a polícia: podem atuar como infiltrados.

A polícia não pode fazer isso. Não pode trocar arquivos de imagens porque estaria cometendo um delito, nem pode atuar como um hacker, nesse caso denominados hackers brancos, pelo mesmo motivo. São os inconvenientes de uma legislação penal demasiado branda: em outros países de nosso entorno, a polícia pode utilizar esses métodos.

Um colega de David, que não pode dar seu nome por razões óbvias, atua sem escrúpulos: "Quando encontro um desses fóruns, tento descobrir seus pontos vulneráveis. Se os encontro, envio o vírus correspondente, os destruo e me dá um barato".

Os ciber-sentinelas procuram páginas ou endereços de correio suspeitos. Uma vez obtido o dado, a polícia se encarrega do resto. Pedirá uma autorização ao juiz para identificar de onde opera o computador e começará a investigação. Como foi obtida a informação não importa. São denunciantes anônimos. O importante é caçá-los.

A polícia tem um trabalho mais amplo. Atrás dos milhões de fotos e imagens de menores que circulam pela Internet, há vítimas não identificadas. Sessenta das 600 vítimas infantis identificadas na Europa pela Interpol são espanholas. A Brigada de Delitos Tecnológicos do Corpo Nacional de Polícia é o grupo mais ativo para investigar até suas últimas conseqüências. Não se detém na mera captura dos culpados.

Esse foi o caso da operação Doha, que motivou a detenção de três pedófilos que tinham produzido 23 filmes abusando de nove menores, dois de 7 e 9 anos, sete entre 1 e 3 anos. Os três tinham como apelidos Nanysex, Todd e Aza, moravam em Murcia, Vigo e Barcelona. Eram homens jovens, integrados, um deles com estudos universitários, outro com nível de renda econômica elevado. Se relacionaram em um fórum e seu desejo de compartilhar experiências mais fortes os levou a conhecer-se pessoalmente. Um deles trabalhava como baby-sitter e se anunciava nos povoados onde vivia (um era Collado Villalba, na serra de Madri). Também administrava um cibercafé. Por esses meios, selecionava suas vítimas entre crianças muito pequenas. Uma menina era a filha da empregada que limpava sua casa. Outros, filhos de clientes que contratavam seus serviços ou vizinhos do cibercafé. Nas gravações, um dos três amigos gravava as imagens enquanto outro cometia a violação. O apelidado Todd foi recentemente reclamado pelo FBI: atribui-se a ele a violação de um menor nos EUA. Viajou até lá para obter as imagens de sua própria atuação.

As 60 vítimas espanholas identificadas correspondem a menores que vivem em um ambiente normal. Esse é outro estereótipo que é preciso erradicar. Não são filhos de famílias desestruturadas nem menores explorados por seus pais. Os pais desconheciam o que estava acontecendo, entre outras coisas porque o abusador se movimentava no entorno familiar, era alguém conhecido, um professor, um baby-sitter, um monitor, um amigo da família. Esse é o perfil. Esse é o perigo.

"Os manuais de psiquiatria descrevem até 12 tipos de pedófilos", diz Guillermo Cánovas, presidente da Protegeles.com. "Os estudos indicam que 90% dos pedófilos são homens, costumam ter mais idade que os violadores de mulheres adultas, têm trabalhos mais qualificados que estes, estão integrados na sociedade, com freqüência são casados, em 85% dos casos conhecem sua vítima, não têm antecedentes e em 68% dos casos são pais."

Segundo a Associação Psiquiátrica dos EUA, há um tipo de pedófilo que é especialmente perigoso, o chamado "pedófilo preferencial sedutor", que "pretende a ação sobre o menino através da sedução, o convencimento e a manipulação do menor", segundo indica o estudo. "Precisa de um certo grau de cumplicidade ou silêncio por parte de sua vítima, devido a três razões. Uma, que está integrado na sociedade e quer continuar assim. Duas, que quer repetir o abuso. E três, que sabe o que faz mas se justifica: 'se não quisesse teria se negado', 'os meninos gostam disso', 'estava me provocando'." Esses pedófilos se convencem de que as crianças têm capacidade para aceitar essas relações sexuais e lhes atribuem características dos adultos.

A Internet não só os colocou em contato. Infelizmente, também estimulou outro problema. "Cada vez ocorrem mais casos de pessoas, sobretudo jovens, que chegam à pedofilia através de seu vício em páginas de sexo, tanto heterossexuais como homossexuais", salienta Cánovas. "Muitos se reconhecem como viciados que precisam diariamente descobrir novas imagens de sexo. Passam para a zoofilia, para outras parafilias e através dessa experimentação e em busca de sensações cada vez mais fortes chegam à pornografia infantil."

Houve casos de indivíduos que percebem que estão infringindo uma barreira e pedem ajuda. Foi o caso de uma carta que chegou a uma dessas associações: "Comecei a me tornar viciado em pornografia, sobretudo da Internet, e encontrei a pornografia infantil (...) Eu não lhe causei danos a ninguém, mas começo a sentir esse tipo de fantasia e não quero, eu tenho um bebê de 1 ano e meio e tenho muito medo, isso corrói grande parte da minha vida (...) Às vezes fico tão mal que tenho medo de ter minha família ao meu lado (...) Por favor me ajudem a controlar minha vontade". Esse homem estava casado. Sabem que entrou em tratamento, ajudado por sua esposa, mas não conhecem o final da história.

Os estereótipos em relação a esse problema devem caducar. A polícia espanhola deteve mil pedófilos nos últimos quatro anos. É um dado incontestável. Como também é que, segundo as Instituições Penitenciárias, há somente 30 reclusos acusados desse delito nas prisões espanholas, com exceção da Catalunha. A razão desse desequilíbrio é muito simples: exatamente porque se trata de pessoas integradas, com residência conhecida e sem antecedentes penais, obtêm com facilidade a liberdade e, depois do julgamento, evitam a permanência na prisão: com a reforma do código penal de 2003 se contemplam condenações de um a quatro anos de prisão por posse de pornografia infantil, se não houver reincidência.

Sua culpa foi a de possuir ou distribuir pornografia infantil, mas essas circunstâncias não os exime de pertencer a uma das 12 categorias do pedófilo. Como os psiquiatras não garantem que a viagem à pedofilia tenha passagem de ida e volta, uma boa parte deles reincidirá. Talvez a partir de agora tenham mais cuidado, se esmerem nas precauções para que a polícia não volte a detê-los. E junto com esses mil detidos haverá outros, provavelmente milhares, que ainda não foram descobertos.

As associações exigem maior contundência nas condenações. Solicitam inclusive que exista um registro de pedófilos. Onde estão, o que fazem, recebem algum tratamento depois de detidos? Mil pedófilos voltaram para suas casas e nada se sabe deles.

Em meia dúzia de casos o assunto ficou definitivamente encerrado: o pedófilo se suicidou depois da detenção. Foi o caso de um professor de inglês e membro do Opus Dei. Vivia solto, mas compartilhava seu vício com outros. Uma tarde matou seu cachorro, depois pegou o carro e se esborrachou contra um muro.

Reportagem de Luis Gómez
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
Do El País no UOL Mídia Global 06/02/2008

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Amazônia pode 'morrer' em 50 anos, diz estudo

Aquecimento poderia levar a mudanças repentinas em sistemas climáticos.

A floresta amazônica poderia "morrer" em 50 anos por causa de mudanças climáticas provocadas pelo homem, sugere um estudo internacional publicado na revista especializada Proceedings of the National Academy of Sciences.

Segundo o estudo, muitos dos sistemas climáticos do mundo poderão passar por uma série de mudanças repentinas neste século, por causa de ações provocadas pela atividade humana.

Os pesquisadores argumentam que a sociedade não se deve deixar enganar por uma falsa sensação de segurança dada pela idéia de que as mudanças climáticas serão um processo lento e gradual.

"Nossas conclusões sugerem que uma variedade de elementos prestes a 'virar' poderiam chegar ao seu ponto crítico ainda neste século, por causa das mudanças climáticas induzidas pelo homem", disse o professor Tim Lenton, da Universidade de East Anglia, na Inglaterra, que liderou o estudo de mais de 50 cientistas.

Segundo os cientistas, alterações mínimas de temperatura já seriam suficientes para levar a mudanças dramáticas e até causar o colapso repentino de um sistema ecológico.

O estudo diz que os sistemas mais ameaçados seriam a camada de gelo do mar Ártico e da Groelândia, em um ranking preparado pelos cientistas, que inclui os nove sistemas mais ameaçados pelo aquecimento global.

A floresta amazônica ocupa a oitava e penúltima colocação no ranking.

Chuva

Segundo o estudo, boa parte da chuva que cai sobre a bacia amazônica é reciclada e, portanto, simulações de desmatamento na região sugerem uma diminuição de 20% a 30% das chuvas, o aumento da estação seca e também o aumento das temperaturas durante o verão.

Combinados, esses elementos tornariam mais difícil o restabelecimento da floresta.

A morte gradual das árvores da floresta amazônica já foi prevista caso as eraturas subam entre 3ºC e 4ºC, por conta das secas que este aumento causaria.

A frequência de queimadas e a fragmentação da floresta, causada por atividade humana, também poderiam contribuir para este desequilíbrio.

Segundo o estudo, só as mudanças na exploração da terra já poderiam, potencialmente, levar a floresta amzônica a um ponto crítico.

A maioria dos cientistas que estudam mudanças climáticas acredita que o aquecimento global provocado pelas atividades humanas já começou a afetar alguns aspectos de nosso clima.

Do G1 05/02/2008 - 12h34

Crime e drogas se misturam a folia do carnaval carioca

"Aqui na Mangueira, a gente beija um inimigo como se ele fosse um irmão", promete uma antiga marchinha do carnaval carioca, numa homenagem carinhosa a uma célebre favela, situada ao norte do Rio, e à sua prestigiosa escola de samba, a decana de todas as agremiações. Ao fundar a escola, em 1928, o compositor desta música, o lendário Cartola, havia também escolhido as cores do seu emblema: o verde para a esperança, e a cor-de-rosa para o amor.

Atualmente, a Mangueira não incentiva mais ninguém a expressar tão intenso lirismo. O seu estandarte e a sua glória perderam parte do seu brilho. Às vésperas do carnaval, com a sua febre que mais uma vez vai tomar conta da cidade, do sábado gordo de antes da quaresma até a quarta-feira de Cinzas (de 2 a 6 de fevereiro), a mais amada das escolas de samba do Rio está ocupando as manchetes das piores de todas as páginas dos jornais, aquelas dedicadas ao tráfico de drogas.


Policiais observam fortaleza construída no morro da Mangueira, Rio de Janeiro

O escândalo estourou em 8 de janeiro. Naquele dia, cerca de 300 policiais participaram da "operação carnaval", uma blitz no morro da Mangueira. Trocas de tiros, operações de busca, prisões. No decorrer da operação, a polícia descobriu uma tonelada de maconha pronta para a venda e papelotes de cocaína cuja embalagem celebrava "o melhor crack do mundo". Os policiais também fizeram outra descoberta, mais macabra, alguns crânios ao lado de um incinerador de cadáveres, apelidado de "forno de microondas".

No alto do morro da Mangueira, eles descobriram ainda uma muralha de concreto armado - de 15 m de comprimento para 3 m de altura - na qual foram construídas pequenas aberturas. Este muro oferecia aos traficantes posições de tiros impecáveis contra os seus inimigos, quer eles trajem roupas civis, quer eles estejam de uniforme. Ele seria destruído por meio de uma escavadeira, sob a proteção de um veículo blindado e de um helicóptero.

Três semanas mais tarde, o chefão do morro segue foragido. Será que se esconde no coração da favela onde nasceu? Aos 44 anos, Francisco Paulo Testas Monteiro, também conhecido como "Tuchinha", é um "veterano de guerra" que perdeu algumas batalhas, mas nunca pendurou as chuteiras. Ele já reinava sobre a Mangueira nos anos 1980-1990. Condenado a 40 anos de prisão por homicídio e tráfico, e libertado 17 anos mais tarde (em 2006), ele garantia ter "criado juízo" após ter descoberto uma nova vocação: o samba. A escola da Mangueira o havia até mesmo promovido, em 2007, como o seu compositor oficial. Mas a sua conversão musical não passava de uma cobertura conveniente para que ele pudesse prosseguir seus negócios criminosos.

Segundo revelaram as escutas telefônicas que foram publicadas na imprensa, Tuchinha utilizava uma passagem secreta para transitar livremente entre o "camarim" da escola de samba e o seu esconderijo dotado de ar condicionado, de onde ele organizava os seus negócios e vigiava vinte pontos de venda, todos recenseados pela polícia. O seu comércio lhe rendia cerca de US$ 500.000 (cerca de R$ 870.000) por semana, dos quais 60% durante os fins de semana, quando os "sambistas" ensaiam o espetáculo que eles irão apresentar no carnaval.

Este caso como um todo semeou a consternação nos meios políticos e artísticos. Comprovam isso o meio-silêncio constrangido de César Maia, o prefeito do Rio, ou de Gilberto Gil, o cantor que se tornou o ministro da Cultura. Pela primeira vez, e por efeito da repercussão na imprensa, os vínculos incestuosos entre as drogas e o samba ficaram escancarados de modo a todos poderem vê-lo nos seus menores detalhes, sem nenhum desmentido possível. Três repórteres do diário de maior tiragem do Rio, "O Globo", andaram ligando para pessoas durante uma semana, em busca de comentários. Tudo o que eles conseguiram foi uma única reação, a de um poeta que lhes disse: "O samba nada tem a ver com isso".

Mas o impacto simbólico do escândalo se deve, sobretudo, à identidade da Mangueira, a mais popular das escolas, 18 vezes campeã do carnaval. Uma jóia do patrimônio artístico nacional, ela é também aquela que se vangloria do seu programa social em favor dos excluídos, aquela que é citada como modelo, pelos seus projetos educativos, esportivos, médicos, aquela que costumam mostrar para os hóspedes mais prestigiosos, de Mandela a Chávez, passando por Bill Clinton, ou ainda, durante este Ano Novo, para os atores Vincent Cassel e Monica Bellucci...

Ao dar guarita para um chefão do crime organizado, a Mangueira, que todos gostariam de ver como uma instituição acima de qualquer suspeita, cometeu um pecado. Alguns comentaristas enxergam neste caso um insulto à memória de gerações de artistas, e até mesmo "um crime cultural". Pode até ser. Mas não deixa de haver certa hipocrisia nas reações indignadas dos "cidadãos do asfalto" que têm a sorte de não viverem nos morros depauperados.

Isso porque, desde que favela rima com samba, desde que as escolas de samba existem, estas vêm flertando com o crime. Para sobreviverem e para brilharem num carnaval sempre mais repleto de faustos e suntuoso. Os seus benfeitores tradicionais são os banqueiros do jogo do bicho, "le jeu de la bête", a loteria clandestina cujos 25 grupos de números representam animais.

O bicheiro financia o samba, e ganha em troca uma clientela dócil e de uma respeitabilidade de fachada. O seu feudo corresponde ao território da escola. Os bicheiros prosperaram lá onde o Estado estava falindo. À frente de um poder paralelo, eles permitem que a escola ofereça aos seus membros um emprego estável, ou ainda a esperança de uma ascensão social. Com o fortalecimento do narcotráfico, alguns protetores se reconverteram ou tiveram que ceder o lugar para padrinhos mais ávidos e mais violentos.

Para diminuir a dominação do crime organizado sobre as escolas de samba, as autoridades andaram aumentando a sua ajuda financeira. O governo federal, o Estado do Rio e a prefeitura liberaram neste ano verbas de cerca de US$ 10 milhões (cerca de R$ 17,5 milhões) para doze grandes escolas. Este sistema de subvenções permanece imperfeito, uma vez que boa parte deste dinheiro é alocada para a Liesa, a toda poderosa liga das escolas, que o redistribui sem ter de prestar contas da sua utilização.

Certas escolas de samba são apadrinhadas diretamente por um Estado da Federação, e até mesmo por um país estrangeiro. Este é o caso da Mangueira, que se associou em 2008 com o Estado de Pernambuco, em troca de uma quantia importante. Vários dos seus carros alegóricos irão celebrar os encantos desta região do Nordeste. Em 2006, a companhia petrolífera venezuelana havia outorgado US$ 1,5 milhão (cerca de R$ 2,6 milhões) para as escolas, em nome da solidariedade entre os povos.

Este ano, vários patrocinadores privados, entre os quais a Nestlé e o HSBC, estão dando apoio às escolas, entre as quais a Unidos da Vila Isabel, que escolheu como tema "os trabalhadores do Brasil". As outras fontes de dinheiro são mais intimamente vinculadas ao carnaval: venda dos ingressos no Sambódromo, a vasta tribuna construída por Oscar Niemeyer, na frente da qual desfilam as escolas de samba; direitos de transmissão televisiva; comercialização dos CDs e DVDs.

Os vínculos entre as drogas e o samba são apenas um dos sintomas do narcotráfico, um mal do qual os habitantes das favelas são geralmente as primeiras e principais vítimas. Em sua antiga marchinha, Cartola constatava: "os habitantes da Mangueira são tão pobres que eles só têm o sol como teto". Será que ele cantaria algum enredo muito diferente hoje?

Jean-Pierre Langellier
Tradução: Jean-Yves de Neufville
Do Le Monde e UOL 05/02/2008

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

Educação: Graduado ocupa emprego de nível médio

Graduado ocupa emprego de nível médio

Um em cada dez trabalhadores urbanos com diploma universitário estava em áreas com baixo perfil de escolaridade em 2006

Expansão do ensino superior sem o correspondente aumento no mercado de trabalho ajuda a explicar procura por tais vagas

Com a expansão do ensino superior sem o crescimento correspondente no mercado de trabalho, profissionais com graduação disputam empregos de nível médio e até fundamental. O fenômeno é visível principalmente em concursos públicos, mas aparece na Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio), do IBGE.
Em 2006, um em cada dez trabalhadores urbanos com diploma universitário estava ocupado em áreas com baixo perfil de escolaridade. São quase 700 mil graduados em ocupações como vendedor em loja, recepcionista ou operador de telemarketing.
Segundo o Ministério da Educação, 737 mil alunos se formaram em 2006 na educação superior, o triplo de 1995 (246 mil). A falta de oportunidades compatíveis com sua qualificação para uma parcela desses formados faz com que, hoje, um em cada 20 carteiros tenha superior completo, segundo os Correios.
Na Guarda Municipal do Rio de Janeiro, 480 dos 5.563 guardas têm diploma universitário e 32 têm pós-graduação.
Na Polícia Militar de São Paulo, há 3.935 soldados, cabos e sargentos com nível superior e 12 com mestrado ou doutorado. O efetivo total da corporação é de 93 mil.
Até na varredura de ruas se acha graduados. Na Comlurb (Companhia Municipal de Limpeza Urbana do Rio de Janeiro), entre os 12.377 garis, há 37 com nível superior.
O que surpreende no índice de carteiros e de guardas municipais cariocas com graduação é que ambas as profissões não possibilitam ascensão por troca de cargo após o concurso e não têm estabilidade -os funcionários são celetistas.
Um advogado aprovado em concurso para carteiro terá que se submeter a outro concurso público para ser admitido na área jurídica, informa a diretora de Gestão de Pessoas da estatal, Maria de Lourdes Rosalem.
O salário inicial do carteiro é de R$ 620, e o teto, de R$ 1.306,08, mais gratificações e benefícios indiretos, salvo se ocupar funções de chefia.
O mesmo se dá na Guarda Municipal do Rio, em que o salário inicial, fora benefícios, é de R$ 812, mas muitos desconhecem que não há garantia de estabilidade quando se inscrevem no concurso, diz o tenente-coronel Carlos Moraes Antunes, comandante da guarda.
Na sua avaliação, no caso da Guarda Municipal, a invasão de graduados mais prejudica do que favorece a corporação porque eles fazem o concurso por falta de oferta de emprego em sua área, e na esperança de migrarem para funções internas.
""Seria ótimo se tivéssemos guardas de nível universitário nas ruas, mas eles não querem esse trabalho e tiram o lugar dos que têm vocação", diz.

Super oferta

Há cinco anos, os Correios exigiam apenas ensino fundamental para carteiro. O requisito aumentou para o nível médio diante da crescente escolaridade dos candidatos.
""Cresceu a oferta de candidatos com formação universitária, mas o diploma não significa boa qualificação. Abriram faculdades em todas as esquinas, e o ensino empobreceu", afirma Rosalem.
Em carreiras mais atrativas, o ingresso em funções de nível médio é até maior. O diretor de gestão de pessoas do Banco do Brasil, Juraci Masiero, diz que metade dos ingressantes em concurso tem nível superior.
"Nos primeiros anos, as atividades são relativamente simples e não necessitam de nível superior. Mas incentivamos todos que entram com nível médio a fazer um curso. Isso aumenta suas chances de assumir postos mais altos."
Segundo ele, em algumas regiões o banco já poderia aumentar a exigência: "É uma hipótese em discussão. Em São Paulo, não teríamos problema, mas o mesmo não ocorreria em Estados onde há menos mão-de-obra com nível superior."
A Cobra Tecnologia, estatal vinculada ao Banco do Brasil, da área de informática, contratou 90 pessoas por concurso público no início do ano passado para um salário inicial de R$ 550 brutos e 32% dos aprovados tinham formação superior. Segundo o presidente da estatal, Jorge Wilson Alves, cerca de 20 já deixaram o emprego, por terem sido aprovados em concursos mais atraentes.
Na Polícia Rodoviária Federal, o salário de R$ 5.085 é o principal atrativo. No último concurso, com exigência de nível médio, 86% dos selecionados tinham formação universitária. No próximo, a exigência aumentará para nível superior.


Renda de quem tem diploma é 172% maior


Apesar de uma parte dos trabalhadores com nível superior estar hoje disputando vagas com quem tem nível médio, ter um diploma no Brasil continua fazendo muita diferença.
Em 2006, a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), do IBGE, mostrava que os trabalhadores com nível superior tinham, em média, rendimentos 172% maiores que os de nível médio e a menor taxa de desemprego entre todos os grupos: 3,8%.
A Pnad mostra também que, mesmo quando estão em profissões de menor exigência de qualificação, os rendimentos dos trabalhadores com nível superior tendem a ser maiores do que os que não completaram uma universidade.
No caso de vendedores de lojas ou mercados, por exemplo, apenas 3% têm nível superior. O rendimento médio desse grupo, no entanto, é quase o dobro (92% maior) do que o verificado entre os que têm nível médio apenas.
O mesmo acontece com recepcionistas (7% com nível superior), operadores de telemarketing (9%) ou trabalhadores nos serviços de higiene e embelezamento (2%).
O gerente da Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE, Cimar Azeredo Pereira, afirma que é comum aparecer na amostra da pesquisa trabalhadores com nível superior em áreas com baixa qualificação.
"Mas são uma minoria e, mesmo deslocados profissionalmente em relação ao curso que fizeram, costumam ter melhor inserção no mercado que quem não tem nível superior."
O economista Cláudio Dedecca, da Unicamp, lembra que, quando uma pesquisa como a Pnad mostra que 3% dos vendedores de lojas ou mercados têm nível superior, o dado pode esconder perfis bem distintos.
"Nesse grupo pode haver um vendedor que ganha um salário mínimo fixo e outro em loja mais sofisticada que recebe comissão pelas vendas, com rendimentos bem mais elevados."
Para especialistas ouvidos pela Folha, a melhoria da qualificação da mão-de-obra é sempre desejável em um país onde poucos têm nível superior. Mas explicam que, quando isso acontece e o país não cresce, há um efeito em cascata.
"É um movimento antropofágico. Se o número de vagas é menor do que o de pessoas que precisam trabalhar, ocorre uma competição pelos postos de trabalho onde quem tem mais escolaridade ocupa espaços de trabalhadores de nível médio", diz Dedecca.
O caminho de muitos é o setor público. ""Virou uma forma de garantir a sustentabilidade enquanto não se consegue emprego melhor", diz Waldemar Melo, vice-presidente do Instituto de Planejamento e Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico e Científico, que faz concursos para órgãos públicos.
Ao mesmo tempo em que profissionais de nível superior não acham vagas em suas áreas de formação, um estudo do Ipea divulgado em 2007 mostrou que não há mão-de-obra para 123 mil vagas qualificadas.
Isso ocorre porque as áreas de formação desses profissionais mais qualificados nem sempre coincidem com as áreas em que há mais carência.

Advogado acorda às 4h para entregar cartas e estuda para virar juiz

O advogado Rodrigo Braga Soares, 29, acorda às 4h para encarar o emprego de carteiro, com um objetivo fixo em mente: ser juiz antes de chegar aos 40 anos. Ele investe 60% do salário, de cerca de R$ 600, em cursos preparatórios para concurso no Tribunal de Justiça do Rio.
Sua rotina no emprego começa às 8h da manhã. De casa ao trabalho, são mais de duas horas, de ônibus. Caminha cerca de 10 km por dia, entregando cartas. Terminado o expediente, toma banho, no próprio local de trabalho, e vai estudar.
""Tento seguir minha meta. Estudarei até passar em um concurso público na área jurídica. Em nenhum momento penso em disputar o mercado de trabalho, porque não me vejo com chances. É muito concorrido", afirma.
Ele diz que o emprego de carteiro dá para custear os estudos e os gastos pessoais, mas que não cogita ficar na função em definitivo. "Não é o que tracei para mim, mas muitos colegas, também formados, se acomodam."
Waldy Pereira Barros Jr., 41, é formado em pedagogia e deu aulas em escola municipal antes de fazer o concurso para Guarda Municipal do Rio, em 2004. Ele é guarda de trânsito e dá aulas particulares, nos dias de folga, no bairro onde mora, Vila Valqueire (zona oeste do Rio).
"Planejo fazer outro concurso público, mas, enquanto estiver aqui, é o melhor lugar para trabalhar." Ele disse que prestou concurso para guarda municipal para estimular um irmão, que estava em situação difícil e também foi aprovado.
Roberta Abreu de Souza, 26, é uma das 205 mil vendedoras em lojas que, segundo a Pnad, têm superior completo. Ela é formada em pedagogia, já fez psicologia e hoje estuda jornalismo. "Fiz pedagogia só porque era um curso mais fácil e rápido. Nunca trabalhei na profissão e desde 2004 sou vendedora. Meu sonho, no entanto, sempre foi ser jornalista."
Ela hoje trabalha na loja da Oi no shopping Via Parque, na Barra (zona oeste do Rio).
O desejo de Vinícius da Fonseca, 32, formado em matemática há quatro anos, é que sua situação de gari da Comlurb também seja temporária. "Quando entrei, tinha somente o nível médio. Me formei e estou me preparando para o próximo concurso do município. Espero ganhar mais como professor do que como gari."

Texto de ELVIRA LOBATO e ANTÔNIO GOIS na Folha de São Paulo de 04/02/08

domingo, 3 de fevereiro de 2008

Lei que exige aquecimento solar em São Paulo gera polêmica entre especialistas

O aquecimento da água de imóveis novos com quatro ou mais banheiros, na cidade de São Paulo, deve contar com uma ajudinha do sol nos próximos meses. É o que prevê um decreto que começa a valer em 21 de julho. O texto, que inclui também a instalação de piscinas aquecidas, regulamenta a lei 14.459/07. Polêmica, a nova lei tem gerado divergência entre especialistas.

Os defensores da iniciativa argumentam que a economia estimada de energia elétrica com o aquecimento da água pela luz solar, em sistemas bem dimensionados, chega a 70%.
A fonte alternativa ajudaria principalmente no horário de pico (entre 18h e 20h), quando todo mundo resolve tomar banho e o chuveiro elétrico consome cerca de 60% da eletricidade do país. Reduzir um pouco essa conta pode ser um passo em direção à sustentabilidade.

Mas há quem discorde. Uma das questões levantadas pelos críticos é a falta de conhecimento técnico sobre o sistema. "A tecnologia dos painéis solares está pronta, mas falta uma solução completa para o sistema de aquecimento como um todo", critica o engenheiro civil Roberto Lamberts, pesquisador do Laboratório de Eficiência Energética em Edificações, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Para Lamberts, o aquecimento solar é um item importante para a eficiência energética na construção civil, mas é preciso conhecer melhor seu funcionamento e informar os usuários sobre suas particularidades, para que sejam evitados erros de instalação e de operação.

Mais água?
É o que pensa também o engenheiro civil Vanderley Moacyr John, professor do Departamento de Engenharia de Construção Civil da Universidade de São Paulo (USP). Segundo ele, a tecnologia de aquecimento solar ainda é limitada e, em alguns casos, pode gerar aumento do consumo de energia elétrica e de água.

John explica que todo sistema de aquecimento solar precisa de um "backup" elétrico ou a gás para aquecer a água na falta de dias ensolarados. Mas os fabricantes não têm investido nos sistemas de controle eletrônico que alteram automaticamente o uso de uma fonte de energia para outra. "Basta a temperatura cair um pouco para o aquecedor elétrico ser acionado", aponta.

"Além disso, todo sistema que acumula água quente e que é instalado de forma convencional tende a gerar um desperdício de água", diz o professor da USP. Como a água é aquecida no reservatório, cada vez que alguém abrir a torneira é preciso deixar escoar toda a água fria do encanamento até chegar a aquecida. "Dependendo da distância do acumulador ao ponto de consumo o gasto pode ser grande", completa.

É imprescindível, portanto, o uso de uma bomba que faça circular a água aquecida ininterruptamente pelo encanamento e o dobro de tubulação. Segundo John, há problemas metodológicos para o dimensionamento correto do sistema no caso de prédios verticais. "Corre-se o risco de produzir um sistema que não funcione, sendo necessário continuar o aquecimento usando energia elétrica ou fóssil".

Tecnologia difundida
De acordo com o engenheiro elétrico José Ronaldo Kulb, diretor de uma empresa que comercializa aquecedores solares, a tecnologia já está bem difundida no país. Ele concorda que a circulação constante no interior da tubulação seja necessária, mas não vê essa questão como problema: "Uma pequena bomba capta a água aquecida do reservatório e faz girar pelo encanamento, com gasto energético inferior a uma lâmpada de 60W", diz.

O engenheiro mecânico José Tomaz Vieira Pereira, pesquisador do Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético (Nipe), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), também não vê impedimento técnico ao uso do aquecimento solar no Brasil. "A estrutura necessária para o aquecimento solar já existe em hotéis e edifícios que contam com sistema de aquecimento central (tubulações isoladas termicamente e circulação da água)", afirma.

O principal problema, na visão do pesquisador, é a falta de informação. Ele acredita que há muito amadorismo no setor e instalação incorreta do sistema de aquecimento solar, o que deve continuar acontecendo até que a energia elétrica se torne, de fato, um artigo caro.

Sistema de aquecimento solar deve ser adaptado ao clima da região

Um dos pontos mais importantes para se instalar um sistema de aquecimento solar eficiente é a adaptação da obra ao clima local. Enquanto no Norte e no Nordeste os dias ensolarados prevalecem durante o ano, no Sul ocorrem dias tão frios que podem congelar a água e danificar a instalação, tornando necessário o uso de sistemas anticongelamento.

Segundo o meteorologista Lincoln Alves, do Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (CPTEC/Inpe), a região Sudeste tem um verão tipicamente chuvoso, mas há vários dias de sol durante o inverno, o que torna viável o uso de aquecimento solar.

A instalação deve se voltar sempre para o norte geográfico da Terra, inclinada com o ângulo da latitude da região (a da cidade de São Paulo é de aproximadamente 23º S). Também o tamanho dos painéis depende de sua localização. Em São Paulo, cada metro quadrado de placa solar é suficiente para aquecer 100 litros de água.

"O maior limitador é a área", afirma José Tomaz Vieira Pereira, pesquisador do Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético (NIPE), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Prédios muito altos dependeriam de uma grande área na cobertura para a disposição das placas. "Mas muitas vezes a cobertura do edifício é usada para outros fins", complementa.

O sistema de aquecimento solar é formado por painéis com placas coletoras enegrecidas, que retêm o calor proveniente da radiação solar. Sobre elas, uma lâmina de vidro gera o efeito de estufa, conservando o aquecimento. Segue pelo sistema uma serpentina de cobre revestida por vidro que aquece a água. Ela, então, é levada para um reservatório térmico, o boiler, e fica pronta para ser usada.


Para especialistas, é possível economizar energia sem aquecedores solares

Especialistas como os engenheiros civis Roberto Lamberts, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), e Vanderley Moacyr John, da Universidade de São Paulo (USP) apontam algumas formas de economizar energia nas edificações sem que haja a obrigatoriedade dos aquecedores solares.

Uma das medidas é evitar o uso exagerado de vidro sem proteção solar nas construções. "As edificações viram 'estufas' e requerem o uso de ar-condicionado para reduzir a temperatura interna", descreve o pesquisador da UFSC.

O uso consciente da energia elétrica é outro ponto importante. Lamberts é um dos responsáveis pelo estudo que vai produzir uma etiqueta de eficiência energética em edificações (similar à de geladeiras), a ser usada pelo Inmetro já neste ano para construções comerciais e, a partir de 2009, para residenciais. A etiqueta calcula a energia elétrica gasta com a água quente, mas também mede outros itens importantes como iluminação e ar-condicionado.

De acordo com o último levantamento da Eletrobrás sobre hábitos de consumo dos usuários, publicado em abril de 2007, o chuveiro elétrico continua sendo o grande vilão no gasto de eletricidade, com 24% do consumo de energia, na média nacional. Mas o ar-condicionado já é o segundo colocado, com 20%. "Há 10 anos, era apenas 6%", diz Lamberts, recomendando que a economia de energia elétrica se volte também para outras questões.

John concorda com a criação de leis que promovam a sustentabilidade, mas acredita que deveriam ser analisadas outras opções para reduzir o consumo de energia. "É muito fácil fazer leis. Difícil é criar condições sociais e técnicas para que elas atinjam os seus objetivos declarados", diz o professor da USP.

ONG oferece informações para instalar aquecimento solar em casa

A organização não-governamental (ONG) Sociedade do Sol oferece, em seu site, download com informações para fazer o sistema de aquecimento solar em casa, com materiais simples e de baixo custo.

Coletor, caixa d'água, tubulações e dimmer (que controla a temperatura da água), entre outros itens, podem ser adquiridos em locais indicados no site e têm custo final em torno de R$ 320.

Com capacidade de aquecimento de 200 litros de água, o aparelho atende ao banho quente para uma família de quatro a seis pessoas. Sua manutenção precisa ser feita a cada 10 a 15 anos, com troca da placa que absorve a luz solar.

A ONG oferece apoio técnico gratuitamente. Como o aquecimento é diário e o aparelho depende de claridade e sol para esquentar a água, o chuveiro elétrico deve ser utilizado nos dias nublados, em que a água não ficará muito quente.

Um aquecedor solar tradicional custa cerca de R$ 3.000,00 (dados de setembro de 2007), incluindo-se a instalação. Segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica, o chuveiro elétrico representa 30% da conta paga pelos consumidores. Com a economia que seria feita com o aquecedor solar, estima-se que o investimento se pague em dois anos

De Murilo Alves Pereira
Especial para o UOL Ciência e Saúde

Proibição de bebidas alcoólicas nas rodovias

Começou a vigorar nesta sexta-feira (1º) a decisão do governo federal que proíbe a venda.

A multa para o comerciante que descumprir a determinação é de R$ 1,5 mil.

Está em vigor decisão do governo federal que proíbe, a partir desta sexta-feira (1º), a venda e o oferecimento de bebidas alcoólicas em rodovias federais. A proibição foi determinada por decreto que publicado na quinta-feira (31) no Diário Oficial da União. O decreto regulamenta medida provisória assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no último dia 21.

Pela medida, estabelecimentos comerciais como bares, restaurantes, shoppings, supermercados, boates, postos de gasolina e até mesmo hotéis ou motéis que fiquem às margens de rodovias federais não poderão vender as bebidas no varejo, ou seja, para o consumidor final. E nem mesmo deixar os produtos em exposição em freezers, prateleiras ou mantê-los no cardápio. As informações foram divulgadas pela assessoria de imprensa da Polícia Rodoviária Federal (PRF).

A regra também é válida para lojas especializadas para turistas e para aquelas que ficam em trechos urbanos de rodovias federais. Mas não se aplica aos estabelecimentos que ficam, por exemplo, em vias não fiscalizadas pela Polícia Rodoviária Federal (PRF), mesmo que fiquem perto de uma rodovia federal.

A multa para o comerciante que descumprir a determinação é pesada: R$ 1,5 mil. O valor deve ser pago no prazo de 10 dias, cabendo recurso. A multa dobra em caso de reincidência. Neste caso, o estabelecimento não é fechado, mas quem insistir na venda vai ter o acesso da rodovia para o estabelecimento interditado por dois anos – o que pode gerar prejuízo.

Quem não pagar a multa entrará na Dívida Ativa da União. E, segundo a PRF, não poderá pedir financiamento bancário, por exemplo.

Atacado

A venda por atacado, ou seja, para outros estabelecimentos comerciais, como restaurantes e supermercados, não foi mencionada no decreto. Portanto, não está vetada.

No entanto, o comprador precisará comprovar que o produto não é para consumo próprio. “Ele tem que provar que não é o consumidor final. Não pode comprar 80 caixas de cerveja para uma festa nos fundos de casa. A quantidade não caracteriza o atacado, mas, sim, a intenção da venda”, disse o inspetor Alexandre Castilho, chefe da assessoria de comunicação social da Polícia Rodoviária.

Operação Carnaval

A Polícia Rodoviária promete apertar o cerco a infratores. O comerciante poderá até mesmo ser detido por desobediência às normas. Qualquer pessoa pode fazer denúncias pelo telefone 191. A ligação é gratuita.
“Basta mencionar bebida no cardápio, em quadro negro ou cartaz para caracterizar que o comerciante está oferecendo bebida. É preciso tirar tudo que caracterize que o estabelecimento trabalhe com bebida alcoólica”, explicou o inspetor Castilho.
“Em alguns casos, equipes de inteligência da PRF podem entrar num bar à paisana e perguntar para o garçom: tem uma cervejinha aí?”, complementou.
Nesta sexta-feira, os policiais já estarão em ação para coibir a venda de álcool nas rodovias. Serão quase 10 mil homens atuando na Operação Carnaval. A intenção é tentar reduzir o número de mortes em acidentes neste feriado. No ano passado, 145 pessoas morreram vítimas da violência no trânsito nos duas de folia.
“Talvez seja a maior operação que a PRF já fez no carnaval. O mais importante é que os motoristas tenham consciência de que a polícia deve ser a última a atuar”, disse o diretor-geral da Polícia Rodoviária, Hélio Derenne.
“Qualquer recuo no número de acidentes e mortos vai mostrar que há esperanças e que vale a pena insistir”, declarou o inspetor Castilho.

Aviso

Os estabelecimentos terão que, obrigatoriamente, comunicar a proibição em avisos afixados em locais de ampla visibilidade, no ponto de maior circulação de fregueses. Quem descumprir a norma será multado em R$ 300.
O tamanho mínimo dos avisos é pradonizado: o equivalente a uma folha de papel A4. As letras devem ter, no mínimo, um centímetro de altura. Até mesmo o texto é padrão:
“É proibida a venda varejista ou oferecimento para consumo de bebidas alcoólicas. Pena: Multa de R$ 1.500. Denúncias: Disque 191 – Polícia Rodoviária Federal”.

Do G1 01/02/2008 - 10h30



Meu comentário: Este blog é a favor da proibição da venda de bebidas alcoólicas nos estabelecimentos comerciais à beira das estradas brasileiras, medida que já vigora nas estradas paulistas.
Este blog republica abaixo um texto de 18/11/2007 de Antonio Ermírio de Moraes, sobre o assunto.



Tragédia motorizada!

Estamos terminando mais um feriadão. Muitos brasileiros emendaram de quinta-feira até hoje. Nas cidades em que se comemora o Dia da Consciência Negra, a folga continua até a terça-feira.
Tempo de feriados, tempo de acidentes. Em Finados, ocorreram, no Brasil, 1.650 acidentes, com 104 mortos e 1.076 feridos.
O que explica essa tragédia? Há motivos ligados às estradas, aos veículos e aos motoristas.
Cerca de 85% das rodovias brasileiras estão aquém dos padrões que garantem conforto e segurança.
Quanto aos veículos, apesar da entrada de grande número de carros novos, grande parte da frota, especialmente no interior, é velha e mal conservada.
Entre os motoristas, cresce o número de novatos que estão dirigindo pela primeira vez e de imprudentes, que não respeitam o bom senso e as regras de trânsito. Basta dizer que 57% dos que morreram em acidentes na capital de São Paulo em 2006 estavam alcoolizados, o que sugere a necessidade de uma fiscalização mais intensa.
Nos últimos dez anos, perdemos cerca de 330 mil vidas em acidentes de trânsito! O Código de Transito Brasileiro, aprovado em 1997, reduziu as mortes só no começo, até o ano 2000. A partir daí, elas subiram. Hoje são cerca de 35 mil mortes por ano.
No Brasil, morrem 100 pessoas para cada mil quilômetros de estrada; na Itália são apenas 10 pessoas; nos Estados Unidos são menos de 7. Os acidentes que ocorrem aqui no Brasil são mais graves. Para cada dez mil ocorrências, os Estados Unidos perdem 65 pessoas. O Brasil perde 909 pessoas. É um absurdo!
Estamos mal mesmo quando somos comparados a países da América Latina. No Brasil, a taxa de mortes no trânsito é de 19 pessoas por cem mil habitantes. No Uruguai, a taxa é de 22; na Colômbia, 21; na Venezuela, 11; no Equador, 10; no México, 4 ("Mortes nas estradas são 4% do total", "O Globo", 7/10/07).
O Brasil perde mais de R$ 20 bilhões por ano com os acidentes e as milhares de vidas preciosas -a maioria jovens de 18 a 30 anos. Não podemos continuar com esse quadro. As autoridades precisam agir com firmeza em todos os campos.
Enquanto isso, você que estará na estrada nos próximos dias, redobre os cuidados. Comece por sua própria conduta para, assim, acumularmos bastante moral para podermos cobrar das autoridades brasileiras medidas duras no trânsito e providências efetivas na infra-estrutura.


De ANTÔNIO ERMÍRIO DE MORAES na Folha de São Paulo de 18/11/2007

Violência contra as mulheres

Em todo o mundo, pelo menos uma em cada três mulheres já foi espancada, coagida ao sexo ou sofreu alguma forma de abuso durante a vida. O agressor é, geralmente, um membro de sua própria família. Cada vez mais a violência de gênero é vista como um sério problema de saúde pública, além de constituir violação dos direitos humanos.

Neste especial sobre A Violência contra as Mulheres, Boa Saúde traz para você as mais recentes publicações preparadas pela Johns Hopkins Bloomberg School of Public Health, da Universidade Johns Hopkins, e publicadas na série Population Reports.

A Bibliomed Inc. se orgulha de poder oferecer este Especial de Boa Saúde a toda a população brasileira, que enfatiza um tema tão comum e ao mesmo tempo tão velado em nossa Sociedade.

Como acabar com a violência contra as mulheres

9 capítulos que valem a pena serem lidos


• Introdução

• A consciência do mundo desperta

• Abuso por parte do parceiro íntimo

• Coerção sexual

• Impacto sobre a saúde reprodutiva da mulher

• Ameaças para a saúde e o desenvolvimento

• Os profissionais de saúde desempenham um papel essencial

• Uma agenda para a mudança

• O que os profissionais de saúde podem fazer sobre a violência doméstica





01 - Introdução


Em todo o mundo, pelo menos uma em cada três mulheres já foi espancada, coagida ao sexo ou sofreu alguma outra forma de abuso durante a vida. O agressor é, geralmente, um membro de sua própria família. Cada vez mais, a violência de gênero é vista como um sério problema da saúde pública, além de constituir violação dos direitos humanos.

A violência tem resultados devastadores para a saúde reprodutiva da mulher, além de afetar seu bem-estar físico e mental. Além das lesões físicas, a violência aumenta o risco, a longo prazo, de que a mulher tenha outros problemas de saúde, incluindo dores crônicas, incapacidade física, abuso de drogas e álcool, e depressão. As mulheres com histórico de agressão física ou sexual também correm maior risco de ter uma gravidez indesejada, de contrair uma infecção sexualmente transmitida e de sofrer um resultado adverso em sua gravidez. No entanto, as vítimas de violência que buscam atendimento de saúde têm necessidades que os profissionais de saúde não reconhecem, não investigam e não sabem como abordar.

A violência contra as mulheres adultas e jovens inclui a agressão física, sexual, psicológica e econômica. É conhecida como violência “de gênero” porque resulta, em parte, da condição subordinada que a mulher ainda tem na sociedade. Muitas culturas mantêm crenças, normas e instituições sociais que legitimam e, portanto, perpetuam a violência contra a mulher. Os mesmos atos que seriam punidos se perpetrados contra um empregador, vizinho ou conhecido, com freqüência permanecem impunes quando perpetrados contra as mulheres, especialmente dentro de uma mesma família.

Duas das formas mais comuns de violência contra a mulher são a agressão de seu parceiro íntimo masculino e a coerção ao sexo, seja na infância, adolescência ou idade adulta. A agressão do parceiro íntimo—também conhecida como violência doméstica, maus-tratos ou espancamento da esposa—é quase sempre acompanhada de agressão psicológica e, de um quarto a metade das vezes, também de sexo forçado. A maioria das mulheres que são agredidas por seus parceiros são violentadas repetidamente. Na verdade, os relacionamentos abusivos desenvolvem-se geralmente em um ambiente permanente de terror.

Como os profissionais de saúde podem ajudar

Os profissionais de saúde podem fazer muito para ajudar suas clientes vitimas da violência de gênero. Mas, com freqüência, perdem as oportunidades de ajudar por se manterem desinformados, indiferentes ou preconceituosos. Quando recebem treinamento e contam com o apoio dos sistemas de saúde, os profissionais e os serviços de saúde podem fazer muito mais para responder às necessidades físicas, emocionais e de segurança de mulheres adultas e jovens que são agredidas.

Primeiramente, os profissionais e serviços de saúde devem aprender a abordar a questão da violência com as mulheres de uma forma que as ajude ao mesmo tempo, demonstrando compreensão e oferecendo apoio. Eles podem prestar atendimento médico, documentar os ferimentos sofridos e encaminhar tais clientes aos serviços de assistência legal e social.

O planejamento familiar e outros serviços de saúde reprodutiva têm, particularmente, a responsabilidade de ajudar, porque:

• assédio tem um impacto muito forte—apesar de pouco reconhecido—na saúde reprodutiva das mulheres e no seu bem estar sexual;
• Os profissionais de saúde só podem fazer um bom trabalho quando entendem que a violência contra a mulher e a falta de poder destas afetam sua saúde reprodutiva e sua capacidade de tomar decisões;
• Os profissionais de saúde reprodutiva estão em posição estratégica ideal para identificar as vítimas da violência e encaminhá-las a outros serviços comunitários de apoio.

Os profissionais de saúde podem mostrar às mulheres que a violência é inaceitável e que nenhuma mulher merece ser espancada, sofrer abuso sexual ou padecer de sofrimentos emocionais. Como disse uma paciente (379): “Só a compaixão abre as portas. Quando nos sentirmos seguras e capazes de confiar, as coisas começarão a mudar.”

Respostas da sociedade

Sozinhos, os profissionais de saúde não podem transformar o meio social, cultural e jurídico que gera e tolera a violência generalizada contra a mulher. Para acabar com a violência física e sexual é preciso que todos os segmentos da sociedade se empenhem e tenham estratégias de longo prazo. Muitos governos se comprometeram a acabar com a violência contra as mulheres aprovando e executando leis que asseguram a elas o cumprimento de seus direitos legais e punem os culpados. Também existem estratégias comunitárias que buscam dar mais poderes às mulheres, trabalhar também com os homens e mudar os tipos de crenças e atitudes que permitem o comportamento abusivo. Somente quando as mulheres conquistarem uma posição de igualdade com os homens na sociedade, a violência contra elas deixará de ser uma norma invisível e passará a ser vista como uma aberração inaceitável.



02 - A consciência do mundo desperta


A violência contra as mulheres é o tipo mais generalizado de abuso dos direitos humanos no mundo, apesar de ser também o menos reconhecido. É também um problema grave de saúde, já que mina a energia da mulher, comprometendo sua saúde física e desgastando sua auto-estima. Apesar destes altos custos, a maioria das sociedades do mundo tem instituições sociais que legitimam, obscurecem ou negam este tipo de abuso. Os mesmos atos que seriam punidos se perpetrados contra um empregador, vizinho ou conhecido, com freqüência permanecem impunes quando perpetrados contra as mulheres, especialmente dentro de uma mesma família.

Há mais de duas décadas que os grupos de defesa dos direitos das mulheres vêm procurando atrair mais atenção ao abuso físico, psicológico e sexual das mulheres, salientando a necessidade de ações concretas. Estes grupos colocam abrigos à disposição das mulheres, fazem campanhas para promover reformas legais e desafiam as atitudes e crenças disseminadas que apoiam o comportamento violento contra as mulheres (209).

Cada vez mais, estes esforços estão tendo resultados. Hoje, existem instituições internacionais que protestam contra a violência de gênero (veja a tabela 01). Pesquisas e estudos estão coletando mais informações sobre a prevalência e a natureza do abuso. Mais organizações, serviços de saúde e autoridades estão reconhecendo que a violência contra as mulheres tem conseqüências graves para sua saúde e para a sociedade.

Um número crescente de programas e profissionais de saúde reprodutiva já entende o papel essencial que têm de cumprir no combate à violência, não somente ajudando as vítimas individualmente mas também prevenindo o abuso. Quanto mais se tomar conhecimento do impacto da violência de gênero e das razões subjacentes, mais programas encontrarão formas de combatê-la. (Veja a figura 1)

O que é a violência contra as mulheres?

O termo “violência contra as mulheres” engloba muitos tipos de comportamentos nocivos cujo alvo são mulheres e meninas, simplesmente por serem do sexo feminino. Em 1993, a Assembléia Geral das Nações Unidas introduziu a primeira definição oficial deste tipo de violência quando adotou a Declaração para Eliminação da Violência Contra as Mulheres. De acordo com o Artigo 1 desta declaração, a violência contra as mulheres inclui:

Qualquer ato de violência de gênero que resulte ou possa resultar em dano físico, sexual ou psicológico ou sofrimento para a mulher, inclusive ameaças de tais atos, coerção ou privação arbitrária da liberdade, quer isto ocorra em público ou na vida privada. (444)

Há um consenso crescente, como o refletido na declaração acima, de que os abusos perpetrados contra mulheres e meninas, seja onde e como ocorrerem, são melhor entendidos dentro de um quadro de referência do “gênero”, pois tais abusos surgem em parte da subordinação da mulher e da criança na sociedade.

O artigo 2 da Declaração das Nações Unidas mostra que a definição da violência contra as mulheres deve incluir mas não se limitar aos atos de violência física, sexual e psicológica na família e na comunidade. Estes atos incluem o espancamento conjugal, o abuso sexual de meninas, a violência relacionada a questões de dotes, o estupro, inclusive o estupro conjugal, e outras práticas tradicionais prejudiciais à mulher, tais como a mutilação genital feminina (MGF). Também incluem a violência não conjugal, o assédio e intimidação sexual no trabalho e na escola, o tráfico de mulheres, a prostituição forçada e a violência perpetrada ou tolerada por certos governos, como é o caso do estupro em situações de guerra.

Este número de Population Reports focaliza principalmente dois tipos de violência: (1) o abuso das mulheres no casamento e outros relacionamentos íntimos, e (2) o sexo sob coação, quer este ocorra na infância, adolescência ou idade adulta. Esta abordagem reflete os tipos de abusos mais encontrados nas vidas das mulheres e meninas ao redor do mundo.

Outras formas de abuso-tais como o tráfico de mulheres, o estupro durante as guerras, o infanticídio feminino e a MGF-são também importantes. No entanto, não foram incluídos neste informe por já terem sido considerados separadamente. Ao concentrar-se na violência pelos parceiros íntimos e no sexo coagido, este informe pode discutir com maior profundidade estes problemas e as possíveis respostas dos programas.

A violência contra as mulheres é diferente da violência interpessoal em general. A natureza e os padrões de violência contra os homens, por exemplo, são tipicamente diferentes dos sofridos pelas mulheres. Os homens têm maior probabilidade de serem vítimas de pessoas estranhas ou pouco conhecidas, enquanto que as mulheres têm maior probabilidade de serem vítimas de membros de suas próprias famílias ou de seus parceiros íntimos (55, 96, 212, 258, 436). Como, freqüentemente, as mulheres estão envolvidas emocionalmente e dependem financeiramente daqueles que as agridem, isto tem profundas implicações sobre a forma em que as mulheres experimentam a violência e sobre a decisão de como melhor intervir no processo. (Veja o quadro 1)

03 - Abuso por parte do parceiro íntimo


Mundialmente, uma das formas mais comuns de violência contra as mulheres é a agressão feita pelo marido ou outros parceiros íntimos. A violência praticada por parceiros ocorre em todos os países e transcende aos grupos sociais, econômicos, religiosos e culturais. Embora as mulheres também possam ser violentas e haver comportamento abusivo em alguns relacionamentos homossexuais, a vasta maioria dos abusos é praticada por homens contra suas parceiras.

Apesar da pesquisa sobre o abuso praticado por parceiros estar ainda no estágio inicial, existe um consenso cada vez maior sobre sua natureza e os vários fatores que provocam este tipo de abuso. Às vezes referido como “agressão conjugal”, “espancamento” ou “violência doméstica”, o abuso pelo parceiro íntimo é mais freqüentemente parte de um padrão, que inclui o comportamento abusivo e o controle forçado, do que um ato isolado de agressão física. O abuso pelo parceiro pode tomar várias formas, inclusive agressões físicas tais como golpes, tapas, chutes e surras; abuso psicológico por menosprezo, intimidação e humilhação constantes; e coerção sexual. Inclui também freqüentemente os chamados comportamentos de controle, tais como o isolamento forçado da mulher em relação à sua família e amigos, a vigilância constante de suas ações e a restrição de seu acesso a recursos variados.

A magnitude do problema

Em cerca de 50 pesquisas populacionais do mundo inteiro, de 10% a 50% das mulheres relatam terem sido espancadas ou maltratadas fisicamente de alguma forma por seus parceiros íntimos, em algum momento de suas vidas (veja a tabela 01). Os dados da Tabela 1 referem-se somente às mulheres que foram agredidas fisicamente. As pesquisas sobre violência de parceiros são ainda muito recentes e são poucos os dados disponíveis sobre o abuso psicológico e sexual perpetrado pelos parceiros.

A violência física em relacionamentos íntimos quase sempre é acompanhada de abuso psicológico, sendo que de um terço à metade dos casos envolvem abuso sexual (59, 75, 131, 258, 272). Por exemplo, de 613 mulheres maltratadas no Japão, 57% tinham sofrido todos os três tipos de abuso-físico, psicológico e sexual. Somente 8% tinham sofrido somente o abuso físico (485). Em Monterrey, no México, 52% das mulheres maltratadas fisicamente tinham também sofrido abusos sexuais de seus parceiros íntimos (191). Em León, na Nicarágua, de 188 mulheres que tinham sido maltratadas fisicamente por seus parceiros, somente 5 não tinham sofrido abuso sexual ou psicológico ou ambos (131).

A maioria das mulheres que sofrem alguma agressão física sofrem, geralmente, vários atos de agressão ao longo do tempo. Por exemplo, o estudo de León mostrou que 60% das mulheres agredidas no ano anterior à pesquisa foram agredidas mais de uma vez, sendo que 20% sofreram atos muito fortes de violência mais do que seis vezes. Das mulheres que relataram algum tipo de agressão física, 70% relataram agressões graves (130). O número médio de agressões físicas sofridas no ano anterior à pesquisa por mulheres que continuavam a sofrer abusos, foi de sete (308) entre as mulheres pesquisadas em Londres e de três (436) nos EUA.

Nas pesquisas sobre violências praticadas por seus parceiros, pede-se geralmente às mulheres que informem que atos específicos de violência já sofreram, dos incluídos numa lista, entre eles, tapas, empurrões, socos ou ameaças com porte de arma. Quando as perguntas se referem a comportamentos-como por exemplo, “Seu parceiro já forçou-a alguma vez a ter relações sexuais contra sua vontade?”-as respostas resultam mais precisas do que quando pergunta-se simplesmente se elas já foram “agredidas” ou “estupradas” (127). Geralmente, as pesquisas definem como “violência grave” os atos físicos mais fortes que tapas, empurrões, repelões ou lançamento de objetos contra a pessoa.

Mas a mensuração dos “atos” de violência não descreve inteiramente a freqüente atmosfera de terror que permeia os relacionamentos abusivos. Por exemplo, em uma pesquisa nacional de violência, realizada no Canadá em 1993, um terço das mulheres que tinham sido agredidas fisicamente pelos parceiros declararam ter sentido ameaça de morte durante algum momento de seu relacionamento (378). Freqüentemente, as mulheres dizem que o abuso e a humilhação psicológicos são ainda mais difíceis de agüentar que o abuso físico (57, 58, 96). (Veja a tabela 02)

A dinâmica do abuso

Muitas culturas sustentam que os homens têm o direito de controlar o comportamento de suas esposas e que eles podem punir as mulheres que contestam este direito, mesmo quando elas apenas pedem dinheiro para os gastos domésticos ou expõem certas necessidades dos filhos. Estudos feitos em países tão diferentes como Bangladesh, Camboja, Índia, México, Papua Nova Guiné, Tanzânia e Zimbábue constataram que a violência é freqüentemente vista como uma punição física, ou seja, é o direito do marido de “corrigir” uma mulher que cometeu uma transgressão (10, 39, 94, 189, 204, 233, 303, 341, 407, 488). Como disse um marido em uma discussão de grupo de Tamil Nadu, na Índia: “Se a transgressão for muito séria, justifica-se o espancamento da esposa pelo marido. E por que não? As vacas só aprendem a ser obedientes apanhando” (233).

As justificativas para a violência derivam muito freqüentemente de certas normas de gênero, ou seja, de normas sociais que definem quais os papéis e responsabilidades considerados mais apropriados para os homens e mulheres (94). O mais típico é dar aos homens toda a liberdade, desde que eles se responsabilizem financeiramente pelo sustento de suas famílias. O que se espera das mulheres é que cuidem da casa e das crianças e demonstrem sua obediência e respeito aos maridos. Se o homem achar que sua mulher falhou de certa forma no cumprimento do seu papel, que saiu fora dos limites estabelecidos ou que desafiou os direitos do marido, ele pode reagir violentamente.

Estudos feitos no mundo inteiro permitiram identificar uma lista de eventos que “provocam” a violência, entre eles, não obedecer ao marido, “responder” ao marido, não ter a comida pronta na hora certa, não cuidar adequadamente dos filhos ou da casa, questionar o marido sobre dinheiro ou possíveis namoradas, ir a qualquer lugar sem sua permissão, recusar-se a ter relações sexuais ou suspeitar da fidelidade do marido (10, 39, 189, 204, 233, 303, 341, 407, 451, 488). Todos estes eventos constituem transgressão das normas que regem o relacionamento entre os sexos.

Em muitos países em desenvolvimento, as próprias mulheres concordam com a noção de que os homens têm o direito de disciplinar suas esposas usando a força (veja a tabela 02). Por exemplo, nas áreas rurais do Egito, pelo menos 80% das mulheres disseram que os maridos têm o direito de espancar as esposas sob certas circunstâncias (132). Uma destas circunstâncias é recusar sexo ao marido quando este o deseja (23, 103, 132, 386). Como é de se prever, a recusa ao sexo é uma das causas mais freqüentes das surras relatadas pelas mulheres (248, 322, 475, 488).

Muitas sociedades distinguem, às vezes, entre causas justas e injustas da violência, como também consideram que existem níveis aceitáveis e inaceitáveis de agressão. A noção de “justa causa” aparece com freqüência nas pesquisas sobre violência realizadas em muitos países. Alguns indivíduos, geralmente os maridos ou os superiores de uma comunidade, podem ter o direito de punir fisicamente uma mulher que tenha cometido certas transgressões, se bem que dentro de certos limites. Se um homem ultrapassar estes limites e exagerar na violência ou se espancar uma mulher sem “justa causa”, os outros poderão intervir (189, 210, 368, 407). Como disse uma mulher no México: “Se fiz algo errado, ninguém deve me defender. Mas se não fiz, então tenho o direito de ser defendida” (189).

Mesmo nas culturas que concedem aos homens um nível alto de controle sobre o comportamento feminino, o número de homens abusivos é geralmente superior ao normal (240, 382, 386). Por exemplo, dados do Estudo Demográfico e de Saúde (DHS) da Nicarágua mostram que, das mulheres que tinham sido agredidas fisicamente, 32% tinham maridos que se encontravam nos níveis mais altos da escala de controle conjugal, mas este percentual reduzia-se a apenas 2% entre as mulheres que não tinham sido agredidas fisicamente. A escala de controle conjugal incluía comportamentos tais como acusação contínua de infidelidade da esposa e restrição do acesso da esposa aos seus amigos e familiares (386). (Veja a tabela 03)

Reação das mulheres à agressão

A maioria das mulheres agredidas não são vítimas passivas, mas usam estratégias ativas para maximizar sua segurança e a de seus filhos (62, 119, 202, 258). Algumas mulheres resistem, outras fogem e outras ainda tentam manter a paz rendendo-se às exigências de seus maridos. O que um observador pode interpretar como falta de reação a uma vida onde reina a violência pode, na verdade, ser uma estratégia de sobrevivência no casamento e uma forma da mulher proteger-se e proteger seus filhos. (Veja a tabela 04)

A reação da mulher à agressão é freqüentemente limitada pelas opções à sua disposição (119). As razões que elas mais alegam para continuar em um relacionamento abusivo são: medo de represálias, perda de outros meios de suporte financeiro, preocupação com os filhos, dependência emocional, perda de suporte da família e dos amigos e a eterna esperança de que “ele vai mudar um dia” (10, 131, 330, 413, 488). Em países em desenvolvimento, as mulheres citam também que voltar a ser solteiras ou separadas é uma condição inaceitável, constituindo uma barreira adicional que as mantém em casamentos destrutivos (169, 368, 488).

Ao mesmo tempo, é freqüente que a recusa e o medo do estigma social impeçam as mulheres de pedir ajuda. Por exemplo, as pesquisas mostram que de 22% a quase 70% das mulheres agredidas nunca tinham revelado tais atos de violência a ninguém, até responderem à pesquisa (veja a tabela 03). Aquelas que pedem ajuda dirigem-se principalmente à família e aos amigos. São poucas as que chamam a polícia. (Veja a tabela 04)

Apesar dos obstáculos, muitas mulheres acabam abandonando os parceiros violentos, mesmo que esperem muitos anos, depois que os filhos já estão adultos (129, 227). Por exemplo, em León, Nicarágua, a probabilidade de que uma mulher agredida acabe deixando seu agressor é de 70%. O tempo médio que as mulheres permanecem em um relacionamento violento é de cinco anos. As mulheres mais jovens são mais propensas a abandonar estes relacionamentos mais cedo (131).

Os estudos sugerem uma série consistente de fatores que levam as mulheres a abandonar um relacionamento abusivo: os níveis de violência pioram e a mulher entende finalmente que “o homem” não irá mudar, ou então o nível de violência começa a afetar os próprios filhos do casal. Além disso, as mulheres confessam que o apoio emocional e logístico da família e dos amigos é um fator determinante em sua decisão de abandonar o marido ou parceiro (52, 62, 65, 69, 202, 413).

Abandonar um relacionamento abusivo é um processo que, freqüentemente, inclui períodos de negação, culpa e submissão antes que a mulher finalmente se dê conta de que o abuso continuará a se repetir e passe a se identificar com outras mulheres na mesma situação. Este é o início do processo de ruptura e recuperação. A maioria das mulheres abandona e retorna ao relacionamento várias vezes antes de finalmente deixarem o parceiro de forma definitiva (264).

Infelizmente, nem sempre o abandono do relacionamento garante a segurança da mulher. A violência pode continuar e até aumentar, depois que a mulher abandona seu parceiro (227). Na verdade, o maior risco de ser assassinada pelo marido ocorre justamente após a separação (60).

Como explicar o abuso pelo parceiro íntimo

Apesar de ser muito comum o abuso por parte do parceiro íntimo, ele não ocorre em todo lugar. Existe documentação antropológica de sociedades de menor porte, tais como os Wape de Papua Nova Guiné, onde a violência doméstica é praticamente inexistente (95, 275). Esta constatação constitui um testamento de que as relações sociais podem ser organizadas de forma a minimizar o abuso pelo parceiro.

Em muitos lugares a prevalência de tal violência varia substancialmente entre áreas vizinhas (255, 319). Estas diferenças locais são freqüentemente maiores que as diferenças entre países. Por exemplo, em Uttar Pradesh, na Índia, a porcentagem de homens que declararam espancar suas esposas variava de 18%, no distrito Naintal, a 45%, no distrito Banda (319). A porcentagem de homens que forçava fisicamente suas esposas ao ato sexual variava de 14% a 36% de um distrito a outro (veja a tabela 04).

Por que a violência é mais difundida em alguns lugares do que em outros? Apesar dos estudos não fornecerem respostas conclusivas, eles identificam algumas características das sociedades e dos relacionamentos que ajudam a explicar as diferenças na prevalência da violência contra as mulheres.

Violência e situação sócio-econômica. Embora a violência doméstica aconteça em todos os grupos sócio-econômicos, os estudos constataram que as mulheres que vivem na pobreza têm maior probabilidade de serem vítimas de violência do que as mulheres de condição econômica mais elevada (188, 215, 253, 268, 288, 325, 378, 386, 427). (Veja o quadro 1)

Porém, não está muito claro ainda se é a própria pobreza que aumenta os riscos de violência ou se esta é causada por outros fatores associados à pobreza, tais como a maior aglomeração espacial ou a falta de esperança. Certos homens que vivem em condições de pobreza podem tornar-se tensos e frustrados ou sentir que fracassaram ao não cumprir o papel culturalmente definido para ele, qual seja, o de responsável pelo sustento da família. A pobreza pode também ser a causa de discordâncias conjugais e, ao mesmo tempo, tornar mais difícil para uma mulher abandonar um relacionamento violento ou insatisfatório.

Provavelmente, a baixa condição sócio-econômica reflete uma variedade de condições que, combinadas, aumentam o risco das mulheres tornarem-se vítimas (210). É cada vez mais freqüente o uso pelos especialistas de um “modelo ambiental” para entender a interação e combinação de fatores pessoais, situacionais e sócio-culturais para provocar o abuso (veja a Figura 1). A abordagem ambiental do abuso sustenta que nenhum dos fatores “provoca” a violência sozinho, mas que vários fatores se combinam para aumentar a probabilidade de que um homem particular, em uma situação particular, possa agir violentamente contra uma mulher.

No modelo ambiental, as normas sociais e culturais-por exemplo, as que afirmam a superioridade inerente dos homens sobre as mulheres-combinam-se com fatores de nível individual-por exemplo, se o homem sofreu abuso quando criança-para calcular a probabilidade de ocorrer uma situação de abuso. Quanto mais fatores de risco estiverem em jogo, maior a probabilidade de ocorrer a violência.

Outros fatores do ambiente social parecem combinar-se para proteger certas mulheres. Por exemplo, quando as mulheres têm autoridade e poder fora da família, os índices de abuso parecem ser mais baixos nos relacionamentos íntimos (94, 275, 407).

Igualmente, a pronta intervenção de familiares e a presença de organizações femininas parece reduzir a probabilidade da violência doméstica (94, 275). Em contraste, quando a família é considerada “assunto privado” e não se permite o escrutínio público, os índices de abuso conjugal são mais elevados (275).


04 - Coerção sexual


A coerção sexual existe em um contínuo de ações, desde o estupro forçado a outras formas não físicas de pressão que compelem meninas e mulheres a participar de atos sexuais contra sua vontade. O mais trágico da coerção é que a mulher não tem opções e enfrenta conseqüências físicas ou sociais muito graves se resistir aos avanços sexuais dos homens.

Algumas formas de coerção, tais como a penetração forçada (estupro), agressão sexual (contato sexual forçado) e molestação sexual são reconhecidas como crimes por muitos sistemas legais. Outras formas de coerção, tais como a intimidação, a pressão verbal ou o casamento forçado, são toleradas e freqüentemente incentivadas culturalmente (211, 390). Outras implicam no conluio de organizações criminosas (tráfico de mulheres e crianças) e organizações militares (estupros durante guerras).

A maior parte dos atos sexuais não consentidos ocorre entre pessoas que se conhecem, ou seja, entre cônjuges, familiares, namorados ou conhecidos (211, 479). A coerção sexual pode ocorrer a qualquer momento da vida de uma mulher. Crianças com poucos meses de idade já foram estupradas ou molestadas sexualmente de outras formas. Até mesmo as mais idosas não estão imunes: os centros de atendimento a vítimas de estupro relatam casos de clientes com mais de setenta anos de idade (211).

Grande parte da coerção sexual é feita com crianças ou adolescentes, tanto em países industrializados como em desenvolvimento. De um terço a dois terços das vítimas conhecidas de agressões sexuais têm no máximo 15 anos, de acordo com informações dos órgãos de justiça e centros de atendimento em caso de estupro localizados no Chile, Peru, Malásia, México, Panamá, Papua-Nova Guiné e EUA (212). Na infância, as meninas tornam-se alvos fáceis de familiares e amigos mais velhos, que as forçam ou iludem para conseguir seus objetivos sexuais. Já moças, elas poderão ser forçadas novamente a manter relações sexuais com seus namorados, professores, familiares ou outros homens de autoridade. (veja a figura 1)

Sexo forçado no casamento

Ironicamente, muitas relações sexuais não consensuais ocorrem dentro de uniões consensuais. Evidentemente, nem todas as mulheres têm uma experiência sexual negativa e muitas experimentam prazer. Mas para certas mulheres, o sexo é apenas outro meio de controle masculino.

Por exemplo, em um estudo qualitativo de 15 países sobre o risco de HIV nas mulheres, estas relataram experiências sexuais extremamente perturbadoras no casamento. As entrevistadas mencionaram com freqüência terem sido forçadas fisicamente a ter relações sexuais e/ou a aceitar certas práticas sexuais que consideravam degradantes e humilhantes (466). Outras consentiram na relação sexual por temerem as possíveis conseqüências de sua recusa, entre elas a agressão física, a perda de apoio financeiro ou acusações de infidelidade. Muitos outros estudos também observaram este tipo de “consentimento defensivo” (103, 136, 248, 365).

Em Papua-Nova Guiné, quase metade de um grupo de 95 mulheres entrevistadas detalhadamente declarou ter tido relações sexuais forçadas por seus maridos. Para forçá-las, os maridos as tinham espancado em um terço dos casos e, em um quinto deles, os maridos estavam bêbados e agressivos verbalmente (322). Em Uttar Pradesh, na Índia, cerca de dois terços de um grupo de 98 entrevistadas informaram ter sido forçadas a ter relações sexuais com seus maridos, quase que um terço delas por espancamento (248).

Iniciação sexual forçada

Para uma minoria significativa de mulheres, a iniciação sexual é uma experiência traumática, forçada e cercada de temor. Para outras, mesmo se não foram forçadas, a iniciação sexual pode ser indesejada, ou seja, algo que lhes é imposto, que não escolheram por si próprias (veja a tabela 05).

Por exemplo, em uma clínica de pré-natal dos arredores de Cidade do Cabo, na África do Sul, 32% de 191 mães adolescentes, cuja idade média era de 16 anos, relataram que sua primeira relação sexual tinha sido forçada. Cerca de 72% informaram terem tido relações sexuais contra sua vontade em algum momento e 11% disseram ter sido estupradas. Se recusassem a ter relações sexuais, 78% disseram que seriam espancadas, 39% temiam ser ridicularizadas e 6% disseram que perderiam seus amigos. Cerca de 58% disseram que seus parceiros sexuais tinham-nas espancado dez ou mais vezes (282). Outro estudo, realizado no Cabo Oriental da África do Sul, mostrou que entre as razões de iniciação sexual dadas mais freqüentemente pelas jovens estavam “fui forçada pelo parceiro” (28%), seguida de “pressão dos amigos” (20%) (50).

Os adolescentes do sexo masculino admitem coagir freqüentemente suas parceiras. No Quênia, por exemplo, durante discussões em grupo, alguns adolescentes de 12 a 14 e rapazes de 15 a 19 anos comentaram: “Primeiro tentamos seduzi-las mas, se continuam a resistir, usamos a força”, inclusive, às vezes, drogando-as ou amordaçando-as para evitar os gritos (301). Durante discussões de grupo na África do Sul, uma adolescente revelou: “Eu realmente acho que o sexo forçado virou a norma. É a forma das pessoas interagirem sexualmente” (450).

Quanto mais jovem for uma mulher por ocasião da primeira relação sexual, maior a probabilidade da relação ter sido forçada. Na Nova Zelândia, por exemplo, uma de cada quatro jovens cuja primeira relação sexual foi antes dos 14 anos informou ter sido forçada a fazê-lo, geralmente por um homem muito mais velho (112). Também nos EUA, 24% das que se iniciaram sexualmente antes dos 14 anos disseram ter sido forçadas (2).

Mesmo quando a primeira relação sexual ocorre somente depois do casamento, a experiência pode ser traumática, especialmente quando as mulheres e jovens têm pouca informação sobre sexo (186). Um estudo de mulheres casadas em uma comunidade pobre da Índia revelou que muitas delas consideravam traumática sua primeira experiência sexual e que só 18% tinham alguma idéia do que ocorreria na noite de núpcias. Como lembrou uma mulher: “Foi uma experiência aterradora. Quando tentei resistir, ele prendeu meus braços acima da minha cabeça “ (248).

As mulheres que se casam muito jovens são ainda mais vulneráveis. Apesar da prática de casar ainda menina estar decaindo, muitas ainda são dadas em casamento, contra sua vontade, a homens muitos anos mais velhos (277).

Mesmo quando apoiado pela cultura reinante, o ato sexual pode ser traumático para as mulheres ainda muito jovens. Por exemplo, quando a antropóloga Mary Hegland entrevistou mulheres iranianas que moravam nos EUA sobre a iniciação sexual que tinham tido no Irã, muitas descreveram em detalhes como foram forçadas e defloradas. Eram freqüentes os casos em que os próprios familiares seguravam a jovem para que o homem a penetrasse. As mulheres entrevistadas usaram termos como “estupro” e “tortura” para descrever suas experiências, salientando que o termo “estupro” jamais seria usado com relação a tais experiências no Irã porque tratava-se de uma relação sexual dentro do casamento (208). (veja a figura 2)

Abuso sexual na infância

O abuso sexual de crianças existe em praticamente todas as sociedades. Ele inclui qualquer ato sexual entre um adulto (ou familiar imediato) e uma criança, além de qualquer contato sexual não consensual entre duas crianças. Geralmente, as leis não consideram a questão do consentimento como relevante nos casos de contato sexual entre adultos e crianças, sendo que estas são definidas, de forma muito variada, como pessoas com no máximo 13, 14, 15 ou 16 anos de idade. (veja a tabela 05)

Como se trata de um tema cercado pelo tabu, é difícil reunir estatísticas confiáveis sobre a prevalência do abuso sexual durante a infância. Os poucos estudos existentes com amostragens representativas informam que este tipo de abuso é bastante difundido (veja a tabela 06). Os estudos não podem ser comparados diretamente devido a diferenças na amostragem e na definição do que constitui o abuso. A maioria dos estudos diferencia o abuso que envolve contato físico daquele que não o faz, como é o caso do exibicionismo. Também fazem menção a vários tipos de contato sexual, por exemplo, o toque das partes genitais, que é diferente do ato sexual.

Apesar de tanto meninas como meninos poderem ser vítimas do abuso sexual, a maioria dos estudos relata que a prevalência de abuso entre meninas é de pelo menos 1,5 a 3 vezes a dos meninos e, às vezes, muito maior (75, 153). Em Barbados, por exemplo, 30% das mulheres e 2% dos homens declararam ter sofrido abuso (que pudesse ser considerado como sexual) durante a infância ou adolescência (199). Mas é possível que o abuso sexual de meninos não seja tão freqüentemente informado como o de meninas.

As mulheres tendem a relatar que são mais profundamente afetadas pelo abuso sexual do que os homens, embora, sem dúvida alguma, alguns homens e meninos também sofram enormemente (336, 373). A experiência de ser penetrado parece ser particularmente traumática tanto para meninos como meninas (42, 81, 247, 336).

Os estudos mostram consistentemente que, seja qual for o sexo da vítima, a grande maioria dos agressores é do sexo masculino e eles são conhecidos da vítima (217, 336, 396, 414). Muitos agressores foram eles mesmos agredidos sexualmente na infância, embora a maioria dos meninos que sofrem abuso sexual não agridem sexualmente outros quando se tornam adultos (462).

O abuso sexual pode gerar muitas conseqüências nocivas à saúde, inclusive problemas psicológicos e de comportamento, distúrbios sexuais, problemas de relacionamento, baixa auto-estima, depressão, tendência ao suicídio, alcoolismo e dependência química, além de comportamento sexual mais arriscado (25, 53, 81, 276, 399). As mulheres que sofrem abuso sexual durante a infância correm também um risco elevado de sofrerem abuso físico ou sexual quando adultas (26, 37, 149).

Embora os efeitos do abuso sexual sejam graves e duradouros para algumas crianças, nem todas sofrerão conseqüências que continuam durante a vida adulta (247, 314). O abuso sexual tem maior probabilidade de causar danos a longo prazo se for perpetrado durante um período mais longo, se o responsável for o pai ou uma figura paterna, se houver penetração ou se for utilizada força ou violência (26, 247, 373).

A resistência de uma criança e o tipo de acolhida que recebe quando relata o abuso também afetam as conseqüências a longo prazo (85, 247, 396). Quando as pessoas acreditam na criança que relata um abuso e oferecem-lhe seu apoio, as conseqüências são freqüentemente menos graves do que quando a revelação da criança gera descrédito, acusação ou rejeição (396).



05 - Impacto sobre a saúde reprodutiva da mulher


O abuso físico e sexual está por trás de alguns dos problemas de saúde reprodutiva mais difíceis de resolver dos nossos tempos: a gravidez indesejada, a infecção pelo HIV e outras infecções sexualmente transmitidas, e as complicações da gravidez. Um número crescente de estudos documenta as formas pelas quais a violência praticada por parceiros íntimos e a coerção sexual minam a autonomia sexual e reprodutiva das mulheres e comprometem sua saúde.

A violência toma caminhos muito variados até afetar a saúde reprodutiva e sexual das mulheres (veja a Figura 2, na pág. 13). A violência física e o abuso sexual podem expor a mulher diretamente ao risco de uma infecção ou gravidez indesejada se, por exemplo, a mulher for forçada a ter uma relação sexual ou se não utilizar anticoncepcionais ou preservativos porque ela teme a reação do parceiro. Já um histórico de abuso sexual durante a infância pode indiretamente levar a uma gravidez indesejada ou a uma DST, pois aumenta a exposição ao risco sexual durante a adolescência e a idade adulta. (veja as figura 1.

Autonomia sexual e gravidez não desejada

Em muitas partes do mundo o casamento é visto como uma concessão ao homem de um direito incondicional de acesso sexual à esposa, além do poder de exercer este direito até com o uso da força, caso necessário (409). As mulheres que não dispõem de autonomia sexual estão geralmente impotentes para recusar o sexo, quando não o desejarem, ou para usar anticoncepcionais e, assim, exporem-se a uma gravidez não planejada.

Como disse uma mulher de 40 anos em Uttar Pradesh: “O que mais posso fazer sozinha para evitar uma gravidez indesejada se ele também não concordar em fazer algo? Uma vez tomei coragem e disse que queria evitar ter relações sexuais com ele, mas ele me disse: ‘E para quê eu me casei com você?’. Ele me bate por qualquer motivo e eu tenho que concordar em fazer sexo toda vez que ele quiser.” (248)

Não surpreende que muitas mulheres concordem em ter relações sexuais mesmo quando não estão interessadas. Por exemplo, na região das Visayas Ocidentais das Filipinas, 43% das mulheres casadas em idade reprodutiva, entrevistadas por um estudo, declararam ter medo de recusar os avanços sexuais dos maridos, sobretudo porque se recusassem poderiam ser espancadas (103).

Muitos estudos notaram que a violência contra as mulheres é mais comum em famílias com muitos filhos (103, 130, 233, 268, 288, 318, 386, 436). Há muito que os pesquisadores assumem que, quando a mulher tem muitos filhos, ela corre também um risco mais elevado de ser maltratada, talvez devido aos níveis elevados de tensão interna na família ou talvez porque tal situação provoque mais discordâncias conjugais. No entanto, os resultados de uma recente pesquisa na Nicarágua sugerem que a relação pode ser inversa, ou seja, é a maior incidência de violência doméstica que aumenta a probabilidade de que uma mulher tenha muitos filhos. O estudo constatou que as mulheres que sofrem abusos têm duas vezes maior probabilidade do que outras de ter quatro ou mais filhos. Mas 50% de todas as ocorrências de abuso físico começaram dentro dos primeiros dois anos do relacionamento, e 80% dentro de quatro anos (131). O fato constatado de que o abuso ocorria antes do aumento da prole sugere que a violência é um fator de risco e não uma conseqüência da existência de uma prole grande. (Veja a figura 2)

Uma ampla pesquisa de homens casados em Uttar Pradesh, na Índia, demonstra diretamente que o sexo forçado pode levar à gravidez involuntária. Os homens que admitiram terem forçado suas esposas ao ato sexual tinham 2,6 vezes maior probabilidade que outros homens de terem causado uma gravidez não planejada (288).

Uso anticoncepcional. Muitas mulheres relutam em discutir o controle da natalidade, temendo que seus parceiros reajam violentamente (23, 33, 84, 135, 157, 158, 411). Em algumas culturas, os maridos podem reagir negativamente por acharem que a proteção contra a gravidez encorajaria a infidelidade conjugal de suas esposas. Em sociedades onde ter muitos filhos é indicação de virilidade, o marido poderá interpretar o desejo de sua esposa de fazer planejamento familiar como uma afronta à sua masculinidade (411). No Quênia, alguns homens dizem que se opõem ao uso da contracepção pois temem que ela reduziria seu controle sobre as esposas (32, 463).

A percepção que a mulher tem sobre a atitude de seu marido quanto ao planejamento familiar influencia fortemente sua decisão de usar ou não anticoncepcionais, conforme mostram estudos realizados em Gana, Filipinas, Indonésia, Quênia e outros países (31, 135, 238, 269, 392). Em um total de 13 pesquisas DHS, uma média de 9% das mulheres casadas cujas necessidades de planejamento familiar continuam não atendidas-ou seja, mulheres que querem evitar a gravidez mas não estão usando nenhum método anticoncepcional-citam a desaprovação dos maridos como a razão principal para não usarem anticoncepcionais (35). Apesar de, nos levantamentos, apenas uma minoria dos casais dar a impressão de que discorda quanto ao uso da contracepção, os estudos mais detalhados sugerem que, provavelmente, estes casais representam uma grande parcela dos casais cujas necessidades permanecem não atendidas (377).

Freqüentemente, as mulheres fazem uso da contracepção de forma clandestina, com medo de serem espancadas ou abandonadas se o fizerem abertamente. Se uma mulher for flagrada usando anticoncepcionais, poderá sofrer conseqüências severas por estar assim solapando a autoridade masculina. Em Gana, 51% das mulheres e 43% dos homens disseram concordar que o espancamento da esposa pelo marido é justificado se ela usar um método de planejamento familiar sem o conhecimento dele (23).

Consultados sobre o que deveria acontecer se uma mulher fizer planejamento familiar sem o consentimento do marido, alguns homens entrevistados em Gana deram as seguintes respostas: “Você está certo em bater na sua mulher se ela não consultá-lo antes de iniciar o planejamento familiar” e “Não vale a pena manter uma mulher deste tipo, porque ela fez o que fez sem consultá-lo previamente” (135). Na Cidade do Cabo, na África do Sul, mulheres jovens descreveram como seus parceiros as espancaram e rasgaram suas fichas de registro em clínicas anticoncepcionais (475).

Para as mulheres que vivem com homens violentos, o medo de uma reação negativa é geralmente suficiente para impedir uma discussão sobre a contracepção. Como disse uma mulher sobre seu marido: “Se ele ouvir alguém discutindo planejamento familiar pelo rádio, ele fica furioso e grita, ameaçador. Se ele ameaça um simples rádio, imagine o que ele faria comigo se eu quisesse discutir esta questão?” (23)

Felizmente, nem todas as mulheres que temem uma resposta negativa correm, necessariamente, o risco de sofrer abusos. Os estudos sugerem que, na verdade, muitos maridos são mais receptivos ao planejamento familiar do que suas esposas podem imaginar (117). Mas a comunicação conjugal sobre o sexo é geralmente tão limitada que os casais freqüentemente desconhecem a visão de seu parceiro ou parceira sobre o planejamento familiar. As esposas cujos maridos são receptivos ao planejamento familiar poderão errar ao assumir que suas atitudes refletem as normas culturais reinantes que desaprovam o planejamento. Em Uganda, por exemplo, 24% das mulheres pensavam que seus maridos desaprovavam a contracepção quando, na verdade, eles a aprovavam (33).

A violência leva ao comportamento sexual de alto risco

Crianças que sofreram abuso sexual adotam freqüentemente, quando se tornam adolescentes e adultos, um comportamento sexual que os expõe aos riscos de gravidez não intencional ou doença sexualmente transmissível. Alguns estudiosos interpretam o comportamento sexual arriscado das vítimas de abuso como um esforço para controlar ou dominar uma experiência da infância na qual se sentiram violadas e impotentes (154). Outros notam que a experiência de incesto e abuso sexual torna mais difícil para as vítimas estabelecerem relações íntimas saudáveis. Um pesquisador observou que uma destas vítimas aparentava uma “necessidade exagerada de intimidade que, juntamente com a sexualização do afeto, poderia levá-la a buscar aconchego e proximidade em repetidos encontros sexuais” (116).

Gravidez na adolescência. As vítimas de abuso sexual na infância parecem mais propensas que outras adolescentes a engravidar. No início da década de 90, alguns estudos dos EUA começaram a detectar uma correlação consistente entre o abuso sexual na infância e a gravidez na adolescência (25, 37, 56). Os estudos também detectaram um vínculo claro e consistente entre a vitimização sexual precoce e uma variedade de comportamentos de risco, inclusive a iniciação sexual precoce, o consumo de drogas e álcool, um maior número de parceiros sexuais e o menor uso de anticoncepcionais (148, 455). (Veja a figura 2)

Observando que os programas enfrentam dificuldades para reduzir os índices de gravidez na adolescência utilizando apenas a educação sexual e o acesso a anticoncepcionais, alguns pesquisadores sugeriram que a vitimização sexual na infância poderia ajudar a explicar a atividade sexual de alto risco e a gravidez na adolescência (37). Alguns procuraram responder se é a própria vitimização sexual que contribui ao risco de gravidez na adolescência ou se são ambos causados por um terceiro fator, tal como uma vida doméstica insalubre e desorganizada. Alguns estudos mostraram que muitos dos fatores que predispõem uma criança ao abuso sexual, tais como a ausência ou negligência dos pais, são também fatores de risco da gravidez na adolescência (314, 385). (Veja o quadro)

Apesar da questão não ter sido ainda esclarecida a contento, três recentes estudos que examinaram os efeitos independentes de abuso sexual e de outros fatores sugerem que o abuso sexual tem, ele próprio, um efeito no comportamento sexual adulto, além do efeito dos antecedentes familiares (149, 314, 315). Em todos os três estudos a vitimização na infância pareceu contribuir de forma independente aos problemas de saúde mental, sexualidade e funcionamento social na idade adulta.

Os pesquisadores continuam interessados em identificar o mecanismo exato pelo qual o abuso sexual aumenta o risco de gravidez na adolescência. O abuso sexual parece contribuir indiretamente à gravidez na adolescência ao diminuir a idade da primeira relação sexual e aumentar a exposição ao risco sexual entre os jovens (424). Estudos realizados em Barbados, Nova Zelândia, Nicarágua e EUA confirmam que, em média, as vítimas de abuso sexual começam a ter uma atividade sexual voluntária significativamente mais cedo que pessoas que não sofreram abusos (37, 149, 155, 199, 241, 336, 385, 424). Estes estudos também vinculam o abuso sexual a uma variedade de comportamentos sexuais de alto risco na adolescência, inclusive ter relações com múltiplos parceiros, consumir drogas e álcool em excesso, não usar anticoncepcionais, e ter relações sexuais em troca de dinheiro ou drogas.

O abuso na infância também já foi associado à gravidez involuntária da mulher adulta. Um estudo de 1.200 mulheres nos EUA constatou que as mulheres que informaram ter sofrido abuso psicológico, sexual e/ou físico, ou cujas mães foram espancadas por seus parceiros, estavam sujeitas a índices mais elevados de primeira gravidez involuntária do que outras mulheres que não sofreram abuso. A probabilidade da primeira gravidez de uma mulher ser involuntária aumentava em função tanto do número dos diferentes tipos de abuso que ela tinha sofrido como da freqüência de tais abusos (114).

DST, inclusive HIV/AIDS. O abuso sexual na infância parece aumentar o risco de doenças sexualmente transmissíveis (DST) entre adultos, principalmente por afetar o comportamento sexual de alto risco (98, 148, 149, 199, 239, 385, 389, 424, 455, 487). Vários estudos conseguiram demonstrar a associação entre um histórico de abuso sexual e a prática sexual em troca de dinheiro ou drogas (37, 229, 389, 423, 484). Por exemplo, pesquisadores de Rhode Island, EUA, observaram que homens e mulheres que tinham sido estuprados ou forçados a algum tipo de ato sexual durante a infância ou adolescência tinham quatro vezes mais probabilidade de dedicar-se à prostituição que outras pessoas. Também tinham duas vezes mais probabilidade de ter múltiplos parceiros sexuais em um único ano e de ter relações sexuais informais ou displicentes (487). Entre as mulheres, as vítimas de agressão sexual na infância tinham duas vezes mais probabilidade de consumir álcool em excesso e três vezes mais probabilidade de engravidar antes dos 18 anos. Apesar das mulheres estudadas que tinham sofrido abuso não apresentarem taxas mais altas de exposição ao HIV, os homens que tinham sofrido abuso sexual na infância tinham duas vezes mais probabilidade de serem HIV-positivos do que outros homens, com ou sem histórico de uso intravenoso de drogas ou de prostituição (487).

Em um estudo nacional representativo de homens e mulheres em Barbados, o antropólogo Penn Handwerker observou que o abuso sexual era o fator determinante mais importante para explicar atividades sexuais de alto risco durante a adolescência, inclusive a iniciação sexual muito jovem e o alto número de parceiros sexuais (199). O efeito direto que o abuso sexual na infância tem sobre o número de parceiros continua a ser significativo mesmo quando os entrevistados já têm mais de trinta anos. Para os homens, o abuso sexual na infância também parece estar relacionado intimamente à recusa de usar preservativos quando adultos, mesmo quando se leva em conta outras variáveis que afetam o uso do preservativo. (Veja a figura 3)

O abuso na infância também aumenta o risco de doenças sexualmente transmissíveis devido ao seu efeito sobre o consumo de drogas. As mulheres que sofrem abuso ou agressão sexual freqüentemente procuram alívio no consumo de drogas, além de adotar comportamentos insalubres tais como o sexo desprotegido e o comércio do sexo em troca de dinheiro ou drogas (21, 43, 162, 254, 349, 372, 412, 426).

Em um estudo conduzido em uma clínica ambulatorial de manutenção de metadona no South Bronx, em Nova Iorque, o abuso sexual precoce-especialmente o incesto-despontou como uma das experiências mais determinantes que as mulheres viciadas em crack, cocaína e heroína tinham passado em suas vidas. Os pesquisadores concluíram que o “sentimento de estigmatização e vergonha” deixava nas vítimas a sensação de que “não eram amadas nem inspiravam amor nos outros, tornando-as incapazes de dizer ‘não’ a atividades de que não queriam participar, tais como relações sexuais ou uso de drogas” (482).

Não causa surpresa, portanto, que as vítimas de outros tipos de violência, particularmente o abuso pelo parceiro, corram também maior risco de contrair uma DST. Por exemplo, no estado americano da Carolina do Norte, as mulheres que declararam ter sofrido abuso físico e sexual de um parceiro tinham duas vezes mais probabilidade de contrair uma DST do que outras mulheres, mesmo levando-se em consideração certas variáveis de efeito conflitante. Alguns dados da Índia sugerem que os homens abusivos são mais propensos a expor suas esposas a uma DST, já que eles têm significativamente maior probabilidade do que outros homens de manter relações sexuais não conjugais e de apresentar os sintomas das DST (286).

A violência compromete a proteção contra o HIV

Em discurso recente, o Diretor Executivo da UNAIDS, Peter Piot, observou que a violência contra as mulheres tem muitos vínculos com a HIV/AIDS. “A violência contra as mulheres não é apenas uma causa da epidemia de AIDS”, comentou. “Ela pode também ser a conseqüência.” (357)

Negociação quanto ao uso do preservativo. A violência influencia diretamente o risco de contrair o HIV e outras DST pois ela interfere com a capacidade das mulheres de negociar o uso de preservativos. Para muitas mulheres, sugerir o uso do preservativo pode ser até mais difícil do que discutir o uso de outros anticoncepcionais, porque os preservativos são freqüentemente associados à promiscuidade, infidelidade e prostituição. (Veja a figura 4)

É particularmente difícil discutir o uso do preservativo dentro do casamento ou de outros relacionamentos importantes (107). Como disse uma entrevistada de 46 anos no Brasil: “Se eu pedir agora ao meu marido que use um preservativo, ele vai me perguntar ‘Por quê?’. Ele vai pensar que eu estou traindo-o ou que estou acusando-o de me trair, duas coisas que não podem estar acontecendo” (185).

O relatório resumido do Programa de Pesquisa sobre Mulheres e AIDS do Centro Internacional de Pesquisas Femininas (ICRW) conclui que “no mundo inteiro, simplesmente não é prático para muitas mulheres tomarem a iniciativa de uso do preservativo” (466). Na Guatemala, India, Jamaica e Papua-Nova Guiné, as mulheres informaram que quando se faz menção ao uso de preservativos-com a implicação de que um ou outro parceiro pode estar sendo infiel-arrisca-se a enfrentar uma reação violenta (170, 214, 234, 483).

Muitas mulheres do Brasil, Haiti, Ruanda, África do Sul, Uganda e EUA expressaram temores semelhantes (33, 186, 194, 245, 441, 449, 472, 481). Na África do Sul, estava tão arraigado entre os trabalhadores migrantes o conceito de que a indignação violenta é uma resposta adequada às mulheres que sugerem o uso de preservativos que, durante a apresentação de um teatro de rua abordando a prevenção do HIV, o público de 1.000 homens irrompeu em aplausos quando o personagem masculino golpeou sua esposa quando esta sugeriu que ele usasse preservativos (172)

Orientação e exames voluntários. Em alguns lugares, o medo que as mulheres têm da reação dos homens mantém-nas afastadas dos programas de orientação sobre HIV/AIDS e dos exames de detecção da doença (45). Esta reticência tem implicações tanto sobre o controle da transmissão sexual do vírus como sobre os esforços para reduzir a transmissão da mãe ao feto.

Somente mais recentemente, os profissionais da área de saúde começaram a considerar as implicações de encorajar as mulheres a revelarem aos seus parceiros que estão infectadas pelo HIV. Preocupados com o fato de que muitas mulheres infectadas não estavam informando seus parceiros sobre os resultados dos testes, os pesquisadores em Nairobi começaram a se perguntar qual seria a razão disto. De 243 mulheres pesquisadas, só 66 tinham revelado sua infecção aos parceiros. Destas 66, pelo menos 11 tinham sido expulsas de casa ou substituídas por outra mulher, 7 tinham sido espancadas por seus parceiros, e 1 tinha se suicidado, de acordo com relatórios dados expontaneamente pelas mulheres ou seus familiares (431).

Em função disto, a equipe do estudo revisou seu protocolo para permitir que as mulheres decidissem voluntariamente se desejavam ou não receber os resultados e para dar orientação às mulheres quanto aos possíveis riscos e benefícios da revelação a um parceiro íntimo. Como resultado, os relatos de violência diminuíram sensivelmente no ano seguinte, sem que houvesse queda no número de parceiras aconselhadas.

Nos EUA, não foram conclusivas as pesquisas sobre o impacto do medo da violência sobre a disposição das mulheres de submeterem-se a exames de HIV. Entre as mulheres atendidas nas clínicas de triagem de DST em Miami ou Newark, o temor da violência não constituiu fator dominante na decisão das mulheres que se recusaram a fazer o exame de HIV. Quase uma em cada seis mulheres informou ocorrências de violência do parceiro no ano anterior à pesquisa, mas as vítimas não tinham mais probabilidade que outras mulheres de recusar-se a fazer o exame, exceto entre as mulheres que tinham sido feridas pelo parceiro nos últimos 12 meses (283).

Porém, outros estudos concluíram que o medo da violência é uma preocupação muito forte de algumas mulheres, o que parece indicar que a violência doméstica deve ser considerada quando se preparam diretrizes de notificação dos parceiros e quando se dá orientação sobre o HIV (175, 387). Em uma pesquisa de 136 serviços americanos de atendimento relacionado ao HIV, 24% deles relataram pelo menos uma paciente que sofreu violência física depois que revelou ser HIV-positiva ao seu parceiro, e 45% dos serviços tiveram pacientes que temiam este tipo de reação dos parceiros (388).

Redução da transmissão perinatal. O medo da violência também afetou os esforços para reduzir a transmissão do HIV da mãe ao feto. Por exemplo, em um estudo de programas perinatais de seis países africanos, o medo do ostracismo e da violência doméstica constituiu uma razão importante pela qual algumas mulheres grávidas recusaram o teste de HIV ou não retornaram para saber dos resultados (45). Em outros locais, o medo da violência afetou a disponibilidade e capacidade das mulheres de seguir integralmente um tratamento breve de AZT para reduzir a transmissão perinatal de HIV. Na Costa do Marfim, somente 3% das mulheres estudadas tomaram todas as doses recomendadas de AZT durante o trabalho de parto. Os pesquisadores chegaram à conclusão de que as mulheres relutavam em tomar o AZT por receio em revelar sua infecção de HIV aos amigos e família, principalmente por medo da violência (45).

Preocupações semelhantes foram relatadas por mulheres infectadas pelo HIV, as quais foram aconselhadas a não amamentarem seus bebês para evitar a transmissão de HIV. Nas regiões onde a amamentação é a norma, as mulheres temem que o uso da mamadeira ao invés da amamentação natural as identifique como pessoas infectadas pelo HIV, o que provavelmente as exporia a atos de violência (45).

A violência leva à gravidez de alto risco

Ao redor do mundo, uma de cada quatro mulheres sofre abuso físico ou sexual durante a gravidez, geralmente perpetrado por seu parceiro (18, 64, 99, 132, 167, 240, 268, 274, 325, 326, 386). Mas as estimativas variam amplamente. Nos EUA, por exemplo, as estimativas de abuso durante a gravidez variam de 3% a 11% das mulheres adultas, chegando a 38% das mães adolescentes (99). Sem dúvida, parte desta variação pode ser explicada pela forma e freqüência das perguntas e por quem as fez (167, 355).

Fatores de risco obstétrico. A violência antes e durante a gravidez podem ter conseqüências sérias para a saúde das mulheres e de seus filhos. As mulheres grávidas que já passaram por situações de violência tendem mais frequentemente a ignorar a necessidade do atendimento pré-natal (99, 113, 296, 351, 430, 447, 448) e a não aumentar de peso de forma suficiente (27, 99). Elas também são mais propensas a ter um histórico de DST (6, 287), gravidez não desejada (68, 88, 167, 448), infecções vaginais e cervicais (99, 296, 351), infecções renais (88) e sangramento durante a gravidez (99, 351).

Resultados adversos da gravidez. A violência também pode ter um impacto muito forte sobre o resultado da gravidez. Já foi constatada a ligação entre a violência e o aumento do risco de abortos expontâneos ou provocados (6, 232, 386), de trabalho de parto prematuro (88) e de sofrimento fetal (88). Vários estudos também enfocaram o relacionamento entre a violência durante a gravidez e o baixo peso ao nascer, um dos fatores que provocam a morte infantil nos países em desenvolvimento (6, 28, 51, 63, 88, 99, 121, 150, 193, 351, 355, 404, 447, 448). Apesar das observações não serem conclusivas, sete estudos sugerem que a violência durante a gravidez contribui substancialmente para diminuir o peso ao nascer, pelo menos em algumas situações (51, 63, 99, 150, 351, 447, 448). Outro estudo, realizado no hospital regional de León, na Nicarágua, concluiu que, depois de estabelecer controles por outros fatores de risco, a violência contra as mulheres grávidas foi responsável por um aumento de três vezes na incidência de baixo peso ao nascer. Este fator foi responsável por 16% dos casos de baixo peso entre as crianças estudadas, constituindo um risco maior do que outros fatores tais como pré-eclampsia, sangramento e fumo (448).

Ainda não está claro como a violência expõe a gravidez a riscos acima da média, mas algumas explicações já foram sugeridas (326, 355). O traumatismo abdominal cego pode levar à morte fetal ou ao baixo peso ao nascer, ao provocar um parto prematuro (92, 342, 397). A violência também pode afetar indiretamente o resultado da gravidez ao aumentar a probabilidade de que a mulher adote hábitos nocivos à saúde tais como o fumo e o consumo de álcool ou drogas (veja a pág. 19), todos eles associados ao baixo peso ao nascer (6, 67, 88, 121, 193, 285, 296, 351). Assim, sobretudo nos casos onde o fumo e o consumo de drogas na gravidez são relativamente comuns, estes comportamentos podem constituir os meios principais pelos quais a violência na gravidez reduz o peso ao nascer (99, 351).

O excesso de estresse e ansiedade provocado pela violência durante a gravidez podem levar a um parto prematuro ou ao retardamento do crescimento fetal, ao aumentar os níveis hormonais ou mudanças imunológicas por estresse (179, 225, 454). O estresse pode reduzir a capacidade das mulheres de obter os níveis adequados de nutrição, repouso, exercício e atendimento médico (64, 355). O estresse resultante do abuso é a explicação mais provável do vínculo entre a violência e o baixo peso ao nascer constatado nos estudos da Nicarágua e México onde o fumo e o consumo de álcool na gravidez são raros, mas é comum a ocorrência de violência durante a gravidez (447, 448).

Violência e mortes maternas. Na Índia, a violência pode ser responsável por uma proporção considerável porém subestimada de mortes relacionadas à gravidez. Na Índia, as autópsias verbais obtidas em um recente estudo de vigilância de todas as mortes maternas em mais de 400 aldeias e 7 hospitais, em três distritos de Maharastra, revelou que 16% de todas as mortes durante a gravidez estavam relacionadas à violência doméstica (164). Na área rural de Bangladesh, os homicídios e suicídios motivados por problemas de dotes ou pelo estigma de estupro e/ou gravidez fora do casamento, foram responsáveis por 6% de todas as mortes maternas entre 1976 e 1986 e por 31% das mortes maternas entre 15 e 19 anos de idade (141). O risco de morte como resultado de ferimentos era quase três vezes mais alto para adolescentes grávidas do que para adolescentes não grávidas ou para mulheres grávidas mais velhas (384). (Veja a figura 3)

A violência aumenta os riscos de outros problemas ginecológicos

A violência física e sexual parece aumentar o risco da mulher sofrer vários distúrbios ginecológicos comuns, alguns dos quais podem ser bastante debilitantes. Entre estes está a dor pélvica crônica que, em muitos países, é o motivo de até 10% de todas as consultas ginecológicas e 25% de todas as histerectomias (125, 271, 456).

Apesar da dor pélvica crônica ser causada comumente por adesões, endometriose ou infecções, cerca de metade dos casos de dor pélvica crônica não têm nenhuma patologia identificável. Vários estudos observaram que as mulheres que sofrem de dor pélvica crônica têm, invariavelmente, maior probabilidade de ter um histórico de abuso sexual na infância (456), agressão sexual (80, 90, 125, 230, 369) e/ou abuso físico e sexual por seus parceiros (401, 403).

Os traumas do passado podem levar à dor pélvica crônica por meio de lesões não identificadas, devido ao estresse ou ainda ao aumentar a suscetibilidade da mulher à somatização, ou seja, a expressão de angústia psicológica por sintomas físicos (125, 145, 259). Também, o abuso sexual na infância já foi associado à maior exposição ao risco sexual aumentado e, portanto, ao perigo de contágio de uma DST, o que pode levar à dor pélvica crônica, cuja origem mais freqüente é a doença inflamatória pélvica.

Outros distúrbios ginecológicos associados à violência sexual incluem a hemorragia vaginal irregular (180), descarga vaginal, menstruação dolorosa (184, 230), doença inflamatória pélvica (402) e deficiência orgânica sexual (dificuldade de atingir o orgasmo, falta de desejo sexual e conflitos quanto à freqüência do ato sexual) (184, 402, 403). A agressão sexual também aumenta o risco do sofrimento pré-menstrual, condição esta que afeta de 8% a 10% das mulheres que menstruam, e provoca distúrbios físicos, do estado emocional e do comportamento (183). O número de sintomas ginecológicos parece estar relacionado à severidade do abuso sofrido e à possibilidade de que haja ocorrido tanto abuso físico como sexual, de que a vítima tenha reconhecido o agressor, ou de que tenha havido múltiplos agressores (181, 182).

06 - Ameaças para a saúde e o desenvolvimento


As conseqüências negativas do abuso estendem-se além da saúde reprodutiva e sexual das mulheres e atingem também sua saúde geral, o bem-estar de seus filhos e até a conjuntura econômica e social das nações. Ao esgotar a energia de mulheres, solapando sua confiança e comprometendo sua saúde, a violência sexual priva a sociedade da participação plena das mulheres. Como observou um relatório sobre violência da UNIFEM: “As mulheres não podem contribuir plenamente com seu trabalho e criatividade se estiverem sobrecarregadas com as marcas físicas e psicológicas do abuso.” (73)

A violência como fator de risco de doenças

A vitimização é um fator de risco de ocorrência de eventos prejudiciais à saúde. Além de provocar lesões físicas imediatas e sofrimento psicológico, a violência também aumenta o risco de prejuízos futuros à saúde da mulher. Vários estudos já demonstraram que as mulheres que sofreram abuso físico ou sexual, seja na infância ou na idade adulta, correm um risco mais elevado de ter problemas subseqüentes de saúde (111, 148, 181, 260, 273, 291, 292, 455).

A violência parece estar associada a muitos problemas graves de saúde, tanto imediatos como de longo prazo. Estes incluem problemas físicos, tais como lesões, síndromes de dores crônicas e distúrbios gastrointestinais, além de grande variedade de problemas mentais, inclusive ansiedade e depressão. A violência é também prejudicial à saúde por aumentar a incidência de uma variedade de comportamentos negativos, entre eles o fumo e o consumo de bebidas alcoólicas e drogas (Veja a figura 1).

Como a maioria dos estudos iniciais sobre abuso e saúde lidou com mulheres que buscavam tratamento médico, os resultados de tais estudos podem ter exagerado a relação entre a violência e a deficiência de saúde. Porém os vínculos entre a vitimização e a saúde precária foram confirmados em estudos recentes feitos com grupos mais representativos, inclusive amostras aleatórias de mulheres na comunidade e mulheres que visitavam clínicas de atendimento básico de saúde.

Um destes estudos, feito com as pacientes atendidas por um importante seguro de saúde (HMO) do estado de Washington, EUA, observou que as mulheres que sofreram qualquer tipo de abuso na infância-abuso físico, sexual ou emocional, ou abandono-tinham condições de saúde significativamente piores que outras mulheres comparáveis. O estudo constatou que as mulheres que haviam sofrido maus tratos na infância tinham mais problemas sexuais e de saúde reprodutiva, piores condições físicas, mais comportamento arriscado e mais sintomas físicos que as mulheres que não sofreram abuso. Além disso, em média, a mulher que tinha sofrido abuso na infância era diagnosticada mais freqüentemente com vários problemas de saúde, inclusive doenças infecciosas, problemas mentais e condições crônicas tais como a hipertensão, diabete e asma (455).

Os estudos feitos com mulheres atendidas pelos seguros do tipo HMO oferecem uma boa oportunidade para examinar o impacto cumulativo da violência sobre a saúde das mulheres, porque os seguros HMO geralmente atendem a todas as necessidades de saúde de seus associados, inclusive medicamentos, cirurgias, consultas médicas e hospitalizações (148, 260). Em conjunto, estes estudos de organizações HMO permitem três grandes conclusões sobre as conseqüências do abuso físico e sexual sobre a saúde das mulheres:

• Os efeitos do abuso podem persistir durante muito mais tempo, mesmo depois que o abuso tenha cessado (148, 261).
• Quanto mais grave o abuso, mais grave é seu impacto sobre a saúde física e mental das mulheres (273).
• impacto de tipos diferentes de abuso e de múltiplos eventos ao longo do tempo parece ser cumulativo (148, 260, 291, 455).

Conseqüências físicas do abuso

Não surpreende que a violência seja uma das principais causas de ferimentos sofridos por mulheres, variando desde pequenos cortes e contusões até a invalidez permanente e a morte. Alguns estudos baseados em população sugerem que de 40% a 75% das mulheres que sofrem abuso físico de seus parceiros acabam feridas em algum momento da vida, como resultado deste abuso (131, 325, 330, 378, 383, 436). As conseqüências de tais ferimentos podem ser graves: no Canadá, 43% das mulheres feridas por seus parceiros necessitaram de atendimento médico, e 50% tiveram que ausentar-se do trabalho sob licença médica (378).

Na sua forma mais extrema, a violência leva à morte da mulher. Estima-se que, mundialmente, de 40% a 70% dos homicídios de mulheres são cometidos por parceiros íntimos, freqüentemente no contexto de um relacionamento abusivo (15, 177). Em comparação, os percentuais de homens assassinados por suas parceiras são mínimos e, freqüentemente nestes casos, as mulheres estavam se defendendo ou revidando o abuso que sofreram dos homens (418).

Mas os ferimentos não são as conseqüências mais comuns, sobre a saúde, da violência de gênero. As agressões podem levar a um número ilimitado de problemas físicos, entre eles a síndrome do cólon irritável, os distúrbios gastrointestinais e as várias síndromes de dor crônica. Alguns estudos invariavelmente vinculam tais distúrbios ao histórico de abuso físico ou sexual (108, 273, 457, 458). As vítimas femininas do abuso também padecem de funcionamento físico deficiente, revelam mais sintomas físicos e passam mais dias de cama do que outras mulheres (181, 273, 292, 383, 429, 458). (veja a figura 2)

A violência debilita a saúde mental da mulher

Muitas mulheres consideram que as conseqüências psicológicas do abuso são ainda mais graves que seus efeitos físicos. Freqüentemente, a experiência do abuso destrói a auto-estima da mulher e a expõe a um risco muito mais elevado de sofrer problemas mentais, inclusive depressão, estresse pós-traumático, tendência ao suicídio e consumo abusivo de álcool e drogas.

Depressão. A depressão está sendo amplamente reconhecida como um dos principais problemas de saúde do mundo (446). A situação é particularmente aguda entre mulheres adultas (477) cujos índices de depressão são, na maioria dos países, duas vezes superiores aos dos homens (97, 327, 467). Alguns pesquisadores sugeriram que a maior parte da diferença entre os índices de depressão de homens e mulheres deve-se não às diferenças biológicas, mas sim à pobreza, à discriminação baseada no sexo e à violência baseada no sexo (13). As mulheres que sofrem abuso de seus parceiros apresentam mais casos de depressão, ansiedade e fobia do que mulheres que não sofreram abusos, de acordo com estudos realizados na Austrália, Nicarágua, Paquistão e EUA (74, 100, 126, 152, 376).

A agressão sexual na infância ou na idade adulta também está associada intimamente à depressão e ansiedade (42, 53, 81, 276, 469). O abuso sexual que tem a maior chance de acar-retar distúrbios psicológicos é aquele que ocorre em torno dos sete ou oito anos de idade da vítima, que inclui penetração genital ou anal, ou que é freqüente ou contínuo por um período mais longo de tempo (42, 81, 320).

Distúrbio do estresse pós-traumático. Muitas mulheres que sofrem abuso são depois acometidas do Distúrbio do Estresse Pós-Traumático (DEPT), caracterizado pelo tipo de ansiedade aguda que pode ocorrer quando uma pessoa passa por ou testemunha um evento traumático, durante o qual ela se sente indefesa, oprimida ou ameaçada de morte ou ferimento (8). Entre os sintomas do DEPT, a paciente pode experimentar sensações muito fortes de estar revivendo o evento traumático, fenômeno também conhecido como “imersão”. Ela pode também tentar evitar tudo e todos que a façam lembrar-se do trauma; entrar em um estado de apatia emocional; ter dificuldades para adormecer ou para se concentrar; e assustar-se ou alarmar-se com muita facilidade.

O estupro, o abuso sexual na infância e a violência doméstica estão entre as causas mais comuns de DEPT nas mulheres (36, 42, 44, 101, 380, 400, 433, 452). É de 50% a 95% a probabilidade de que uma mulher sofra de DEPT após ter sido estuprada, conforme demonstraram estudos realizados na França, Nova Zelândia e EUA (36, 41, 101). Um estudo dos EUA observou que os efeitos psicológicos do estupro são comparáveis aos efeitos da tortura ou do rapto (41).

Suicídio. Para algumas mulheres, o peso do abuso é tão intolerável que pode levá-las ao suicídio. Alguns estudos, feitos em países diferentes tais como Nicarágua, Suécia e EUA, mostraram que a violência doméstica pode ser intimamente associada à depressão e, em seguida, ao suicídio (1, 6, 29, 72, 246, 386). As mulheres que foram espancadas e que posteriormente passam a sofrer de DEPT são as que têm maior probabilidade de tentar o suicídio (433).

As mulheres que sofreram agressão sexual na infância ou quando adultas também tendem mais ao suicídio do que outras mulheres (148, 280, 292, 317, 381, 470). A correlação é forte mesmo depois de estabelecer controles quanto a fatores individuais de risco tais como o sexo, idade e nível educacional da mulher e quanto à presença de sintomas de DEPT e distúrbios psiquiátricos (104, 421).

Consumo de álcool e drogas. As vítimas de violência por parte de parceiros e as mulheres que sofreram abuso sexual na infância têm maior probabilidade que outras mulheres de abusar do consumo de álcool e drogas, mesmo depois de estabelecidos controles para outros fatores de risco tais como histórico de consumo no passado, ambiente familiar ou pais alcoólatras (133, 250, 265, 291, 304, 306). Um levantamento feito com mulheres que buscavam atendimento básico de saúde constatou que aquelas que tinham sofrido abuso de seus parceiros no ano anterior ao levantamento tinham três vezes mais probabilidade do que outras mulheres, que não tinham sofrido abuso recentemente, de estar consumindo álcool em excesso e quatro vezes mais probabilidade de estar usando drogas (291).

Será que as mulheres que sofreram abuso tentam neutralizar suas reações ao trauma entorpecendo-se com o álcool e as drogas? Ou será que as mulheres que consomem álcool e drogas vivem situações que as coloca sob maior risco de abuso por parte dos homens? Nos EUA, um estudo longitudinal de dois anos tentou responder a esta pergunta (250).

O estudo constatou que as mulheres que usavam drogas ilícitas-porém não aquelas que consumiam bebidas alcoólicas-corriam risco mais elevado de serem agredidas durante os próximos dois anos de acompanhamento do estudo. Como era de se esperar, um histórico passado ou recente de agressão estava associado com índices mais altos de consumo de álcool e drogas, mesmo depois de estabelecer controles de estudo referentes a uso prévio e outros fatores. Estas constatações sugerem que o maior consumo de álcool constitui mais uma reação de alívio da vitimização, posterior ao evento de abuso, ao passo que o consumo de drogas aumenta o risco de vitimização ao mesmo tempo que a vitimização aumenta a probabilidade do uso de drogas (250). (veja a figura 3)

A violência doméstica prejudica o bem-estar dos filhos

Freqüentemente, os conflitos do casal afetam seus filhos pequenos. As crianças que presenciam a violência conjugal enfrentam risco mais elevado de ter problemas emocionais e de comportamento tais como ansiedade, depressão, desempenho escolar medíocre, baixa auto-estima, desobediência, pesadelos e problemas de saúde (124, 244, 294). Tais crianças também demonstram maior propensão a agir agressivamente durante a infância e a adolescência (419, 420).

As crianças que presenciam episódios violentos entre seus pais, geralmente acabam tendo os mesmos problemas psicológicos e comportamentais de crianças que sofreram abuso (124, 228). Na Nicarágua, os filhos de mulheres espancadas tinham duas vezes mais probabilidade que outras crianças de sofrerem problemas de aprendizado, emocionais e comportamentais, e quase sete vezes mais probabilidade de sofrerem abusos físicos, sexuais ou emocionais (131). Entre as mulheres que sofreram abusos na Nicarágua, 49% disseram que seus filhos presenciavam freqüentemente os atos de violência (131), como também declararam 64% das mulheres na Irlanda (330), e 50% em Monterrey, no México (191).

Os estudos realizados nos EUA constataram que os filhos também sofriam abusos em 30% a 60% das famílias onde as esposas eram agredidas por seus maridos (9, 123). A experiência clínica sugere que este padrão é seguido também nos países em desenvolvimento (131). Apesar da reação das crianças à violência variar segundo sua idade, sexo e o apoio social que recebem (228), as crianças que tanto presenciam como sofrem abuso apresentam os mais graves problemas de comportamento (124).

A violência pode também afetar os níveis de sobrevivência infantil (11, 232). Em León, na Nicarágua, os pesquisadores observaram que os filhos de mulheres que sofreram abusos físicos e sexuais de seus parceiros tinham seis vezes mais probabilidade de morrer antes de completar cinco anos do que outras crianças. O estudo estabeleceu controles para outros fatores que afetam a sobrevivência de lactantes e outras crianças. Um terço de todas as mortes de crianças neste ambiente foram atribuídas à violência do parceiro (11). Um estudo realizado nos estados Tamil Nadu e Uttar Pradesh da Índia constatou também que as mulheres que tinham sido espancadas tinham probabilidade significativamente maior do que outras mulheres de perder filhos ainda lactantes, de interromper a gravidez por aborto provocado ou expontâneo ou de dar à luz a um natimorto. O estudo fez controle de outros fatores que influenciam a mortalidade infantil, tais como nível educacional, idade e paridade da mãe (232).

Na área rural de Karnataka, na Índia, um estudo constatou que os filhos de mães espancadas recebiam menos alimentos que outras crianças, o que sugere que estas mulheres não conseguiam negociar com seus maridos em benefício dos filhos (165). De forma semelhante, os dados da pesquisa DHS de 1998, referentes à Nicarágua, mostraram que os filhos de mulheres espancadas corriam mais risco de desnutrição do que outras crianças. Era maior a probabilidade de que tais crianças tivessem tido recentemente um episódio de diarréia e menor a probabilidade de que tivessem recebido tratamento oral de reidratação. Também tinham menor probabilidade de terem sido imunizadas contra doenças infantis (386).

O abuso baseado em sexo é um obstáculo ao desenvolvimento

Além dos custos humanos, a violência contra as mulheres prejudica sua participação na vida pública e mina o bem estar econômico das sociedades. Embora sejam imperfeitas as técnicas de cálculo dos custos econômicos e sociais da violência, alguns estudos começaram a esclarecer as várias formas pelas quais a violência de gênero prejudica a participação das mulheres, reduz sua produtividade e aumenta os custos para a economia como um todo, inclusive os custos de atendimento médico.

A participação das mulheres. A violência contra as mulheres dificulta sua participação em projetos de desenvolvimento e reduz sua contribuição ao desenvolvimento social e econômico. No México, um estudo que buscava entender por que as mulheres deixavam freqüentemente de participar de projetos de desenvolvimento, chegou à conclusão de que as ameaças dos homens eram uma das razões principais. Os homens perceberam o poder crescente de suas esposas como uma ameaça ao seu controle, passando a espancá-las para tentar cessar sua participação (73). Em Papua-Nova Guiné, alguns maridos impediram suas esposas de participar de reuniões, trancando-as em sua própria casa, tirando-as à força dos veículos que as levariam às reuniões ou mesmo perseguindo-as e arrastando-as de volta para casa (38).

Mesmo que os homens não impeçam a participação das mulheres, eles podem usar a força para privá-las dos benefícios desta participação. As mulheres que participam de planos de micro-crédito em Bangladesh e Peru e as trabalhadoras da indústria do vestuário nas maquiladoras mexicanas relatam que os maridos espancam freqüentemente suas esposas e tomam delas os seus rendimentos (73, 406, 407).

Para evitar a violência, muitas mulheres modificam seu próprio comportamento, agindo de uma forma que crêem ser mais aceitável por seus parceiros e transformando-se, assim, em “suas próprias carcereiras” (38). Por exemplo, em Papua-Nova Guiné, um estudo da Secretaria de Educação mostrou que a razão principal pela qual as professoras não aceitavam promoções era o medo de que isto pudesse provocar mais violência por partes de seus maridos (174).

Estes temores podem provocar efeitos adversos sobre a saúde das mulheres e de suas famílias, além de reduzir seus rendimentos. Por exemplo, o medo do estupro contribui à situação de baixa nutrição das famílias de refugiados etíopes que vivem em acampamentos sudaneses próximos à fronteira (266). As mulheres etíopes entrevistadas revelaram que preparavam menos refeições para seus filhos porque temiam ser estupradas quando saíam para coletar a lenha necessária para cozinhar. Muitas tinham realmente sido estupradas durante incursões de 2 a 3 horas que faziam para buscar combustível. Em Gujarat, na Índia, as mulheres que trabalhavam como agentes rurais de saúde, discutindo os obstáculos ao seu trabalho, enfatizaram sua relutância em viajar sozinhas de uma aldeia a outra por medo de serem estupradas. Na verdade, elas queriam receber treinamento em defesa pessoal para poder continuar seu trabalho (249). (Veja a figura 3)

A produtividade das mulheres. Os pesquisadores apenas começaram a explorar o possível impacto da violência doméstica sobre a participação da mulher na força de trabalho e sobre seus salários, sendo que os estudos chegaram a conclusões incongruentes. Por exemplo, em estudos diferentes realizados em Santiago do Chile, Manágua (Nicarágua) e Chicago, variou consideravelmente o impacto da violência doméstica sobre as chances de emprego das mulheres (278, 312). Algumas mulheres trabalhavam menos para poder proteger seus filhos ou então porque seus parceiros não lhes permitiam trabalhar, enquanto que outras mulheres buscavam empregos justamente para reduzir sua dependência financeira de parceiros abusivos.

Mas a violência doméstica parece ter um impacto consistente nos salários das mulheres e na sua habilidade para manter um emprego (47, 278, 312). O estudo de Chicago constatou que as mulheres com histórico de violência doméstica tinham maior probabilidade de ter passado por períodos de desemprego, de ter trocado de emprego com maior freqüência e de ter sofrido mais problemas de saúde física e mental que poderiam afetar seu desempenho no trabalho. Também tinham rendimentos mais baixos e probabilidade muito mais alta de ter que depender da assistência pública (278). De forma semelhante, em Manágua, as mulheres que sofreram abuso ganhavam 46% menos que as outras, mesmo depois de controlar outros fatores que afetam os salários (312).

Custos para a economia. Os custos da violência de gênero são bastante significativos para os países. Por exemplo, um estudo de 1995 no Canadá estimou que a violência contra as mulheres custou ao país 1,5 bilhão de dólares canadenses (US$1,1 bilhão) em produtividade perdida de mão-de-obra e no aumento da utilização de serviços médicos e de apoio comunitário (106). Outro estudo do Canadá chegou a valores muito mais altos em sua estimativa do custo da violência contra as mulheres, depois de incluir custos dos serviços sociais, da justiça criminal, de mão-de-obra e emprego e do sistema de saúde. O estudo estimou que o abuso físico e sexual de meninas e mulheres custou 4,2 bilhões de dólares canadenses anuais à economia do Canadá, sendo que quase 90% destes custos foram arcados pelo governo (192).

Não causa surpresa que as mulheres que passaram por agressão física ou sexual na infância ou na idade adulta utilizem os serviços de saúde mais freqüentemente que outras mulheres, como demonstram estudos feitos na Nicarágua, EUA e Zimbábue (147, 257, 273, 312, 394, 455, 464, 473). Durante toda sua vida, as vítimas de abuso fazem em média mais cirurgias, consultas médicas, idas à farmácia, internações hospitalares e consultas sobre saúde mental do que as outras mulheres, mesmo depois de responder por outros fatores que afetam a utilização dos serviços de saúde.

Este uso maior do atendimento de saúde aumenta consideravelmente os custos para o sistema de saúde de um país. Por exemplo, no estudo já mencionado (pág. 18) de uma seguradora de saúde (HMO) do estado de Washington, o custo adicional resultante do abuso infantil, somente para este plano de saúde, foi estimado em mais de US$8 milhões por ano (459). Outro estudo de organização HMO nos EUA observou que as vítimas femininas da violência de parceiros custaram ao plano de saúde 92% a mais do que uma amostra aleatória de outras mulheres que utilizaram os serviços do dito plano de saúde naquele ano. Os custos adicionais não eram devidos aos custos extras de pronto-socorro (473).


07 - Os profissionais de saúde desempenham um papel essencial


Os profissionais e serviços de saúde tem um papel crucial para lidar com a violência contra as mulheres. Na maioria dos países o sistema de saúde constitui a única instituição que interage com quase toda mulher em algum momento de sua vida. Por isso, os profissionais e serviços de saúde estão em posição privilegiada para reconhecer as vítimas da violência e ajudá-las. Também, como a violência aumenta o risco de outros problemas de saúde das mulheres, o atendimento imediato pode prevenir as condições mais graves que ocorrem depois do abuso.

Recentemente, a comunidade da área de saúde começou a mobilizar-se para enfrentar este desafio. Em 1993, a Organização Panamericana de Saúde (OPAS) tornou-se a primeira organização internacional de saúde a reconhecer a violência contra as mulheres como um problema de alta prioridade, ao aprovar a resolução CD39.R8 conclamando todos os governos membros da organização a estabelecer planos e diretrizes nacionais de prevenção e controle da violência contra as mulheres (344). Em 1996, a 49ª Assembléia Mundial de Saúde seguiu o exemplo e declarou o combate à violência doméstica uma prioridade de saúde pública (478). Tanto a OPAS como a OMS lançaram programas relacionados à violência contra as mulheres em meados da década de 90.

Alguns sistemas de saúde começaram a abordar a violência doméstica dentro do atendimento clínico normal. Por exemplo, em 1992, a Associação Médica Americana publicou diretrizes de diagnóstico e tratamento da violência doméstica, enquanto que a entidade JCAHO (Comissão Conjunta dos EUA para o Credenciamento das Organizações de Saúde) começou a incluir nos exames de credenciamento uma avaliação das diretrizes e procedimentos adotados pelos prontos-socorros para tratar as vítimas do abuso (7, 489). Mais recentemente, o Brasil, Filipinas, Irlanda, Malásia, México, e Nicarágua criaram programas piloto para treinar profissionais e auxiliares de saúde a identificar e responder ao abuso (115, 277, 370). Vários países latino-americanos também adotaram diretrizes para lidar com a violência doméstica em suas políticas nacionais do setor de saúde (345). Apesar de tais esforços, continua lento o progresso. Na maioria dos países, os médicos e enfermeiras raramente perguntam às mulheres se elas sofrem abuso doméstico, mesmo quando existem sinais óbvios de tal abuso (71, 86, 139, 144, 161, 298, 347). (Veja a figura 1)

Obstáculos ao combate da violência

Por que os profissionais e serviços de saúde tem sido lentos no combate à violência contra as mulheres? Os médicos geralmente pensam que são as pacientes e não eles próprios o principal obstáculo a um melhor atendimento (139). Mas o fato é que os profissionais de saúde são geralmente parte do problema.

Existe uma rede complexa de considerações profissionais, culturais, pessoais e institucionais que afetam a habilidade e vontade do pessoal de saúde de enfrentar a violência doméstica, como mostram alguns estudos realizados na África, Ásia, América Latina e EUA (86, 143, 252, 361, 374, 428, 465). Entre as barreiras mais fortes à adoção de respostas eficazes ao problema estão a falta de competência técnica, estereótipos culturais e atitudes sociais negativas dos próprios profissionais e auxiliares de saúde, além das restrições institucionais.

Falta de competência técnica e recursos. Muitas vezes, os profissionais e auxiliares de saúde deixam de perguntar às mulheres sobre sua experiência de violência doméstica porque sentem-se despreparados para atender às necessidades das vítimas. Alguns consideram a violência doméstica como um assunto de cunho privado e temem perturbar ou ofender as clientes fazendo perguntas sobre este assunto. Outros pensam não dispor do tempo ou dos recursos necessários para prestar ajuda (86, 374, 428).

Os profissionais de saúde que recebem treinamento especializado sobre a violência doméstica ficam mais à vontade para inquirir sobre o assunto e sentem-se mais competentes para tratar das necessidades das vítimas de abuso (309, 434). Apesar de algumas faculdades e cursos profissionalizantes estarem se esforçando para incluir o tema da violência doméstica em seus currículos-um exemplo é o das escolas de enfermagem nos EUA (476)-a maioria dos cursos profissionais do mundo inteiro não tratam da violência doméstica ou o fazem de forma muito reduzida (5, 321, 353). Por exemplo, um estudo dos EUA mostrou que dois terços dos profissionais de saúde nunca tinham recebido qualquer treinamento sobre violência doméstica (434). No México e Zimbábue, profissionais e serviços de saúde informaram que seu treinamento médico era mais um obstáculo do que ajuda para tratar da violência doméstica, porque preparava-os para tratar somente dos sintomas físicos da paciente, sem considerar a pessoa como um todo (143, 465).

Estereótipos culturais e atitudes sociais negativas. Os profissionais de saúde geralmente compartilham os mesmos valores culturais e atitudes sociais com relação ao abuso que predominam na sociedade como um todo. Os profissionais podem até achar que algumas mulheres merecem o tratamento abusivo ou que o dever da esposa é estar sempre disponível quando o marido desejar ter relações sexuais (252). Também assumem que a violência doméstica e a agressão sexual só acontecem entre mulheres pobres ou entre mulheres de certas classes étnicas ou religiosas (86, 252). Tais atitudes acabam impedindo o tratamento compassivo e atencioso de que as mulheres necessitam depois de sofrerem abuso doméstico.

Por exemplo, um estudo da África do Sul observou que as enfermeiras geralmente consideravam a violência doméstica como um sério problema para as mulheres mas, ao mesmo tempo, achavam que as próprias mulheres assumiam atitudes e se comportavam de formas que poderiam provocar a violência, inclusive o estupro (252). No caso dos enfermeiros, estes desfiaram uma longa lista de razões que justificariam o espancamento de uma esposa, entre elas, se a esposa desobedecer ou desrespeitar o marido ou se ela descuidar-se de suas obrigações de cuidar da casa e dos filhos. Eles não consideravam como estupro o homem forçar sua esposa à atividade sexual e afirmaram que a prática do espancamento era tanto uma forma de disciplina como uma expressão de amor ou perdão (252).

Mesmo em culturas onde a violência do parceiro é considerada inaceitável, as atitudes sociais negativas às mulheres espancadas já estão embutidas muito profundamente e são difíceis de superar. Estas convicções podem influenciar a forma em que um profissional da área de saúde avalia a sinceridade de uma mulher ou a sua responsabilidade pela situação que atravessa. Por exemplo, nos EUA, muitos clínicos revelaram sua atitude parcial ao fazer declarações tais como “uma mulher espancada vai sempre lhe dizer o que você está querendo ouvir” e “é difícil lidar com o tipo de mulher que se envolve em situações de violência; achamos difícil aceitar as mulheres que permanecem em tais situações” (86).

Alguns clínicos do sexo masculino podem hesitam em aceitar o relato de uma mulher sobre uma situação de violência porque se identificam com o agressor. Como disse um médico nos EUA: “ Talvez a descrição da agressão me incomode, porque eu mesmo já senti instinto de agressão deste tipo” (374). Mesmo as profissionais do sexo feminino que já passaram elas mesmas por situações de abuso poderão ter dificuldade em discutir a violência com suas clientes. Alguns estudos revelaram que até um terço das profissionais da área de saúde tinham experimentado a violência doméstica (252, 309, 370, 428).

Restrições institucionais. Geralmente, os clínicos que trabalham com vítimas da violência doméstica sentem que as instituições onde trabalham e que seus colegas valorizam menos seu trabalho do que outros tipos de intervenções clínicas (86). A maioria dos programas criados para tratar do abuso em instituições de saúde resultaram do trabalho e dedicação de alguns indivíduos, mas raramente estas iniciativas acabam se transformando em diretrizes institucionais. Quando estes líderes deixam as instituições onde trabalham, muitos programas perdem seu impulso e até acabam (86, 298).

O medo de obrigações legais em processos impede muitos profissionais de saúde de fazer mais pelas vítimas do abuso. Em alguns países, os profissionais de saúde podem às vezes recusar-se a fazer exames em mulheres vítimas de estupro ou outros atos de violência para não ter mais tarde que depor em um tribunal (221, 347, 465). Outros países aprovaram leis que exigem que os profissionais de saúde informem às autoridades os casos de abuso infantil e, às vezes, de abuso de mulheres adultas. No caso das vítimas adultas, estas leis são geralmente contraproducentes porque retiram da mulher agredida a possibilidade de assumir o controle da situação, colocam sua segurança em risco e tornam menos provável que a mulher busque ajuda por temer que, ao fazer isto, seu parceiro seja colocado na prisão (7, 78, 221, 236, 461).

As necessidades das mulheres são freqüentemente ignoradas devido às lacunas burocráticas ou falta de coordenação entre os sistemas judiciário e de saúde. Em alguns países, os médicos não podem tratar as mulheres que foram estupradas ou espancadas sem a autorização dos tribunais ou da polícia. Em outros, somente os médicos forenses designados pelos tribunais podem examinar as vítimas de crimes (461). No Zimbábue, por exemplo, uma mulher estuprada pode ter que esperar três dias ou mais para uma consulta com um médico oficial do governo. Estes são os únicos médicos autorizados a documentar casos de estupro ou agressão. Quando a mulher finalmente consegue a consulta, pode não haver mais nenhuma evidência física do crime (465). Exigências semelhantes existem em outros lugares, inclusive nos países da América Central, na Índia e no Peru (202, 220, 361).

A relutância das mulheres em denunciar a violência. Muitas mulheres não dão voluntariamente a informação sobre atos de violência, a não ser que sejam inquiridas diretamente. Por exemplo, a pesquisa DHS de 1998 na Nicarágua mostrou que mais de um terço das mulheres que tinham sofrido abuso de seus parceiros nunca tinham revelado tais ocorrências a ninguém. Embora 57% das mulheres tinham sofrido ferimentos, só 13% receberam atendimento médico em algum momento. Mesmo assim, a maioria das mulheres não revelou o motivo dos ferimentos. Somente 7% das mulheres pesquisadas disseram ter buscado, em algum momento, a ajuda de um centro de saúde ou hospital para seus problemas de violência (386).

A vergonha foi uma das principais razões dadas pelas mulheres da Nicarágua para não denunciar a violência. Como explicou uma delas: “Pensei que eram poucas as mulheres que viviam nestas condições e, também, tinha vergonha que alguém descobrisse como ele me maltrata desta maneira.” (131) Muitas mulheres não dizem nada sobre a violência porque temem que sejam consideradas as culpadas. Uma mulher dos EUA informou ao pessoal da pesquisa que teve que ir ao médico várias vezes para tratar dos ferimentos mas, mesmo assim, conseguiu esconder o motivo dos ferimentos durante nove anos (379).

O medo de represálias por parte de seus agressores é outra razão pela qual muitas mulheres permanecem em silêncio. Como disse uma mulher nos EUA: “Sei que se eu contasse o que de fato aconteceu, eles chamariam a polícia e aí eu teria que apresentar queixa, mas eles não estariam lá 24horas ao meu lado para me proteger contra este maníaco.” (379)

Em grande parte do mundo as mulheres não conseguem um atendimento de saúde sem o conhecimento ou permissão dos seus cônjuges ou de outros familiares do sexo masculino (333, 386). As mulheres que vivem em condições de abuso doméstico geralmente estão sujeitas a controles rígidos de sua mobilidade e os maridos abusivos podem recorrer a medidas extremas para impedir que elas obtenham ajuda. É comum os homens não permitirem que suas esposas visitem os centros de saúde desacompanhadas, especialmente se elas buscarem tratamento por ferimentos resultantes da violência doméstica (293). É extremamente improvável que uma mulher revele a ocorrência de abuso doméstico a um profissional de saúde, se ela estiver na presença do próprio agressor.

Como perguntar sobre o abuso

Depois que uma mulher decide buscar a ajuda de uma instituição de saúde, a recepção que ela aí recebe é de importância crucial. Muitos clínicos temem que, ao inquirir a cliente sobre a violência e abuso sexual, estarão abrindo uma “caixa de Pandora”, da qual surgirão problemas para os quais eles não têm nem tempo nem habilidade para resolver (428). Mas quando os profissionais da área de saúde se abstêm de fazer perguntas sobre a violência, sobretudo quando há indicações óbvias de que ela está ocorrendo, as mulheres acabam concluindo que eles não estão interessados nos seus problemas (465). Uma reação indiferente ou hostil por parte dos profissionais de saúde aumenta a sensação de isolamento e auto-recriminação da mulher, tornando pouco provável que ela mencione o problema de novo.

A falta de sigilo pode ser particularmente devastadora, além de colocar a mulher sob o risco de mais abuso. Como reclamou uma mulher no Zimbábue: “Fui para o hospital porque meu marido me espancou quando fiquei grávida. O que me chocou foi que não havia qualquer sigilo entre os médicos e enfermeiras que me trataram. Todo mundo na enfermaria ficou sabendo que eu tinha sido espancada pelo meu marido” (465).

Muitas mulheres que enfrentam a indiferença e hostilidade do pessoal de área de saúde sentem-se assim vitimadas pelo próprio sistema que deveria ajudá-las. Depois de procurar um centro de saúde na América Latina, um mulher comentou: “Fiquei muito magoada pois, afinal de contas, ao procurar um lugar deste tipo, você espera obter um pouco de ajuda. Mas fiquei decepcionada ao chegar lá. Não me deram nenhuma esperança ou estímulo.... me trataram de forma indiferente, como me trataria um caixa de supermercado” (202).

Uma mulher panamenha que abortou devido aos espancamentos do marido descreveu sua experiência no centro de saúde da seguinte forma:

Quando o médico me atendeu, contei a ele que tinha sido espancada e pedi: “Sei que isto não faz parte do seu trabalho, mas preciso de um favor. Meu marido está aí fora no corredor e eu gostaria que o senhor ligasse para a polícia para mim, é a única forma de impedir que ele me pegue novamente”. Mas o médico respondeu que não era seu problema e que eu podia ir embora quando quisesse. Me deu um remédio para os hematomas e me deixou sozinha no quarto. (347)

“Minha impressão é que algumas mulheres esperam a vida inteira para que alguém lhes faça a pergunta”, comenta Ana Flávia D’Oliveira, uma médica brasileira de saúde pública que começou um programa de triagem de vítimas de abuso entre pacientes de pré-natal (213). Na verdade, a maioria das mulheres, tenham elas sofrido abuso ou não, acha que os médicos deveriam adotar como rotina perguntar às pacientes sobre ocorrências de abuso (71, 161). Por exemplo, 88% das mulheres sul-africanas que freqüentavam uma clínica de saúde comunitária na Cidade do Cabo disseram que ficariam satisfeitas se houvesse uma investigação rotineira sobre a violência durante as consultas na clínica (251).

Note-se que a maneira de perguntar à mulher sobre a violência é o que determina sua disposição de revelar ou não sua situação. Se a pergunta for feita com tato e compreensão, a mulher sente-se à vontade para responder francamente. As mulheres discutirão mais francamente o abuso se perceberem que o clínico realmente se preocupa com sua situação, se ele torna a discussão mais fácil e se ele oferece a possibilidade de fazer um acompanhamento do caso (293, 379).

A colocação de folhetos ou cartazes sobre a violência doméstica em uma clínica ou consultório pode deixar as mulheres mais à vontade para discutir o assunto (293). Às vezes, o pessoal da área médica nota que é útil usar sobre a roupa um botão com os dizeres “Você pode discutir comigo a violência ou abuso doméstico”. Uma associação médica dos EUA mandou preparar um cartaz para ser colocado nas salas de espera dos consultórios, dizendo: “Podemos esquecer de perguntar, mas estamos sempre interessados em saber se você enfrenta problemas de violência em seu lar.” (48) (Veja a figura 2)

Quando existem sinais óbvios de abuso tais como ferimentos inexplicáveis, os profissionais devem perguntar: “Quem lhe causou tais ferimentos?”. Se não houver nenhum sinal, os clínicos acham que o melhor modo de abordar a violência é de forma rotineira, como parte do processo natural de preparação da ficha médica. Por exemplo, o profissional de saúde pode dizer: “Como a violência doméstica é muito comum hoje em dia, eu sempre pergunto a todas as minhas pacientes se elas já foram alguma vez feridas por uma pessoa íntima”. Ao ouvir este tipo de frase, a paciente não vai achar que foi a única pessoa escolhida para responder este tipo de pergunta.

Foram desenvolvidos vários questionários curtos de triagem para ajudar os profissionais de saúde a identificar as vítimas de abuso (120, 146, 295). Em uma clínica pré-natal, o índice de detecção de violência permanente, que era de 14% quando se inquiria rotineiramente as pacientes durante a entrevista de assistência social, passou para 41% depois que se adotou o sistema de Triagem de Avaliação de Abuso, o qual inclui 5 perguntas (328). Outro estudo mostrou que, quando se fazia três perguntas breves, podia-se identificar corretamente a maioria das mulheres vítimas de abuso:

(1) “Você foi golpeada, recebeu pontapés, foi esmurrada ou ferida de qualquer outra forma por alguém no ano passado? Quem?”
(2) “Você se sente segura em seu relacionamento atual?”
(3) “Você sente-se ameaçada no momento por uma pessoa com quem já teve um relacionamento no passado?"

Estas perguntas consumiram 20 segundos em média, ou seja, menos tempo do que é necessário para examinar os sinais vitais da paciente (146).

Não existe um consenso internacional quanto à conveniência de submeter todas as mulheres a uma triagem rotineira de violência toda vez que visitam um centro de atendimento de saúde. Alguns ativistas alegam que a não realização da triagem prejudica gravemente a qualidade do atendimento de saúde (49). Outros são de opinião que talvez não seja viável fazer a triagem de todas as mulheres em todas as visitas, sobretudo quando existem restrições de orçamento e quando o pessoal já tem trabalho em excesso. Alguns argumentam que poderá ser contraproducente identificar as mulheres que sofrem abuso se não houver serviços ou recursos correspondentes para ajudá-las, pois isto deixaria tanto clientes como profissionais de saúde mais frustrados (277).

Cada serviço de saúde tem que decidir que diretriz adotar para melhor atender às necessidades das clientes, dentro do quadro de recursos locais. Outras opções, além das triagens, incluem:

Perguntar, se houver sinais de abuso. Sem perguntar, é difícil identificar as mulheres que sofrem abuso. Os profissionais de saúde devem saber que, apesar das crenças populares, o ferimento físico não é o sintoma mais comum de abuso das mulheres. Mais comuns são as queixas indefinidas crônicas, ou seja, aquelas que não apresentam uma causa física óbvia. Estas queixas e outros sintomas importantes são as chamadas “bandeiras vermelhas” indicadoras da violência doméstica que devem levantar as suspeitas dos profissionais da área de saúde (166, 343, 370) (veja as págs. 22 e 23). Quando ocorre um ou mais destes sintomas, os profissionais devem fazer perguntas diretas sobre a possibilidade do abuso.

Triagem estratégica. Outra opção é fazer a triagem de abuso

em certos serviços que são considerados estratégicos porque entre suas clientes existem muitas vítimas do abuso ou porque tais serviços lidam com certos riscos especiais ou ainda porque eles apresentam boas oportunidades para discutir o abuso. A triagem de rotina pode ser particularmente adequada nos seguintes tipos de serviços:

• Serviços de saúde materno-infantil. Como a violência é pelo menos tão comum e, às vezes, mais grave do que uma variedade de outras condições para as quais os profissionais de saúde fazem triagens rotineiras durante a gravidez, a maioria dos especialistas considera que todas as mulheres atendidas no pré-natal deveriam passar por triagem para detectar abuso doméstico (64, 295). O ambiente do atendimento pré-natal é particularmente adequado à discussão sobre o abuso porque a confiança das mulheres vai aumentando a cada nova visita. A triagem pós-parto também é importante, já que a violência pode aumentar em freqüência ou gravidade depois do parto (176). As consultas pediátricas e de puericultura oferecem também uma boa oportunidade para identificar e oferecer apoio às mães e crianças que experimentam a violência no lar (20).

• Serviços de saúde reprodutiva. As discussões sobre contracepção ou prevenção das DST oferecem uma boa oportunidade para discutir o abuso doméstico. As mulheres que sofreram este tipo de abuso no passado ou que sofrem atualmente com a violência podem não ter condições de controlar o momento das relações sexuais ou negociar o uso de preservativo. Por isso, a triagem rotineira nos programas de planejamento familiar e de prevenção das DST é essencial para garantir que as mensagens passadas durante as sessões de orientação sejam adaptadas às necessidades de mulheres espancadas e abusadas sexual ou emocionalmente.

• Serviços de saúde mental. Como a violência é associada a distúrbios mentais tais como a depressão e o estresse pós-traumático (53, 66, 375), as mulheres que visitam os serviços de saúde mental devem ser consideradas como um grupo de alto risco de exposição à violência.

• Prontos-socorros. A violência doméstica é uma das causas de ferimentos físicos sofridos por mulheres adultas, sendo que, entre as mulheres feridas que necessitam de atendimento de emergência, podem estar aquelas que sofreram abusos domésticos mais graves. Portanto, vale a pena perguntar a todas as mulheres que buscam prontos-socorros para tratar ferimentos traumáticos se estes ferimentos foram causados pela violência de um parceiro íntimo (120, 297). (Veja a figura 3)

Como apoiar as mulheres que revelam o abuso

Muitas vezes os profissionais de saúde acham que podem fazer muito pouco quando uma mulher revela ser vítima do abuso doméstico. Mas o que os profissionais de saúde fazem e dizem pode influenciar enormemente o caminho que a mu-lher decide seguir (171, 293). O ato de perguntar sobre a violência demonstra às mulheres que os profissionais de saúde consideram-na como um problema médico de grande importância e não culpam a paciente por tal violência. Como disse uma mulher latino-americana: “Senti alívio quando o médico disse que eu não merecia este tipo de tratamento. Depois, ele me ajudou a pensar num plano para sair de casa da próxima vez que meu marido voltasse bêbado para casa” (202).

Nos EUA, muitas mulheres enfatizaram também o poder da legitimação que, em suas próprias palavras, trazia “alívio”, “consolo”, “plantava a semente” ou “dava o primeiro impulso” para mudar a percepção que elas tinham de sua situação (171). Alguns dos meios que os profissionais podem usar para ajudar a tratar as mulheres vítimas da violência estão descritos no “Círculo de Potencialização”, o qual é usado no treinamento da prevenção da violência.

Mesmo se a mulher não revelar em sua primeira visita que sofre com a violência doméstica, só o fato de perguntar já mostra que o médico se interessa pelo bem-estar da cliente e isto poderá estimulá-la a discutir o assunto posteriormente. Realmente, o ideal seria que os profissionais de saúde coordenassem suas ações com os serviços comunitários, entre eles os grupos locais de mulheres, mas existem muitas ações que os profissionais de saúde podem executar imediatamente durante a visita à clínica (350, 460):

1. Avaliar o perigo imediato. Procure saber se a mulher acha que ela ou seus filhos correm perigo imediato. Se for este o caso, ajude-a a pensar em vários cursos possíveis de ação. Ela teria um amigo ou parente que poderia ajudá-la? Se houver um abrigo de mulheres ou um centro de atendimento de emergência na área, ofereça-se para entrar em contato com eles. Alguns hospitais e clínicas têm diretrizes explícitas para permitir que as mulheres que sofrem abuso doméstico passem a noite no hospital se não se sentirem seguras em voltar para casa (243, 277). Mas o abandono temporário de um parceiro violento não acaba necessariamente com a violência. O momento mais perigoso de uma mulher junto a um parceiro violento é geralmente logo depois que ela decidir sair de casa ou terminar o relacionamento (60).

2. Oferecer o atendimento adequado. Para as mulheres que sofreram agressão sexual, o atendimento mais adequado poderá incluir a contracepção de emergência e o tratamento preventivo da gonorréia, sífilis ou outras DST prevalentes no local. Exceto se houver necessidade inquestionável, os clínicos devem evitar receitar tranqüilizantes e drogas que alteram o estado emocional das mulheres que convivem com parceiros abusivos, pois este tipo de droga pode prejudicar sua capacidade para prever e reagir aos ataques dos parceiros.

3. Documentar a situação das mulheres. Alguns serviços de atendimento de saúde documentam adequadamente os casos de abuso contra mulheres. Em Joanesburgo, na África do Sul, uma avaliação constatou que, em 78% dos casos de abuso, os serviços não tinham registrado a identidade do agressor. Os registros clínicos incluíam descrições realistas porém generalizadas, tais como “recebeu golpes de machado“ ou “foi apunhalada“ (313).

Uma documentação cuidadosa dos sintomas ou lesões sofridos pelas mulheres, bem como de seu histórico de abuso, é útil para o acompanhamento médico futuro. A documentação também é importante caso a mulher decida posteriormente apresentar queixas contra o agressor ou conseguir a guarda dos filhos. A documentação deve ser a mais completa possível, dela constando claramente a identidade do agressor e seu relacionamento com a vítima.

4. Preparar um plano de proteção. Apesar das mulheres não poderem evitar a reincidência dos atos de violência e não estarem dispostas a dar queixas à polícia, existem formas para se protegerem e aos seus filhos. Elas podem manter uma sacola pronta com documentos importantes, chaves e uma muda de roupa ou podem criar um sistema de código para indicar aos filhos o momento em que necessitam pedir ajuda a algum vizinho. Os serviços de saúde devem discutir um plano típico de proteção com a mulher e decidir com ela que ações poderiam ser adotadas para ajudá-la a resolver sua situação. Um boa técnica é afixar descrições de planos típicos de proteção nas paredes dos banheiros das clínicas e salas de exame médico, onde as mulheres podem lê-los sem sentir embaraço.

5. Informar às mulheres os seus direitos. Quando uma mulher toma a decisão de revelar sua situação a outros, é essencial que os profissionais de saúde enfatizem que a violência não é sua culpa e que ninguém merece ser agredida ou estuprada. Os códigos penais da maior parte dos países consideram o estupro e a agressão física como crimes, mesmo que não existam leis específicas contra a violência doméstica. O pessoal médico deve procurar se informar sobre as proteções legais que existem para as vítimas do abuso e onde as mulheres e crianças podem procurar ajuda na defesa de seus direitos.

6. Encaminhar as mulheres às instalações e serviços comunitários. Os profissionais de saúde podem ajudar as vítimas do abuso identificando-as o mais rápido possível e encaminhando-as aos serviços comunitários que estejam disponíveis. As necessidades das vítimas geralmente são superiores ao atendimento que o sistema normal de saúde pode proporcionar. Por isso é essencial que os profissionais de saúde saibam com antecedência que outros recursos estão disponíveis para ajudar as vítimas do abuso. É particularmente útil para os profissionais de saúde conhecerem pessoalmente as pessoas e instalações que prestam serviços às vítimas da violência, pois estarão mais propensos a encaminhar uma cliente a alguém que conhecem. (Veja a figura 4)

A necessidade de atuar também fora da clínica

Para tratar da violência contra as mulheres, é importante que os programas de saúde não limitem sua atuação apenas à clínica. A maioria dos programas de saúde também participa de atividades da comunidade. Algumas destas podem ser mobilizadas para combater o abuso. Particularmente importante é poder tratar da desigualdade entre os sexos e do abuso doméstico por meio de atividades comunitárias de promoção da saúde e campanhas pelos meios de comunicação de massa.

Promoção da saúde no âmbito comunitário. Durante muitos anos os projetos de saúde usaram as técnicas de extensão comunitária e instrução de companheiros para promover o planejamento familiar, a terapia de reidratação oral e outros comportamentos relativos à saúde. Estas técnicas também podem ser usadas para abordar o problema da violência, por exemplo, desafiando as normas tradicionais e prejudiciais de gênero e promovendo novas normas.

Por exemplo, a Associação Mexicana de Planejamento Familiar (MEXFAM) começou a integrar o trabalho anti-violência em toda a sua programação. Com recursos providos pela Fundação MacArthur, a MEXFAM criou cartazes e materiais de seminários que estimulam homens e mulheres da área rural e origem indígena, inclusive pessoas jovens, a refletir sobre a violência doméstica e seus impactos negativos. A meta é ajudar homens e mulheres a reconhecer os custos do comportamento abusivo e, assim, motivarem-se à mudança (299).

Em Honduras, o Programa Hondurenho de Saúde Comunitária (PROFEHSAC) acrescentou ao seu programa de treinamento de promotores de saúde algumas sessões especiais de teatro, discussão e representação de papéis sobre a violência doméstica. Como resultado, os promotores de saúde da PROFESHSAC tornaram-se agentes importantes de transformação comunitária, oferecendo apoio às vítimas e realizando sessões de discussão com homens, mulheres e jovens (284).

O novo manual de educação popular, Quando as mulheres não dispõem de médicos, deverá facilitar enormemente este trabalho porque conta com capítulos inteiros sobre as questões da sexualidade, violência doméstica, saúde mental e estupro (54). Tendo como alvo a população de baixa escolaridade, este manual de recursos inclui informação básica sobre a dinâmica do abuso e sugere como os profissionais de saúde da comunidade podem ajudar as vítimas e trabalhar para mudar as normas culturais.

Os programas também podem incluir a discussão sobre gênero e violência em pequenas sessões de grupo criadas com outras finalidades. Um exemplo é o curso Stepping Stones, que trata da saúde sexual e prevenção de HIV. A partir dos fundamentos do trabalho pioneiro de dois brasileiros-o educador Paulo Freire e o diretor de teatro e ativista social Augusto Boal-o manual usa uma abordagem de solução de problemas para encorajar a reflexão sobre assuntos complexos tais como a confiança, o risco, o significado do amor e como aprender a dizer “não” (468). Uma recente adaptação sul-africana do manual Stepping Stones acrescenta um módulo específico para tratar do abuso e coerção no interior dos relacionamentos (216).

Campanhas de comunicação. Os programas de saúde reprodutiva também podem usar os meios de comunicação de massa para abordar a violência contra as mulheres. Durante a década de 90, por exemplo, uma rede de mais de 100 organizações femininas da Nicarágua montou uma campanha anual pelos meios de massa para aumentar a conscientização sobre o impacto da violência sobre as mulheres (128). Usando slogans tais como “Quero viver sem violência”, a campanha mobilizou as comunidades contra o abuso. De acordo com a pesquisa DHS de 1998, mais da metade da população nicaragüense já tinha ouvido pelo menos uma das mensagens da campanha e metade de todas as mulheres que tinham ouvido as mensagens puderam repetir as palavras de pelo menos um dos slogans (386).

Outra organização nicaragüense, a Puntos de Encuentro, montou recentemente uma campanha voltada especificamente aos homens (307). A campanha aproveitou os resultados de um estudo qualitativo aprofundado cujo objetivo era investigar se os homens não violentos percebiam qualquer benefício com esta sua postura.

Outro inovador programa de comunicação foi criado na região ocidental da Austrália, onde foram utilizados comerciais de rádio e TV para sugerir aos homens abusivos que buscassem, voluntariamente, a ajuda de um serviço telefônico especial para homens envolvidos em casos de violência doméstica, denominado Helpline. O pessoal do Helpline dá conselhos e orientação pelo telefone e encaminha os homens aos programas de tratamento gratuito patrocinados pelo governo. Em apenas 7 meses, 69% do total de homens adultos da população demonstraram estar cientes da existência do Helpline e 1.385 homens já tinham telefonado para o serviço, inclusive 867 que admitiram ter agredido mulheres, sendo que quase a metade destes aceitaram o encaminhamento a um serviço de orientação (493).

Os programas de saúde reprodutiva também podem garantir que as campanhas de comunicação não reforcem, inadvertidamente, os papéis negativos associados a cada sexo ou passem mensagens negativas sobre o abuso de gênero. As imagens usadas nas campanhas ajudam a influenciar a forma das pessoas pensarem e se comportarem (16, 358). Por exemplo, as campanhas que buscam promover a contracepção ou uso de preservativos apelando especificamente para imagens machistas, correm o risco de reforçar certos estereótipos machistas negativos que minam o poder da mulher nas relações sexuais. Este foi o caso do marketing jamaicano dos preservativos Slam, que fazia referência explícita a cenas de sexo violento e exibia fotos de go-go girls seminuas para promover o uso de preservativos (395).

Também é o caso de Hum Log (Nós, o Povo), primeira novela de televisão da Índia criada para promover temas sociais. Uma avaliação posterior mostrou que seu enredo reforçava involuntariamente a violência doméstica pois, com o transcorrer da história, os personagens criados como modelos de comportamento não eram recompensados adequadamente por tratar bem as mulheres, ao mesmo tempo que os personagens de comportamento negativo não eram punidos normalmente por maltratá-las (46). Muitos telespectadores elogiavam a personagem da mulher que sofria há muito tempo aceitando o abuso do marido, observando que ela mantinha a paz na família e que este tipo de comportamento lhe trazia benefícios (416).

Por outro lado, a telenovela sul-africana “Soul City” utilizou com muito sucesso os meios de entretenimento para desafiar atitudes e normas que perpetuam o abuso. Esta telenovela, transmitida em horário nobre, inclui sutilmente em sua história principal os temas de responsabilidade social frente a problemas tais como a coerção sexual, a molestação e a violência doméstica. Além disso, o programa colabora com a Rede Nacional de Combate à Violência Contra as Mulheres, oferecendo um serviço de ajuda acessado gratuitamente por telefone, além de serviços também gratuitos de orientação voltados para as vítimas da violência. Como declarou Thuli Shongwe, do grupo de pesquisa de Soul City: “Quando as pessoas vêem sua própria situação representada na TV e observam como os personagens resolvem seus problemas, elas tornam-se mais capazes de atuar para resolver suas próprias vidas.” (34)


08 - Uma agenda para a mudança


Para acabar com a violência contra as mulheres é preciso coordenar estratégias entre muitos setores da sociedade e nos níveis comunitário e nacional. Em alguns países, os programas de saúde reprodutiva assumiram a liderança na resolução dos problemas de violência contra as mulheres. Mas os esforços não podem se limitar ao setor de saúde. Uma verdadeira agenda de mudanças deve incluir a potencialização de mulheres e meninas; a imposição de maiores custos aos agressores; o atendimento das necessidades das vítimas; a coordenação das respostas institucionais e individuais; o envolvimento da juventude; o trabalho com os homens; e a mudança de certas normas comunitárias.

Potencialização de mulheres e meninas

A potencialização das mulheres e meninas é não só uma meta louvável por si só, mas constitui também uma estratégia importante para acabar com a violência. As mulheres nunca escaparão da violência se continuarem dependentes financeiramente dos homens e restringirem seu valor social ao cumprimento dos papéis de esposas e mães. Em muitas partes do mundo, os códigos legais e as práticas habituais ainda tratam as mulheres como cidadãs de segunda classe, negando-lhes o direito à propriedade, a viajar livremente e a ter acesso aos recursos econômicos e produtivos. Em praticamente todos os países as mulheres não têm representação equivalente nos cargos de liderança e suas preocupações específicas raramente são refletidas nas diretrizes públicas. Como resultado, as mulheres não dispõem, freqüentemente, do poder necessário para tomar decisões básicas e fazer escolhas bem informadas sobre a sua própria saúde ou sexualidade (442).

A potencialização é normalmente vista como um processo a longo prazo, ocorrendo nos âmbitos internacional, nacional, comunitário e individual. Sua metas são:

• Eliminar as leis que discriminam as mulheres e crianças,
• Fortalecer a liderança e o poder de decisão das mulheres,
• Aumentar o acesso das mulheres e meninas à educação,
• Aumentar o acesso e controle das mulheres sobre os recursos econômicos,
• Aumentar o acesso das mulheres à informação de saúde e o controle sobre seu próprio corpo,
• Melhorar a auto-estima e a sensação de poder pessoal das mulheres.

No mundo inteiro, as redes de grupos femininos estão lutando para atingir estas metas por meio do ativismo das organizações de base e pela militância, em termos políticos, para mudar as diretrizes e práticas discriminatórias. As organizações de mulheres tem conseguido algumas vitórias importantes. Por exemplo, na última década, 24 países Latino-americanos e caribenhos reformaram suas leis relacionadas à violência doméstica, sobretudo devido à pressão dos grupos femininos (346, 480). Além disso, milhares de ONGs trabalham para aumentar a percepção das mulheres quanto aos seus direitos, utilizando para isso cursos sobre direitos humanos, programas de instrução legal, treinamento sobre gênero, e outros esforços de grupos menores (4, 417).

Maiores custos para os agressores

Uma pesquisa dos EUA mostra que baixaram os índices de violência interpessoal como resultado de diretrizes e leis que provocam o aumento dos custos para os agressores (137). Os países do mundo ocidental sempre dependeram muito do sistema criminal de justiça para atingir esta meta, sendo que muitos países em desenvolvimento passaram a seguir esta política como resultado do ativismo feminino. Pelo menos 53 países já aprovaram legislação específica contra a violência doméstica. Mais de 27 aprovaram leis contra o assédio sexual e 41 consideram agora o estupro matrimonial como um delito (82, 346, 443, 480).

Apesar de haver variações entre elas, a maioria das leis combina os recursos dos mandato de proteção e restrição com a aplicação de maiores penalidades para os agressores. O mandato de proteção permite ao juíz afastar temporariamente o agressor do lar e forçá-lo a submeter-se a sessões de aconselhamento, a tratamento para livrar-se da dependência do álcool e outras substâncias, a pagar pelo sustento da família, ou a uma combinação qualquer destas obrigações. Se o homem violar o mandato de proteção, ele poderá ser preso e encarcerado.

Por outro lado, na maioria dos países, ainda existem barreiras, lacunas e distorções processuais que reduzem a capacidade da lei de refrear a violência e proteger mulheres e crianças (91). As leis são aplicadas por juizes, promotores e policiais do sexo masculino, muitos dos quais compartilham as mesmas atitudes do resto da sociedade, que coloca a culpa da violência nas atitudes das vítimas. Portanto, é necessário não só aprovar leis mas também conscientizar os representantes da polícia, advogados e juizes, além de outros membros do sistema judiciário. Também é necessário ajudar as mulheres a manterem-se informadas sobre o sistema legal para que possam insistir no exercício de seus direitos. Além disso, muitas comunidades exploraram outras formas para aumentar os custos incorridos pelo agressor por seu comportamento violento, entre elas, a humilhação pública, protestos em frente à sua casa ou local de trabalho, ou imposição de prestação de serviços comunitários por parte do agressor (173, 305, 488). (Veja o quadro 1)

Atendimento das necessidades das vítimas

As necessidades das vítimas são complexas. Uma mulher em crise precisa contar com a proteção física, apoio emocional e assistência para resolver problemas tais como pensão alimentícia, guarda dos filhos e emprego. Se ela decidir processar o agressor, ela também necessitará de ajuda para lidar com todos os procedimentos da polícia e dos tribunais. Freqüentemente, o que ela mais necessita é de um ambiente seguro e protetor, que lhe dê tranqüilidade para avaliar suas opções e decidir o que fazer em seguida.

Em muitos países, os defensores dos direitos das mulheres reagiram montando centros de crise ou outros serviços para tratar das muitas necessidades de mulheres e meninas vitimas de abuso. Tais centros incluem geralmente serviços médicos, legais e de orientação, os quais podem estar todos disponíveis em uma só unidade. Alguns serviços são financiados ou administrados pelo governo e outros, pelas organizações femininas ou outros grupos sem fins lucrativos.

Os serviços geridos por grupos femininos são os precursores no uso de grupos de apoio e de sessões de orientação feminina não direcionada, cuja finalidade é potencializar as mulheres. Os grupos de apoio podem contribuir enormemente para reduzir a sensação de isolamento das mulheres, permitindo-lhes desenvolver um entendimento comum da violência e discutir possíveis estratégias para enfrentá-la (408).

Os países desenvolvidos utilizam comumente o sistema de abrigos para proteger as mulheres em crise. Mas os abrigos têm um alto custo de manutenção e exigem que as mulheres e seus filhos abandonem o ambiente a que estão acostumados, inclusive família, amigos e escolas, justamente quando mais necessitam do apoio destes ambientes. Agora, as comunidades estão experimentando com outras formas mais econômicas de aumentar a segurança das mulheres, entre elas, a criação de redes de lares seguros e igrejas que servem de refúgio às mulheres que buscam proteção e apoio. Em países industrializados como a Suécia e os EUA, alguns governos municipais e companhias forneceram às vítimas telefones celulares, dispositivos de alarme e até mesmo cães de guarda para ajudá-las a se protegerem dos parceiros abusivos (360).

Em outros lugares, os governos fizeram experiências com a criação de delegacias de polícia com pessoal exclusivamente feminino-uma inovação que começou no Brasil e se espalhou agora ao resto da América Latina e partes da Ásia (267, 359). Apesar de bem fundamentados na teoria, as avaliações mostram que estes esforços enfrentaram muitos problemas até agora (134, 205, 302, 305, 359, 432).

Apesar da existência de delegacias exclusivas de mulheres contribuir para aumentar o número de vítimas de abuso que se apresentam voluntariamente, muitas vezes as mulheres necessitam de um serviço que não está disponível nessas delegacias, tais como orientação legal e aconselhamento emocional. Além disso, a suposição de que uma policial do sexo feminino será necessariamente mais compreensiva com as vítimas nem sempre é verdadeira. As policiais femininas alocadas às delegacias de mulheres são, às vezes, ridicularizadas por suas colegas, ficando assim desmoralizadas. Para ser viável, esta estratégia tem que ser acompanhada de um treinamento de sensibilização da força policial, de mecanismos para recompensar e legitimar o trabalho e da criação de uma gama mais abrangente de serviços (205, 305, 359).

Coordenação das respostas institucionais e individuais

Na maioria dos países, as mulheres têm que superar muitas barreiras institucionais para conseguir a ajuda de que necessitam (347). Há pouca coordenação entre as várias instituições com as quais interagem as vítimas do abuso, entre elas as instituições de saúde, de bem-estar infantil, além dos órgãos de cumprimento da lei (347, 438). Pior ainda, quando as vítimas buscam ajuda, algumas destas instituições podem reagir de forma indiferente ou até mesmo hostil.

As instituições de todos os níveis do sistema de atendimento do saúde, bem como as instituições comunitárias, são as que melhor podem responder às necessidades das vítimas de abuso, desde que sejam treinadas e organizadas para fazê-lo. Os tipos adequados de respostas dependem do nível e do pessoal da instituição. São várias as pessoas que podem promover relações pessoais não violentas, não só da área de saúde como de outras áreas, entre elas líderes religiosos e comunitários, meios de comunicação de massa e os pais.

Muitos países prepararam planos locais e nacionais para melhorar a coordenação entre os representantes do governo e os defensores dos direitos e para monitorar a qualidade dos serviços oferecidos às vítimas. A Organização Panamericana da Saúde patrocinou um projeto em 10 países latino-americanos para investigar a melhor forma de empreender uma ação coordenada por parte da comunidade. O projeto inclui a criação de conselhos comunitários de coordenação, reformulação das respostas dadas pelas instituições formais tais como a polícia e o sistema de saúde, e criação de grupos de apoio às vítimas e programas de tratamento dos agressores (201, 486). Existe também um projeto semelhante, do qual participam seis outros países, com o apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento (224, 311).

Envolvimento da juventude

O comportamento social é aprendido em idade ainda jovem. No mundo inteiro, vários programas estão trabalhando diretamente com os jovens para encorajar formas não violentas de resolução de conflitos, questionar certas normas tradicionais referentes ao gênero, e criar novos modelos de relacionamento saudável, entre eles:

• No México, o Instituto Mexicano de Pesquisa sobre a Família e a População (IMIFAP), uma organização não-governamental, desenvolveu um seminário prático para adolescentes cujo fim é ajudar a prevenir a violência no namoro e nas relações de amizade. O seminário, denominado Rostos e Mascaras da Violência, usa técnicas participativas para ajudar as pessoas jovens a discutir suas expectativas e sentimentos relativos ao amor, sexo e romantismo; a distinguir o comportamento romântico do comportamento controlador; e a entender como os papéis tradicionais dos sexos inibem o comportamento tanto masculino como feminino (142).

• A revista Straight Talk, publicada em Uganda para adolescentes, enfoca os relacionamentos e enfatiza a igualdade dos sexos, os valores positivos e as habilidades interpessoais. Um número recente da revista, intitulado “Um Não quer dizer isso mesmo: Não”, usa o formato de histórias em quadrinhos para discutir a coerção e o abuso sexual. Mais de 115.000 cópias de Straight Talk são distribuídas mensalmente em toda a Uganda e complementadas com a realização de seminários (425). (Veja a figura 1).

• Um grupo canadense, Men for Change, preparou um curso anti-violência denominado “Relacionamentos Saudáveis”. Criado para os jovens do curso secundário, ele inclui três módulos: Como Lidar com a Agressão; Igualdade dos Sexos e Conscientização da Mídia; e Como Manter Relacionamentos Saudáveis (391). (Veja a tabela 7)

Como trabalhar com os homens

A tentativa de mudar o comportamento dos homens é uma parte importante de qualquer solução do problema da violência contra as mulheres. Até o momento, a maior parte do trabalho programático centrado nos homens concentrou-se na criação de programas de tratamento dos agressores. Iniciados nos EUA, estes programas já chegaram à Argentina, Austrália, Canadá, México e Suécia, além de outros países (14, 77, 93).

Nos EUA, os tribunais geralmente exigem a participação dos homens em programas de tratamento ao invés de colocá-los na prisão por abuso doméstico e sexual, se bem que alguns homens também participam voluntariamente. O conteúdo e a filosofia dos programas variam, como também varia sua duração, que pode ser de 3 a 9 meses. A meta principal é levar os participantes a aceitarem responsabilidade por seu comportamento violento e a aprenderem formas não violentas de lidar com seus acessos de ira e seus conflitos interpessoais. Alguns programas tentam confrontar explicitamente as atitudes tradicionaisque determinam papéis fixos para cada um dos sexos e aceitam o domínio do relacionamento por parte do homem (78, 207).

Somente alguns destes programas já foram avaliados com algum rigor. As avaliações sugerem que a maioria dos homens (53% a 85%) que concluem estes programas não pratica a violência física durante até dois anos depois de tratamento (122, 187). Porém de um terço à metade dos homens que começa a freqüentar os programas nunca vai até o fim. Assim, é relativamente pequena a proporção de todos os agressores masculinos que se beneficiam de tais programas de tratamento (122). (Veja a tabela 8)

Além disso, apesar dos homens absterem-se de praticar atos de violência física depois do tratamento, muitos continuam a adotar comportamentos ameaçadores ou coercivos com suas parceiras (122, 439). Mesmo assim, uma recente avaliação dos programas em quatro cidades dos EUA constatou que a maioria das vítimas de abuso se sentia “em melhor situação” e “mais segura” depois que seus parceiros tinham participado de tais programas de tratamento (187).

Outros programas mais recentes estimulam os homens a questionar idéias preconcebidas sobre os papéis dos sexos e sobre a masculinidade e a se tornarem agentes de mudança na comunidade. Nas Filipinas, por exemplo, as organizações não-governamentais usam o treinamento de conscientização sobre gênero como o primeiro passo para promover a organização contra a violência e procuram atuar junto aos maridos abusivos das mulheres que buscam ajuda no centro de crise local (364). No Kenya recentemente, centenas de homens em Nairobi participaram de uma marcha de protesto contra a violência de gênero (138). Outros grupos de homens contra a violência existem no Canadá, Nicarágua, Zimbábue, entre outros países (206, 300, 307, 465). (Veja a figura 2)

Como mudar certas normas da comunidade

Para acabar com a violência, às vezes é preciso mudar certas normas, atitudes culturais e crenças da comunidade que permitem a ocorrência e continuidade do comportamento abusivo dos homens contra as mulheres. Existem várias normas e crenças que são particularmente poderosas na perpetuação da violência contra as mulheres. Estas incluem as convicções de que os homens são por natureza superiores às mulheres, que eles têm o direito de “corrigir” o comportamento feminino, que o espancamento é um modo apropriado para disciplinar as mulheres, que a honra de um homem está ligada ao comportamento sexual de uma mulher, e que os assuntos de família são de âmbito privado, onde outros não devem intervir (210). (Veja o quadro 2)

Os programas criados para mudar estas convicções têm que poder atrair as pessoas à discussão e não afastá-las ao representar os homens como “monstros”. Para encorajar as pessoas a considerarem normas mais condizentes, os programas já usaram técnicas tais como os teatros comunitários e trabalhos em pequenos grupos. No Camboja, por exemplo, o Projeto contra a Violência Doméstica patrocinou uma companhia de teatro ambulante para estimular a discussão sobre a violência doméstica e retratar novos modelos de comportamento. A companhia fez apresentações em 35 aldeias de todo o país, atraindo multidões de 5.000 a 30.000 pessoas (19).

Também pode-se modificar as leis e aprovar programas para melhor proteger as vítimas do abuso, aumentar o custo social para o agressor e influenciar os valores culturais. Mas talvez o mais importante seja mudar as atitudes sociais para permitir que as mulheres assumam o controle de seus próprios corpos, de certos recursos econômicos e familiares e de suas vidas em geral.

Os programas de saúde e outras instituições podem ajudar a mudar a percepção-freqüentemente tão enraizada que se torna inconsciente-de que as mulheres são fundamentalmente de menor valor que os homens. Como disse a ativista de direitos humanos Charlotte Bunch: “Somente quando as mulheres e meninas ocuparem o lugar que merecem como membros fortes e iguais da sociedade, a violência contra as mulheres deixará de ser uma norma invisível, tornando-se, ao invés, uma aberração espantosa” (443). (Edição em portguês: maio de 2002)

9 - Guia Especial: O que os profissionais de saúde podem fazer sobre a violência doméstica


Os profissionais de saúde podem ajudar a resolver o problema da violência contra as mulheres aprendendo a fazer perguntas apropriadas sobre o assunto, aprendendo a melhor detectar os sinais que identificam as vítimas da violência doméstica ou do abuso sexual, e ajudando as mulheres a se protegerem criando um plano de proteção pessoal. Todos podem fazer algo para estimular os relacionamentos não violentos.

Será que nós, que trabalhamos na área de saúde, somos parte do problema? (Veja a figura 1)

Ou somos parte da solução? (Veja a figura 2)

Como fazer perguntas sobre o abuso

Um dia depois de ler um folheto informativo sobre a violência doméstica, o ex-presidente da Sociedade Americana de Ginecologistas e Obstetras, Richard Jones, perguntou a uma de suas antigas pacientes se seu marido já a havia espancado alguma vez. Para seu assombro, ela respondeu: “Doutor, o senhor não imagina há quanto tempo eu esperava que me fizesse esta pergunta.” (242)

Todo profissional de saúde pode dar sua contribuição “fazendo a pergunta”. Agora, o Dr. Jones inquire todas as suas pacientes sobre a questão da violência doméstica e estimula seus alunos a fazerem o mesmo. O primeiro passo é pensar em como abordar a questão e, depois, desenvolver uma forma padrão de fazer a pergunta às clientes. Apresentamos a seguir algumas opções:

Como introduzir o assunto

“Antes de discutirmos as opções de anticoncepcionais, talvez fosse bom eu saber um pouco mais sobre o relacionamento que você tem com seu parceiro.”

“Como a violência é agora uma ocorrência comum na vida da mulher, passamos a consultar todas as clientes com relação ao abuso.”

“Não sei se você tem este tipo de problema, mas muitas das minhas clientes estão tendo que lidar com uma situação de tensão doméstica. Algumas têm muito medo ou não se sentem à vontade para abordar este tema, então resolvi eu mesmo abordá-lo como parte de minha rotina.”

Como fazer perguntas indiretas

“Seus sintomas podem estar relacionados ao estresse. Você e seu parceiro brigam freqüentemente? Já se feriu alguma vez em uma dessas brigas?”

“Seu marido consome álcool ou drogas em excesso ou joga muito? Isto afeta o comportamento dele com você e os filhos?”

“Para decidir que método anticoncepcional é o mais adequado para você, um fator muito importante é saber se você tem condições de prever ou não quando terá relações sexuais. De forma geral, você acha que tem controle sobre quando deseja ter relações sexuais ou não? Pode ocorrer que seu parceiro a force, de repente, a ter relações sexuais? “

“Ocorre, às vezes, que seu parceiro quer ter relações sexuais e você não quer? O que acontece nesses casos?”

Como fazer perguntas diretas

“Como você sabe, hoje em dia é comum a mulher sofrer abuso emocional, físico ou sexual em algum momento da vida, o que pode afetar sua saúde muitos anos depois. Isto já aconteceu alguma vez a você?”

“Às vezes, vejo pessoas que apresentam ferimentos como o seu porque foram espancadas. Foi isto o que aconteceu com você? ”

“Seu parceiro ou ex-parceiro já bateu em você alguma vez, ou a feriu de alguma outra forma?”

“Seu parceiro já forçou você a ter relações sexuais quando você não queria?”

“Você teve alguma experiência sexual perturbadora quando era criança?”

Perguntas para uso em históricos clínicos ou fichas de registro de pacientes

“Você participa ou já participou de um relacionamento que lhe provocou ferimentos físicos ou no qual foi ameaçada ou amedrontada?”

“Você já foi estuprada ou forçada a participar de uma atividade sexual contra sua vontade?”

“Quando criança, você participou de alguma experiência sexual da qual não queria participar?”

Fontes: Center for Health and Gender Equity e Family Violence Prevention Fund, 1988 (460)

Pessoal da área de saúde: Esteja Alerta ás "Bandeiras Vermelhas"!

O melhor modo de descobrir se a cliente foi vítima de abuso é fazer perguntas sobre o assunto. Vários tipos de ferimentos, condições de saúde e comportamentos das clientes podem gerar suspeitas dos profissionais de saúde quanto à possibilidade de violência doméstica ou abuso sexual. Se notarem estes sinais, ou “bandeiras vermelhas”, os profissionais de saúde não podem deixar de perguntar às clientes sobre possíveis abusos, sempre procurando ser atencioso e respeitoso da privacidade da cliente.

Violência Doméstica

- Queixas crônicas, porém vagas, da cliente, sem nenhuma causa física óbvia,
- Ferimentos que não parecem corresponder à explicação de como ocorreram,
- Parceiros que observam ou controlam os movimentos da mulher com muita insistência ou que não se afastam do lado da mulher,
- Ferimentos físicos durante a gravidez,
- Demora para iniciar o atendimento pré-natal,
- Histórico de tentativa ou tendência ao suicídio,
- Demora em buscar tratamento para ferimentos sofridos,
- Infecção do trato urinário,
- Síndrome da irritação crônica do intestino,
- Dor pélvica crônica.

Abuso Sexual

- Gravidez de mulheres solteiras com menos de 14 anos de idade,
- Infecções sexualmente transmitidas a crianças ou meninas,
- Prurido ou sangramento vaginal,
- Evacuação dolorosa ou dor ao urinar,
- Dor pélvica ou abdominal,
- Problemas sexuais, perda do prazer,
- Vaginismo (espasmos de músculos ao redor da abertura da vagina),
- Ansiedade, depressão, comportamento auto-destrutivo,
- Problemas do sono,
- Histórico de sintomas físicos crônicos inexplicáveis,
- Dificuldade ou recusa em fazer exames pélvicos,
- Problemas com álcool e drogas,
- “Representações” sexuais,
- Obesidade aguda.

Fontes: Center for Health and Gender Equity e Family Violence Prevention Fund, 1988 (460)

(Veja a figura 3)

Como preparar um plano de proteção

Os profissionais de saúde podem ajudar as mulheres a se protegerem da violência doméstica, mesmo que não estejam ainda prontas para abandonar o lar ou de disponham a informar às autoridades sobre os parceiros abusivos. Quando as pacientes têm um plano de proteção pessoal, elas têm mais condições de lidar com as situações violentas. Os profissionais de saúde podem discutir os seguintes pontos com cada mulher, ajudando-a a preparar seu próprio plano de proteção pessoal:

- Identifique um ou mais vizinhos a quem você pode informar sobre a situação de violência que enfrenta em sua casa, pedindo-lhes que peçam ajuda se ouvirem algum distúrbio em sua casa.
- Se for impossível evitar uma discussão com seu parceiro, procure mantê-la em um cômodo ou área da casa de onde você possa sair facilmente, se as coisas piorarem. Afaste-se de qualquer lugar da casa onde possam haver armas à disposição dele.
- Pratique como fugir de sua casa de forma segura. Identifique as portas, janelas, elevadores ou escadarias que você deveria usar em caso de emergência.
- Mantenha sempre uma sacola pronta com um jogo extra de chaves, dinheiro, documentos importantes e roupas. Deixe esta sacola na casa de um parente ou amigo, caso você tenha que abandonar sua casa às pressas.
- Escolha uma senha para sinalizar aos seus filhos, familiares, amigos e vizinhos se estiver precisando de ajuda de emergência ou se quiser que eles liguem para a polícia.
- Decida para onde irá se decidir abandonar o lar e tenha um plano de como chegar nesse lugar (mesmo que ache que não precisará fugir).
- Use seus instintos e discernimento. Se a situação for perigosa, talvez seja melhor concordar com as exigências do parceiro para acalmá-lo. Você tem o direito de se proteger e aos seus filhos.
- Lembre-se: você não merece ser espancada ou ameaçada.

Fonte: Adaptado de Buel 1995 (49).

(Veja a figura 4)

Como estimular relacionamentos não violentos onde quer que atue

Todos podem fazer alguma coisa para promover relacionamentos não violentos.

Os profissionais da área de saúde podem:

- Manter-se informados sobre o abuso físico, sexual e emocional e discutir abertamente seus próprios preconceitos, medos e opiniões tendenciosas.
- Oferecer um atendimento às vítimas da violência que lhes ofereça apoio e não crítica.
- Inquirir as clientes sobre o abuso de forma simpática e delicada.

Os líderes dos programas de saúde reprodutiva podem:

- Estabelecer diretrizes e procedimentos para perguntar às clientes sobre o abuso.
- Estabelecer protocolos que indiquem claramente o atendimento e/ou encaminhamento apropriado às vítimas de abuso.
- Promover o acesso à contracepção de emergência.
- Oferecer o uso das instalações às mulheres que desejam organizar grupos de suporte e fazer reuniões.

Os líderes comunitários e religiosos podem:

- Pedir a compreensão, compaixão e preocupação pelas vítimas de violência.
- Questionar as interpretações religiosas que justificam a violência e o abuso das mulheres.
- Colocar as igrejas e casas de oração disponíveis como refúgios temporários para as mulheres em crise.
- Oferecer orientação emocional e espiritual para as vítimas do abuso.
- Apoiar os esforços das vítimas do abuso para abandonar relacionamentos que as colocam em risco.
- Incluir discussões sobre relacionamentos saudáveis e alternativas à violência nos programas de educação religiosa.

Os meios de comunicação de massa podem:

- Respeitar a privacidade das vítimas de estupro não publicando seus nomes sem sua permissão.
- Evitar sensacionalizar os casos de violência contra as mulheres; colocar os eventos em seu próprio contexto e usálos como uma oportunidade para informar e educar.
- Oferecer a transmissão ou publicação gratuita de mensagens sobre a violência de gênero e anúncios dos serviços relacionados que estão disponíveis.
- Reduzir a veiculação de violência pela televisão.
- Desenvolver programas de rádio e televisão mais responsáveis socialmente, sobretudo os que mostrem relacionamentos igualitários e não violentos entre homens e mulheres.
- Criar programas que gerem um diálogo público sobre a coerção sexual, o estupro e o abuso físico.

Os pais podem:

- Evitar as brigas ou discussões na frente dos filhos.
- Ensinar os filhos a respeitar o próximo e a si mesmos.
- Estimular a saúde, segurança e o desenvolvimento intelectual de suas filhas e filhos e a sua auto-estima.
- Evitar espancar os filhos e usar, ao invés, formas não violentas de disciplina.
- Ensinar aos filhos formas não violentas para resolver conflitos.
- Discutir com os filhos as questões do sexo, amor e relações pessoais; enfatizar que o sexo deve ser sempre consensual.

Population Reports is published by the Population Information Program, Center for Communication Programs, The Johns Hopkins School of Public Health, 111 Market Place, Suite 310, Baltimore, Maryland 21202-4012, USA


Fonte Revista Boa Saúde
http://boasaude.uol.com.br/especiais/violencia/