sexta-feira, 18 de abril de 2008

O esdrúxulo real forte

País vive situação em tese esquisita de valorização da moeda e déficit externo em alta.
"Agora é diferente"?

POR QUANTO tempo a economia brasileira deve permanecer numa situação, em teoria um tanto esdrúxula, na qual a moeda nacional se valoriza enquanto o déficit em conta corrente cresce, em regime de câmbio flutuante?
É óbvio que, na prática, situações em tese e em teoria esdrúxulas perduram. É também claro que a variação da taxa de câmbio depende de um monte de outros fatores, entre eles o sobrenatural de almeida e o especulador da silva. A gente no Brasil e no resto do mundo, porém, está curtida de saber que déficit em conta corrente em alta jamais foi uma história que acabou bem no país, dando de costume em inflações e em colapsos de pagamentos externos.
Mas agora, inédito na história, temos um câmbio relativamente livre e um Banco Central quase completamente solto. Que bicho vai dar?
Depois de quase meia década, faz poucos meses o país voltou a ter déficit em conta corrente, enquanto o real se fortalece. A experiência é recentíssima, e o déficit ainda é bem pequeno. Mas, quanto mais o real se valoriza, menor em tese é a expectativa de que ele possa se valorizar mais, ainda mais com déficit em alta, embora não em desabalada carreira.
Turquia e África do Sul, embora com déficits grandes e situações mais confusas, acabam de passar por essa experiência de ter a moeda queridinha e depois entrarem em desvalorização forte, como agora.
Por enquanto, o dinheiro flui para o Brasil devido ao preço de suas exportações (commodities caras), devido ao crescimento mais forte, devido à diferença grande entre os juros do país e os do resto do mundo, devido à estabilidade financeira e à relativa falta de opções globais de investimento, dadas as baixas rentabilidades e o caos nas finanças do mundo rico. Sem maiores solavancos nesses fatores, diz-se que pode haver um caminho suave para a desvalorização do real, mesmo que o déficit externo continue a crescer.
O que pode ocorrer é o "represamento" de uma inflação derivada do câmbio: quando o real vier a se desvalorizar, caindo de um patamar muito alto, preços de bens cotados em moeda forte ("comercializáveis" no mercado externo) tendem a subir, "tudo o mais constante".
A taxa de câmbio real efetiva (descontada a inflação e ponderada pela variação das moedas dos países com os quais o Brasil comercia), porém, voltou a piorar com força depois da acalmada de meados do ano passado. Não é o caso ainda da alta do real de 2006, por exemplo, mas estamos nesse caminho. A rentabilidade dos exportadores piorou na mesma toada. Em tese, de resto, o preço das exportações brasileiras deve cair com o desaquecimento mundial, o qual deve durar até 2009. E estamos consumindo muito da nossa produção exportável, além de importarmos ainda mais. Enfim, algumas pressões essenciais no sentido da desvalorização do real em tese estão aumentando, e o nível de incertezas e de reviravoltas externas é alto.
Será um fato positivamente inédito se o país conseguir sair dessa sem choques no câmbio. Mas que a situação está ficando perigosamente esdrúxula, está. Ainda mais com a descoordenação explícita na política macroeconômica (fiscal e monetária) e dada a inexistência de projetos de melhorias microeconômicas.

Texto de VINICIUS TORRES FREIRE, na Folha de São Paulo de 18/04/08

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