sábado, 25 de abril de 2009

O fumo em lugares fechados

Defensores do direito de encher bares de fumaça só o fazem por ignorância ou interesse financeiro

AGORA QUE as paixões acalmaram, volto à proibição do fumo em ambientes fechados, aprovada pela Assembleia Legislativa de São Paulo. Incrível como esse tema ainda gera discussões acaloradas. Como é possível considerar a proibição de fumar nos lugares em que outras pessoas respiram uma afronta à liberdade individual?
As evidências científicas de que o fumante passivo também fuma são tantas e tão contundentes que os defensores do direito de encher de fumaça restaurantes e demais espaços públicos só podem fazê-lo por duas razões: ignorância ou interesse financeiro. Sinceramente, não consigo imaginar terceira alternativa.
Vamos começar pela ignorância. Num país de baixos níveis de escolaridade como o nosso, nem todos têm acesso a conhecimentos básicos.
A fumaça expelida dos pulmões fumantes contém, em média, um sétimo das substâncias voláteis e particuladas do total inalado. Já aquela liberada a partir da ponta acesa, contém substâncias tóxicas em concentrações bem maiores: três vezes mais nicotina, três a oito vezes mais monóxido de carbono, 47 vezes mais amônia, quatro vezes mais benzopireno e 52 vezes mais DNPB (estes dois, cancerígenos potentes).
Por serem de tamanho menor, as partículas que se desprendem da ponta acesa, produzidas durante 96% do tempo em que um cigarro é consumido, penetram com mais facilidade nos alvéolos pulmonares.
Depois de uma manhã de trabalho num escritório em que várias pessoas fumam, a concentração de nicotina no sangue de um abstêmio pode atingir os níveis de quem tivesse fumado três a cinco cigarros. Empregados de bares e restaurantes que passam seis horas em ambientes carregados de fumaça, chegam a ter concentrações sanguíneas de nicotina equivalentes a de quem fumou cinco ou mais cigarros.
Mulheres gestantes expostas à poluição do fumo em casa ou no trabalho apresentam nicotina não apenas na corrente sanguínea, mas no líquido amniótico e no cordão umbilical do bebê.
A nicotina inalada pelo fumante passivo, associada ao monóxido de carbono, provoca lesões nas paredes internas das coronárias, redução do fluxo de sangue e do aporte de oxigênio para o músculo cardíaco, facilitando a formação de placas de ateroma e a ocorrência de infartos.
Um estudo feito por um grupo da Universidade Harvard entre 32.046 mulheres que nunca fumaram, ao contrário de seus maridos, mostrou que a incidência de doença coronariana entre elas atingiu quase o dobro daquela encontrada entre mulheres não expostas.
Pesquisa da Universidade Yale, nos Estados Unidos, com 10 milhões de mulheres de maridos fumantes revelou que a incidência de câncer de pulmão foi o dobro da esperada entre não fumantes.
Há poucos meses, nesta coluna citei um estudo recém publicado pela Universidade de Glasgow para avaliar o impacto da lei que proibiu o fumo em bares e restaurantes na incidência de ataques cardíacos.
Nos dez meses que antecederam a vigência da lei foram internados nos hospitais de Glasgow 3.235 pacientes com quadros coronarianos agudos. Nos dez meses seguintes à proibição houve 551 casos a menos. Houve queda em todos os grupos: 14% nos fumantes, 19% nos ex-fumantes e 21% nos não fumantes, a diminuição mais acentuada.
Para não abusar de sua paciência, leitor, serei breve: os dados são inequívocos, os fumantes passivos estão sujeitos a sofrer dos mesmos males que afligem os ativos.
Agora, vamos ao interesse pessoal dos que entendem que proibir a poluição ambiental causada pelo fumo é uma interferência do Estado na liberdade individual.
Se ainda não foi inventado um método de exaustão capaz de impedir que a fumaça se dissemine pelo ambiente inteiro, esses senhores defendem o indefensável. Liberdade para, por meio de uma ação individual, causar mal à coletividade? Não sejamos ridículos.
Os sindicatos dos empregados de bares e restaurantes que sempre se levantaram contra a proibição alegando risco de desemprego (fato que não ocorreu em nenhuma cidade do mundo), que medidas tomaram até hoje para proteger seus associados da poluição ambiental em que trabalham? Alguma vez lutaram para que eles recebessem adicional de insalubridade? Para que tivessem um plano de saúde decente?
Não é função do Estado proteger o cidadão do mal que ele causa a si mesmo. Mas é dever, sim, defendê-lo do mal que terceiros possam fazer contra ele.

Texto do Dr. Dráusio Varella na Folha de São Paulo de 25/04/09

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