O Bolsa Família se tornou um instrumento de petrificação política, impedindo a alternância no poder municipal
O GOVERNO federal tem uma idéia fixa: vencer a eleição presidencial de 2010. Todas as ações político-administrativas estarão voltadas para esse objetivo. E, se necessário, vencer a qualquer preço.
Mas os resultados surpreendentes (para o governo) das eleições municipais acenderam a luz vermelha. Desapareceu do espectro político a possibilidade de o próximo presidente da República ser escolhido por um só eleitor, e 125 milhões de cidadãos simplesmente referendarem o desejo imperial.
As análises que davam como certa uma onda vermelha fracassaram, assim como aquelas que imputavam ao presidente Lula uma espécie de varinha de condão para escolher os prefeitos. Sua popularidade era tal, diziam, que bastaria indicar o candidato a ser votado. Seu prestígio era tão grande, afirmavam, que o povo, obedientemente, seguiria a determinação do condutor.
Se Lula e seus apoiadores acreditavam nessa falácia, não cabe crítica. O estranho foi a oposição ter imaginado que esse delírio era real.
Como esperado, nos pequenos municípios, o índice de reeleição dos prefeitos foi o maior da história. O uso político do programa Bolsa Família -o cadastramento é controlado pelos prefeitos- fez com que a reeleição se transformasse em favas contadas: quando não foi o próprio prefeito, o candidato vencedor foi alguém do seu grupo político.
Assim, o Bolsa Família se transformou em um instrumento de petrificação política, de permanência das oligarquias, impedindo a alternância no poder municipal.
Pior: o governo Lula, que já conta com 11 milhões de famílias beneficiárias, ameaça incluir mais 4 milhões que já estão cadastradas no programa. Em outras palavras, o programa Bolsa Família será um dos instrumentos usados em 2010 para ganhar de qualquer jeito as eleições.
O final do ano será marcado por um cenário político confuso. Surpreendido pelo resultado das eleições municipais, ao governo interessa colocar vários obstáculos no caminho até chegar a 2010.
Vai lançar diversos balões de ensaio: transformar o Congresso em Assembléia Constituinte, voltar a insinuar o desejo de apresentar a proposta do terceiro mandato, falar em extinção da reeleição, defender um mandato presidencial de cinco anos -mas, no fundo, sabe que nada disso pode ser aprovado.
A maioria congressual que o governo Lula teve nos seis anos de mandato vai diminuir paulatinamente. E minguará na relação inversa do tamanho da crise econômica internacional.
O governo continuará tentando dividir a oposição, buscando aqueles mais propensos à composição política em troca de algumas migalhas. Deverá explorar vaidades e esperanças frustradas.
Não faltarão adesistas. Estes, claro, vão se justificar argumentando que estão defendendo os interesses dos seus Estados. Vimos na campanha municipal que poucos candidatos tiveram a altivez de não se prostrarem frente ao presidente, como se o gestor municipal (ou estadual) tivesse de ter uma relação de subserviência em relação ao governo da União.
Até o momento, a oposição não esteve à altura das necessidades do país: teve receio de se contrapor, de remar contra a corrente, de enfrentar o governo no terreno da política; como se o índice de popularidade de Lula -que não será eterno- fosse um escudo que impedisse a construção de um outro projeto de país.
Mas os eleitores dos principais colégios eleitorais deram um recado: querem ter uma alternativa, não aceitam o voto de cabresto, não votarão em um poste na eleição de 2010, mesmo que indicado e apoiado ostensivamente por Lula.
O bloco anti-histórico que está no poder -o sindicalismo amarelo associado ao atraso oligárquico e aos interesses do grande capital financeiro- não cederá o governo facilmente. Vai lutar com todas as armas.
Teremos a eleição mais violenta da nossa história, com o uso da máquina administrativa e dos programas assistencialistas, com acusações e ameaças, dossiês à vontade, para todos os gostos, e, provavelmente, em um cenário econômico desfavorável.
Tivemos uma pequena mostra agora. Se o presidente foi tão agressivo na eleição de Natal, imagine quando estiver em jogo o Palácio do Planalto: o figurino "Lulinha paz e amor" será jogado no lixo.
O exército de aloprados prepara-se para o combate. Eles sabem que não podem perder o acesso privilegiado ao poder. Não mais sobrevivem distante dele. E farão de tudo para continuar mais quatro anos (oito seria melhor) usando e abusando das benesses produzidas em Brasília.
Texto de MARCO ANTONIO VILLA, 52, historiador, é professor do Departamento de Ciências Sociais da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos). É autor, entre outros livros, de "Jango, um Perfil".
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