ANÁLISE
Apenas dois anos sem aumento de gastos acima da inflação e um crescimento econômico razoável, inferior ao prometido pelo governo, seriam suficientes para tornar a receita da CPMF desnecessária no Orçamento federal.
Uma simulação elaborada pela Folha mostra que a declaração de anteontem do presidente Lula, de que "ninguém conseguiria governar este país sem a CPMF hoje", só é verdadeira graças à última palavra -ou se governar significa manter as despesas federais em expansão nos próximos anos.
Se os gastos projetados para 2008 mantivessem o patamar deste ano, com alta limitada à variação dos índices de preços, já seria possível, em janeiro, reduzir à metade a alíquota da CPMF, hoje em 0,38%. Bastaria um crescimento econômico de 4%, que elevaria naturalmente a receita dos demais tributos no mesmo percentual.
Mantido tal desempenho, no ano seguinte a contribuição provisória poderia ser extinta, sem necessidade de elevar alíquotas de outros tributos nem de comprometer a atual meta de superávit primário (a parcela da arrecadação destinada ao abatimento da dívida pública).
Trata-se de uma hipótese conservadora diante das previsões do governo, que alardeiam crescimento da economia de 4,7% neste ano e de 5% nos próximos, até o final do mandato de Lula. E, nos últimos anos, a receita dos demais tributos tem crescido a taxas superiores às do PIB.
Pela mesma metodologia, mesmo com taxas pífias de crescimento, de 2% anuais, a CPMF se tornaria desnecessária em 2011, ano até o qual o governo quer prorrogar a cobrança do tributo. Em qualquer cenário, a redução gradual da CPMF é viável se a despesa crescer a taxas inferiores às da economia nacional.
Tal condição está longe de ser tecnicamente impraticável: na primeira metade do primeiro mandato, a administração petista trabalhou com gastos inferiores, como proporção do PIB, aos do final do governo FHC. O que a declaração de Lula indica, isso sim, é que a CPMF se tornou imprescindível por uma opção política.
Derrota na eleição
Planos para promover uma redução da relação entre os gastos do governo e o PIB foram estudados pelas equipes dos dois principais candidatos a presidente em 2006, o vitorioso Lula e o tucano Geraldo Alckmin. A proposta acabou derrotada quando o PT conseguiu acuar o PSDB com a acusação de que se tramava um corte de programas sociais.
No calor da campanha, seria difícil explicar que, mais exatamente, a idéia era restringir a expansão desses programas e, mais importante, dos reajustes do salário mínimo, que afetam a Previdência Social, as verbas assistenciais e o seguro-desemprego -ou quase a metade do Orçamento da União.
O cenário favorável da economia internacional encorajou Lula a manter a trajetória de crescimento acelerado dos gastos adotada a partir da segunda metade de seu primeiro mandato, que facilitou a reeleição e a recomposição de sua base parlamentar após o mensalão.Ainda discutidas na equipe econômica, medidas de contenção de despesas estão reservadas para uma eventual situação de crise financeira -por exemplo, se a turbulência do mercado americano se agravar. Mas, com crise, a hipótese de abrir mão da CPMF se torna ainda mais remota.
Texto de Gustavo Patuda na Folha de São Paulo de 21/09/07
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