Nas boates empoeiradas à beira das estradas, em garimpos clandestinos encravados na Floresta Amazônica, nos frágeis e instáveis barcos que navegam pelo Norte do país ou mesmo em quartinhos escuros de casas insuspeitas, crianças e adolescentes são submetidas a uma das mais cruéis violações de seus direitos: a exploração sexual. E não adianta gritar. Elas estão praticamente sozinhas. Levantamento do Correio em 18 tribunais de Justiça sobre os 80 casos reportados pelo relatório de 2004 da comissão parlamentar mista de inquérito que investigou esse tipo de crime mostra que somente em 10 houve condenações.
No ano passado, o Comitê Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes realizou uma pesquisa para verificar a abertura de inquéritos policiais e processos judiciais dos relatos mais emblemáticos. Os técnicos esbarraram na falta de informações das delegacias e da Justiça. Dos 80 casos, 55 resultaram em investigações ou processos. Muitos acabaram arquivados. “As instituições são surdas e cegas. Não há nenhum tipo de reação. Se não existe punição, a prática se repete e outras pessoas se sentem estimuladas a fazer o mesmo”, critica a senadora Patrícia Saboya (PDT-CE), que presidiu a CPMI.
Passados quatro anos da aprovação do relatório, outra comissão instalada no Senado apura o mesmo tipo de crime. A CPI da Pedofilia, presidida por Magno Malta (PR-ES), também quer aprofundar as investigações sobre a exploração sexual via internet, fenômeno que, de acordo com denúncias recebidas pela organização não-governamental SaferNet, está em ascendência.
Informações falhas
Assessor jurídico do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente Emaús (Cedeca) no Pará, o advogado Bruno Guimarães Medeiros diz que a falta de informação dos agentes públicos é o primeiro passo para a impunidade. “Embora a exploração sexual seja tipificada, quando se abre o inquérito policial, os crimes são descritos como atentado violento ao pudor ou estupro. Acabam arquivados por falta de provas. O que falta é um preparo específico”, diz.
A impunidade encontra respaldo na burocracia da Justiça. Desde 1997, encontra-se na 3ª Vara Penal da comarca de Itaituba (PA) o processo 19972000897, no qual oito pessoas são acusadas por crime de estupro. O último despacho data de 10 anos depois. Em 27 de abril de 2007, pela terceira vez, houve troca de magistrados, obrigando a juíza Maria de Fátima Alves da Silva a remeter os autos à secretaria da vara. Até agora, o processo está parado.
O caso de Itaituba ilustra a situação descrita por Bruno Guimarães Medeiros. Em 1993, um grupo de comerciantes da cidade aliciava crianças de até 8 anos de idade, em troca de bombons e refrigerantes. As meninas eram fotografadas, e as imagens eram exibidas no bar de um dos acusados. Muitas vezes, ele levava as garotas para motéis e hotéis, onde as explorava sexualmente. Outro acusado, dono de uma boate, deixava que adolescentes tivessem acesso ao local se aceitassem fazer sexo grupal. O dono de uma farmácia trocava remédio pela exploração sexual. Uma das meninas de quem abusava tinha apenas 9 anos e já era portadora de doenças venéreas. A denúncia à Justiça, por estupro, foi oferecida quatro anos depois.
Denúncias
O delegado Felipe Tavares Seixas, chefe da Divisão de Direitos Humanos da Polícia Federal, aponta outra dificuldade na investigação dos casos: a ausência de denúncias. “Infelizmente, muitas vezes, por causa das condições socioeconômicas, os próprios pais são os responsáveis por explorarem comercialmente as filhas. Em outros casos, quem alicia são ex-vítimas, que têm de pagar pelas dívidas, e não vão se autoincriminar.” Essa última situação ocorre principalmente nos locais onde há tráfico de seres humanos. As mulheres são enganadas com promessas falsas de trabalho, ficam devendo a viagem e, para se libertar, precisam prestar contas financeiras com seus próprios algozes.
Um exemplo de esquema de tráfico internacional ainda sem punição foi relatado pela CPMI há quatro anos. O Cedeca denunciou que, em Belém, uma rede aliciava meninas e mulheres em situação social vulnerável e as traficava para o Suriname e para a Guiana Francesa, passando pelas fronteiras secas do Pará. Algumas partiam por avião; outras faziam a rota Macapá/Oiapoque, por ser mais fácil driblar a fiscalização.
Hoje, de acordo com o delegado Felipe Tavares Seixas, a Polícia Federal investiga uma quadrilha que faz essa rota. Embora não possa afirmar se é o mesmo grupo, Seixas diz que as meninas são aliciadas em barcos-prostíbulos e depois fazem a travessia. Muitas vezes, passando por garimpos ilegais. O destino é a Guiana Francesa. Para o advogado Bruno Guimarães Medeiros, trata-se dos mesmos traficantes. “Nas regiões do Arquipélago do Marajó, há um forte sistema de exploração com tráfico de meninas para fora do Brasil”, diz.
Além das condições precárias da viagem — elas passam em pequenas embarcações clandestinas durante à noite — quando chegam no destino, as meninas são submetidas a cárcere privado. Seus documentos são apreendidos e elas passam por constantes ameaças. Só podem ir embora em dois casos: se fugirem ou comprometerem-se a aliciar outras meninas em Belém.
No porto de Cabedelo (PB), a CPMI apurou que tripulações estrangeiras atracavam barcos pesqueiros e faziam programas, dentro das embarcações e em casas de prostituição, com meninas. O esquema era promovido por uma rede de exploração que envolvia taxistas, aliciadores e donos de casas noturnas. Alguns policiais acobertariam a quadrilha. Apesar de a comissão apresentar inclusive os nomes dos exploradores e dos locais onde as crianças e adolescentes eram comercializadas, nenhum inquérito foi aberto para apurar a denúncia.
Ausência de denúncias dificulta a investigação
Brasília – O delegado Felipe Tavares Seixas, chefe da Divisão de Direitos Humanos da Polícia Federal, aponta outra dificuldade na investigação dos casos: a ausência de denúncias. "Infelizmente, muitas vezes, por causa das condições socioeconômicas, os próprios pais são os responsáveis por explorarem comercialmente as filhas. Em outros casos, quem alicia são ex-vítimas, que têm de pagar pelas dívidas, e não vão se autoincriminar." Essa última situação ocorre principalmente nos locais onde há tráfico de seres humanos. As mulheres são enganadas com promessas falsas de trabalho, ficam devendo a viagem e, para se libertar, precisam prestar contas financeiras com os próprios algozes.
Um exemplo de esquema de tráfico internacional ainda sem punição foi relatado pela CPMI há quatro anos. O Cedeca denunciou que, em Belém, uma rede aliciava meninas e mulheres em situação social vulnerável e as traficava para o Suriname e para a Guiana Francesa, passando pelas fronteiras secas do Pará. Algumas partiam por avião; outras faziam a rota Macapá/Oiapoque, por ser mais fácil driblar a fiscalização.
A CPMI reportou o caso de duas jovens traficadas de Belém para o Suriname por uma cafetina identificada como Sandra. As meninas passaram pelo Oiapoque. Uma delas, Ângela (nome fictício), sem conseguir saldar a dívida, fugiu da boate onde era prostituída. Alguns dias depois, apareceu morta. Na época do relatório da comissão, nenhuma investigação estava em curso.
Hoje, de acordo com o delegado Felipe Tavares Seixas, a Polícia Federal investiga uma quadrilha que faz essa rota. Embora não possa afirmar, com certeza, se é o mesmo grupo, Seixas diz que as meninas são aliciadas em barcos-prostíbulos e depois fazem a travessia. Muitas vezes, passando por garimpos ilegais. O destino é a Guiana Francesa.
Para o advogado Bruno Guimarães Medeiros, trata-se dos mesmos traficantes. "Nas regiões do Arquipélago do Marajó, há um forte sistema de exploração com tráfico de meninas para fora do Brasil. O tráfico de seres humanos nos preocupa, pois está crescendo", diz. Além das condições precárias da viagem – elas passam em pequenas embarcações clandestinas durante à noite –, quando chegam ao destino, as meninas são submetidas a cárcere privado. Seus documentos são apreendidos e elas passam por constantes ameaças. Só podem ir embora em dois casos: se fugirem ou comprometerem-se a aliciar outras meninas em Belém.
No Porto de Cabedelo (PB), a CPMI apurou que tripulações estrangeiras atracavam barcos pesqueiros e faziam programas, dentro das embarcações e em casas de prostituição, com meninas. O esquema era promovido por uma rede de exploração que envolvia taxistas, aliciadores e donos de casas noturnas. Alguns policiais militares acobertariam a quadrilha.
Apesar de a comissão apresentar inclusive os nomes dos exploradores e dos locais onde as crianças e adolescentes eram comercializadas, nenhum inquérito foi aberto para apurar a denúncia. "E aí, quem vai denunciar de novo? Ninguém, claro. Esses crimes continuam ocorrendo, sob os olhos de quem quiser ver. Mas não se faz nada e as pessoas ficam intimidadas, com medo das ameaças. Tem gente poderosa envolvida", relata uma assistente social, ex-conselheira tutelar de Cabedelo, que pediu para não ser identificada. "Essas pessoas ganham muito dinheiro, principalmente no verão, quando a cidade fica cheia, inclusive de estrangeiros", diz.
Crimes sem castigo
Veja algumas denúncias apresentadas pela CPMI da Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes que não resultaram em abertura de inquérito ou condenação judicial:
Em Manaus, cinco adolescentes com idades entre 15 e 17 anos foram contratadas por intermédio de uma cafetina para fazer programas. Elas embarcaram no porto no barco Mantiqueira, com destino a Parintins. Na barreira da Polícia Federal, passaram a ser acompanhadas pelo juiz de direito C.C.B.C.S. No caminho, foram exploradas sexualmente. O fato, ocorrido em 2001, foi denunciado, mas as adolescentes mudaram seus depoimentos. Teriam recebido ameaças e propostas financeiras, como a promessa de ganharem casas, caso a denúncia fosse retirada. Como não receberam nada em troca, elas voltaram atrás e confirmaram a história. O Tribunal de Justiça do Amazonas instaurou procedimento investigativo, mas, um ano depois, o processo foi arquivado por falta de provas.
Há oito anos, Raíssa (nome fictício), à época com 14, foi seduzida pelo deputado estadual C.L.C.F, em Codó (MA), que a convenceu a manter relações sexuais com ele, em troca de presentes e da promessa de melhoria de vida. Ela engravidou e foi convencida pelo deputado a abortar. Segundo depoimento prestado por Raíssa na delegacia, ele próprio introduziu no útero da menina um medicamento abortivo. Ela correu risco de morte e foi abandonada pelo deputado. Depois, ele passou a abordar a irmã de Raíssa, que tinha 15 anos. Em troca de presentes, a jovem cedeu e abandonou a família. A mãe das meninas o denunciou, mas, por se tratar de uma pessoa influente, ele não foi processado.
Em Cuiabá (MT), uma boate localizada às margens do Rio Coxipó oferecia adolescentes a seus clientes, com preços entre R$ 300 e R$ 1,2 mil por programa. As meninas usavam documentos falsos. Em 2002, uma jovem depôs na delegacia e afirmou que era explorada sexualmente na boate. Em audiência pública, a CPMI ouviu uma testemunha que trabalhava na casa noturna e confirmou o uso do local para fins de prostituição. O estabelecimento seria freqüentado por pessoas da alta sociedade. Nenhuma investigação foi feita.
Também no Mato Grosso, a CPMI recebeu denúncias, em audiência pública, de que meninas de Goiânia, Rio Verde e Coxim eram levadas de barco ou de avião para um garimpo localizado em Apiacás. Elas só retornavam quando não tinham mais condições físicas para realizar os programas, que ocorriam em casas de prostituição na Rua das Velhas. O local é conhecido como "Velho Oeste". De acordo com testemunhas, as autoridades eram coniventes e chegavam a freqüentar os estabelecimentos. Nenhuma investigação foi feita.
Em Corumbá (MS), uma rede de tráfico levaria brasileiras para a Bolívia, por intermédio de um aliciador boliviano, apelidado de "Papy", proprietário de uma boate na cidade de Porto Quijaro, na fronteira. Todos os dias, ele iria, pessoalmente, às 18h, dirigindo um Pajero cinza, a Corumbá, aliciar adolescentes, que seriam exploradas em sua boate. Dois brasileiros, identificados como Valtinho e Ronaldinho, ajudariam o boliviano. Eles também aliciariam meninas para trabalhar em casas noturnas, incluindo o bar de um vereador. Apesar das denúncias, nenhum inquérito foi instaurado. Na Serra da Cantareira, Zona Norte de São Paulo, adolescentes eram submetidas à exploração sexual, há oito anos, em orgias realizadas pelo pastor D.M.F. Ele permitia que outros dois integrantes de sua igreja, C.H.R. e E.C.S.V., estuprassem as meninas em sua casa. Durante o inquérito, houve troca de delegados que investigavam o caso porque, supostamente, um deles estava disposto a beneficiar o pastor. O inquérito acabou arquivado.
Fonte: Relatório final da CPMI da Exploração Sexual / Valdo Virgo/Especial para o CB
De Paloma Oliveto do Correio Braziliense de 13/04/2008
Fonte http://noticias.correi...aterias.php?id=2737698
http://www.denunciar.org.br/twiki/bin/view/SaferNet/Noticia20080413004835
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