Constatação do problema partiu das entidades de defesa dos direitos humanos, dos conselhos tutelares e das ONGs
Governo Lula reconhece o problema nos bolsões de miséria onde o PAC está e já promove ações para evitar a exploração sexual infantil
Principal vitrine do governo Lula, o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) deve agravar um problema recorrente de grandes obras de infra-estrutura pelo país: a exploração sexual de crianças e adolescentes. A constatação é feita por especialistas em direitos humanos, conselheiros tutelares e ONGs, como a Andi (Agência de Notícias dos Direitos da Infância).
Em alguns locais, como Salgueiro (PE), por onde passam duas das maiores obras do PAC -a transposição do rio São Francisco e a rodovia Nova Transnordestina-, conselheiros tutelares detectaram agravamento da situação.
O governo admite a preocupação com o aumento de casos nos canteiros das obras do PAC e lançou um plano de prevenção à exploração infantil às margens da megaobra de asfaltamento da BR-163, que liga Santarém (PA) a Cuiabá (MT).
O projeto nas obras dessa BR, coordenado pela Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, foi lançado há um ano, com atividades preventivas: divulgação do número de telefone para denúncias e fortalecimento da rede de atendimento local e das políticas sociais.
Segundo a coordenadora do programa de enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes da secretaria, Leila Paiva, existe uma preocupação do governo com projetos de desenvolvimento econômico, não só obras públicas, pois geralmente causam mais exploração.
Ana Celina Hamoy, do Cedeca (Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente) de Belém, diz que o projeto pode evitar a criação de redes de prostituição de crianças, o que, segundo ela, ocorreu na construção da hidrelétrica de Tucuruí e na instalação dos garimpos no Estado.
Para Carolina Padilha, do Instituto WCF (World Childhood Foundation) Brasil, essas redes são criadas especialmente em obras construídas longe dos grandes centros urbanos, onde há migrantes. "São homens, distantes das suas famílias, com recurso financeiro, em regiões pauperizadas, e sem opções de lazer."
Segundo ela, "a estrutura do Estado não está preparada para dar conta da novas demandas geradas". "Até ela ser organizada, a obra já terminou."
O assistente social Eduardo Chaves, do grupo Violes (Grupo de Pesquisa sobre Violência e Exploração Sexual Comercial de Mulheres, Crianças e Adolescentes) da UnB (Universidade de Brasília), concorda e diz que a exploração é muitas vezes "maquiada, para não denegrir o empreendimento financeiro".
A socióloga Marlene Vaz estuda há quase 35 anos a exploração sexual de crianças e adolescentes. Diz que o problema é histórico e que grandes obras sempre geraram aumento de casos, sobretudo por causa da pobreza. "É uma sociedade de consumo onde o tempo todo se destaca a importância de ter um celular, uma boa roupa, perfumes caros. Não há como essas meninas ignorarem isso."
Casos aumentam às margens do São Francisco
A exploração sexual de crianças e adolescentes em Salgueiro (466 km de Recife) não é novidade. O problema, porém, tem se agravado nos últimos meses, com a construção, nas proximidades, de duas das maiores obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento): a transposição do rio São Francisco e a ferrovia Nova Transnordestina.
A piora no quadro tem sido notada tanto pelo Conselho Tutelar do município como pelo Creas (Centro de Referência Especializado da Assistência Social). O primeiro denuncia e aplica sanções aos exploradores; o segundo, um órgão do governo federal, atende as meninas e os meninos explorados.
O diagnóstico, por enquanto, é visual, já que, na maioria dos casos, não é feita a denúncia. "Parece que a rede de combate ainda é menos organizada que a de exploração", diz Maria do Socorro Gomes de Oliveira, do Creas de Salgueiro.
Ela afirma que, além do trabalho educativo, especialmente nas escolas, é feita uma abordagem direta às meninas nos locais de exploração, para tentar minimizar possíveis danos causados pela exploração.
Segundo o conselheiro tutelar Hugo do Nascimento Santos, não são feitas denúncias porque as famílias dos jovens explorados estão desestruturadas demais para perceber a exploração. "Os pais acabam permitindo que isso aconteça, não percebendo que tudo começa no bar, com o alcoolismo."
Os locais de exploração são bares, postos de gasolina e pousadas onde pernoitam os trabalhadores provenientes de outras cidades brasileiras.
Como o município está situado em um entroncamento de rodovias federais, que dão acesso a mais três Estados (Ceará, Bahia e Piauí), também são registrados casos de tráfico de seres humanos na mesma região.
Para Santos, mesmo indo à rua e presenciando casos de exploração, o Conselho Tutelar tem muita dificuldade de combater o crime pela ausência de uma delegacia especializada na criança e no adolescente e pelas brechas do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente).
"A brecha é que, no caso das meninas de 14, 15 anos, dizem que a sedução é consensual, pois não são mais crianças, e os exploradores acabam soltos, sem nada acontecer." (KF)
Texto de THIAGO REIS e KAMILA FERNANDES
Na Folha de São Paulo de 18/05/2008
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