sábado, 21 de fevereiro de 2009

O nome da crise: desemprego

O nome da crise

É preciso sepultar equivocadas interpretações que ajudam a explicar nossa tolerância ao problema do desemprego

O BRASIL assistiu com leniência a um salto no patamar histórico do desemprego durante a década de 1990. Nos últimos anos, houve uma suave queda nos índices, mas tudo indica que no próximo período o problema se tornará novamente agudo. A recente queda na produção industrial foi de quase 20% em apenas um trimestre, um recorde que sinaliza o início de um ciclo de contração. Os números sobre o desemprego acabam refletindo esse movimento com alguma defasagem no tempo. É o que veremos nos próximos meses. Combater essa tendência será o grande desafio. É preciso sepultar quatro interpretações equivocadas, amplamente difundidas, que ajudam a explicar a nossa tolerância ao problema.
O aumento do desemprego foi apresentado, nos últimos 20 anos, como um subproduto do aumento da produtividade da economia brasileira, o que permitia considerá-lo, implícita ou explicitamente, como um aspecto problemático de um processo essencialmente desejável e virtuoso. Daí a ideia de uma certa inevitabilidade. É falso: modernização técnica e emprego não se excluem. O problema é que, no Brasil, a produtividade aumentou muito mais do que a produção, pois o crescimento econômico foi rastejante.
Quando a produção cresce com a produtividade, o nível de emprego se mantém. Quando cresce mais, ele aumenta.
Uma segunda interpretação tem destacado a baixa qualidade da força de trabalho brasileira. Abandona-se, assim, a questão social (oferta insuficiente de empregos) e se transfere o problema para os indivíduos afetados (sua "baixa empregabilidade").
Porém, excetuando situações específicas, não representativas do conjunto, também é falsa a ideia de que o trabalhador brasileiro não tem a qualificação que a economia demanda. As estatísticas mostram que perdem o emprego, principalmente, pessoas com 35 a 45 anos de idade, chefes de família, com experiência profissional e razoável qualificação.
Na outra ponta, criam-se empregos, principalmente, no setor de serviços sem qualificação: balconistas, vigilantes, motoboys e assim por diante.
Ao contrário do que se pensa, nossa força de trabalho se tornou superqualificada em relação ao tipo de emprego que foi criado nos últimos 20 anos no Brasil, cuja economia perdeu capacidade de agregar valor a cadeias produtivas cada vez mais internacionalizadas.
A terceira interpretação falsa destaca o excesso de encargos sociais. Divulga-se que eles representam 102% dos salários. A base desse cálculo está errada, pois ele considera encargos o descanso semanal, as férias, o décimo terceiro etc. Encargos, em todo o mundo, são apenas as contribuições destinadas a fundos coletivos que financiam políticas gerais.
Tudo o que é apropriado pelo próprio trabalhador é parte do seu salário. Fazendo as contas corretamente, a relação entre encargos e salários, no Brasil, é de apenas 25%. Além disso, o que é relevante para o investimento é o custo total do trabalho, que se mantém idêntico nas duas contas e é notoriamente baixo entre nós. A retirada de direitos trabalhistas não gera nenhum novo posto de trabalho.
Por fim, repete-se que o desemprego é uma situação típica das metrópoles, onde se realizam as pesquisas mensais, e não se repetiria no conjunto do país. Porém o último Censo -a única pesquisa com abrangência nacional- apurou uma taxa média de 15,04% em todo o território, quando o desemprego medido pelo IBGE em regiões metropolitanas estava em torno de 7%.
Combater essas mistificações é o primeiro passo para enfrentarmos o problema com a seriedade que ele merece.

Texto de CESAR BENJAMIN , 53, editor da Editora Contraponto e doutor honoris causa da Universidade Bicentenária de Aragua (Venezuela), é autor de "Bom Combate" (Contraponto, 2006), na Folha de São Paulo de 21/02/2009. 
 

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