Sebastião Soares Vieira foi acusado de matar o ex-cunhado.
Justiça determina que o estado de Goiás o indenize em R$ 1 milhão.
Novembro de 1994: um crime bárbaro na cidadezinha de Luziânia, interior de Goiás, tinha um único suspeito: o vaqueiro Sebastião Soares Vieira. Ele estava com a família quando a polícia o prendeu.
“A polícia chegou, falou que tinha um mandado de prisão e que eu estava preso. Não reagi à prisão, falei: ‘tudo bem, vocês tão fazendo o trabalho da polícia, mas vocês tão prendendo um inocente’”, lembra o vaqueiro.
Sebastião é acusado de assassinar o ex-cunhado para ficar com o dinheiro dele. A prisão preventiva é decretada. O vaqueiro vai para o xadrez.
“Ele foi acusado e denunciado pela prática do crime de latrocínio e ocultação de cadáver”, diz o advogado de defesa Cairo Eurípedes de Resende.
A polícia tenta arrancar uma confissão a todo custo. “Me interrogaram. Tortura de todo tipo. Só a tortura de você ser preso e apanhar toda hora. Choque, afogamento, tapa toda hora”, conta o vaqueiro.
Sustentando inocência, Sebastião vai a julgamento. Treze pessoas foram ouvidas. Nenhuma viu o crime. Mesmo assim, a condenação: 25 anos de prisão em regime fechado.
“Às vezes eu punha a cara na grade e eu via aquele mundo, mas aquilo não era o mundo, realmente, que eu precisava. Eu precisava de mais do que aquilo que eu estava vendo. Eu fui criado solto. Eu fui criado que nem um passarinho”, diz.
O vaqueiro que trabalhou a vida inteira sem nunca se envolver em crime algum não tinha mais como sustentar a família.
“Muitas vezes ela vinha trazer uma maçã para mim, porque não tinha dinheiro para trazer nada. Só com a comida do presídio a gente não dá conta", diz ele.
"Por eu ser mulher dele eu também não arrumava emprego muito fácil. Às vezes arrumava uma faxina, mas quando sabia que ela era mulher de preso, o pessoal dispensava até da faxina”, conta a mulher de Sebastião, Irene Leite.
O filho, Flávio, que hoje tem 19 anos, era um garoto quando ia ver o pai na cadeia. “Quando ele começava a chorar: ‘Vamos embora, pai! Vamos embora, pai!’ Como é que eu ia? Aquilo para mim, a hora que ele saía, eu preferia morrer que eu ver o meu filho virar as costas para mim daquele jeito”, lembra o vaqueiro.
Fuga
Ele chegou a fugir uma vez, mas foi recapturado. Quase oito anos depois, a reviravolta: um pistoleiro preso por outro assassinato assume o crime atribuído a Sebastião.
“O verdadeiro autor deste fato confessou. Não só este fato. Confessou outros”, diz o advogado do vaqueiro. Sebastião recebe a notícia na penitenciária de Luziânia.
De cada dez presos, três não deveriam estar na prisão. Essa é uma estimativa do Conselho Nacional de Justiça, para quem 120 mil pessoas estão presas injustamente no Brasil, ou porque já cumpriram pena, ou porque aguardam julgamento e a prisão temporária já expirou, ou porque a Justiça errou.
Como no caso de Sebastião que, mesmo depois da confissão do verdadeiro assassino, demorou para sair da penitenciária de Luziânia.
Do momento da confissão do verdadeiro assassino até a soltura do Sebastião foram em torno de nove meses. "Demorou tanto porque existe a famosa burocracia processual”, comenta o advogado Cairo de Resende.
Novo inquérito, nova perícia, nova reconstituição. Só depois o estado reviu seu erro, cancelando a condenação de Sebastião.
“Foram oito anos e meio nessa vida. O senhor acha que isso é brinquedo?”, pergunta a mãe de Sebastião, Ana Vieira.
Todos duvidavam. Dona Ana, não. Ela jamais desconfiou do caçula de sete filhos que criou sozinha fazendo roupas no tear que ainda maneja aos 81 anos. Mas como esquecer as visitas na prisão?
“Eu topei chorar demais. Ele veio, me tomou benção chorando, a polícia lá do lado olhando. Aquilo ali, para mim, Ave Maria. Saí e olhei. Deu vontade de entrar junto”, lembra Dona Ana.
Mesmo depois da liberdade, ficaram as sequelas. “Às vezes minha mulher até deixa um trem cair por acidente. Já me dá um nervosismo, parece que eu estou escutando: é o começo de uma rebelião, parece que eu já vejo fogo na minha frente. Se você estiver com uma gravata, eu não consigo falar com você te olhando. Para mim, é aquele promotor que está me acusando de um trem que eu não fiz”, conta Sebastião.
Indenização
A mesma Justiça que o condenou agora determina que o estado de Goiás indenize o vaqueiro em R$ 1 milhão. A sentença, em primeira instância, saiu no mês passado.
“Para impor aquele efeito pedagógico ao estado, para o estado de Goiás, é uma pequena gorjeta que está se requerendo pagar o sofrimento de vidas humanas”, aponta o advogado Cairo de Resende.
Enquanto o julgamento definitivo não sai, Sebastião continua pobre, desempregado, sem dinheiro nem para o ônibus. Mas com a imensa alegria de, mesmo a pé, ir aonde quiser.
“Agora eu estou conhecendo o que é liberdade. Dentro da prisão eu sonhava com ela”.
Do G1, com informações do Fantástico
http://g1.globo.com/Noticias/Brasil/0,,MUL1003274-5598,00.html
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