Assunto encerrado
Esvaem-se os ensaios sobre 3º mandato e, com eles, o risco de dividir o país em aventura danosa para o jogo democrático
REFORÇAM-SE mutuamente os números, publicados nesta edição, da pesquisa Datafolha sobre a sucessão presidencial e sobre a tese de um eventual terceiro mandato para o presidente Lula.
Fruto bizarro, ao que tudo indica, dos interesses bajulatórios e do maquiavelismo rústico do baixo clero governista, a proposta da "re-reeleição" para o presidente petista não alcança, pelos dados da pesquisa, densidade suficiente para se impor.
Ao contrário: com 49% dos entrevistados contra a ideia, e 47% a seu favor, comprova-se acima de tudo o quanto haveria de arriscado na manobra.
A possibilidade de instituir-se uma fratura profunda de opiniões, em assunto diretamente ligado à estabilidade institucional, surge com clareza -e, do frio registro dos números às vicissitudes de um entrechoque real no debate público, certamente esse potencial divisivo tenderia a intensificar-se gravemente.
Note-se, aliás, a circunstância positiva de que os índices de popularidade do presidente Lula não se transferem automaticamente para o apoio a uma nova reeleição. Se 69% dos entrevistados consideram o seu governo ótimo ou bom -taxa que voltou a atingir níveis recordes-, é bem menor a proporção dos adeptos de uma nova candidatura seguida para o presidente.
O assunto, de qualquer modo, vai-se eclipsando no Legislativo. A proposta de emenda constitucional pela reeleição, de autoria do deputado Jackson Barreto (PMDB-SE), foi condenada pelas principais lideranças petistas. Inviabilizou-se, finalmente, depois de alguns parlamentares retirarem seu apoio ao projeto, que terminou sem o mínimo de assinaturas exigido para tramitar.
Enquanto isso, a pesquisa Datafolha assinala crescimento do nome de Dilma Rousseff, pré-candidata oficial do governo Lula à sucessão. Com 16% da preferência dos entrevistados -em contraste com os 3% obtidos em março do ano passado-, a ministra da Casa Civil se vê beneficiada pelos intensos esforços do presidente, que literalmente inventou a sua candidatura.
Não há sinal de que as notícias em torno do estado de saúde da ministra tenham pesado nos números. Pelos resultados do Datafolha, Dilma Rousseff se apresenta como candidata viável para as eleições de 2010, disputando com Ciro Gomes (PSB) e Heloisa Helena (PSOL) o posto de principal alternativa ao nome do tucano José Serra, primeiro colocado na pesquisa.
Num continente em que as instituições democráticas parecem cada vez mais ameaçadas pelo caudilhismo e pela tentação continuísta dos governantes, o Brasil tem-se mostrado capaz de manter as regras básicas do jogo político. Este não depende, para funcionar de forma livre, dos caprichos deste ou daquele líder, das chances deste ou daquele candidato, nem de circunstâncias acidentais que se interponham em trajetórias pessoais.
Dissipa-se o perigoso delírio do terceiro mandato; postulantes da situação e da oposição se preparam para a corrida sucessória; sem aventuras nem traumas, a democracia brasileira segue o seu curso.
Editorial da Folha de São Paulo de 31/05/09
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