Os números confirmam o que a sociedade já sabe há muito tempo sobre a violência doméstica: a cada 15 segundos uma mulher brasileira é espancada pelo parceiro, segundo levantamento da Fundação Perseu Abramo. E esta dolorosa estatística se reflete de novo nos números computados no 1º Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Bahia, inaugurado em novembro de 2008, e que já recebeu 1.630 ações penais (516 delas ainda não cadastradas). “Cerca de 40% destas ações são novas e o restante migrou das varas criminais da Bahia”, explica a promotora Márcia Teixeira, coordenadora do Grupo de Apoio e Defesa da Mulher do Ministério Público (MP) baiano.
A promotora lembra, ainda, que o volume aumenta mensalmente, com os cerca de 100 inquéritos criminais enviados pelas delegacias da Polícia Civil. Encarregada de avaliar, analisar e decidir, a titular do juizado, Márcia Nunes Lisboa, estima que, das ações que tratam da violência doméstica em tramitação na Justiça comum, apenas um terço migrou para a unidade especializada. Neste tempo, a juíza proferiu sete sentenças condenatórias (0,4% das 1.630 ações recebidas) e decretou 180 medidas protetivas (11%).
A promotora Márcia Teixeira explica, entretanto, que o maior impedimento para que a lei seja plenamente aplicada é a falta de estrutura do juizado especializado, que conta com um número insuficiente de oficiais de Justiça e necessita da constante presença de apoio da Polícia Militar para aplicação das medidas protetivas, principalmente nos casos em que é determinado o afastamento do agressor do lar. O MP enviou comunicação das deficiências à juíza, que acredita numa solução breve para o problema por parte do Tribunal da Justiça da Bahia.
Novas demandas – O problema se agrava com a constatação de que muitos dos inquéritos que começaram em delegacias especiais para criança, adolescente e idoso também são contemplados por artigos da Lei Maria da Penha. “A idosa vítima da violência doméstica e os filhos do casal que presenciaram cenas de agressão precisam da proteção especial prevista pela lei”, diz a promotora Márcia Teixeira.
Ela lembra do caso em que decretou a prisão preventiva de um homem viciado em crack, que ameaçava a mulher e os filhos. “Quando a criança e o adolescente chegam à delegacia para narrar agressões, é preciso que o policial esteja preparado para fazer a triagem que o caso exige”, acrescenta a magistrada.
A juíza Márcia Nunes disse que é preciso lembrar que a Lei Maria da Penha revogou os dispositivos da Lei 9.099/95, que previa o pagamento de cestas básicas em caso de agressão à mulher: “É preciso mudar toda a mentalidade patriarcal que permitia ao homem lidar com a mulher e com os filhos como se fossem suas propriedades”.
A magistrada determinou quatro prisões preventivas na semana passada, “sendo que dois destes homens eram policiais militares. Um deles praticava agressão psicológica, ameaçando a vítima por telefone, outro foi preso depois de, no período de duração da medida protetiva, ter agredido fisicamente a ex-mulher”, salienta a juíza que, ao longo do último mês de fevereiro, recebeu das delegacias da Mulher (Engenho Velho de Brotas e Periperi) inquéritos de 28 prisões em flagrante – uma por dia.
Clichês – O perfil dos homens agressores não é apenas composto por desempregados, alcoólatras, drogados e pobres. “Nós recebemos processos que têm como réus juízes, advogados, delegados, médicos, engenheiros, além de outros profissionais de escolaridade superior. São homens que, ao serem punidos com a privação da liberdade, vão verificar que a realidade mudou”, alerta a juíza Márcia Nunes Lisboa. Ela frisa que álcool e drogas só potencializam a violência de gênero gerada no dia-a-dia pela predominância da crença numa sociedade patriarcal.
A juíza também desfaz o mito de que as mulheres desistem de prosseguir as ações, explicando que a Lei Maria da Penha acabou com a possibilidade de a vítima retirar a queixa na delegacia. Ela explica que existe a possibilidade da chamada “retratação” na audiência judicial, mas que apenas 2% das vítimas utilizam este recurso. “Apesar de elas virem de um ciclo de violência que, às vezes, dura muitos anos, é difícil dissociar que ela manteve uma relação de afeto com o agressor”, argumenta a magistrada.
Assistentes sociais – O apoio emocional fornecido pelas assistentes sociais da equipe do juizado é essencial. “Abaladas e atemorizadas, essas mulheres chegam até aqui cheias de vergonha, muitas vezes sem apoio da família. Nosso trabalho e das psicólogas é mostrar que elas não merecem passar por esta situação”, frisa a assistente social Lídia Lasserre. A equipe faz a triagem, acolhimento e esclarecimento. “É comum que, na segunda visita, elas voltem arrumadas e confiantes”, diz a profissional.
As mulheres também são encaminhadas para organizações da rede de mulheres, como o Centro Loreta Valadares, para atendimento pessoal. “Estabelecemos um vínculo de confiança e fazemos acompanhamento por telefone da aplicação das medidas protetivas”, acrescenta a assistente social Jaqueline Soares.
Boa Tarde,
ResponderExcluirEu sei que já há um certo tempo que vocês postaram esta reportagem, eu somente conheci este blog hoje, através de uma comunidade no orkut, vi um profile e nele estava o endereço. Dando uma lida, observei esta reportágem, que foi uma falha da nossa imprensa baiana.
Primeiramente, vou me apresentar, meu nome é Flávia, sou estagiária de direito da 1ª Vara de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher-Salvador/BA.
Bem, na ocasião da publicação desta reportagem, fora observados alguns equívocos causados pela repórter do Jornal.
Um dos erros crassos cometidos foi “Nós recebemos processos que têm como réus juízes, advogados, delegados, médicos, engenheiros, além de outros profissionais de escolaridade superior. São homens que, ao serem punidos com a privação da liberdade, vão verificar que a realidade mudou”, como sendo dito pela Dra. Juiza Márcia Nunes Lisboa, o que não é verdade.
A dra. não disse que a Vara recebe processo que tem como réu juizes, afinal não é da competência de uma Vara de primeiro grau julgar magistrados.
Bem, esse é um dos diversos equívocos publicados nesta matéria.
É bom estarmos alertas ao que nos é dito, e não somente absorvermos, sem nenhum senso crítico consciente, pois são estes equívocos que dificultam a conscientização plena e eficácia tão almejada da nossa Lei Maria da Penha.
Obrigada por ceder este espaço ao público.
Um grande abraço.
Flávia
Tudo bem que a uma juiza não possa julgar um juiz, afinal de contas eles estão acima da lei e da ordem, mas não desmente a realidade que juizes também espancam suas esposas.
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