Saiba quem são os predadores on-line e confira dicas para tentar aumentar a segurança na navegação de crianças e adolescentes
Texto de DANIELA ARRAIS e GUSTAVO VILLAS BOAS
Mais da metade (59%) dos brasileiros de 10 a 15 anos já entraram na internet, segundo dados do Comitê Gestor da Internet. Eles estão entre os alvos de crimes que crescem no Brasil e no mundo: pedofilia e pornografia infantil on-line.
Há duas semanas, a Internet Watch Fundation, fundação do Reino Unido que recebe denúncias de crimes on-line, divulgou um relatório que mostra que existem cerca de 3.000 sites de divulgação pornográfica envolvendo crianças no mundo. E que 80% deles operam de forma comercial, em um mercado criminoso multimilionário -ou bilionário, de acordo com parte das estatísticas, bastante discrepantes.
Um deputado norte-americano chegou a falar, em 2006, em um mercado que movimenta US$ 20 bilhões ao ano; a organização CCRC, que pesquisa crimes por computador, fez uma estimativa de cerca de US$ 3 bilhões, em 2005.
No Brasil, o foco desse crime está sobre o Orkut -na semana passada, a CPI da Pedofilia recebeu informações contidas em 3.261 álbuns de fotos privados do site mantido pelo Google; eles são alvos de investigação pelo Ministério Público e pela Polícia Federal.
De acordo com Thiago Tavares, presidente da ONG SaferNet Brasil, os pedófilos exploram a internet produzindo e difundindo imagens pornográficas de menores de idade, promovendo o turismo sexual para relacionamentos pedófilos, aliciando vítimas e fazendo apologia e incitação ao abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes.
Outra forma de exploração sexual da infância na internet é a extorsão. Criminosos usam câmeras para conseguir imagens de menores e chantagear suas famílias, afirma Ubiracyr Pires da Silva, delegado titular da 4ª Delegacia de Delitos por Meios Eletrônicos de SP.
Nesta edição, saiba como funciona a rede criminosa e conheça dicas que ajudam a proteger a navegação da família.
Prevenir é o melhor, dizem especialistas
EM PÚBLICO -> Diálogo com filhos é a principal forma de defesa; manter o computador em uma área comum da casa ajuda
O velho conselho de não falar com estranhos, passado de geração para geração, também vale para a internet, principalmente se o usuário é menor de idade e ainda está dando os primeiros passos na navegação.
Especialistas também recomendam deixar o computador em uma área comum da casa. "Um lugar de livre circulação, como uma biblioteca, é o ideal para os pais acompanharem o que os filhos fazem na internet", diz Marcel Leonardi, advogado e professor de direito e internet da FGV (Fundação Getúlio Vargas).
O diálogo aberto também é citado como uma das principais formas de prevenir os abusos. "O diálogo e a educação são indicados para minimizar os riscos na navegação na rede", diz o diretor de TI e conselheiro da SaferNet Brasil, Tiago Bortoletto Vaz.
Além disso, "recomendamos que os pais estejam presentes sempre que possível, evitando ao máximo que seus filhos acessem por tempo prolongando qualquer serviço na internet em locais isolados", diz Vaz.
Assim, é possível conversar sobre o que a criança ou o adolescente está vendo na internet, e, também, olhar mais de perto uma reação inusitada, como desligar o monitor de forma abrupta.
"Se a criança ou o adolescente está conectado e procura fechar rapidamente a tela, esconder o que está vendo, ou não quer contar sobre as novas descobertas, é preciso estabelecer uma conversa. São sinais de alerta que podem indicar que está ocorrendo abuso on-line", afirma Ana Maria Drummond, diretora-executiva do Instituto Childhood Brasil.
Quando os pais se mostram receptivos aos ensinamentos que os filhos dão sobre a internet -meio com o qual a maioria já nasceu familiarizada- a relação flui melhor, dizem os consultados. "Proibir e controlar é muito complicado. Até porque, em se tratando de adolescentes, quanto mais proibido, mais atraente fica. Então, os pais devem usar a internet como ferramenta de diálogo, de informação", afirma Beth Saad, professora da Escola de Comunicação e Artes da USP (Universidade de São Paulo) que faz pesquisas sobre internet.
Ela recomenda que os pais pesquisem os programas e as redes que os filhos usam -vale até criar um perfil no Orkut "para reduzir o déficit geracional". "Não dá para ficar só no papel de vigilante."
O delegado titular da 4ª Delegacia de Delitos por Meios Eletrônicos de São Paulo, Ubiracyr Pires da Silva, ressalta ainda o risco das webcams. "Os problemas aumentaram muito depois dessas câmeras." A recomendação é que tais aparelhos nunca devem ser ligados para desconhecidos.
Deixar de tratar o sexo como tabu também é uma forma ficar próximo de quem o está descobrindo. "É preciso olhar a sexualidade não com moralismo, mas como o desenvolvimento normal do ser humano, de acordo com a idade", diz Vicente Faleiros, assistente social, professor da UCB (Universidade Católica de Brasília) e pesquisador da UnB (Universidade de Brasília). (DANIELA ARRAIS e GUSTAVO VILLAS-BOAS)
QUANTOS SÃO
30% dos 22,8 milhões de internautas residenciais no Brasil têm entre 2 e 17 anos, segundo pesquisa do Ibope/Netratings para o mês de março deste ano
MUITO TEMPO
Nessa faixa etária, eles ficam 33 horas e 4 minutos por mês na internet
TEMPO DA ADOLESCÊNCIA
Os jovens com idade entre 12 e 17 anos ficam, em média, 42 horas conectados por mês
DIAS ADOLESCENTES
Esse grupo totaliza 4,4 milhões de pessoas que ficam quase o equivalente a dois dias inteiros na internet por mês
PEQUENOS NUMEROSOS
As crianças com até 11 anos que entram na internet de suas casas totalizam 2,4 milhões
PEQUENOS ATIVOS
Nessa faixa etária, as crianças permanecem 17 horas e 26 minutos na internet por mês
ATIVIDADES
Os meninos pequenos buscam jogos de aventuras, e as meninas, jogos que simulam atividades cotidianas dos adultos. Os adolescentes usam ainda mais os games, além de Wikipédia, sites de música, compartilhamento de downloads, fotologs, busca de imagens, Orkut, YouTube, mensagens instantâneas e blogs.
Saiba como preservar provas do ataque de predadores
Caso desconfie que seu filho é alvo de um pedófilo, procure reunir o maior número possível de informações para fazer uma denúncia formal.
O advogado Marcelo Duchovni aconselha que os pais guardem e imprimam o material suspeito.
"Esses documentos podem servir como provas. O pai deve denunciar ao Ministério Público e a uma delegacia."
Para Renato Opice Blum, advogado especialista em direito eletrônico, a preservação de provas é primordial, pois, sem uma pista para identificação do autor, não dá para fazer nada. "Se seu filho está em um bate-papo, dê um print screen na tela para preservar a imagem com horário e indicações, como apelidos usados pelo suspeito. Se a conversa for em MSN, é importante deixar habilitada a função de gravar conversas."
O delegado titular da 4ª Delegacia de Delitos por Meios Eletrônicos de São Paulo, Ubiracyr Pires da Silva, ressalta, ainda, que preservar um e-mail em sua integridade é importante. "É por meio do cabeçalho que podemos identificar quem enviou a mensagem."
Ele adverte que muitos pedófilos se aproximam das vítimas se passando por crianças e demonstrando interesses parecidos. "Ele quer entrar na intimidade da criança como um amigo. Se descobre que ela gosta de futebol, vai gostar de futebol também", exemplifica.
Marcel Leonardi, professor de direito e internet da FGV (Fundação Getúlio Vargas), diz que "o ponto principal para se prevenir é a cautela, o diálogo. Aquela recomendação de não aceitar balas de estranhos que nós ouvíamos deve servir para internet. Os criminosos aproveitam o pseudo-anonimato da rede."
Ele adverte que os pais não devem se precipitar ao julgar as conversas, mas devem agir rápido quando têm suspeitas. "Se os pais demoram a agir, os provedores, por exemplo, podem não ter mais os dados de identificação de quem usou aquele apelido naquele horário", diz ele. (DA e GVB)
O nascimento do bebê está lá. O primeiro aniversário, também. Aquelas fotos do churrasco em família ocupam um álbum inteiro. E a viagem para o litoral é exibida em detalhes na rede social Orkut.
O que muitas famílias não sabem é que, ao colocar registros da vida privada em um ambiente público, correm o risco de parar nas mãos de criminosos. Quem já passou por isso, como a pesquisadora Marília (nome fictício), guarda lembranças dolorosas.
"Pegaram fotos do meu filho, quando ele tinha um ano, e colocaram em um site de pedofilia. Depois me mandaram o link para que eu visse e, também, para todos os meus contatos no Orkut. Chorei muito, fiquei sem dormir. Acho até que fiquei um pouco paranóica", lembra.
A pesquisadora não teve como denunciar o criminoso, pois quando foi tentar acessar novamente, a página estava fora do ar.
Depois do episódio, Marília deletou as fotos e vários contatos que ela não conhecia. "Depois de um tempo, até voltei a colocar fotos, mas só para os amigos verem. Aprendi a não me expor."
Apoio
O Instituto Sedes Sapientiae (www.sedes.org.br) oferece suporte psicológico a vítimas de abuso. "Há casos de mulheres que procuram ajuda para os maridos, religiosos envolvidos com suspeitas e até adolescentes que começaram a ter uma atitude compulsiva em relação a crianças menores", afirma a psicóloga Dalka Ferrari. (DA)
Redes sociais utilizam tecnologia para tentar combater criminosos
Antes da quebra de sigilo de mais de 3.000 álbuns do Orkut pela CPI da Pedofilia, criminosos se reuniam em comunidades para exaltar a prática. Algumas eram explícitas, como a "Sou pedófilo". Em outras, por trás de um título aparentemente corriqueiro ("A polícia federal tá no orkut"), usuários anônimos trocavam mensagens dignas de revirar o estômago.
Para combater esse tipo de prática, o Google assumiu o compromisso de manter os logs (registros dos computadores) por 180 dias para facilitar as investigações; desenvolver novos filtros para impedir a publicação de material ilícito; colaborar com acordos de cooperação internacional; e implementar uma ferramenta que tem elementos de software, hardware e recursos humanos e que permitirá o fornecimento de imagens e dados que atendam em definitivo as demandas da Justiça no Brasil -as informações são da assessoria de imprensa do Google Brasil.
Para tentar evitar problemas do tipo, o MySpace investe em tecnologia. "Combinamos diversas formas de identificação e rastreamento, que, conjugadas a uma base de dados mantida pelas autoridades norte-americanas, permite a rápida identificação desses criminosos. Também permite o bloqueio e a eliminação de perfis posteriores que essa pessoa venha a criar", afirma Emerson Calegaretti, presidente do MySpace no Brasil.
Apesar da tentativa de proteção, o MySpace norte-americano já esteve envolvido em escândalos sobre pedofilia. Em dezembro, o engenheiro civil Ivory Dickerson foi condenado a 110 anos de prisão por assediar menores de idade na rede, segundo investigações do FBI.
Questionado pelo Folha sobre o assunto, o Facebook não deu resposta até o fechamento desta edição. (DA)
Softwares ajudam a controlar tempo da navegação e do MSN das crianças
Existem softwares que podem ajudar os pais a monitorar a navegação dos filhos. Todos os especialistas consultados pela Folha consideram que eles não podem substituir a instrução pelo diálogo, já que é fácil acessar a internet de outros lugares.
De qualquer forma, programas como o Crawler Parental ajudam os pais a controlar o tempo on-line dos filhos, por exemplo.
Gratuito (www.crawlerparental.com), o software tem filtro de conteúdo -é possível determinar o tempo de uso do computador e da rede por usuário.
Já o Chat Controller (www.zemericks.com/ products/chatcontroller/index.asp) possui ferramentas para limitar o uso de mensageiros instântaneos populares, como o MSN e o GTalk.
Grandes produtoras de antivírus, como McAfee, Kaspersky e Symantec, também possuem recursos de ajuda aos pais. Normalmente, esse tipo de aplicação é identificado como "Parental Control".
Tais controles, como filtro de conteúdo e de websites, podem ser úteis se configurados adequadamente -eventualmente, porém, sites criminosos poderão ser acessados ou páginas legítimas, bloqueadas.
Orientação
No site www.wcf.org.br, do Instituto Childhood Brasil, existe material de apoio às famílias em português.
Em inglês, o www.whattheyplay.com discute questões relacionadas a videogames -normalmente, de domínio só das crianças-, como violência e nudez, e dá dicas para os pais conversarem com os filhos sobre o tema. (GVB)
Criminosos possuem códigos próprios
PERFIL -> Maioria de casos apurados pela Polícia Federal indica que pedófilos são homens com idade entre 30 e 45 anos
JOHANNA NUBLAT e SIMONE IGLESIAS
A Polícia Federal possui um perfil do pedófilo que age na internet, apesar de reiterar que, em casos de pedofilia, nem sempre há regra ou padrão bem definido. Na maioria dos casos apurados pela polícia, o perfil é de um homem entre 30 e 45 anos, solteiro, que mora sozinho, é reservado, inseguro, tem dificuldade de manter relações afetivas por muito tempo e, em alguns casos, cansou de consumir pornografia adulta, migrando para a pedofilia.
O perfil das crianças que aparecem nas fotos e nos vídeos utilizados por pedófilos no país também sofreu alteração, segundo o delegado Felipe Seixas, da divisão de direitos humanos da Polícia Federal.
"A maioria das imagens difundidas no Brasil ainda é de crianças estrangeiras, o que a gente sabe pelo cenário e pelas características físicas das crianças. Mas acreditamos que o número de crianças brasileiras expostas aumentou, por causa da popularização de câmeras e da internet", disse.
Código próprio
"Boylovers" e "7yo" são exemplos de códigos pouco conhecidos pela população em geral, mas que foram desenvolvidos para possibilitar que pedófilos se conheçam na internet e troquem material de pornografia infantil. Os códigos também dificultam que eles deixem rastros visíveis.
Essas identificações se disseminaram no Brasil pelo Orkut -serviço de relacionamentos mantido pela Google-, por chats e por alguns sites de pornografia adulta, que mantêm imagens pedófilas camufladas em seus arquivos.
Uma das siglas usadas pelos criminosos identifica, por exemplo, fotos e vídeos com cenas fortes de crianças ou adolescentes mantendo relações sexuais com adultos.
Há siglas com explicação ainda mais exata do material disponível: "7yo", "8yo" e assim por diante, que identificam sexo, nome e idade da criança- 7yo significa, por exemplo, "7 years old" (sete anos).
Outras palavras servem de referência para preferências nas trocas de material e do conteúdo que têm armazenado em redes sociais. "Boylovers" significa que o pedófilo prefere meninos; "girlovers", só meninas. Quando há referência a "childlovers" o gosto é por ambos e, no caso de "babyshowers", por recém-nascidos.
Há ainda mais detalhamento nos sites ou arquivos com pornografia infantil, em que os usuários se deparam com subcategorias. Elas são praticamente as mesmas encontradas em páginas com pornografia adulta. Arquivos de uma determinada categoria são consideradas relíquias: fotos de crianças tiradas na década de 60.
Investigação
Além da verificação de denúncias recebidas da sociedade e da Interpol, a PF faz investigação espontânea de sites na internet. Um contato possível da polícia com suspeitos da prática de pedofilia é a troca de mensagens com o objetivo de entender o funcionamento dos esquemas de envio de imagens.
A PF não pode, porém, utilizar as mensagens ou a troca de imagens entre um agente e o suspeito como prova contra o segundo, diz o delegado Felipe Seixas, da divisão de direitos humanos. O delegado diz que a PF está investigando uma quadrilha suspeita de vender, via e-mail, imagens de pedofilia. Fotos e vídeos novos, de acordo com ele, são valiosos. Na Europa, chegam a custar 3.000.
Crianças são abordadas em bate-papos
Apesar de as redes sociais, principalmente o Orkut, aparecerem com destaque nas investigações acerca de pornografia infantil e pedofilia na internet, os serviços de bate-papo também possuem ameaças a crianças, como a Folha constatou.
Entrando com um apelido feminino e com o número 13 ao lado -da mesma forma como algumas pessoas identificam a idade nesses chats-, a reportagem foi abordada com mensagens de caráter ostensivamente sexual.
Em nenhum momento houve qualquer manifestação de interesse em continuar a conversa por parte da reportagem.
Na última sexta-feira, por exemplo, em menos de dez minutos, três homens, identificando-se como maiores de idade, pediram celular, quiseram marcar encontros ou se ofereceram para continuar a conversa via webcam. Durante toda a conversa, os homens (um deles casado) deixavam claro o interesse sexual na suposta menina de 13 anos. (GVB e DA)
Da Folha de São Paulo de 30/04/2008 no Caderno Informática
Reportagem sobre crime de pedofilia on-line é premiada
Dois jornalistas da Folha venceram ontem, em São Paulo, uma das categorias da 2ª edição do Prêmio Internet Segura de Jornalismo.
Pela reportagem "Proteja seu filho", publicada em 30 de abril de 2008 no caderno Informática, os repórteres Daniela Arrais e Gustavo Villas Boas conquistaram a categoria especial proteção da infância e adolescência.
Sobre crimes de pedofilia e pornografia infantil on-line, a reportagem da Folha trazia dicas para aumentar a segurança na navegação de crianças e adolescentes.
Os outros dois trabalhos premiados foram de Walace Lara, do "Bom Dia Brasil" (TV Globo), na categoria veículos de cobertura generalizada, e de Sandra Cunha, da revista "Security Brasil", em veículos especializados em tecnologia.
Ao todo, concorreram 57 autores de 74 trabalhos produzidos entre janeiro de 2008 e março de 2009.
A entrega do prêmio, uma iniciativa do MIS (Movimento Internet Segura) e da Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico, foi na sede da Microsoft. O objetivo do concurso é estimular imprensa e estudantes de jornalismo a divulgar informações de segurança na rede.
Este texto está na Folha de São Paulo de 14/05/09
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